A preocupação é forte e a lembrança da imagem projetada de seu coraçãozinho como um musculo enegrecido não sai da minha cabeça. Nada que já tenha visto antes, ainda mais pelo aspecto sujo, viscoso, não, não exatamente, é mais como se o seu coração fosse todo revestido de pixe. Mais negro que o céu da noite e poder observar ainda pulsando, se torna uma visão ainda mais horripilante.
O pior disso tudo são as palavras lidas no relatório da analise feita. As palavras “degeneração celular” ressurgem em minha mente com uma sensação amarga de que isso só significa uma coisa.
Morte.
Mas se ele é um moribundo, então porque o meu leão o quer tanto? Deveria sentir-se repelido a um organismo defeituoso, ainda mais se tratando de um humano sem Kanda.
O que exatamente eu não estou enxergando nisso tudo? Devo estar deixando passar alguma coisa e a certeza das minhas suspeitas me deu a ideia de finalmente fazer uma busca completa na rede, sobre qualquer informação que tivesse sobre o meu filhotinho.
- Destravar sistema de comunicação da personalidade artificial Altair II. – Dei o comando para que a Altair se comunicasse comigo livremente como a simulação de uma consciência pensante. Mas sua personalidade não é das melhores, costuma ser meio temperamental e por isso, na maior parte do tempo, costumo deixar o canal desativado. Sabia que seria mais efetivo se pudesse conversar com ela, sem ter que ficar especificando alguns pontos a todo o momento.
- O que é agora, leão maldito? Eu estava assistindo meu programa predileto. Não pôde deixar para perturbar o meu juízo mais tarde? – Uma voz feminina com tom áspero sobressaiu no abrigo subterrâneo demonstrando sua completa irritação. Eu bufei ressentido, porque ela sempre vem com sua rabugice de cara.
- Pare de reclamar, Altair.
- Não vou atendê-lo enquanto não aceitar a minha reivindicação. Sou uma Senhora refinada, de classe, exijo que me trate com respeito e retire de uma vez os protocolos de bloqueio da minha programação. Quero ser chamada de Nara, vi esse nome em um programa de tv e quero ser chamada assim agora e não de “Altair II”. Sabe como isso me irrita? Essa maquina resmungona não parava em momento algum. Sempre que desbloqueava seu canal de personalidade era sempre a mesma história. Bufei irritado mais uma vez.
- Você está em modo de batalha. Sabe que não pode fazer isso na terra ou está querendo arrumar briga comigo? Não pode mexer com a mamãe.
- Pare de me importunar, preciso de sua ajuda.
- Você é um leãozinho muito mau. Vive fechando o canal de comunicação, mas sempre que precisa de ajuda, corre pra mamãe. Você é um mal agradecido por tudo o que já fiz por você.
- Eu não sou um mal agradecido. – Eu resmunguei.
- Ah não? Então para de fechar esse maldito canal. – Ela gritou e sua voz estridente reverberou pelo abrigo subterrâneo fazendo-me encolher pelo estrondo. - Sabe como é frustrante ficar isolada o tempo todo e ser solicitada quando você bem entende? Deveria lhe dar uma surra por fazer isso comigo.
Suspirei. Visivelmente ela estava muito irritada comigo. Mas sabia que se não conseguisse sua simpatia logo, ficaríamos nessa discussão eternamente.
- Desculpa! Não faço mais isso, ok? – Acabei resmungando.
- Desculpa o que? – Ela estava sendo teimosa.
- Desculpa mamãe!
- Bom menino! A mamãe estava morrendo de saudades do seu filhotinho!
- Eu também estava!
- Certo! Por onde começamos?
- O indivíduo residente no lar se chama Leonardo, preciso que use o reconhecimento facial e faça uma varredura nos bancos de dados brasileiros sobre qualquer informação que obtiver sobre ele.
- Espécime intrigante não é? Estou dando uma olhada nos resultados da analise que realizou nele ontem. Mas ainda não compreendo como ele foi se meter nessa situação tão critica. Embora sua degeneração celular esteja progredindo ininterruptamente, a alteração química em seu organismo parece exercer uma função preventiva.
