A Sra. governanta eslava na porta da biblioteca quando Carlos apareceu.
— Ele está aí — ela disse num tom desaprovador — Cuidado para ele não roubar nada. Não confio nesses baianos.
Carlos entrou. O rapaz estava parado diante da janela, olhando para o jardim, mas voltou-se assim que ele entrou. Era bem diferente do que tinha imaginado. O hábito que Laura tinha de exagerar as coisas criara a imagem de um homem gigante musculoso, orgulhoso e agressivo, de uma segurança absoluta.
A realidade era um tanto surpreendente, mas não um desapontamento. John Monteiro era pouco mais alto que a média, corpo ágil, corpo magro, mais atletico, cabelos castanho-claros que começavam a cair, dando a impressão de que ele tinha a testa enorme. Era atraente e Carlos compreendia por que Laura o achava tão fascinante. Seu rosto tinha caráter, humor, e uma doçura que Carlos achou desconcertante.
— Sr. Douglas? — ele perguntou, cruzando a sala na direção dele. — Como vai?
Depois de se cumprimentarem, fez-se um silêncio incômodo e, de repente, ambos começaram a falar ao mesmo tempo. Os dois riram, aliviando a situação.
— Queria me ver? — ele perguntou finalmente.
— Eu? — Carlos quase engasgou.
— Não queria?
— Não! — Ele sacudiu a cabeça, confusa. — O que o faz pensar isso?
— Recebi um recado, Seu.
— Um recado? Eu não mandei nenhum recado.
— Tem certeza? — John Monteiro o olhava, desconfiado. — Laura já lhe contou?
— Por favor — Carlos tentava pensar rápido — , que recado é esse? Quem foi que o entregou? Eu não mandei nada para você?
— Foi um telefonema. Lá para a obra.
— Pedindo que viesse aqui? Para me ver?
— Isso mesmo. Eu mesmo não entendi bem, mas pensei.. . Bem, Laura me disse que você não é totalmente contra a nossa relação.
— Laura disse isso? — Carlos estava intrigado. — Mas como pôde ela disser isso? Vocês Não tem estado conversando. Ou tem?
— A gente se fala por telefone de vez em quando. E ela entra no face de vez em quando, Não tem nada contra, não?
— Não tenho autoridade para me opor a nada. Não é problema meu. — Carlos estava inquieto, ele estava se envolvendo em problema de família.
—Não entendo porque Laura o mandaria aqui. Deixe-me pensar um pouco. Acha que Laura pode ter arranjado este encontro?
— Não me pergunte — ele suspirou —, mas acho que não. Quer dizer que perdi a viagem?
— Bem, o que é que esperava? O que pensou que eu pudesse fazer por você?
— Acho que esperava que o senhor tivesse arranjado um jeito de eu poder ver Laura, passar algum tempo com ela. Mas é claro que me enganei.
— Bem, desculpe — disse Carlos, sentindo crescer uma involuntária simpatia pelo rapaz —, mas não fui eu que lhe mandei o recado. E Laura nem está aqui. Foi passar o dia com os avós.
— Ótimo! — Ele enfiou as mãos nos bolsos. — Então acho que devo me desculpar por tê-lo incomodado.
— Não tem importância. — Carlos mordeu o lábio.
— Será que. . . — Ele parou na porta e voltou-se para ele. — Eu vim de moto. Está lá embaixo, no portão. O guarda que me deixou entrar não quis que eu viesse com ela até a casa. Será que podia descer comigo até lá? O guarda me dá arrepios.
— Não vejo por que não. — Carlos sorriu. — Pena que tenha vindo de moto. Senão poderíamos caminhar até o vilarejo. Gostaria de conversar com você. Sobre Laura. Ela fala muito sobre você.
— Quer investigar se eu sou um ignorante como a Senhora Debora acha que sou?
— Se pensa assim.. .
— Pode vir na moto, se quiser — disse ele, sorrindo. — Tenho até um capacete extra.
Carlos hesitou. Caminhar ao lado dele até a vila era uma coisa. Mas ir com ele na moto era bem diferente. E o que é que James não ia pensar?
Mas não devia se preocupar com James. Ele nunca tinha se preocupado com elee. Além disso, nada havia de mal e, se ele achasse que havia, o problema era dele. Tinha acabado de receber uma demonstração de como James não tinha consideração por ele, pedindo satisfações de sua vida particular. Será que ele imaginava que podiam retomar as relações de anos antes?
— Muito bem — disse finalmente, lembrando-se de que John esperava sua resposta. — Podemos ir a algum lugar para conversar. Mas não muito longe.
— Ótimo — ele disse.
O caminho de acesso à casa não era visível do escritório de James. Mas Carlos sentia-se observado. Sem dúvida era a Sra. Fatima que devia ter recebido instruções para isso.
