AMOR DE PESO - 01X10 - A FESTA DE URSOS

Da série AMOR DE PESO
Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 5128 palavras
Data: 30/08/2016 21:48:21
Última revisão: 04/03/2025 04:52:50

Pai e Mãe,

Meu nariz quase quebrou na sexta-feira. O Zedu ainda não falou comigo. Foi o Diogo quem ficou ao meu lado durante todo o processo. Além dele, a Letícia, a Ramona e o Brutus também estiveram comigo. Fui a um pronto-socorro que fica na mesma rua da escola, mas estou bem. Apenas meu nariz está roxo.

***

Gelo e analgésico. Essas foram as únicas recomendações da médica que me atendeu no hospital. Eu queria melhorar logo, afinal, tinha uma festa no final de semana e não queria perder a oportunidade de me divertir. Mas, naquele momento, a dor latejante no meu nariz inchado e roxo me lembrava de que a recuperação não seria tão rápida quanto eu esperava.

O Diogo, sempre um fofo, ficou ao meu lado naquela tarde. Ele ajudou a esquentar o almoço dos meus irmãos e organizou os pratos na mesa, garantindo que tudo estivesse pronto quando eles chegassem da escola. Eu, por outro lado, continuava jogado no sofá, sentindo-me um verdadeiro inválido.

Duas horas haviam se passado desde o acidente, e minha aparência era digna de um espetáculo cômico. Assim que meus irmãos entraram em casa, percebi que havia me tornado a atração principal do dia. Giovanna, claro, não perdeu tempo e começou a gravar vídeos para publicar nas redes sociais, enquanto Richard se aproximava com um sorriso travesso.

— Lembra qual foi a velocidade que a bola te acertou? — perguntou ele, subindo em cima de mim sem a menor cerimônia.

Revirei os olhos e, com a voz anasalada devido ao inchaço, respondi:

— Claro, foi a primeira coisa que pensei enquanto estava caído no chão, ensanguentado. "Gente, qual foi a velocidade que a bola me atingiu?" — falei, imitando minha própria voz de maneira exagerada.

A gargalhada foi geral. Até o Diogo, aquele traidor, entrou na brincadeira dos meus irmãos. Irritado, mandei os dois subirem para o banho e chamei o Diogo de Judas por não ter ficado do meu lado.

— Credo, não fica assim. Ei, Yuri, será que o Zedu me dá um autógrafo? Ele fez uma obra-prima no teu rosto! — Richard zombou, rindo ainda mais.

— Vão tomar banho agora! — ordenei, cruzando os braços e fingindo ser mais bravo do que realmente estava.

Giovanna, sempre dramática, gravou mais um vídeo, fingindo estar em um reality show:

— Vocês viram? E esse é só mais um dia comum no circo que eu chamo carinhosamente de casa.

Antes que eu pudesse responder, a campainha tocou. Tentei levantar, mas o efeito do analgésico me deixou tonto. Diogo foi atender, e para a surpresa dele — e minha — a visita inesperada era ninguém menos que Zedu. Ele segurava um ursinho vestido de jogador de futebol e uma caixa de chocolates.

A expressão de Diogo mudou imediatamente. Ele fechou a cara e aproveitou o momento para desestabilizar o Zedu. Afinal, era óbvio que ele não queria um concorrente disputando meu coração.

— O Yuri tá aí? — perguntou Zedu, visivelmente encabulado.

— José, o Yuri está descansando. Acho melhor você voltar outra hora. Ele ficou muito chateado. Tinha em você a figura de um amigo — soltou Diogo, com um tom ácido.

— Mano, olha só, eu não quero encrenca. Diogo, eu não te devo satisfação nenhuma. Larga de ser um babaca. O Yuri é quase um irmão para mim e...

— E você trata seus irmãos assim? Humilha eles na frente da turma? Escuta só, cara. O Yuri é um garoto sensível e você sabe disso. Acho que o melhor que você faz agora é se afastar dele e evitar mais sofrimento.

Houve um breve silêncio. A tensão era palpável. Zedu suspirou, desistindo de discutir.

— Enfim — disse ele, entregando os presentes. — Diz pra ele que eu passei aqui.

Diogo entrou com a caixa de chocolates e o urso de pelúcia. Estranhei a situação, mas ele apenas disse que Zedu deixou os presentes e foi embora. Confesso que fiquei chateado. Depois de tudo, eu merecia, pelo menos, um pedido de desculpas decente.

