Pai e Mãe,
Meu nariz quase quebrou na sexta-feira. O Zedu ainda não falou comigo, o Diogo que ficou ao meu lado durante todo o processo, além dele, a Letícia, Ramona e o Brutus, também. Fui à um pronto socorro que fica na mesma rua da escola, mas estou bem. Apenas meu nariz que está roxo.
***
Gelo e analgésico. Essas foram as únicas recomendações da médica que me atendeu no hospital. Queria ficar bom, pois, tinha uma festa para ir no final de semana. O Diogo foi um fofo comigo naquela tarde. Ele ajudou a esquentar o almoço dos meus irmãos e a organizar os pratos na mesa.
Já haviam passados algumas horas desde o acidente. Quando meus irmãos chegaram da escola me senti uma atração do circo. A Giovanna fez vários vídeos para publicar nas redes sociais.
— Lembra qual foi a velocidade que a bola te acertou? — perguntou Richard subindo em cima de mim que estava deitado no sofá.
— Claro. — falei com uma voz anasalada. — Foi a primeira coisa que eu pensei enquanto estava ensanguentado no chão. Gente, qual foi a velocidade que a bola me bateu.
Todos riram por causa da minha voz estranha e Giovanna iniciou uma nova sequência de vídeos. Até o Diogo, traidor, entrou na brincadeira dos meus irmãos. Com raiva, mandei os dois subir para tomarem banho e chamei o Diogo de Judas.
— Credo, não fica assim. Ei, Yuri. Será que o Zedu me dá um autógrafo? Ele fez uma obra-prima no teu rosto. — disse Richard aos risos.
— Vão tomar banho, agora! — ordenei.
— Vocês viram? — perguntou Giovanna atuando fazendo um vídeo selfie. — E esse é mais um dia comum no circo que eu chamo carinhosamente de casa.
A companhia de casa começou a tocar. Tentei levantar, porém, estava tonto por causa do analgésico. O Diogo resolveu atender e para a surpresa dele, a visita inesperada era o Zedu. Ele segurava um ursinho vestido de jogador de futebol e uma caixa de chocolate.
Diogo fechou a cara e aproveitou o momento para desestabilizar o Zedu. Afinal, ele não queria nenhum competidor para alcançar meu coração.
— O Yuri está? — perguntou Zedu encabulado.
— José. O Yuri está descansando. Acho melhor você voltar outra hora. O Yuri ficou muito chateado, ele tinha em você a figura de um amigo. — soltou Diogo.
— Ele é meu amigo. Olha, Diogo, eu não devo satisfação a você. O Yuri é quase um irmão para mim e...
— E você trata seus irmãos assim? Humilha eles em frente a turma? Escuta só, cara. O Yuri é um garoto sensível e você sabe disso. Acho que o melhor que você faz agora é se afastar dele e evitar sofrimento.
— Enfim. — Zedu soltou entregando os presentes para Diogo. — Diz pra ele que eu passei aqui.
Diogo entrou com uma caixa de chocolate e um urso de pelúcia. Achei estranho, mas ele falou que era do Zedu, que apenas entregou os presentes e foi embora. Confesso que fiquei chateado, eu merecia, pelo menos, um pedido de desculpa decente. Agradeci a ajuda do Diogo, sem ele, aquele dia teria sido muito pior.
***
Deve ser ruim ficar dividido entre dois amores, né? O que não era meu caso, pois, o Zedu sempre foi meu grande amor, mesmo sendo hétero e tentado acabar comigo com a bola de futsal. Já tia Olívia não conseguia decidir entre o estagiário e o Juiz. Naquela tarde, Orlando a convidou para um jantar romântico e para espairecer, ela acabou aceitando.
No trabalho, a tia Olivia recebeu a inesperada visita de Orlando. O juiz a convidou para um jantar romântico. A minha tia ficou dividida entre o juiz e seu estagiário. Titia era a pessoa mais racional que eu conhecia, mas era realmente difícil escolher entre duas pessoas.
Entre um café e outro, Orlando e Tia Olívia riam. Quem não gostou nada da situação foi Carlos que chegou para coletar a assinatura de sua chefe.
— Dona Olivia. Estão aqui os documentos da venda das ações. — colocando os papeis em cima da mesa.