Fazia anos que Carlos não andava de moto e adorou o passeio na tarde quente.
John saiu da estrada antes de chegarem à vila e seguiram por uma estrada estreita que levava até uma curva do rio, formando uma piscina natural. O lugar era absolutamente isolado. Os únicos ruídos que se ouviam eram dos insetos e pássaros e o movimento da água rolando sobre as pedras da margem.
— Parece que você conhece esta região melhor do que eu — disse Carlos descendo da moto e tirando o capacete.
— É verdade — disse ele, tirando o capacete também e arranjando o cabelo com a mão. — Foi Laura quem me trouxe pela primeira vez. Ela contou que costumava vir aqui com o pai, quando era pequena. Eles nadavam naquele poço. É bem fundo.
— É, é um lugar lindo — disse, sentando-se na grama alta.
— Bonito, sim — disse ele, sentando-se ao lado de Carlos e notando a bela figura que ele fazia na paisagem. — Então você é o tutor?
— Não estamos aqui para falar de mim — disse Carlos, olhando-o com firmeza.
— Tudo bem. — Ele se deitou, cruzando as mãos atrás da nuca.
— O que é que quer saber tutor?
— Não sei se há alguma coisa específica que eu queira saber. — Ele cruzou as pernas, acomodando-se melhor. — Acho que seria bom se nós... se nós nos conhecêssemos melhor.
— Por que se preocupa? — Ele o examinou com os olhos apertados. — Você, como o resto da família, não aprova a minha relação com Laura, não é?
— Eu não diria isso.
— Não? — Ele não acreditava nele.
— Não. Olhe, eu gosto de Laura. é só por causa dela que estou aqui. — Fez uma pausa. — Tem de admitir que é muito mais velho que ela. Laura ainda é uma colegial.
— E além disso é uma Borges!
— Isso também.
— Talvez você não acredite em mim — disse ele, desapertando o colarinho —, mas não fui eu que comecei isso..
— Como foi que a conheceu?
— Ela me... caçou. — John sorriu. -— Um grupo das meninas costumava frequentar um café perto da escola. Elas sabiam quem a gente era, Eu e os outros rapazes. E a gente as reconhecia por causa do uniforme, entende?
— Quer dizer que Laura não foi a única?
— Claro que não. Bom, a nossa relação virou uma coisa mais séria.
— Está disposto a esperar até que ela complete dezoito anos? — perguntou Carlos.
— Esperar o quê? Para casar? Eles nunca me deixariam casar com ela.
— Está falando sério? — Carlos estava surpreso. — Ou é um jogo seu?
— Não, não é nenhum jogo. — John suspirou. — Eu sou realista, Sr. Douglas. Sei que Laura pensa estar apaixonada por mim, mas, se os pais dela conseguirem nos manter separados, ela vai acabar encontrando outro. Alguém adequado, claro. É incrível como a classe social importa tanto para algumas pessoas.
— Você esta desistindo fácil , não a ama? — Carlos eslava confuso.
— Oh, eu não diria isso. — Ele inclinou a cabeça, pensativo. — Eu gosto dela, gosto muito, mas sei que não daria certo. E já disse isso para ela.
— Gostaria que tivesse dito isso ao pai e à mãe dela — comentou Carlos.
— O quê? E aliviar os problemas dos dois? Depois de tudo o que eles fizeram com Laura? Por que faria isso? Deixe que eles se preocupem um pouco mais, com medo que sua preciosa filha se case com um braçal. Eu não posso afetá-los em nada e detestaria fazer Laura sofrer.
Carlos riu.. Não pôde evitar. A tensão que vinha sentindo toda a tarde subitamente se dissipava como uma nuvem de fumaça e o dia parecia mais claro.
— Por que está rindo? — ele perguntou. — Eu disse alguma coisa engraçada?
— Não. Na verdade não disse, não. — Carlos sacudiu a cabeça, passando o dedos pelos cabelos. — E muito obrigada por ser sincero comigo.
— De nada. Mas não vai contar para eles o que eu lhe disse, não é?
— Não, não posso dizer nada que vá magoar Laura — ele respondeu, pensativo. — Detestaria ser a causa de alguma desilusão para ela.
— Ela ainda tem de crescer — disse John, olhando ao longe.
— Todos temos. Bom, vamos embora?
— Está com pressa?
— Estou. Tenho de voltar antes de Laura chegar da casa dos avós. Ela não ia gostar se soubesse que estivemos juntos.
— Eu não me importo. — Ele se pôs em pé. — Como é o seu nome? Carlos? Posso chamá-lo assim? Seu nome é lindo , bom Já sabe o meu nome. Vamos ver se nos encontramos de novo algum dia, Carlos, mas não para falar dos outros.
— Não. Não posso — disse ele, recuando. Droga , ele estava dando em cima dele ?
— Por quê? Está noivo, ou algo assim?