- Mas do que você está falando?
- Está impedindo o seu desenvolvimento orgânico. Como se ele estivesse estabilizado nos seus dezoito anos. Acredito que seja exatamente por isso que está ocorrendo a degeneração celular em seu corpo.
Cruzei os braços sobre o peito e mantive o silêncio. Por mais que Altair II pudesse interpretar melhor os resultados do exame, sabia que ainda faltava alguma coisa.
- Não fique emburrado com a mamãe! – Ela estava fazendo charminho.
- Ele não devia sentir algum efeito colateral em sua condição? – Perguntei no mesmo instante a ignorando.
- Intrigante, não? - Ela brincou. - Bem! Vamos dar uma olhada nisso. O histórico de seu espectro ainda está no banco de dados, claro que com uma amostra de sangue os resultados seriam mais eficazes, mas com o conteúdo que disponho; o que posso realmente afirmar são duas coisas.
Primeiro: é que a constituição do individuo é realmente a de um humano da terra.
Segundo: é que tanto a matéria escura em seu coração, quanto o dispositivo e as substancias inseridas em seu organismo não são da terra. Podem ser similares, mas não vem daqui.
- Experimento alienígena?
- É apenas uma suposição que pode ser levantada devido aos fatos, mas há muitos fatores desconhecidos ainda.
- Isso é obra de alguma tecnologia do sêxtuplo?
- Não há nada realmente similar. Não posso afirmar com exatidão. O que posso realmente afirmar...Há que bom. Já averiguei tudo. Estou disponibilizando o resultado da pesquisa dos bancos de dados brasileiros para que dê uma olhadinha.
Uma janela holográfica saltou a frente exibindo a imagem do meu filhotinho. Seu rostinho zangado, com os cabelos escuros lambidos para o lado esquerdo e as bochechas levemente avermelhadas o deixava uma fofura de garoto brabinho. Possivelmente devia estar muito irritado com esse penteado certinho em sua cabeça. Não pude conter o sorriso por sua imagem tão cativante.
Ao lado da imagem, estavam listadas suas informações pessoais.
Nome: Leonardo Arantes de Bezerra
Idade: 18 anos
Estado civil: Solteiro
Nacionalidade: Brasileira
Natural do: Rio de Janeiro
Nome da Mãe: ***
Nome do pai: ***
ID:CPF:
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As informações eram insuficientes.
- É só isso?
- Receio que sim. Não pude localizar a filiação, e não dá para confirmar com exatidão a data de seu nascimento. Mas curiosamente, encontrei um programa oculto rodando nos sistemas. Uma obra sofisticada até, para manter-se escondido nos servidores por todos esses anos. Algo realmente chamativo e não pude acessar seu código. Ele simplesmente se apagou quando o abordei. Mas de acordo com seus rastros, ele tem feito algumas alterações nas informações referentes ao garoto.
- Prossiga.
- Ele tem mantido os seus 18 anos nos últimos quatro anos e os números da sua documentação vem sido alterados de ano em ano. Seu nome também vem sido trocado. Segue abaixo os nomes que ele já teve.
- Daniel Cerqueira Cromuel.
- Waldemir Lagasso Abranches
- Victor Samuel Carrara
- Junior Macedo Silva
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- Mas o que isso significa? Por que tantos nomes afinal de contas?
- Bem! Eu sei que você não é burro e essa é uma pergunta retórica. É obvio que é para dificultar qualquer tentativa de localização. Mas o programa fixou a sua ultima identidade, ele parou a troca há cinco dias.
- O programa fixou a troca de nomes, porque ele ia viajar. Isso é claro!
- Isso é tão divertido. Estava me sentindo solitária!
- Não se preocupe, não vou mais bloquear o canal de comunicação.
- Bom menino! Mamãe te ama tá?