— Obrigada, Carlos.
— Não derrube nada em mim. — brincou Orlando ao ver Carlos. — Não se fazem mais estagiários como antigamente.
— Pois é. — respondeu tia Olívia dando uma risada forçada.
— Não se preocupe, senhor. — Carlos se controlou para não socar Orlando e saiu da sala.
— Então, onde paramos? Jantar.
— Isso. Você vai me pegar às 20h. — lembrou tia Olívia.
***
Uso a comida como válvula de escape para os problemas que a vida joga na minha direção. O Zedu se jogava nos esportes, como por exemplo, o slackline. Ele e o Brutos começaram a montar a corda na quadra de areia do CSU, um espaço para prática de atividades. Algumas crianças se aproximaram e os dois ensinaram os pequenos.
Depois de algumas horas, Zedu resolveu extravasar o estresse na corda. Ele deu vários pulos consecutivos. Brutos percebeu a chateação do amigo.
Brutus e Zedu foram montar o set do slackline na quadra de areia do CSU. Eles começaram a ensinar algumas crianças que apareceram. O Zedu usou no esporte toda a frustração que sentia. O meu amigo estava chateado, mas não sabia oque fazer. Brutus percebeu a chateação dele, porém, quando tentou conversar com Zedu, o meu crush perdeu o equilíbrio e caiu no chão.
— O que eu fiz com o Yuri hoje não foi legal. Tentei me desculpar, mas o Diogo tava lá e...
— Realmente, não foi legal, mas também não foi sua culpa. — disse Brutus ajudando Zedu a ficar em pé. — O Diogo? O Yuri vai realmente ficar amigo dele?
— Brutus. Não somos exemplos de amigos. Como o Yuri me disse, a gente já tem as nossas tribos, ele precisa encontrar a dele. — falou Zedu tirando a areia do corpo, indo até a corda e subindo novamente.
— Verdade. O grandão também não pode depender apenas da gente.
Você acha a Giovanna dramática? É porque ainda não viu a tia Olívia nos vendo machucado. Ela queria me levar ao hospital, entretanto, expliquei que já havia ido ao médico e não aconteceu nada grave.
Não demorou muito para a titia iniciar o discurso de pior mãe do mundo. Mas, percebi que o meu acidente não foi a única coisa que mexeu com ela. Descobri que o Orlando a levaria para jantar fora. Ela quase desistiu, mas eu a impedi e explique que estava bem, ou seja, cuidaria dos pestes, digo, meus irmãos.
No Rio de Janeiro, a gente tinha um costume, coisa que fazíamos com os meus pais e continuamos com a tia Olívia. Dançar. Eu sou um péssimo dançarino, porém, a dança consegue tirar tudo de ruim que tem dentro da nossa alma.
Reuni os meus irmãos e expliquei a situação da tia Olívia. Giovanna correu para fazer uma maquiagem dos anos 80. Procurei a música perfeita e conectei o celular nas caixas de som da sala. O único que forçado a participar foi o Richard. Ele ficou lindo com uma peruca colorida e os óculos dourados que compramos no ano novo.
A Tia Olívia estava na cozinha, esquentando a janta, ou melhor, aquecendo, já que ela comprou no restaurante italiano. Ainda faltavam alguns minutos para o encontro com Orlando. O tempo necessário para elevar o alto astral dela.
Dei play na música, a Giovanna entrou na cozinha ao som de "Girl Just Want To Have Fun", da Cyndi Lauper. A minha irmã colocou uma boá cor de rosa no pescoço da titia. Ela olha desacreditada para os três sobrinhos que dançam na cozinha.
— Crianças? — ela perguntou rindo.
— A senhora conhece as regras. — Giovanna falou pegando na mão da titia e a fazendo dançar.
— A mãe de vocês, vou te contar. Que tradição mais besta.
— Menos falatório e mais dança. — pedi ofegante, tentando fazer passos dos anos 80, sem sucesso claro.
— Estou sendo obrigado! — gritou Richard dançando e rindo.
Sim, mesmo na bagunça de nossas vidas, conseguíamos agir como uma família de verdade. Naquele momento, não havia dúvidas, constrangimento ou medo. Erámos apenas, três filhos e uma mãe dançando na cozinha. Peguei o Richard no colo e o rodei. Ver a alegria no rosto dos meus irmãos era impagável.