— Não. É que.. . Você é gay?
— E então? Eu não gosto de rótulos , se vejo algo do que gosto , eu pego — Eles eram quase da mesma altura e se olhavam nos olhos.
— Quem sabe meu envolvimento com Laura não foi apenas uma conspiração do destino para nós dois nos encontrarmos?
— Já ouvi essa cantada antes, mas. ..
— Eu não conheço muitos garotos que mexeram comigo.. , — disse ele, olhando-o com firmeza nos olhos verdes — e gostaria que saísse comigo. Fico muito solitário, às vezes. Você poderia me fazer companhia
—Ai meu santo, Só o que me faltava , Não posso John. — Carlos suspirou , meio atordoado. — Além disso, seria horrível se Laura ficasse sabendo dessa conversa não acha. S e atente homem.
— Ela não vai saber.
— Não, não posso, já disse. — Carlos voltou-se para ir embora .Aquela situação era ridícula e Aquelas palavras eram muito semelhantes às que James tinha dito ao se justificar do perigo de sua mulher acabar descobrindo tudo. E Laura era filha de James. Ele não podia aceitar. Além disso, não tinha certeza se queria aceitar. John era atraente e Carlos não podia negar que, em circunstâncias diferentes, aceitaria sair com ele.
Mas não agora. Ele não ia fazer uma vagabundagem dessas, de novo. Pensou triste.
Percebendo que não ia conseguir convencê-lo, John voltou para a moto e ligou o motor,
— Vem , vou te levar para casa. Confia em mim para levá-lo direto para casa? — ele disse,
sorrindo.
— Confio, sim. Direto para casa. Ou eu vou te bater até o sentido e o juízo voltarem para essa sua cabeça.
Em poucos minutos chegaram aos portões da casa dos Borges e Carlos desceu, aliviado por não haver ninguém por perto. John tirou do bolso um cartão.
— Aí tem o número do telefone da obra e o meu— disse ele. — Se quiser
entrar em contato comigo. . .
— Por que o faria?
— Quem sabe? — Ele sorriu uma vez mais e partiu a toda velocidade.
Dode, que além de guarda era o jardineiro, abriu o portão para ele.
— A Srta. Laura está procurando o senhor — disse o velhinho com ar reprovador. — Ninguém sabia dizer para onde a senhora tinha ido.
— Laura? — Carlos perguntou, surpreso. — Ela já voltou?
— Voltou, sim. Foi Sr. Borges mesmo quem a trouxe para casa.
— Sr. Borges? Ah, o pai de. .. o avó de Laura! — Carlos pôs a mão na cabeça.
— E o senhor disse a ela onde eu tinha ido?
— Disse que o senhor tinha saído de moto com um rapaz. Ninguém sabia onde a senhora tinha ido. ..
— Claro, claro. Obrigada, Dode.
Laura veio correndo ao encontro dele no jardim.
— Aí está você! — disse a menina, agitada e arrogante. — Onde é que esteve? E o que é que John veio fazer aqui? Foi com John que saiu, não foi?
— Foi. Mas você não devia tê-lo convidado para vir aqui, sabendo que não ia estar. Seu pai ficou muito bravo.
— Eu? — Laura soltou um grito, perplexa. — Eu não o convidei para vir aqui! Do que é que está falando?
— Não? Pois pensei que tivesse.
— Por que eu faria isso?
— Pensei que queria que eu o conhecesse.
— Gostou dele?
Carlos suspirou, como falar que achou ele agradável , até ele começar a dar em cima dele? . Estavam chegando ao terraço e ele viu um Rolls Royce cor de creme estacionado. Devia ser o carro de Robert Borges e ele, sem dúvida, o reconheceria também. Que confusão! Bem, pelo menos ele não devia saber nada sobre sua relação com James. Ou será que sabia?
— Vamos deixar para conversar depois, Laura — disse Carlos, tentando adiar a conversar e entrando. — Seu avô está aí, não está? Devia estar com ele.
— Ele está com papai. Todo mundo se mexeu à sua procura e papai ficou furioso. Não sei por quê. Ele devia ficar contente de você sair com John. Ia ser perfeito para ele se você conseguisse roubar John de mim.
— Laura! — Carlos a censurou. — E como assim trocar você por mim? Você já percebeu , que somos de sexo diferentes , né? —Ele queria saber se Laura sabia das preferencias do namorado.
— Hhahahaha, Você é tão engraçado Carlos. — Laura falou irritada— Eu sei que ele já ficou com homens. Então, não seja esperto.
— Olha Laura, eu vou tomar banho e trocar de roupa, ok? Conversamos depois, juro.
— Onde é que você se meteu? — A voz de James foi como uma ducha de água fria. Ele estava parado no meio do hall, mãos na cintura, pernas separadas, tão furioso quanto Laura tinha dito.