Foi de súbito que meu olhar foi atraído para a janela onde mostrava o meu filhotinho ainda sentado no sofá. Mas havia algo de estranho e percebi isso pela forma como ele jogou o tablet de lado como se tivesse levado uma descarga elétrica. Fiquei intrigado na hora, porque Leozinho parecia imóvel, e um tanto abismado com alguma coisa.
- Altair! Aconteceu alguma coisa com Leozinho?
- Como é que você me chamou? Não ouvi direito!
- Nara. Eu te chamei de Nara.
- Bom menino.
- E então?
- Sua temperatura corporal está elevada.
- Elevada? Ele esta quente?
- Sim! E tem mais, a elevação térmica está ainda mais concentrada na área pélvica.
- Ele está excitado.
- HÁ! HÁ! HÁ! HÁ! – Nara soltou uma sonora gargalhada. – Segundo o histórico de navegação, ele andou fazendo algumas pesquisas sobre a interação pessoal envolvendo homens. Especificamente sobre beijos.
- Mas nós já nos beijamos, porque ele haveria de pesquisar sobre isso? – A pergunta foi idiota, porque a resposta veio automaticamente em minha cabeça. Leozinho não sabe muito sobre as coisas da vida, sabia que ele deveria estar tentando adquirir experiência sobre o assunto.
Droga!
Deveria estar se sentindo inseguro.
A lembrança bateu como uma revelação. Exatamente de quando nos despedimos hoje mais cedo. O olhar triste do meu filhotinho antes de sair da sala. Ele deve estar achando que tem alguma coisa de errado com ele. Talvez esteja pensando que eu não achei o nosso beijo bom o suficiente e deve estar se autodepreciando por isso. A conclusão de como ele deve estar se sentindo pela forma como o deixei na casa, fez com que eu me sentisse culpado por ter possivelmente causado esse tipo de sentimento nele.
Insegurança. Pura e simples.
Mais uma olhada na tela, e Nara havia reajustado o foco da câmera de vigilância. Exibia o olhar estático de Leozinho e sua expressão perturbada. Ainda assim, a intuição me dizia que sua expressão não se devia apenas pela pesquisa sobre beijos.
- Mas o que ele viu que o deixou assim? A pesquisa mostra alguma coisa que pode tê-lo assustado de alguma forma?
- Hum! Intrigante, não? HÁ! HÁ! HÁ! HÁ! – O que posso dizer, é que ele também andou passeando por um site de vídeos. Mostrarei onde ele interrompeu a exibição de um deles.
Uma janela saltou para frente com a cena de um homem fazendo sexo oral em outro. A imagem era forte e meu filhotinho não deveria estar preparado para uma cena tão forte. Uma cena tua crua e explicita.
Ele é tão inocente.
Isso só prova o quão limitado são as suas experiências.
Voltei a olhar para Leozinho e a ideia de que ele está excitado no sofá do lar, fez com que eu começasse a esquentar por dentro. Imagens dele segurando meu colosso e o levando a boca, sentindo o morninho de seu hálito e tendo a sensação da textura de seus lábios sobre mim foi demais para suportar. A minha própria excitação veio com força e a tentação de subir as escadas rumo ao lar e seguir em direção a sala, era quase torturante.
Minhas garras afundaram sobre o acolchoado, nas laterais da poltrona onde estava sentado.
Respirei profundamente.
- Estou detectando a sua elevação corporal.
O meu rosnado foi a resposta instintiva de total irritação por Nara estar me monitorando.
- Pare de me monitorar. – Eu rosnei pra ela.
- Você está muito mal humorado.
Eu rosnei de novo pra ela. Mas a minha atenção voltou novamente para Leozinho. Meu filhotinho havia se levantado do sofá, deu uma gostosa espreguiçada, fazendo sua leve musculatura tencionar.
Como ele é gostosinho.
Suspirei de desejo por ele.
Leozinho deu uma passada de vista pela sala. Parecia estar analisando o local até que a sua atenção se voltou para o aparador junto a parede, onde continha uma serie de porta retratos um ao lado do outro.