***
Não muito longe dali, o Diogo ajudava Hélder nos preparativos de seu aniversário. Eles foram pegar bebidas na distribuidora junto com George. Além do aniversário de Hélder, George preparava uma surpresa para o namorado, um pedido de casamento. Então, nada poderia sair errado.
— E se ele falar não? — perguntou George para os amigos.
— O Jonas? Desesperado do jeito que é. O sim é garantido. — Hélder pegou no ombro de Hélder para encoraja-lo.
— O Jonas te ama. Ele nunca negaria um pedido desse.
Para alegrar George, Hélder começou a fazer perguntas ao meu respeito e Diogo ficou todo sem graça. Afinal, a gente se conhecia a apenas poucos dias, então, namorar estava fora de cogitação.
— Ele é apenas um amigo. Fora que estou planejando morar em Portugal. Esqueceram?
— Nem me lembre que vou te perder. — falou Hélder de forma dramática arrancando risos dos amigos.
— É sério. O Yuri é lindo demais, mas agora não quero um relacionamento.
— Mas não precisa namorar, Diogo. Uns beijinhos estão ótimos. — brincou George.
— Vamos parar? O foco da conversa é o seu relacionamento com o Jonas. — repreendeu Diogo ficando vermelho.
***
A missão com Tia Olívia deu certo. Ela encontrou Orlando e teve um ótimo encontro. Resolvi lavar às louças da janta e despachei meus irmãos para os seus quartos. De repente, uma forte chuva começou a cair na cidade. Sério. Algumas chuvas são tão fortes que parecem furacões. Recebi uma mensagem do Zedu. Ele estava do lado de fora, no meio do temporal. Abri a porta e o deixei entrar.
O Zedu estava tremendo de frio, por isso, o levei para o quarto e entreguei uma toalha limpa. A chuva continuava a cair e os trovões ficaram mais forte, a energia ameaçou acabar, mas foi apenas um susto.
— Acho melhor eu ir. — Zedu disse me entregando a toalha.
— Cê tá louco? Pode pegar um resfriado. Tira a roupa. — pedi passando a toalha nos cabelos de Zedu.
O meu rosto ficou próximo ao dele. Consegui sentir o cheiro do perfume dele. Os olhos do Zedu eram castanhos claros, conseguia me ver pelo reflexo deles. Continuei a enxugar os cabelos dele sem medo. O Zedu conseguia trazer um lado meu que eu temia, o Yuri corajoso.
— Não quero incomodar. — ele soltou segurando minhas mãos, percebi que ele estava tremendo.
— José. — falei de uma forma áspera. — Você não vai sair no meio dessa tempestade. Tira essa roupa que vou colocar na secadora.
O maior problema em ser gordo é que nossas roupas não servem nos amigos. Então, a única maneira era secar todas as roupas do Zedu. Só não reclamei mais, pois, ele estava apenas com uma toalha no meu quarto. Coloquei todas as peças na secadora e respirei fundo para não fazer nenhuma loucura.
***
A tempestade atingiu toda cidade de Manaus, ou seja, o trânsito ficava uma desgraçada. Sério. Nunca vi. Nesses poucos meses em solo manauara, percebi que os motoristas esquecem como se dirige durante a chuva. A minha tia e Orlando ficavam presos no trânsito.
— Acho melhor a gente parar. — sugeriu Tia Olívia fazendo força para enxergar o caminho.
— Vamos parar em uma parte alta. Essa rua costuma alagar. Ainda mais aqui no Centro. — informou Orlando, ligando o ar quente para desembaçar o vidro.
— Nossa. — titia nem teve tempo de falar e um forte trovão caiu a fazendo gritar. — Espero que os meninos estejam bem.
— Você é uma tia muito zelosa. Eles tem sorte de ter você.
— A sortuda sou eu, Orlando. Aprendo muito com eles. Acho que sou uma pessoa melhor por causa deles. Não é uma tarefa fácil, ainda mais com a Giovanna que é tão geniosa.