— Desculpe se dei motivos para preocupação — ele disse, molhando os lábios —, mas achei que seria melhor se fosse conversar fora daqui. Achei mais prudente.
— é isso mesmo, papai — disse Laura. — O Sr. Douglas me contou.
— E o que é que ele estava fazendo nesta casa, Laura? — Ele parecia ainda mais zangado. — Por que é que veio procurar Douglas?
— Eu. . . eu o convidei — disse Laura, agitando os ombros.
Carlos abriu a boca, perplexo. Não queria que Laura se comprometesse por uma causa que sabia, a historia estava muito estranha. Olhou para James e viu que ele estava furioso.
— O que é que está havendo, James?
Robert Borges apareceu na porta, olhando a cena com uma expressão tolerante e divertida que logo se enrijeceu ao identificar Carlos. O velho desviou o olhar para James, e Carlos entendeu imediatamente que o pai sabia de tudo sobre o amante do filho. James não pareceu se perturbar com a reação do pai e Laura estava ansiosa demais para notar qualquer coisa.
— Acho. . . acho que o Sr. Douglas não sofreu nenhum dano com seu pequeno passeio, James — disse o velho. — Laura, você não tinha o direito de convidar esse malandro para vir aqui. . .
— Ele não é nenhum malandro — protestou Carlos, incapaz de se controlar. — é um homem educado. Não é um caça-dotes nem nada assim. Veio aqui porque.. . bem, porque foi convidado. Não vejo razão para tanta confusão. — As vezes ele se metia em cada uma.
— Nem eu — disse Laura. — Vocês não conhecem John. Como podem condenar alguém que nem conhecem?
— Muito bem, Laura — disse James friamente, o queixo projetado para a frente. — Como respeitamos a opinião do Sr. Douglas, vamos perdoá-lo desta vez. Mas no futuro, Sr. Douglas, tenha a bondade de me informar quando resolver sair com estranhos.
— Sim, Sr. Borges.
James sentiu a agressividade dele, virou as costas e saiu. Foi Robert quem quebrou o incômodo silêncio:
— Já nos encontramos antes, não, Sr. Douglas? Na casa dos Fontes?
Carlos engoliu a raiva que sentia de James e forçou um sorriso educado.
— Isso mesmo, Sr. Borges. Seis anos atrás. Faz bastante tempo.
— E agora trabalha para meu filho.
A observação era bem clara e Carlos teve de se controlar para não desabafar tudo.
— Mundo pequeno, não é? Incrível, como a vida nos coloca em algumas situações.
— É — disse Robert, um tanto desconcertado pela resposta tão direta. — Com licença. . .
Ele foi atrás do filho. Quando a porta se fechou, Carlos soltou um profundo suspiro e foi na direção da escada. Laura o seguiu.
— Ê verdade o que disse Carlos? Acha mesmo que Johnny é educado? Que não é um caça-dotes?
— Acho — concordou ele, relutante. Jhon deixara bem claro , que não queria algo mais sério. Não estava cercando Laura. Era o contrario.
— Oh! — Laura apertou as mãos no rosto, satisfeita. — Fico tão contente que o tenha conhecido. Parece que assim Johnny fica mais real. Agora vou ter alguém com quem conversar sobre ele. é por isso que sinto tanta falta da escola. Lá eu e.. .
— Tenho de ir me trocar, Laura. — Carlos interrompeu, ele não estava com muita paciencia — Sua mãe já vai chegar.
— Claro! — Laura pareceu se entristecer. — Imagino o que ela não vai dizer quando descobrir que Johnny esteve aqui.
Mas Carlos não queria conversar mais. O dia havia começado bem e acabado pesadíssimo. Primeiro o confronto com James, depois a chegada inesperada de John e agora a descoberta de que Robert Borges sabia de seu caso com o filho. . . Era demais!
— Até mais tarde, Laura.
Uma vez na segurança de seu quarto, Carlos não conseguia tirar a pergunta da cabeça: Quem tinha convidado John a vir até a casa? E para quê? Quem, além de Laura, poderia ter qualquer interesse nisso? Podia ser que ele tivesse inventado a história. Era possível, mas não combinava muito bem com a impressão que o rapaz tinha causado em Carlos. E pra que ele inventaria isso? Talvez fosse apenas um jogo, uma tentativa de ver Laura. O que poderia ser? Carlos sacudiu a cabeça, ele pensaria nisso depois.
Entrou no banheiro e abriu as torneiras. Havia a possibilidade de alguém no Primeiro Mundo ter resolvido brincar com Laura. Uma colega de escola, talvez. Carlos sacudiu a cabeça. Provavelmente nunca descobriria com certeza. E não tinha importância, afinal. Suspirou. Importante era o comportamento de James, a aparente indiferença dele pelo fato de o pai saber de tudo. O que será que Robert Borges estava pensando dele? Será que James explicaria ao pai?