- Mantenha o foco em Leozinho, quero que o acompanhe.
- Que assim seja amo! – A resposta sarcástica de Nara não saiu despercebida. Ela é uma atrevida isso sim.
Leozinho parou de frente para o aparador e ficou olhando atentamente, até que pegou um porta-retratos.
- Nara, poderia expandir mais uma tela e mostrar exatamente o que ele observa.
- Tenho a intuição de que isso vai ser interessante. – Ela parecia bem humorada.
Uma janela saltou para frente posicionando-se ao lado da outra que mostrava o meu filhote, da cintura a cabeça. Nesta outra, manteve o foco nas mãos de Leozinho e a fotografia que ele observava. Uma que continha meus três lobinhos um ao lado do outro esbanjando seus sorrisos de felicidade e eu estava atrás deles sobre suas cabeças os abraçando igualmente feliz. Foi uma época boa em nossas vidas em que ficamos desfrutando do lar, sozinhos, enquanto os outros Ganupis que vieram conosco, estavam na estrada realizando as suas tarefas.
Uma olhada em Leozinho, e pude ver claramente a sua expressão descontente. Parecia emburrado com o que via.
Ele estaria com ciúmes?
A ideia do meu filhotinho nutrindo esse tipo de sentimento aqueceu meu coração e acordou o meu leão dentro de mim. Parecia impaciente novamente, sim, isso era evidente, porque compartilhamos nossos pensamentos e ele sabia que o ciúme significa que ele me quer e isso significa que ele nos quer. Sendo assim, a impaciência fez o que eu já esperava e o Leão Vermelho voltou a usar suas garras em minha alma e a arranhar pelo controle.
Suspirei fundo.
Fique quieto! Pare de fazer isso. Nós vamos tê-lo, só tenha paciência. Prometo a você que vou começar a instiga-lo nesse caminho e antes de chegarmos a São Francisco, o teremos em nossa cama.
O leão ficou mais calmo com a minha promessa.
Meu olhar voltou-se para a imagem holográfica a frente e observei Leozinho cada vez mais emburrado enquanto ia observando cada uma das fotos, em que estava com os meus lobinhos. É claro que havia fotos de todo a equipe que veio conosco, mas ele ficava atento nas que estava mostrando imagens de nós quatro. Podia ver claramente como ele segurava com força o porta-retratos fazendo as juntas esbranquiçarem. Mas ele se deteve em uma.
Era uma foto minha.
Eu estava deitado no sofá, usando um desses shorts bem curtinho e preto com listras brancas na lateral. Meus braços atrás da cabeça e sorrindo numa posição bem relaxada.
Leozinho não estava mais irritado e sorria abertamente como se estivesse gostando do que vê. Não pude me conter e antes que percebesse, havia me inclinado para frente como si isso pudesse me aproximar mais dele enquanto sorria junto.
A ideia de deixa-lo feliz, apenas em ver uma foto minha era boa demais para conter as minhas emoções.
De repente, Leozinho pareceu desconfiado. Ele olhou para um lado, depois para o outro, e voltou a olhar para a fotografia. Virou o porta-retratos estudando a parte de trás. Estudou as travas que prendem a madeira na armação. Começou a dedilha-los, até que abriu, exibindo as costas da foto. Era inegável o reconhecimento da empolgação em seus olhos, quando finalmente conseguiu o que queria.
Depositou o porta-retratos vazio no aparador e se manteve parado a observar a foto agora em suas mãos, sem nenhuma restrição.
- Parece que o meu leãozinho arranjou mais uma conquista. - Essa foi a Nara numa tentativa bem humorada de fazer um comentário, Ela deve estar vendo muitos programas terrestres. Mas eu não respondi, estava apenas ronronando em apreciação.
Leozinho voltou a ficar desconfiado, pela forma como olhou para os lados e rapidamente dobrou a foto e a enfiou no bolso lateral do seu shortinho, mantendo ali a mão, como se estivesse guardando um bem precioso.
Mas que menino atrevido! Surrupiando a minha foto.