***
Em casa, Zedu e eu, ficamos assistindo à um programa de televisão, na verdade, uma competição de doces. Sempre gostei desse tipo de programa, mas meus favoritos nunca vão para a final. Nesse tipo de programa, o vilão sempre se destaca e perde para a pessoa boazinha que, geralmente, é péssima.
O Zedu continuava apenas de toalha, percebia que ele queria dizer algo, porém, nada saia de sua boca. A secadora apitou e fui até a área de serviço pegar as roupas dele. Quando virei, o Zedu estava parado atrás de mim.
Quando encostei no ombro dele pude sentir a vibração de seu coração, rápido e frequente. Do nada, o Zedu me abraçou, pela primeira vez, não fugi e o abracei de volta. O meu amigo começou a chorar e ficamos abraçamos por quase cinco minutos. Séria o momento perfeito para uma declaração de amor, né? Só que no final, o Yuri corajoso não era tão corajoso assim.
— Eu não quis fazer isso. — disse Zedu com a voz rouca.
— Ei. — me afastei de Zedu e limpei suas lágrimas. — Foi um acidente, essas coisas acontecem. Não chora.
— O pessoal da escola. Eles, eles gostaram do que eu fiz. Todos riram e pensaram que fiz de propósito. Yuri, eu nunca teria coragem de te machucar.
— José Eduardo. Você é o meu melhor amigo. — peguei no rosto do Zedu e sorri. — Dentre todas as pessoas do mundo, você é o único que não teria coragem de me machucar. Se tem um culpado nessa história é a Ramona que correu para frente da trave.
Um forte trovão caiu e, por impulso, abracei o Zedu novamente. As luzes desligaram e o Yuri corajoso apareceu. "Você é o meu melhor amigo, não esqueça disso", falei perto do ouvido dele. Como estava tarde, o Zedu ligou para a mãe e pediu para dormir em casa.
Enquanto isso, a tia Olívia teve uma noite agradável com Orlando, porém, precisava conversar com ele sobre um assunto muito delicado. Ela tentou durante o jantar, mas sempre acontecia algo, como por exemplo, um antigo amigo de Orlando que foi até à mesa ou a garçonete que derrubou um copo de vinho no chão.
Nessas situações, a minha tia começa a suar demais. Ela pegou um lenço de papel, tirou os óculos e limpou o suor da testa. Finalmente, após muitos rodeios, o assunto veio à tona.
— Eu transei com outra pessoa. — soltou tia Olívia com a delicadeza de um guindaste.
— Bem, Olívia. Isso não é algo para se conversar durante um jantar, mas... — Orlando tomou uma taça de vinho e pensou com cuidado nas palavras. — Você é solteira, eu sou solteiro. Estamos nos conhecendo.
— Desculpa. Desculpa, te falar dessa forma, só que estou tentando te avisar há tanto tempo.
— E você gosta dessa pessoa?
— Não sei. É muito confuso pra minha cabeça, eu não quero machucar ninguém nessa história.
— Olivia. Já vivi muitas coisas na minha vida. Sei ter paciência. Leve o tempo que você precisar. — garantiu Orlando pegando na mão da titia.
— Obrigada. Isso é importante para mim.
Sou uma pessoa com uma rotina noturna bem estabelecida. Gosto de estudar, assistir séries (enquanto janto) e ouvir músicas até dormir. Só que naquela noite era diferente. Eu tinha uma visita mega-hiper-ultra especial, o senhor José Eduardo. Ficamos ouvindo música no meu celular até a energia retornar, então, subimos para o quarto.
A minha cama é grande, adoro ter espaço para dormir. Sou o tipo de pessoa que dorme de bruços e espalhada pela cama. Mas, como estávamos apenas o Zedu e eu, resolvi que dormiríamos juntos. A gente passou à noite conversando sobre diversos assuntos. Contei mais sobre os meus pais e ele lembrou as histórias que viveu ao lado da avó.
Outro fato sobre mim? Coloco o ar-condicionado no máximo, no caso, na menor temperatura. Adoro o frio. Em Manaus, até às noites são quentes, então, o spliter reina absoluto. É engraçado, né? Apesar de curtir baixas temperaturas, durmo com um edredom super quentinho.