Apesar de tudo, agradeci a ajuda do Diogo. Sem ele, aquele dia teria sido muito pior. Ainda assim, a confusão com Zedu ficaria martelando na minha cabeça por um bom tempo.

***

Deve ser ruim ficar dividido entre dois amores, né? O que não era meu caso, pois o Zedu sempre foi meu grande amor, mesmo sendo hétero e tendo tentado me acabar com aquela bola de futsal. Já tia Olívia não conseguia decidir entre o estagiário e o juiz.

Naquela tarde, Orlando fez uma visita surpresa e a convidou para um jantar romântico. Para tentar esclarecer seus sentimentos, ela aceitou.

Entre um café e outro, Orlando e tia Olívia relembravam casos curiosos do direito brasileiro e riam juntos. Quem não gostou nada da situação foi Carlos, que chegou para coletar a assinatura de sua chefe.

— Dona Olívia, com licença. Estão aqui os documentos da venda das ações. — Disse ele, colocando os papéis sobre a mesa.

— Obrigada, Carlos.

— Não derrube nada em mim. — brincou Orlando ao ver Carlos. — Não se fazem mais estagiários como antigamente.

— Pois é. — respondeu tia Olívia, dando uma risada forçada.

— Não se preocupe, senhor. — Carlos se conteve para não reagir e saiu da sala.

— Então, onde paramos? Ah, o jantar.

— Isso. Você vai me buscar às 20h. — lembrou tia Olívia.

***

A comida é minha válvula de escape para os problemas que a vida me impõe. Já o Zedu extravasava nos esportes, como o slackline. Ele e Brutus começaram a montar a corda na quadra de areia do CSU, um espaço destinado às atividades físicas. Algumas crianças se aproximaram e os dois ensinaram os pequenos.

Depois de algumas horas, Zedu decidiu aliviar o estresse na corda. Ele deu vários pulos consecutivos, surpreendentemente altos para o padrão.

Brutus percebeu sua chateação e tentou conversar com ele, mas, no meio da conversa, Zedu perdeu o equilíbrio e caiu no chão.

— Ei, maninho, tá no mundo da lua? — perguntou Brutus.

— O que eu fiz com o Yuri hoje não foi legal. Tentei me desculpar, mas o Diogo estava lá e...

— Realmente, não foi legal, mas também não foi totalmente sua culpa. — disse Brutus, ajudando Zedu a se levantar. — O Diogo? O Yuri vai realmente ficar amigo dele?

— Brutus, nós não somos exemplos de amigos. Como o Yuri me disse, cada um tem sua tribo, e ele precisa encontrar a dele. — falou Zedu, tirando a areia do corpo e subindo novamente na corda.

— Verdade. O grandão não pode depender apenas da gente.

Você acha a Giovanna dramática? É porque ainda não viu a tia Olívia ao nos ver machucados. Ela quis me levar ao hospital, mas expliquei que já havia passado pelo médico e não era nada grave.

Não demorou para a titia iniciar o discurso sobre ser a pior mãe do mundo. Mas percebi que meu acidente não era a única coisa que a preocupava. Descobri que Orlando a havia convidado para jantar.

Ela quase desistiu, mas a impedi e expliquei que estava bem, ou seja, cuidaria dos pestinhas, digo, dos meus irmãos. Afinal, duas coisas que não se recusam na vida são dinheiro e comida de graça.

No Rio de Janeiro, tínhamos um costume, algo que fazíamos com nossos pais e continuamos com tia Olívia: dançar. Eu sou um péssimo dançarino, mas a dança tem um jeito especial de tirar tudo de ruim de dentro da nossa alma.

Reuni meus irmãos e expliquei a situação da tia Olívia. Giovanna correu para fazer uma maquiagem inspirada nos anos 80. Procurei a música perfeita e conectei o celular às caixas de som da sala. O único que foi forçado a participar foi Richard. Ele ficou lindo com uma peruca colorida e óculos dourados que compramos no Ano Novo.

Tia Olívia estava na cozinha esquentando a janta — ou melhor, aquecendo, já que havia comprado no restaurante italiano. Ainda faltavam alguns minutos para seu encontro com Orlando, tempo suficiente para levantar seu astral.