Despiu-se e mergulhou na água fresca.
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Na manhã seguinte, surpreendentemente, Débora Borges não mencionou a visita de John quando veio tomar café com a filha no intervalo das aulas. Ela parecia perdida em seus próprios pensamentos e Carlos achou que parecia mais cansada que de costume. Comentou o fato delicadamente, mas Débora reagiu quase com violência, dizendo que estava perfeitamente bem e não precisava das atenções dele.
Depois que ela saiu, Laura fez uma careta para Carlos.
— Papai não contou nada para ela que John esteve aqui — explicou, satisfeita. — Acho que foi o vovô quem disse para ele não contar. Ia dar a maior confusão. E, afinal de contas, não aconteceu nada, não é mesmo?
Carlos não sabia o que pensar. Detestava intrigas, mas ao mesmo tempo isso o poupava de ter de explicar a Débora por que tinha saído com o rapaz.
— Mas eu gostaria de saber por que ele veio aqui — continuou Laura. — Tem certeza de que não foi você quem convidou?
— Não, Laura, pense um pouco. — Carlos suspirou. — Por que é que eu havia de chamar Johnny aqui?
— Sei lá! — Laura apoiou os cotovelos na mesa e o rosto nas mãos. — Ai, eu queria ter estado aqui. Queria tanto vê-lo.
Carlos não disse nada, apenas indicou a passagem do livro que estavam estudando. E Laura tornou a se concentrar.
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Débora Borges mandou chamar Carlos na manhã de sábado, quando ele estava se preparando para ir para Londres. Estava pensando em perguntar se não havia objeções a ele passar a noite fora, mas a chamada de Débora varria todos os outros pensamentos de sua mente. Enquanto descia as escadas tudo o que conseguia pensar era em James e Laura e na visita de John, que Débora talvez já tivesse descoberto de alguma forma.
Mas, para sua surpresa, Débora queria era convidá-lo para o jantar que ia dar no domingo à noite.
— Seremos oito apenas — disse ela, sorrindo. — James e eu, claro, meus sogros, Sr. e Sra. Robert Borges, Trevor Frontes, que passou os dois últimos anos na África do Sul, Clive Lester, amigo de meu marido, Laura e. .. você.
Carlos imaginou se James teria inventado aquele convite e buscou desesperadamente uma desculpa.
— Na verdade, Sra. Borges, eu estava pensando em passar o fim de semana em Londres — disse, sem jeito.
— Ah, não vai me decepcionar, não é, Sr. Douglas? — Débora não era das que desistem facilmente. — Para dizer a verdade, o jovem que ia acompanhar o Sr. Lester ficou doente e eu não sei mais o que fazer para arranjar companhia para ele.
— Como? Desculpe, mas eu. . . — Carlos tentou dizer.
— Ah, por favor. Você vai gostar .Você é gay, ele é bi, e você Não tem se divertido muito desde que veio para cá.
— Mas, Sra. Borges. . .
— Você ia mesmo voltar até amanhã de noite, não ia, Sr. Douglas? — O tom de Débora era mais frio agora. — Evidentemente não faço nenhuma objeção a que passe a noite fora, se é isso o que teme. Mas acho que não é demais pedir que chegue um pouquinho mais cedo para jantar conosco.
Carlos suspirou e Débora não deixou escapar a chance.
— Sabia que podia contar com você, Sr. Douglas! Muito bem, espero-o amanhã às sete e meia para os drinques na biblioteca, certo?
— Obrigada.
Carlos não fazia ideia do que tinha agradecido e, mais tarde, durante a viagem para Londres, não conseguiu evitar aquela horrível sensação de desastre iminente que sempre precede ocasiões desagradáveis. Será que James era o responsável pelo convite? E, se fosse, o que será que pretendia?
Tim ficou felicíssimo ao vê-lo. Ele também era professor, apesar de ter começado a carreira como desenhista profissional. Tinha um apartamento em Vitoria e, desde que conhecera Carlos, vivia insistindo com ele para que se mudasse para lá. Já tinha desistido de pedi-lo em namoro, mas ainda não perdera as esperanças de que ele pudesse mudar de ideia algum dia,
Almoçaram num restaurante chinês que ficava perto e ele contou as coisas de sempre, omitindo cuidadosamente o nome de seu patrão. Uma vez, numa crise de depressão, tinha confiado a Tim aquele período infeliz de sua vida e não queria contar agora que estava vivendo na casa do homem que o havia feito sofrer tanto.
Mas enquanto ele contava coisas de seu trabalho na escola, Carlos se distraiu.
— Ei! Está me ouvindo? — ele exclamou.
— Desculpe, Tim — disse Carlos, voltando à realidade. — O que é que estava dizendo?
— No que é que estava pensando? Isso é mais importante.