O Zedu não dorme, ele apaga do mundo, juro. A gente estava conversando sobre a professora de história que é a minha favorita, e ele, simplesmente, dormiu, sem ao menos dizer boa noite. O cobri com o cobertor e virei para dormir, mas a dor no nariz não deixou, ou será que era outro motivo?
A única luz do meu quarto vinha da luminária de mesa, que lembra aquele ícone da Pixar. Virei para o lado do Zedu e observei dormir. Putz, como esse garoto é lindo. Ele gosta de dormir de lado com as duas mãos debaixo do rosto. Como aquele manauara despertava o melhor de mim.
Foram muitos acontecimentos em um único dia. A minha cabeça precisava processar tudo, então, qual a forma que ela acha de me ajudar? Nada mais que um sonho erótico com o Zedu. No sonho, eu era um fazendeiro e o Zedu meu ajudante. Bem, essa é toda informação que você precisava.
Eu não sou o tipo de pessoa que fica parada quando dorme, como expliquei, gosto de dormir espalhado na cama. Acabei dormindo abraçado com o Zedu, de forma inconsciente, juro. O Zedu acordou primeiro e ficou me encarando por um tempo, ele tocou no meu nariz e percebeu que não estava tão inchado.
— Vendo a obra de arte que você deixou no meu rosto? — perguntei sem abrir os olhos.
— Yuri. Para. Eu não fiz por querer. Vou chorar de novo. — ele disse rindo e sentando na cama. — Nossa, dormi tão bem. Você é um ótimo travesseiro, no bom sentido, claro.
— Obrigado. Eu acho. Você quer tomar café?
— Não. Preciso ir. A gente se vê na parada? — ele perguntou levantando e vestindo a camisa.
— Zedu. — falei com uma cara de bobo, quase rindo. — Hoje é sábado.
— Sério?
— Sim.
Zedu riu da própria idiotice, tirou a camisa e deitou na cama. Pediu para dormir mais um pouco. Claro, que eu deixei, não sou besta. Égua, já estou falando até como amazonense. Peguei a pílula que o médico prescreveu e tomei, antes de dormir de novo. Nossa, aqueles remédios acabavam comigo, tomava um e o sono era imediato.
Acordei, após algumas horas, e o Zedu não estava mais do meu lado. Sentei na cama, ainda sonolento por causa dos medicamentos, peguei o celular e abri a câmera. Puxa, o nariz não estava mais tão inchado, porém, continuava roxo. Encontrei um bilhete do Zedu na escrivaninha do quarto.
"YURI,
VOCÊ É O MELHOR AMIGO QUE EU PRECISAVA E NÃO SABIA, SÓ NÃO DEIXA O BRUTUS SABER DISSO, POR FAVOR. OBRIGADO PELA CONVERSA, AS SÉRIES, MÚSICAS E POR SER MEU TRAVESSEIRO. MAIS UMA VEZ DESCULPA PELA BOLADA.
DO SEU AMIGO, ZEDU"
Desci feliz da vida e encontrei a tia Olívia na cozinha. Ela analisou meu rosto, parecia alguém da perícia, como se meu nariz fosse parte de um crime horrendo.
— Melhorou mais. Você acha que pode ir à festa?
— Claro, tia. Passo uma maquiagem. Pelo menos, a Giovanna serve para alguma coisa.
— Tá bom, mas nada de beber, usar drogas ou fazer sexo, não quero menina grávida aqui na porta de casa. — ela percebeu o exagero e fez uma careta engraçada. — Credo. Pareço a mamãe.
— Parece mesmo, já estava assustado. — comentei servindo uma xícara de café.
***
O universo das modelos é fascinante, qualquer oportunidade se torna um grande evento. A Letícia chegou cedo no estúdio de gravação. Ela levou sua mãe e Ramona, afinal, uma modelo precisa de uma staff glamorosa. Cabelo, maquiagem e troca de roupas, ao todo, seriam dois comerciais para a televisão e uma sessão de fotos com o produto.
Um dos produtores levou um roteiro para a Letícia, a minha amiga leu tudo com atenção e decorou cada linha. Não queria repetir o mesmo fiasco (de sorte) do teste com os diretores. Enquanto ensaiava, a Letícia andava de um lado para o outro. De repente, um rapaz entrou na sala e esbarrou com ela.