Dei play na música. Giovanna entrou na cozinha ao som de "Girls Just Want To Have Fun", da Cyndi Lauper. Minha irmã colocou uma boa de plumas rosa no pescoço da titia. Ela olhou, incrédula, para seus três sobrinhos dançando na cozinha.

— Crianças? — perguntou rindo.

— A senhora conhece as regras. — Giovanna falou, pegando na mão da titia e a fazendo dançar.

— A mãe de vocês... Vou te contar. Que tradição mais besta.

— Menos papo e mais dança. — pedi, ofegante, tentando fazer passos dos anos 80, sem sucesso, é claro.

— Estou sendo obrigado! — gritou Richard, dançando e rindo.

Sim, mesmo com toda a bagunça da nossa vida, conseguimos agir como uma verdadeira família. Naquele momento, não havia dúvidas, nem constrangimento ou medo. Éramos apenas três filhos e uma mãe dançando na cozinha. Peguei Richard no colo e o girei. Ver a alegria no rosto dos meus irmãos era impagável.

***

Não muito longe dali, Diogo ajudava Hélder nos preparativos para seu aniversário. Eles foram buscar bebidas na distribuidora junto com George. Além da festa de Hélder, George planejava uma surpresa para o namorado: um pedido de casamento. Nada podia sair errado.

— E se ele disser não? — perguntou George, apreensivo.

— O Jonas? Desesperado do jeito que é? O "sim" é garantido. — Hélder pousou a mão no ombro de George para encorajá-lo.

— O Jonas te ama. Ele jamais recusaria um pedido desses.

Para animar George, Hélder começou a fazer perguntas sobre Yuri, deixando Diogo visivelmente sem graça. Afinal, eles se conheciam havia poucos dias, e namoro estava fora de cogitação.

— Ele é só um amigo. Além disso, estou planejando morar em Portugal. Esqueceram?

— Nem me lembre que vou te perder. — Hélder dramatizou, arrancando risos dos amigos.

— É sério. O Yuri é lindo, mas, agora, não quero um relacionamento.

— Mas quem falou em namoro? Uns beijinhos já estão ótimos. Fora que Manaus é um ovo, mano. Do jeito que as coisas são, já já alguém pega o Yuri. — brincou George.

— Dá pra parar? O foco aqui é o seu relacionamento com o Jonas. — Diogo ficou vermelho e repreendeu os amigos.

Já a missão com tia Olívia deu certo. Ela encontrou Orlando, e o encontro foi um sucesso. Depois do jantar, resolvi lavar a louça e despachei meus irmãos para seus quartos. De repente, uma chuva forte desabou sobre a cidade.

Sério. Algumas tempestades são tão intensas que parecem furacões.

Recebi uma mensagem do Zedu. Ele estava do lado de fora, debaixo do temporal. Corri para abrir a porta e deixá-lo entrar.

Ele tremia de frio, então o levei para o quarto e entreguei uma toalha limpa. A chuva continuava caindo, os trovões se intensificaram e, por um instante, a energia ameaçou acabar, mas foi só um susto.

— Acho melhor eu ir. — disse Zedu, me devolvendo a toalha.

— Cê tá louco? Pode pegar um resfriado. Tira essa roupa. — pedi, passando a toalha nos cabelos dele.

Meu rosto ficou próximo ao dele, e pude sentir o perfume suave que ele usava. Seus olhos castanhos claros refletiam minha imagem. Continuei secando seus cabelos sem hesitar. De alguma forma, Zedu despertava um lado meu que eu temia: o Yuri corajoso.

— Não quero te atrapalhar, mano. — ele disse, segurando minhas mãos. Percebi que ainda tremia.

— José. — falei com firmeza. — Você não vai sair no meio dessa tempestade. Tira essa roupa que eu coloco na secadora.

O maior problema de ser gordo é que nossas roupas não servem nos amigos. Então, a única solução era secar todas as peças dele. Só não reclamei mais porque Zedu estava ali, diante de mim, usando apenas uma toalha branca. Coloquei suas roupas na secadora e respirei fundo para não fazer nenhuma loucura.

***

A tempestade atingiu toda a cidade de Manaus, e o trânsito, como sempre, virou um caos. Sério. Nunca vi nada igual. Nestes poucos meses em solo manauara, percebi que os motoristas simplesmente esquecem como dirigir quando começa a chover.

Minha tia e Orlando ficaram presos no congestionamento enquanto o mundo desabava em água.