— Em nada. — Carlos forçou um sorriso.
— Tem certeza? Agora estou notando melhor que você está meio abatido. Trabalhando demais?
— Não, imagine! — E Carlos não mentia.— Estou gostando muito. Laura é muito inteligente.
— Então sua aluna se chama Laura?
— É.
— Como ela é? Uma dessas garotas posudas, de nariz empinado?
— Nada disso! — Carlos riu. — Bem ao contrário. Para você ver, ela foi afastada da escola porque os pais descobriram que estava envolvida com um engenheiro que trabalhava lá perto.
— É mesmo? — Tim se divertia. — Ela parece ótima.
— E é, mesmo.
— Como é mesmo o nome dela? Frontes?
— Não, não. Ela se chama Borges. Laura Borges.
— Borges? — Tim fechou os olhos, tentando lembrar-se.
— Olhe, você não me contou uma vez que teveque conheceu alguém chamado Borges? Que tinha uma filha?
— É. Esse mesmo. — Carlos apoiou o rosto na mão. — É ele mesmo o meu patrão, é melhor você saber de uma vez.
— O quê? — Tim estava perplexo. — Você não ia me contar, é?
— Eu. .. talvez não. Mas eu mesmo não sabia até a hora em que cheguei lá, Tim. Quem me entrevistou foi a Sra. Frontes, porque Débora Borges é paralítica e prefere não fazer essas coisas, por causa da cadeira de rodas.
— Foi isso o que ela disse?
— Foi.
— E por que você não recusou o emprego quando descobriu na casa de quem era?
— Eu ia desistir! — Carlos suspirou. — Mas aí conheci Laura e resolvi ficar.
— Só por isso?
— Acho que sim.
— E como é que o Borges reagiu? — perguntou Tim, travando os dentes.
— Ele entendeu tudo o que aconteceu. E já sabe que não quero mais nada com ele.
— É mesmo? — Tim parecia não acreditar.
— É tutor da filha dele? Que virada, hein?
— Não fique bravo comigo, Tim — disse ele, baixando os olhos. — É um emprego. Só isso.
— Será mesmo? Se ele não está mais interessado em você, por que não o despediu logo? Como é que pode ter certeza de que você não vai contar tudo para a mulher dele?
— Se ele me mandasse embora sem nenhuma razão, aí sim é que a mulher ia desconfiar — explicou Carlos.
— E a mulher? — perguntou Tim, ainda não convencido. — Como é que ela é?
— Não sei bem — disse Carlos depois de pensar um instante. — Às vezes ela parece gentil, outras. .. Ela me convidou para um jantar, amanhã à noite.
— O quê? — Tim estava perplexo, — Tem certeza de que foi mesmo a Sra. Borges quem o convidou? Ele não dizia , que era uma megera, bruxa má? Tá mais com cara , de ser dele.
— Eu também tinha essa dúvida — disse Carlos, encolhendo os ombros. — Mas só pode ser. James nunca...
— James?
— Oh, Tim! Pare de tentar me pegar. É isso mesmo: James. Como queria que eu o chamasse? Sr. Borges? Tim, eu o amei. Durante três meses eu... eu vivi em função dele. Não vai querer que esqueça isso. Não tem como apagar isso da minha vida.
— Oh, Carlos! — Tim agarrou a mão dele sobre a mesa. — Carlos, você é um bobo, sabia? Ficar naquela casa! Diga o que quiser, mas você é igualzinha a James Borges. Ficar lá quer dizer construir sua própria infelicidade.
— Não é verdade. — Carlos afastou a mão. — Você não entende, Tim? Esse é o único jeito. Não posso ficar fugindo a minha vida inteira.
— Você estava fugindo?
— Acho que sim.
— Está louco! — Tim estava furioso.
— Tim, já lhe disse. É um emprego. Só isso. E eu sou bastante competente. É só isso que sei fazer.
— Eu adoraria provar que você está errado — murmurou ele com um suspiro.
Tim não encompridou o assunto, mas a conversa bastou para estragar o fim de semana. Mesmo os arranjos complicados para ele dormir no sofá da sala enquanto ele ficava com a cama não foram divertidos como tantas vezes antes.
xxxx
Na manhã de domingo Carlos acordou com a cabeça pesada depois de poucas horas de sono. Tim dormia profundamente no sofá. Ele se lavou, vestiu-se silenciosamente e foi embora, deixando um bilhete ao lado dele. Era covardia sua, mas não conseguiria aguentar mais recriminações, se o acordasse.
Era cedo demais para voltar para a casa dos Borges e ele subiu a rua em direção ao parque. Pretendia deixar a mala depositada na estação de trem e então tomar seu café da manhã em algum lugar. Mas um carro esporte verde parou ao lado dele.
Carlos recuou um passo. James colocou a cabeça para fora.