Letícia, sua mãe e Ramona chegaram cedo ao estúdio de gravação. A minha amiga precisou se maquiar e trocar de roupas. Ao todo, seriam dois comerciais para a televisão e uma sessão de fotos. Um produtor chegou e entregou as falas de Letícia, a minha amiga leu tudo com atenção e decorou fala por fala.
Nervosa, ela começou a andar pelo estúdio, enquanto, memorizava o roteiro, que cá entre nós, não era tão difícil, mas a Letícia é assim, sempre busca seu melhor em todos os trabalhos. De repente, um rapaz entra no estúdio e esbarra nela.
— Cuidado. — disse o garoto segurando Letícia nos braços.
A atração foi imediata. O rapaz era ruivo (um natural), ostentava um corte no estilo do Leonardo DiCaprio em Titanic. Seus olhos ficaram hipnotizados pela beleza de Letícia. Para quem estava de fora, a situação durou apenas uns poucos segundos, mas para eles, foi o suficiente para se apaixonarem.
— Arthur, filhote. Não vai derrubar a nossa estrela! — exclamou Inácio, o diretor do comercial, com as mãos na cabeça.
— Acho que você pode me soltar. — pediu Letícia ainda nos braços de Arthur.
— Você está bem? Desculpa, eu sou avoado mesmo. — desculpou-se o rapaz se afastando de Letícia.
— Tudo bem. Eu sou forte. — ela respondeu piscando para ele.
— Letícia? Vamos começar. — avisou Inácio andando em direção ao estúdio de gravação.
As gravações e fotos foram um sucesso. A minha amiga chamou a atenção de todos, mas, principalmente, de Arthur, o filho de Inácio. O jovem ficou bobo quando viu a beleza de Letícia. Depois do trabalho, eles trocaram telefone e a minha amiga ganhou seu cachê. Alegre, ela decidiu pagar um lanche para sua mãe e Ramona.
***
Você pensa que a vida de um gordinho no dia de folga é moleza? Após o almoço, a tia Olívia deu a notícia que íamos fazer compras. Eu sou o responsável de fazer o inventário mensal, claro, que sempre acrescentava uns docinhos a mais. A minha irmã, por outro lado, se importava apenas com produtos de limpeza e os benditos queijo/leite de búfala. Já o Richard amava a sessão de produtos de limpeza, nunca entendi, já que ele nunca limpou nada na vida dele.
Para uma casa com quatro pessoas, a gente até fazia milagre. O item que eu mais gostava de cozinhara era frango, ainda mais depois da invenção da Air Fryer. Chegamos em casa e fizemos uma força-tarefa para guardar todas as compras. Por sorte, Deus tocou no coração da titia e ela comprou o almoço no caminho para casa. Engoli a comida, literalmente, e segui para o meu quarto. Apaguei na cama e acordei no fim da tarde.
A luz do celular estava apitando. Peguei o aparelho e vi 20 mensagens do Diogo. Enviei um pedido de desculpa. Ele só queria confirmar minha presença da festa do Hélder. Apesar de estar com o nariz roxo, confirmei minha presença, afinal, o presente já estava comigo.
Havia comprado uma roupa nova para a ocasião. As meninas chegaram em casa para me ajudar na maquiagem, de acordo com a Ramona a cor da maquiagem certa para o meu tom de pele é branco zumbi, ela estava brincando é claro, assim eu espero. Finalmente, minhas amigas e a Giovanna deram um jeito no meu nariz, entretanto, precisaram passar quase 1kg de maquiagem no meu rosto.
Deixei as minhas amigas no portão de casa, quando virei me deparei com tia Olívia. Ela fez uma expressão engraçada ao me ver maquiado, na verdade, aquela era a primeira vez que usava algo do tipo. Entramos no carro em silêncio, mas a tia Olívia começou a ficar suada. Revirei os olhos e esperei o sermão. Dito e certo. Foram os 10 minutos mais constrangedores dos meus 16 anos.
— É aqui o endereço! — gritei, antes que a titia pudesse falar sobre os diversos tipos de DST's.
— Ok, Yuri. Se cuida. Precisando de algo me liga. Não aceita bebida de ninguém.
— Sim, pode deixar. Obrigado, tia. — falei a beijando e saindo do carro.