— Acho melhor a gente parar. — sugeriu tia Olívia, forçando a visão para enxergar o caminho.

— Vamos estacionar em uma área mais alta. Essa rua costuma alagar, ainda mais aqui no Centro. — alertou Orlando, ligando o ar quente para desembaçar o vidro.

— Nossa... — Tia Olívia mal teve tempo de terminar a frase antes de um trovão estrondar, fazendo-a gritar. — Espero que os meninos estejam bem.

— Você é uma tia muito zelosa. Eles têm sorte de ter você.

— A sortuda sou eu, Orlando. Aprendo muito com eles. Acho que me tornei uma pessoa melhor por causa deles. Não é uma tarefa fácil, ainda mais com a Giovanna, que é tão geniosa.

Em casa, Zedu e eu ficamos assistindo a um programa de televisão — na verdade, uma competição de doces. Sempre gostei desse tipo de programa, mas meus favoritos nunca chegam à final. Nesse tipo de reality, o "vilão" sempre se destaca, mas acaba perdendo para a pessoa boazinha que, geralmente, é péssima.

Zedu continuava apenas de toalha. Eu percebia que ele queria dizer algo, mas nada saía de sua boca. A secadora apitou, e fui até a área de serviço pegar suas roupas. Quando me virei, ele estava parado atrás de mim.

Ao encostar no ombro dele, senti a vibração acelerada de seu coração. Do nada, Zedu me abraçou e, pela primeira vez, eu não fugi. Abracei de volta. Meu amigo começou a chorar, e ficamos assim por quase cinco minutos. Seria o momento perfeito para uma declaração de amor, né? Só que, no final, o Yuri corajoso não era tão corajoso assim.

— Eu não queria fazer isso — disse Zedu, com a voz rouca, tocando de leve no meu nariz.

— Ei. — Afastei-me um pouco e limpei suas lágrimas. — Foi um acidente. Essas coisas acontecem. Não chora.

— O pessoal da escola... Eles gostaram do que eu fiz. Todos riram e acharam que foi de propósito. Yuri, eu nunca teria coragem de te machucar.

— José Eduardo, você é o meu melhor amigo. — Segurei seu rosto e sorri. — Dentre todas as pessoas do mundo, você é o único que jamais faria isso. Se tem um culpado nessa história, é a Ramona, que correu para frente da trave.

Um trovão forte ressoou, e, por impulso, abracei Zedu novamente. As luzes se apagaram, e o Yuri corajoso apareceu. "Você é o meu melhor amigo, não esqueça disso", sussurrei em seu ouvido.

Como já era tarde, Zedu ligou para a mãe e pediu para dormir em casa. Infelizmente, colocou a bermuda e me fez rir ao usar toalhas amarradas na cabeça.

Enquanto isso, a tia Olívia teve uma noite agradável com Orlando. Só que precisava conversar com ele sobre um assunto delicado. Tentou durante o jantar, mas sempre acontecia algo: um amigo antigo de Orlando apareceu na mesa, a garçonete derrubou um copo de vinho... Nessas situações de estresse, minha tia começava a suar demais.

Pegou um lenço de papel, tirou os óculos e limpou a testa. Finalmente, depois de tanto adiar, soltou:

— Eu transei com outra pessoa.

Foi com a delicadeza de um guindaste.

— Bem, Olívia... Isso não é algo para se conversar durante um jantar, mas... — Orlando tomou um gole de vinho e escolheu as palavras com cuidado. — Você é solteira, eu sou solteiro. Estamos nos conhecendo.

— Desculpa. Desculpa por falar desse jeito... Só que eu queria te contar há tanto tempo.

— E você gosta dessa pessoa?

— Não sei. É muito confuso pra minha cabeça. Eu não quero machucar ninguém.

— Olívia, já vivi muitas coisas na minha vida. Sei ter paciência. Leve o tempo que precisar — garantiu Orlando, pegando na mão dela.

— Obrigada. Isso significa muito para mim.

Eu tenho uma rotina noturna bem estabelecida: gosto de estudar, assistir a séries (enquanto janto) e ouvir música até dormir. Só que, naquela noite, foi diferente. Eu tive uma visita mega-hiper-ultra especial: senhor José Eduardo.

