*** UMA PRÉVIA DO MEU PRIMEIRO CONTO QUE ESCREVENDO: ***
Nove anos depois
O sol estava nascendo, surgindo com um brilho laranja no horizonte. Sua luz ia parcialmente rasgando o véu da noite e dando boas vindas ao dia. O céu negro ainda pigmentado com estrelas tornara-se pouco a pouco azul e os raios de sol iam clareando as negras rochas da montanha.
Ainda estava fazendo muito frio, principalmente por estar à beira do mar tão cedo. O penhasco que dava de cara com a imensidão índigo do mar, como de costume, estava bem calmo. Os ventos da manhã sopravam os cabelos negros do garoto, sussurrando segredos em seus ouvidos.
O penhasco era alto, muito alto, tão alto que um passo descuidado poderia ser fatal. Mas isso nunca foi o suficiente para fazê-lo sentir medo. Aquela montanha era o seu paraíso particular. A única coisa que ele sentia era o conforto de estar nela, como se fosse conectado com a montanha, como se sua alma estivesse enraizada nela.
Os olhos azuis que herdou da mãe estavam fixos no brilho da aurora, vazios. Levantou-se e foi para sua casa, que ficava logo ali atrás.
Seu nome era Alfie Mitcher, um jovem de 14 anos que atualmente morava com o pai, Phillip Mitcher. Já era segunda-feira – como o fim de semana passou rápido – ele refletia. Estava na hora de crescer de novo. Enfrentar o primeiro dia de aula em um colégio interno.
Não seria tão difícil assim, como é pra maioria dos jovens. Alfie passava a maior parte do seu tempo sozinho. Ele nunca mais se apegou muito as coisas após o acidente, em 17 de Abril de 2006. Deixar seu pai seria fácil, deixar o penhasco que era difícil. O penhasco lhe representava paz e refúgio, era o seu verdadeiro quarto, sobre as ondas do mar e abaixo do brilho das estrelas.
Algo nunca foi tão perfeito.
Já era agora pouco mais que 06h22min da manhã e a aula iria começar só às 07h, então ele ainda tinha mais algum tempo. Estava se preparando de forma mais lenta, parecia cansado, e isso raramente acontecia.
– Bom dia Alfie – Disse o seu pai, descendo as escadas que davam na cozinha, onde o garoto estava tomando o café da manhã.
– Bom dia – Respondeu Alfie.
– Ansioso pelo primeiro dia de aula? – Perguntou o pai, tentando conversar com o garoto que se mostrava enfadado. A relação entre Alfie e Phillip mudou muito após a morte da mãe. Depois de se recuperar da crise alcóolatra, Phil tentou reatar a amizade de pai e filho que ambos deveriam ter. Mas era tarde. Alfie estava machucado demais.
– Um pouco – Respondeu logo – É uma mais nova experiência a se viver. Espero que eu consiga me adaptar lá. O colégio para ser muito bom. – Alfie tentou ser modesto para não deixar transparecer o nervosismo que estava sentindo naquele momento.
– Nossa filho, ainda nem acredito que você vai pro Empire. É o melhor colégio da região, sabia? Sabe quantas pessoas tentam entrar lá? Muitas. Sério mesmo, muitas. Você com certeza me deixou orgulhoso.
– Obrigado pai.
– Se sua mãe estivesse aqui pra ver... – Uma péssima escolha de palavras. Alfie não tocava nesse assunto desde o ocorrido. – Bom... – Phillip suavizou a voz – Se sua mãe estivesse aqui, ela com certeza estaria muito orgulhosa. Ela sempre me falava que você teria um grande futuro pela frente. Ela me dizia que amava o modo como você olhava para as coisas, com aqueles enormes olhinhos azuis. Os mesmos que você tem hoje.
– Pai, isso acontece porque os olhos são umas das únicas regiões do corpo que não crescem. Isso que dizer que do momento em que eu nasci, até a hora da minha morte, meus olhos vão permanecer do mesmo tamanho.
– Não é disso que eu estou falando – Phillip riu. – Mas do brilho dos seus olhos. Você puxou mais a sua mãe do que a mim. Tanto a beleza, quanto a inteligência. Você se parece muito com ela.
– Sério? – A voz de Alfie ganhou um tom de felicidade e curiosidade, mas logo ele voltou para a sua seriedade. – É que eu não me lembro do rosto dela. Você ainda tem alguma foto dela, pai?
– Não... Eu acho que não... – Phillip resolveu mudar de assunto. – E quando virá aqui pra cá mesmo? Como funciona lá? Você pode vir me visitar?
– Sim, mas só no final de semana – Pensou. Alfie só voltaria para casa pela montanha, mas não seria certo dizer isso a ele, afinal, ele ainda era seu pai. – Mas não é de toda certeza. Talvez eu não consiga vir devido à adaptação ou organização no quarto, mas eu vou tentar.
– Se estiver disposto é só me ligar – Disse o pai, tomando uma xícara de café – Sabe o meu número, não é?
– Sei.
– Eu vou te buscar a qualquer hora. É só ligar.
– Certo – Alfie levantou-se para sair da mesa. Falar da sua mãe o deixou sem mais apetite – Vou buscar minha bolsa.
– Claro... – A voz de Phillip desanimou – Te espero aqui embaixo...
Alfie subiu as escadas com olhar baixo. Conversar com seu pai às vezes era muito incomodante. Não sabia o porquê exato, mas era assim que era. Talvez fosse por que após o acidente ele não se lembrasse de mais nada. Alfie sentia que a melhor parte da sua vida foi o tempo que passou com o pai e a mãe, há nove anos. Mas o acidente de carro apagou boa parte de suas lembranças, inclusive, a sua mãe.
Ele abriu a porta do quarto, dando uma boa olhada em volta, como se fosse a última vez que o veria de novo. Chegou à cama e olhou o penhasco através da janela. Lá, Alfie não precisava esconder suas emoções e assim deixou uma pesada lágrima cair.
– Vamos Alfie, se não vai se atrasar – Disse o pai, lá de baixo.
– Já vou – Respondeu Alfie, limpando o rosto com braço.
A bolsa estava em cima da cama, ali ao seu lado. Alfie a fechou, puxando o zíper e a pôs nas costas. Estava com um peso razoável, tinha coisas o bastante para fazê-lo se sentir em casa, lá na escola. Ou não. Só saberia quando lá chegasse. Deu mais uma olhada em volta e acariciou o edredom da cama.
– Até mais quarto – Sussurrou. Então fechou a porta e a trancou com sua chave.
Quando desceu as escadas e foi até a porta, seu pai já estava no carro e sua mala também estava lá. Phillip já estava ligando o carro para ir deixá-lo. A caminhada até a porta do veículo foi difícil. Ele nunca teve que fazer isso antes, sair de casa definitivamente. Era como ir dormir na casa de um amigo, tirando a parte do amigo. Só que Alfie também nunca fez isso. Nunca dormiu na casa de um amigo. Nem nunca mais teve um amigo.
Alfie entrou e fechou a porta do carro.
– Tchau montanha – Então sussurrou, com o rosto encostado no vidro da janela.
*** Espero que tenham gostado. Não se esqueçam: é só uma prévia. ***