Minha primeira festa gay. O que aguardava por mim? Era uma casa normal, mas a decoração estava linda. Na entrada, encontrei uma drag queen que tinha o dobro do meu tamanho, fiquei fascinado. Havia uma bandeira do orgulho urso enorme na sala. O Diogo estava me esperando na entrada. Aparentemente, o meu colega era popular entre os ursos de Manaus, pois, falou com todos os convidados. Todos.
O George e Jonas estavam dançando ao som de "Kitty Girl", da RuPaul. Na parte da canção que dizia, "Ei, gatinha. O mundo é seu, quando você caminha pela rua. No ritmo da batida", o Jonas rodopiou no salão e parou na nossa frente. Mesmo ofegante, ele não parou de dançar e voltou para perto de George. Os dois juntos eram fofinhos demais.
O Diogo não parava de olhar para mim. Será que ele havia percebido os quilos de maquiagem que passei no rosto, principalmente, no nariz? Ele foi até um bar feito de improviso na cozinha da casa e trouxe dois copos de refrigerante. Bem, tia Olívia, o Diogo é um conhecido, então, posso aceitar copos de bebidas, certo?
— Você tá muito bonito! — Diogo gritou no meu ouvido por causa da música alta.
— Você também. — respondi.
E, realmente, o Diogo estava lindo. Usava uma blusa 3/4 quadriculada verde, uma calça preta e uma bota marrom. Por que eu não consigo gostar desse homem? Se eu me apaixonasse pelo Diogo, todos os meus problemas estariam resolvidos.
— Yuri. — George estava tão bêbado que me abraçou de uma forma constrangedora. — Que bom. Não aguentava mais o Diogo falando de você.
— Amigo. — Jonas tirou George de cima de mim e me abraçou, mas de uma forma normal. – Que bom. Aproveita. Tem bebida, comida e até piscina. — Vamos dançar, Pé de Cana. — levando o namorado para a pista de dança.
— Vamos? — Diogo pegou na minha mão e me conduziu até a pista de dança.
Ok. Eu não sei dançar. Sou péssimo em qualquer atividade que envolva movimentar o corpo. Li em um artigo na internet que a dança tem três elementos básicos: tempo, espaço e movimento corporal. Bem, spoiler: sou péssimo em todos eles. Fiz uma confusão de estilos, o que rendeu um maxixe muito mal executado.
Olhava para ver se alguém estava fazendo piadinhas, porém, para a minha surpresa todos se divertiam. "É uma festa de urso", disse Diogo no meu ouvido. Deixei as preocupações para trás e apenas dancei, e cara, como era divertido. A gente riu bastante, o George mais do que todos.
Do lado de fora, Vando e alguns amigos passavam de moto. Eles perceberam que a festa era para o público gay. Ele então teve uma de suas ideias geniais, claro, que vindo do Vando boa coisa não devia ser. Lá dentro, eu parecia estar em outra realidade. As pessoas eram iguais a mim e pareciam não se importar com seus pesos ou medidas. Fomos todos para uma parte mais afastada da festa para conversar, alguns deram PT, pobre George.
— Então, Yuri. Gostou? — perguntou Jonas passando a mão nas costas de George que vomitava como se não houvesse amanhã.
— Demais. — respondi tentando não olhar para George. — A primeira vez que eu vou para uma festa.
— Olha quem chegou! — gritou Hélder, vestindo uma túnica roxa cheia de estrelas. – A diva que vocês querem copiar!! — descendo até o chão e levantando com dificuldade. — Levanta a cabeça, princesa. Se não a coroa cai. — ele disse olhando para George.
— Já caiu tudo, amigo. Só falta o fígado dele. — comentou Jonas revirando os olhos.
Enquanto o George morria lentamente, entreguei o presente de Hélder e o abracei desejando um ótimo aniversário. Comprei um cartão de uma loja famosa de Manaus. Sou péssimo em comprar presentes, por isso, prefiro por lugares que oferecem esses tipos de cartões.
***
A minha tia tentou uma atividade em família com Richard e Giovanna, mas as coisas não deram muito certo. Ela decidiu ir para o quarto dormir, só que recebeu uma mensagem do Carlos. No início, ela tentou despistar, entretanto, não conseguiu.