Ficamos ouvindo música no celular até a energia voltar e, então, subimos para o quarto. Minha cama é grande; adoro ter espaço para dormir. Sou do tipo que se espalha e dorme de bruços. Mas, como estávamos só eu e Zedu, resolvi que dormiríamos juntos.

Passamos a noite conversando sobre tudo. Contei mais sobre meus pais, e ele lembrou histórias com a avó.

Outro fato sobre mim? Coloco o ar-condicionado no mínimo. Adoro o frio. Em Manaus, até as noites são quentes, então o split reina absoluto. Engraçado, né? Apesar de curtir baixas temperaturas, durmo com um edredom superquentinho.

O Zedu não dorme... Ele apaga do mundo, juro! Estávamos falando sobre minha professora de história — minha favorita —, e ele simplesmente dormiu no meio da conversa. Nem deu "boa noite". Cobri-o com o edredom e virei para dormir. Mas a dor no nariz não deixou. Ou... será que era outra coisa?

A única luz do quarto vinha da luminária de mesa, aquela que lembra o ícone da Pixar. Sem me mexer muito, olhei para Zedu — um stalker do sono, basicamente.

Putz, como esse garoto é lindo. Ele dorme de lado, com as duas mãos debaixo do rosto. Como esse manauara consegue despertar o melhor de mim? Essa pergunta ecoava na minha cabeça.

Foi um dia intenso. Meu cérebro precisava processar tudo. Então, qual foi a solução que ele encontrou? Um sonho erótico com o Zedu. No sonho, eu era um fazendeiro e ele, meu ajudante. Bem... Essa é toda a informação que você precisava.

Eu não sou o tipo que fica parado enquanto dorme. Já disse que me espalho, né? Pois é, acabei dormindo abraçado com o Zedu. Inconscientemente, juro! Ele acordou primeiro e ficou me encarando por um tempo. Tocou no meu nariz e percebeu que não estava mais tão inchado.

— Vendo a obra de arte que você deixou no meu rosto? — perguntei, sem abrir os olhos.

— Yuri, para. Eu não fiz por querer. Vou chorar de novo. — Ele riu e se sentou na cama. — Nossa, dormi tão bem. Você é um ótimo travesseiro. No bom sentido, claro.

— Obrigado... eu acho. Quer tomar café?

— Não. Preciso ir. A gente se vê na parada?

— Zedu... — Fiz cara de bobo, quase rindo. — Hoje é sábado.

— Sério?

— Sim.

Zedu riu da própria idiotice, tirou a camisa e deitou de novo. Pediu para dormir mais um pouco. Claro que deixei. Não sou besta!

Já estou até falando como amazonense...

Peguei a pílula que o médico prescreveu e tomei. Esses remédios me derrubavam. Bastava um, e o sono era imediato.

Quando acordei, horas depois, Zedu já não estava mais ao meu lado. Ainda sonolento, peguei o celular e abri a câmera. Meu nariz estava menos inchado, mas ainda roxo. Foi então que vi um bilhete na escrivaninha.

***

YURI,

TÚ É O MELHOR AMIGO QUE EU PRECISAVA E NÃO SABIA. SÓ NÃO DEIXA O BRUTUS SABER DISSO, POR FAVOR. OBRIGADO PELA CONVERSA, AS SÉRIES, AS MÚSICAS E POR SER MEU TRAVESSEIRO.

MAIS UMA VEZ, DESCULPA PELA BOLADA.

DO SEU AMIGO, ZEDU.

***

Desci feliz da vida e encontrei a tia Olívia na cozinha. Ela analisou meu rosto como se fosse uma agente da perícia, investigando meu nariz como se ele fosse evidência de um crime horrendo.

— Melhorou bastante. Você acha que pode ir à festa?

— Claro, tia. Passo uma maquiagem. Pelo menos a Giovanna serve para alguma coisa.

— Tudo bem, mas nada de beber, usar drogas ou fazer sexo. Não quero menina grávida batendo à minha porta. — Ela fez uma careta ao perceber o exagero. — Credo. Pareço a mamãe.

— Parece mesmo. Já estava assustado. — Comentei enquanto me servia uma xícara de café.

***

O universo das modelos é fascinante. Qualquer oportunidade se transforma em um grande evento. Letícia chegou cedo ao estúdio de gravação, acompanhada da mãe e de Ramona. Afinal, uma modelo precisa de uma equipe glamourosa. Cabelo, maquiagem, trocas de roupa... Ao todo, seriam dois comerciais para a televisão e uma sessão de fotos com o produto.