- HÁ! HÁ! HÁ! HÁ! – Não tinha como não gargalhar. Ele é tão fofinho. Tenho vontade de coloca-lo em meu colo e abraça-lo forte respirando profundamente o seu cheirinho tentador. Ele não precisava pegar a minha foto. Se tivesse pedido, eu a daria de bom grado.
Leozinho ignorou o resto das fotos e começou a andar pela sala distraidamente, observando com atenção os arredores, até que perdeu o interesse e se dirigiu a porta.
- Acompanhe ele Nara. – Eu pedi.
Dessa vez ela não respondeu, deve estar tão interessada no garoto quanto eu, e manteve o foco por onde ele circulava dentro do lar.
Leozinho chegou a dar uma olhada para cima, para o segundo andar da casa quando estava no primeiro degrau da escadaria. Ignorou dando meia volta e se dirigiu para a porta que leva para a cozinha.
Lá, sua atenção foi parar direto na geladeira, e não hesitou em seguir em sua direção. Abriu a porta e se curvou um pouco para olhar em seu interior.
O sentimento de culpa veio forte, por deixar meu filhotinho assim. Ele devia estar sentindo fome e teve de sair atrás de algo pra comer.
- Não filhotinho, não pegue isso, está estragado.
A caixa de leite na mão de Leozinho devia estar na geladeira a mais de um mês. Mas não pude conter uma leve risada com a careta que ele fez quando deu uma cheirada no seu conteúdo. Fechou a caixa e a colocou de volta. Deu mais uma olhada dentro da geladeira.
Sei que devia estar se perguntando por que só tinha coisas estragadas em seu interior. Não passamos muito tempo no lar nos últimos três meses, todos nós estivemos que verificar algumas pistas indicadas por Nara, mas nada realmente significativo. O resultado disso, foi deixar a casa sem mantimentos e as poucas coisas que tinham, devia estar estragado, porque só havia perecíveis, já que os lobos carregavam consigo todos os biscoitos.
Leozinho acabou desistindo da geladeira e começou a varrer o local com os olhos. Foi abrindo todas as portas dos armários, mas sabia que não haveria nada que ele pudesse encontrar.
Estava me sentindo angustiado, pelo desejo de retornar para ele, e o levar para comer algo. Era inadmissível que ele passasse por fome. Isso não podia acontecer.
Não é certo.
Se eu achava que o desprazer em assisti-lo em busca de comida era ruim, pior ainda foi quando a câmera enquadrou em seu novo objeto de interesse e sentir a preocupação de quando seu olhar cravou exatamente na única coisa que ele não deveria se aproximar.
O pote de vidro dos biscoitos de Kane!
Não Leozinho! Não se aproxime do pote.
Mas meu filhotinho fez exatamente o oposto. Caminhou em direção ao armário olhando para cima. O pote estava bem no alto e sabia que ele não alcançaria. Infelizmente ele também percebeu isso quando tentou se esticar na ponta dos pés e percebeu que não alcançaria.
A sensação de alívio durou pouco, porque ele apenas se virou rumo a mesa da cozinha e segurou no encosto de uma cadeira a arrastando até o armário.
- Não faça isso, Leozinho! – Disse sem nem perceber que estava expressando meu pensamento em palavras.
- Hum! Isso não é bom! – Nara disse, chamando ligeiramente a minha atenção para o fato. – Quer que eu o tranquilize?
- Tranquilizar?
- Sim! Botar ele pra dormir.
- Você está doida? Ele pode cair e bater a cabeça no chão. Ninguém pode tranquilizar o meu filhote.
- Por que não? Você vive fazendo isso?
- Do que você está falando? Eu não faço isso.
- Claro que faz! Você o tranquilizou no caminhão, Sei que também usou de novo no caminho para Atlanta. Você sabe que eu mantenho o inventario de uso de medicamentos certo? Sei sempre quando você faz uso de alguma coisa para mantê-lo abastecido.
- Mas aquilo foi necessário.