Carlos:
Eu vou pedir demissão. Vou fazer isso na segunda-feira.
Olivia:
Carlos. Não faça isso. O estágio é importante para a tua faculdade.
Carlos:
Eu prefiro seguir o meu coração. E ele diz para escolher você.
Olivia:
Vamos esperar. Eu não quero que tome atitudes precipitadas. Por favor.
Carlos:
Tudo bem. Eu só queria te beijar.
Olivia:
Carlos. Eu preciso ir. Conversamos em outro momento, por favor, não tome nenhuma atitude de cabeça quente.
***
Que festa maravilhosa. A gente cantou parabéns e comemos bolo. Tivemos que colocar o George deitado em um dos sofás da casa, ele apagou completamente. Depois de um tempo e muita conversa, a gente decidiu voltar para a pista de dança e começou a tocar uma música romântica, inclusive, uma das minhas preferidas "In My Place", do Coldplay.
Jonas puxou o aniversariante e tascou um beijo em seu rosto. Me aproximei do Diogo, um pouco sem graça, e ele também estava. Coloquei os braços em volta do pescoço dele, enquanto, ele segurou minha cintura.
A festa continuou bombando. A gente cantou parabéns e comemos o bolo. Voltamos para a pista de dança e começou a tocar uma música romântica. Fiquei perto do Diogo, um pouco sem graça, ele colocou a mão em volta da minha cintura e eu nos ombros dele.
— O que foi? — ele perguntou olhando para mim.
— Nunca dancei assim. Tão…
— Tão perto? — quis saber o Diogo, antes de me tascar um beijo.
— Hum. — soltei quase sem fôlego e o empurrei.
— Qual o problema?
— As pessoas vão olhar. — expliquei.
— Yuri. — Diogo me puxou de volta para os seus braços. — Só tem gay aqui. — me beijando de novo.
Sim. Beijei muito o Diogo. Ele era um fofo, um cavalheiro e estava disponível. Infelizmente, começou a ficar tarde e decidi ir embora, não queria incomodar a minha tia e o Jonas ia me levar em casa. Ele só pediu para se despedir de uns amigos e pegar o namorado bebum. Diogo e eu, ficamos esperando na calçada, haviam outros casais gays também.
— Você gostou? — ele perguntou, agora sem precisar gritar.
— Sim. — falei. — Obrigado. — dei um beijo no Diogo.
— Nossa. — soltou Diogo, quase sem ar. — Você é tão lindo.
— Para, assim eu acredito. — brinquei. — Agora, me fala. Como você vai pra casa?
— O Hélder vai me levar. Sem problemas. Só queria que você não fosse embora. — desejou Diogo me beijando.
Que momento incrível. É tão bom beijar na boca. Eu deveria fazer isso com mais frequência. Tudo perfeito, quer dizer, até eu sentir uma coisa molhada atrás de mim. Do nada, somos atacados por vários balões com água. O Diogo ficou na minha frente e levou vários balões nas costas.
O Vando apareceu e começou a tacar mais balões em nossa direção. Ele gravou o meu beijo com o Diogo e fez maior baderna. Eu não conseguia acreditar na capacidade desse homem de infernizar a minha vida.
— Olha só. Além de gordo é viado. Teus amigos sabem disso? — ele quis saber, enquanto reassistia o vídeo.
— Idiota! — gritou Diogo, sempre ficando na minha frente.
— Ei, homofóbicos! — Hélder chamou a atenção de Vando e seus amigos.
Hélder, Jonas e algumas drags começaram a tacar bolo, doces e salgadinhos na direção de Vando. O covarde pegou a moto, cantou pneu e saiu em disparada com seus colegas. Aquilo me deixou aterrorizado. O Vando poderia acabar minha amizade com o Zedu, Brutus, Ramona e Letícia.
— Gente, o que aconteceu? — perguntou George, ainda tonto por causa da bebida.
— Isso é urina. — afirmou uma das pessoas atingidas pelos balões.
— Você tá bem? — Diogo questionou tirando um balão estourado do meu cabelo.
— Eu preciso ir pra casa. — disse ainda em choque por ter um dos meus maiores segredos descobertos dessa forma.