Um dos produtores lhe entregou o roteiro. Letícia leu tudo com atenção e decorou cada linha. Não queria repetir o mesmo fiasco do teste com os diretores. Enquanto ensaiava, andava de um lado para o outro. De repente, um rapaz entrou na sala e esbarrou nela.

— Cuidado. — disse ele, segurando-a nos braços.

A atração foi imediata. O rapaz era ruivo — e natural —, ostentando um corte de cabelo ao estilo de Leonardo DiCaprio em Titanic. Seus olhos ficaram hipnotizados pela beleza de Letícia. Para quem estava de fora, a cena durou apenas alguns segundos, mas, para eles, foi o bastante para se apaixonarem.

— Arthur, filhote! Não vai derrubar nossa estrela! — exclamou Inácio, o diretor do comercial, levando as mãos à cabeça.

— Acho que você pode me soltar. — pediu Letícia, ainda nos braços de Arthur.

— Você está bem? Desculpa, sou meio avoado. — disse ele, afastando-se.

— Tudo bem. Eu sou forte. — respondeu ela, piscando e exibindo os músculos.

— Letícia, vamos começar! — chamou Inácio, dirigindo-se ao estúdio de gravação.

As gravações e as fotos foram um sucesso. Minha amiga chamou a atenção de todos, mas, principalmente, de Arthur, o filho de Inácio. O jovem ficou encantado com a beleza dela. Após o trabalho, eles trocaram telefones, e Letícia recebeu seu cachê. Radiante, decidiu pagar um lanche para sua mãe e Ramona.

***

Você acha que a vida de um urso em um dia de folga é fácil? Após o almoço, a tia Olívia anunciou que iríamos fazer compras. Eu sou o responsável pelo inventário mensal e, claro, sempre acrescentava uns docinhos extras. Minha irmã, por outro lado, só se preocupava com produtos de limpeza e os benditos queijo e leite de búfala. Já o Richard adorava a sessão de produtos de limpeza. Nunca entendi o motivo, já que ele nunca limpou nada na vida.

Para uma casa com quatro pessoas, fazíamos verdadeiros milagres. O alimento que eu mais gostava de cozinhar era frango, ainda mais depois da invenção da Air Fryer. Quando chegamos em casa, fizemos uma força-tarefa para guardar todas as compras. Por sorte, Deus tocou o coração da titia, e ela comprou o almoço no caminho de volta. Engoli a comida, literalmente, e segui para o meu quarto. Apaguei na cama e só acordei no fim da tarde.

A luz do celular piscava. Peguei o aparelho e vi 20 mensagens do Diogo. Enviei um pedido de desculpas. Ele só queria confirmar minha presença na festa do Hélder. Apesar de estar com o nariz roxo, confirmei. Afinal, o presente já estava comigo.

Comprei uma roupa nova para a ocasião. As meninas chegaram em casa para me ajudar com a maquiagem. Segundo a Ramona, a cor ideal para o meu tom de pele era "branco zumbi". Ela estava brincando, é claro… Assim espero.

Finalmente, depois de horas e um cochilo, minhas amigas e a Giovanna deram um jeito no meu nariz. Entretanto, precisaram passar quase um quilo de maquiagem no meu rosto.

Deixei minhas amigas no portão de casa e, ao me virar, dei de cara com a tia Olívia. Ela fez uma expressão engraçada ao me ver maquiado. Na verdade, aquela era a primeira vez que eu usava algo do tipo. Entramos no carro em silêncio, mas logo a titia começou a suar. Revirei os olhos e esperei o sermão. Dito e feito. Foram os dez minutos mais constrangedores dos meus 16 anos.

— É aqui o endereço! — gritei, antes que a titia pudesse falar sobre os diversos tipos de ISTs.

— Ok, Yuri. Se cuida. Se precisar de algo, me liga. E não aceite bebida de ninguém.

— Sim, pode deixar. Obrigado, tia. — falei, dando-lhe um beijo no rosto antes de sair do carro.

Minha primeira festa gay. O que me aguardava?

Era uma casa normal, mas a decoração estava linda. Logo na entrada, encontrei uma drag queen que tinha o dobro do meu tamanho. Fiquei fascinado. Na sala, havia uma enorme bandeira do orgulho urso. O Diogo me esperava na porta. Aparentemente, ele era popular entre os ursos de Manaus, pois cumprimentou todos os convidados. Todos.