— Entre! — disse com firmeza.
— Eu.. . por quê? — ele perguntou, nervoso, olhando em torno. James abriu a porta e desceu para a calçada. Suas roupas estavam amassadas, a barba por fazer, os olhos vermelhos e cansados.
— Entre, Carlos — ele insistiu em voz baixa, com uma nota de violência.
— De onde é que você veio? — ela perguntou, assustado. — O
que está fazendo aqui?
— Entre que eu conto — ele insistiu, pegando a mala da mão dele e atirando-a para o banco de trás.
Carlos hesitou um instante e obedeceu. O carro cheirava a bebida e charuto e havia uma garrafa de uísque vazia no chão. Ele encarou James enquanto ele dirigia e sentiu quase que fisicamente uma sensação de inevitável!. O que é que ele fazia ali? Como o havia
encontrado?
James virou uma rua e seguiram por um labirinto de vielas que Carlos nem sabia existirem por ali. James parou o carro ao lado de um velho cemitério.
— Podemos andar um pouco? — ele sugeriu.
Carlos hesitou, olhando o cemitério sossegado, cheio de árvores e plantas, absolutamente deserto.
Caminharam lado a lado algum tempo, James parecendo sombrio e desgastado, as mãos enfiadas nos bolsos.
— Quem é o rapaz? — ele perguntou afinal, com voz amarga.
— Chama-se Timothy Frank — ele respondeu com franqueza. — Mas não vejo no que isso possa interessá-lo.
— Não? — James parou e olhou para ele. — Quem é ele? E por que é que você passou a noite na casa dele?
— James! — Carlos estava chocado. — Você não tem o direito de me pedir satisfações!
— Acredite se quiser, mas eu o segui porque tinha certeza de que ia se encontrar com Monteiro!
— O quê?
— Você ouviu. — James contraiu os lábios. — Foi bobagem minha. Eu devia ter sabido que você não ia ser tão tolo!
Carlos o esbofeteou antes que pudesse pensar em se controlar.
— Não tenho por que ouvir isso de você, Sr. Borges. Ainda sou dono da minha vida quando não estou a seu serviço.
— E para onde ia agora? — James respirava com dificuldade, evidentemente tentando se controlar. — Bairro NM, talvez?
— E por que eu iria a NM? — ele perguntou.
— É lá que Monteiro está morando, não é?
— Pelo amor de Deus! — Os olhos dele brilharam de ódio. — Já lhe disse uma vez que conheço John tanto quanto você.
— Ê mesmo?
— Claro! — ele respondeu, exasperado. — Conversei com ele naquele dia, mas você podia ter conversado também.
— Você não me deixou.
— Ele mandou chamar a mim! — Carlos suspirou. — Não creio que ele quisesse falar com você.
— Se acha que acreditei naquela besteira de que foi Laura quem o mandou falar com você, está muito enganado.
— Problema seu.
— O que não consigo entender é por que Laura encobriu a sua atitude.
— Oh, James! — Carlos voltou-se para ele, involuntariamente preocupado com o tormento que via em seu rosto. — James, não se preocupe com Laura. Mesmo! Nada de mal vai acontecer a ela, acredite.
— Pelo amor de Deus, Carlos, eu não passei a noite inteira dentro do carro na frente daquele maldito apartamento só por causa de Laura!
Carlos prendeu a respiração ao ver que ele tirava as mãos dos bolsos e avançava para ele.
— Não, James, não! Não pode fazer isso — ele protestou, quase sem voz.
— Tenho de fazê-lo, Bebê. — Ele o agarrou pelos braços com força e puxou-o contra si.
— Tenho certeza. . .
A boca de James pousou sobre os lábios dele apaixonado e duramente. Suas respirações se misturavam. Carlos sentia o cheiro, o gosto, o toque dele. Sentia a barba crescida em sua pele e as mãos fortes que exploravam suas costas. Não sabia que se lembrava tão bem daquele corpo másculo, não se lembrava mais como era intenso o impulso de ceder e corresponder à urgência daquele toque. Sentiu as mãos dele abrirem caminho entre suas roupas e tocarem, cálidas, as suas costas. Sua pele parecia queimar. Ele tinha perdido James.
— James. . . — ele murmurou ofegante contra os lábios dele.
— Não resista, Meu Carlos — ele disse entre os lábios dele.
E, quase contra a vontade, ele se viu retribuindo aquele beijo, os braços enlaçando a cintura dele, a boca vibrante sob os lábios de James. Ele o apertou mais forte e Carlos compreendeu que não tinha nenhuma intenção de deixá-lo escapar. Em um minuto ele o estaria deitando na relva daquele cemitério solitário e então. . .