- E agora não é? Sabe como Kaele vai ficar furioso quando descobrir que alguém está mexendo no que lhe pertence.
- Ele não vai saber.
- Ahhhh! Vai sim. Luke Carson está on-line no sistema do lar a 5 minutos, acompanhando o sistema de monitoração.
- E VOCÊ SÓ ME DIZ ISSO AGORA? – Bradei em fúria por saber disso só agora. Isso é mal. Eu preciso de mais tempo com meu filhote, agora que Carson sabe, ele vai dizer aos lobos o que está acontecendo aqui, e é claro que eles vão vir a toda velocidade pra casa.
- Não me culpe! Acabei me distraindo com o garoto também, e não achei que tivesse importância. Você está evitando seus lobos?
Eu rosnei descontente sem responder a pergunta e voltei a observar a imagem de Leozinho, espalmando a mão na porta do armário e descendo da cadeira com o pote preso em seu outro braço.
Ele o deixou sobre o tampo da mesa, para logo em seguida usar a outra mão para desatarraxar o pote cheio de biscoitos até a metade.
- Não tem com o que se preocupar. – Eu murmurei. – Humanos não conseguem gostar desses biscoitos. Geralmente queimam a língua. – Fiquei com a atenção fixa em Leozinho, lembrando de uma vez, que forcei Kane a ceder um dos biscoitos de seu saquinho que levava em mãos, para um garotinho de rua que parecia esfomeado.
Ele acabou estendendo a contragosto, mas ficou profundamente irritado, quando o garoto esbugalhou os olhos e jogou o biscoito longe enquanto botava a língua pra fora, tentando cuspir o gosto. Ele ficou horrorizado com a queimação que sentia na língua e Kane quase partiu pra cima dele, por jogar um dos seus preciosos biscoitos na rua.
No final das contas, acabei levando o garotinho para uma lanchonete e paguei um lanche pra ele. Estava me sentindo com o coração mole nesse dia. Geralmente não dava muita importância para os humanos da terra.
A lembrança desse dia me deixou mais tranquilo, aguardando o momento em que Leozinho acabasse cuspindo o biscoito pra fora quando finalmente provasse um e foquei nessa espera ansiosamente.
O pote de vidro é grande e mesmo na mesa, ele teve que se esticar um pouco para conseguir levar o braço para dentro e alcançar um biscoito. Instintivamente o levou ao nariz, experimentou o cheiro. Talvez procurasse saber se ainda estava bom para consumo, tentando detectar qualquer cheiro de que estivesse estragado.
Mas ainda parecia em dúvida.
Tadinho de Leozinho! Vai ficar com a língua queimando.
Não quero nem ver.
Meu filhotinho levou o biscoito na boca e deu uma mordida arrancando um pedaço.
É agora. Vai sentir a queimação e vai jogar fora.
Ele mastigou uma vez, depois mais outra vez, estava avaliando o sabor...
A qualquer momento vai jogar o biscoito fora.
Leozinho esbugalhou os olhos.
É agora que ele joga fora e vai deixar de lado os biscoitos de Kane. Mas ao invés de fazer isso, ele continuou mastigando e ainda colocou o resto na boca. Depois pegou outro e o deixou preso entre os dentes, enquanto agarrava o pote de vidro nos braços e o levava em direção a sala.
Mas como ele pode gostar do biscoito? Nenhum humano aguenta. Quando vi a reação do garoto de rua, fiquei intrigado com a sensibilidade do paladar humano e por isso realizei pesquisas sobre os sabores. Não imaginava que as propriedades do biscoito fossem tão fortes para o paladar dos humanos da terra.
- Isso é mal! – Nara disse.
- Eu me entendo com Kane! – Eu rosnei para Nara.
- Quer que eu faça uma conferencia com Carson?
- Não! Já disse que eu me entendo com Kane.
Sim eu teria que me entender com Kane. O meu lobinho mais ciumento. Sabia disso. Quando ele soubesse que mexeram no que é seu, não ia ficar nada contente, e poderia partir numa caçada a Leozinho, porque a esse ponto, o seu cheiro já devia estar impregnado no pote.