George e Jonas dançavam ao som de Kitty Girl, da RuPaul. Na parte da música que dizia:

"Ei, gatinha, o mundo é seu, quando você caminha pela rua no ritmo da batida..."

Jonas rodopiou no salão e parou na nossa frente. Mesmo ofegante, ele não parou de dançar e voltou para perto de George. Os dois juntos eram fofos demais.

Diogo não parava de olhar para mim. Será que ele tinha notado os quilos de maquiagem no meu rosto, especialmente no nariz? Ele foi até um bar improvisado na cozinha e voltou com dois copos de refrigerante. Bem, tia Olívia… o Diogo é um conhecido, então posso aceitar um copo de bebida, certo?

— Você tá muito bonito! — Diogo gritou no meu ouvido por causa da música alta.

— Você também. — respondi.

E, realmente, Diogo estava lindo. Usava uma blusa 3/4 quadriculada verde, uma calça preta e uma bota marrom. Por que eu não consigo gostar desse homem? Se eu me apaixonasse pelo Diogo, todos os meus problemas estariam resolvidos.

— Yuri! — George, completamente bêbado, me abraçou de forma constrangedora. — Que bom! Não aguentava mais o Diogo falando de você.

— Amigo! — Jonas puxou George de cima de mim e me abraçou, mas de um jeito normal. — Que bom que veio. Aproveita! Tem bebida, comida e até piscina.

— Vamos dançar, Pé de Cana! — disse Jonas, levando o namorado para a pista de dança.

— Vamos? — Diogo pegou minha mão e me conduziu até a pista.

— Ei, o pedido de casamento ainda vai acontecer? — perguntei perto do ouvido dele.

— O George ficou tão nervoso que bebeu todas. Então, sem pedidos até o momento. — explicou Diogo.

Ok. Eu não sei dançar. Sou péssimo em qualquer atividade que envolva movimento corporal. Li em um artigo na internet que a dança tem três elementos básicos: tempo, espaço e movimento. Bem… spoiler: sou ruim em todos eles. Fiz uma confusão de estilos, o que resultou em um maxixe muito mal executado.

Olhei ao redor para ver se alguém estava rindo de mim. Para minha surpresa, todos pareciam se divertir.

— É uma festa de urso. — disse Diogo no meu ouvido.

Então, deixei minhas preocupações de lado e apenas dancei. Cara, como foi divertido!

Rimos muito. O George mais do que todos. Imagino que, no dia seguinte, ele se arrependeria por ter perdido uma bela oportunidade de pedir a mão de Jonas.

Do lado de fora, Vando e alguns amigos passaram de moto. Perceberam que a festa era para o público gay. E então, claro, Vando teve uma de suas "ideias geniais". Já dava para prever que coisa boa não viria disso.

Lá dentro, eu me sentia em outra realidade. As pessoas eram como eu e não pareciam se importar com seus pesos ou medidas. Fomos todos para uma área mais afastada da festa para conversar. Alguns exageraram na bebida. Coitado do George.

— E então, Yuri? Gostou? — perguntou Jonas, passando a mão nas costas de George, que vomitava como se não houvesse amanhã.

— Demais. — respondi, desviando o olhar do desastre. — É a primeira festa para a qual venho.

— Olha quem chegou! — gritou Hélder, vestindo uma túnica roxa cheia de estrelas. — A diva que vocês querem copiar!

Ele desceu até o chão e, com dificuldade, se levantou.

— Levanta a cabeça, princesa. Se não, a coroa cai. — disse ele, olhando para George.

— Já caiu tudo, amigo. Só falta o fígado dele. — comentou Jonas, revirando os olhos.

Enquanto George agonizava, entreguei o presente de Hélder e o abracei, desejando um ótimo aniversário. Comprei um cartão em uma loja famosa de Manaus. Sou péssimo para escolher presentes, por isso prefiro lojas que oferecem esses cartões.

***

Minha tia tentou organizar uma atividade em família com Richard e Giovanna, mas as coisas não saíram como esperado. Cansada, decidiu ir para o quarto descansar, até que recebeu uma mensagem de Carlos. No início, tentou ignorá-lo, mas não conseguiu resistir.

***

Carlos: Vou pedir demissão. Segunda-feira eu faço isso.

Olivia: Carlos, não faz isso. O estágio é importante para tua faculdade.

Carlos: Prefiro seguir meu coração. E ele me diz para escolher você.

Olivia: Vamos esperar. Não quero que você tome uma decisão precipitada. Por favor.

Carlos: Tudo bem. Só queria te beijar.

Olivia: Carlos, preciso ir. Conversamos depois. Só te peço: não faça nada no calor do momento.

***

A festa estava incrível. Cantamos parabéns e nos deliciamos com um bolo de chocolate com cupuaçu – simplesmente maravilhoso. George acabou dormindo no sofá, completamente apagado. Depois de muita conversa, decidimos voltar para a pista de dança. Foi quando começou a tocar uma música romântica, uma das minhas favoritas: "In My Place", do Coldplay.

Jonas puxou o aniversariante e tascou um beijo em seu rosto. Senti-me um pouco sem graça ao me aproximar de Diogo, e percebi que ele também estava. Coloquei os braços ao redor de seu pescoço, enquanto ele segurava minha cintura.

— O que foi? — ele perguntou, me observando atentamente.

— Nunca dancei assim. Tão...

— Tão perto? — completou ele, antes de me puxar e me beijar.

Fiquei sem fôlego e acabei empurrando-o levemente.

— Qual o problema? — questionou Diogo.

— As pessoas vão olhar. — murmurei.

Ele sorriu de canto e me puxou de volta para seus braços.

— Yuri, só tem gay aqui. — disse antes de me beijar de novo.

E eu correspondi. Beijei muito Diogo. Ele era fofo, um cavalheiro e, acima de tudo, estava disponível. Mas a noite foi passando, e achei melhor ir para casa. Não queria incomodar minha tia. Jonas se ofereceu para me levar, mas antes precisava se despedir de alguns amigos e resgatar o namorado bebum. Enquanto isso, Diogo e eu ficamos esperando na calçada, junto a outros casais.

— Você gostou? — ele perguntou, agora sem precisar gritar.

— Sim. — respondi, antes de lhe dar um beijo de agradecimento.

Diogo suspirou.

— Nossa... Você é tão lindo.

Ri e brinquei:

— Para, assim eu acredito.

— Como vai para casa? — perguntei.

— Hélder vai me levar. Sem problemas. Só queria que você não fosse embora. — confessou ele, antes de me beijar novamente.

Que momento incrível. Como é bom beijar na boca. Eu deveria fazer isso com mais frequência. Tudo parecia perfeito, até sentir algo molhado escorrendo pelas costas. Do nada, fomos atacados por balões de água.

Diogo rapidamente se colocou na minha frente, protegendo-me dos jatos inesperados. Quando olhei para o lado, vi Vando gargalhando e jogando mais balões contra nós. Ele havia gravado meu beijo com Diogo e agora fazia escândalo.

— Puta merda! Além de gordo, tu também é viado. Será que teus amigos sabem disso? — debochou ele, reassistindo o vídeo no celular.

— Idiota! — gritou Diogo, ainda me protegendo.

— Ei, homofóbicos! — Hélder chamou a atenção de Vando e seus amigos.

Jonas, Hélder e algumas drags começaram a tacar bolo, doces e salgadinhos contra eles. O covarde pegou a moto, cantou pneu e saiu em disparada com seus comparsas. Meu coração estava disparado. O medo tomou conta de mim. Vando poderia acabar com minha amizade com Zedu, Brutus, Ramona e Letícia.

— Gente, o que aconteceu? — George perguntou, ainda grogue da bebida.

— Isso é urina. — disse alguém que também fora atingido pelos balões.

Diogo tirou um pedaço de balão estourado do meu cabelo e me olhou preocupado.

— Você tá bem?

Ainda em choque, só consegui responder:

— Eu preciso ir para casa.

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Comentários

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Posta logo a continuação !!!!!! Muita emoção !!!!!!

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QUEM E QUANDO ALGUÉM VAI DAR UMA LIÇÃO EM VANDO E SUA TURMA??? TÁ DEMORANDO. MAS TÁ DEMORANDO TB ZEDU E YURI SE REVELAREM UM PRO OUTRO. DIOGO SAI PERDENDO OU ZEDU QUEM VAI PERDER???

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Caaaaaarrrraaaaccccaaaaaaa meu pai, como diz minha amiga, fudeu, posta logo por favor, fique angustiado kkk.

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