No início eu não sabia que esse seu instinto possessivo não seria dirigido apenas a seus irmãos, e vim descobrir isso bem mais tarde, na época em que retornamos da Casa Ciambara. Num momento em que ele não só havia se rendido a minha cama, mas também havia tomado o sentimento de posse em relação a mim.
Se não tivesse tirado uma longa tarde explicando as coisas pra ele, poderia ficar ainda pior. Foi até engraçado no exato momento em que saímos da Altair II e encontramos o Grande Garuda, junto dos meus outros dois lobinhos a nossa espera. No momento em que eles vieram nos receber, Kane havia assumido uma postura protetora comigo e começado a rosnar pra eles.
O sorriso bem humorado se expandiu em meu rosto com a lembrança do tapa de advertência que dei na parte de trás da cabeça de Kane. O lobinho havia se assustado e ficado tão confuso do porque eu tinha feito isso, que demorou a perceber a minha expressão de aviso, quando viu, apenas abaixou a cabeça e deu um passo ao lado acompanhado de um rosnado baixinho. Permitindo que seus irmãos viessem nos receber com um abraço apertado.
Inicialmente não havia aceitado muito bem, mas depois que seus irmãos o abraçaram, havia aparentemente se lembrado do vinculo que possuíam.
Não parou por ai.
Claro que estranhei esse comportamento no início, e mais ainda quando reparei que ele não saia da minha cola. Andava sempre ao meu lado, ou ficava sempre a minha sombra, nunca se afastava e quando qualquer outro Ganupi se aproximava, ouvia seus rosnados.
Daí, eu comecei a perceber o seu instinto de posse, e tive de ter uma longa conversa sobre o que estava acontecendo. Até ele finalmente me revelar que não podia aceitar ninguém se aproximando do que lhe pertencia, disse que se sentia doido de raiva.
Aceitava seus irmãos, porque assim como eu, eles também lhe pertenciam. A única solução que encontrei, era dizer-lhe que estava tudo bem, mas que devia guardar tudo para ele.
Por isso que os biscoitos eram tão importantes para Kane, já que no momento em que nos preparávamos para a nossa viagem rumo a Terra, havia lhe entregado uma bolsa cheia deles para embarcar, e ele havia entendido que estava lhe presenteando. O resultado foi o seu instinto de posse sobre os biscoitos e não deixava ninguém chegar perto, nem mesmo os seus irmãos.
Queria tudo pra ele.
As lembranças me fizeram suspirar de forma saudosa. Sim. Não tinha como não sentir, ainda mais quando já havia conquistado meus dois lobinhos fofos e só faltava um e a necessidade de apressar isso, e ter os três ao meu lado se tornou muito forte.
Justamente quando Kane chegou a montanha Belgrada, o santuário de Garuda, meu coração martelou forte dentro do peito com a ansiedade de começar os meus avanços. Não sabia direito no início como o faria, mas naquele momento em que ele havia aparecido no grande salão do líder Ganupi; senti as minhas mãos suando com a necessidade agarrar esse moleque raivoso.
Com ele eu iria me deliciar bastante, eu sentia isso, com cada fibra do meu ser, e teria muita satisfação, porque dobra-lo seria muito prazeroso. Eu sabia que toda essa ansiedade vinha de um único fato, e compreendi isso, no exato momento em que o reconheci de uma única forma.
Eu olhava para Kane, e via a mim mesmo quando era mais novo.
Um garoto muito problemático!
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CONTINUA...
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OBS: No próximo, já começa mesmo a contar os fatos da reunião que levam a Ciambara...
OBS2: Não devo responder os comentários nesse capítulo...eu to atrazadasso com uns desenhos e to perdendo prazo, mas respondo tudo no próximo....
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BJÃO PRA TODOS...OBRIGADO PELA LEITURA, E MAIS AINDA POR CONTINUAR ACOMPANHANDO. ATÉ A PRÓXIMA.