Ele não sabia se teria forças ou vontade de resistir, mas ia ter de tentar. Fechou os olhos contra aquela inegável atração que a sensualidade dele provocava, levantou o pé e chutou com violência a canela de James. Ele não ia conseguir resistir a James, ele tinha que fugir, ele Correu para os portões do cemitério, ofegante de cansaço e de emoção. E parou. Sua mala tinha ficado no carro. A mochila também, e não tinha nem um vintém para poder voltar para a casa de James.
Arrumou as roupas e voltou-se. James vinha vindo, caminhando cabisbaixo, ignorando a presença dele. Carlos pensou então em por que não conseguia sentir raiva nem desprezo por ele. O que era aquela sensação? Pena? Compaixão? Por que deveria sentir compaixão por um homem que só merecia seu desprezo? O amor tudo vence, foi a resposta simples que ele lembrou ironicamente.
Ele levantou a cabeça e olhou para ee.
— Pode me dar minhas coisas, por favor? — ele disse com uma agressividade que absolutamente não sentia.
— Por quê? Se vai voltar para minha casa, pode vir comigo.
— Não. Não quero ir com você. Além disso, o que é que sua mulher ia pensar se nos visse chegar juntos? Sobretudo depois de você ter passado a noite fora. ..
— Que me importa? — ele disse friamente.
— A mim importa, sim. Não quero perder meu emprego só por causa... só por sua causa.
— Faça o que quiser.
Ele abriu o carro, colocou a mala na calçada e entregou a ele a mochila.
— Obrigada.
Ele ia se afastar, mas sentiu uma inexplicável responsabilidade para com ele.
— James — disse mansamente. — Eu... eu não fui para a cama com ele. Com Tim. Tim Frank. Acredite se quiser, mas nunca fui para a cama com ele.
— Por que é que está me dizendo isso? — ele perguntou, sombrio.
— Não sei — ele disse, confuso. — Achei que estaria interessado.
— Interessado? — Ele soltou uma risada amarga. — Ah, vá embora, Carlos. Deixe-me sozinho! juro que gostaria de nunca mais vê-lo na minha frente.
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Carlos chegou tarde a Casa dos Borges. Depois de guardar a mala na estação, vagara pela cidade, perdendo-se na multidão. Precisava daquele isolamento.
Já era bem tarde quando o trem chegou. Evidentemente Gustavo não estava lá para levá-lo e teve de tomar um táxi, apesar do rombo que isso fazia em seu orçamento. Se não tomasse cuidado, ia ter de ficar mais um mês no emprego para poder pagar o que devia. E agora já estava bem certo de que ia pedir sua demissão. Não ia dá para suportar.
Viu o carro de James estacionado diante da casa e sentiu-se aliviado. Ele tinha chegado em segurança. Ele estava muito bêbado. A prova da idiotice dele, era essa preocupação com James. Cruzou apenas com a Sra. Fatima, a caminho de seu quarto. Mas mal tinha tido tempo de abrir a mala e ouviu alguém batendo à porta. Hesitou por um momento, respirou fundo e foi abrir.
Felizmente era apenas Laura.
— Oi — disse a garota. — Posso entrar?
Carlos se afastou para ela passar e fechou a porta.
— Adivinhe uma coisa — Laura disse, excitada. — Encontrei Johnny!
— é? — Carlos sentou-se na beira da cama.
— Hoje à tarde. Ele telefonou para cá. Disse que ia mandar chamar você se alguma outra pessoa atendesse. Mas papai foi velejar desde ontem, mamãe estava ocupada com os preparativos do jantar e fui eu mesma que atendi.
— Entendo — disse Carlos, suspirando e sabendo que se James soubesse disso ia pensar o pior. Mas o que importava, afinal? Talvez fosse até melhor que ele pensasse que ele tinha outro.
—Você não liga, não é? — perguntou Laura, um tanto ansiosa. — Quero dizer, não aconteceu nada demais. A gente só deu um passeio. E conversou.
— Não sei, Laura — disse Carlos, deitando-se para trás e colocando o braço sob os olhos. — Não gosto muito de servir de bode expiatório para as suas intrigas. Sabe muito bem que, se sua mãe descobrir, vai colocar a culpa em mim. E quem é que poderia discutir?
— Mas como é que ela pode descobrir?
— Pais sempre acabam descobrindo. — Carlos se apoiou no cotovelo. — Olhe, nós fizemos um acordo.
— Fizemos. Você disse que ia me ajudar a encontrar Johnny às vezes.
— Eu não disse isso!
— Disse, sim. — Laura assumiu aquele ar rebelde que ostentava para os pais. — Disse que se eu me esforçasse.. .
— Laura! Faz pouco mais de duas semanas que cheguei aqui. Dê-me tempo. Como posso ajudá-la se insiste em se comportar de uma forma que seus pais não aprovam?
— Por que é que não posso ver John de vez em quando?
— Só espero é que ele não se acostume a aparecer por aqui mandando me chamar! — Carlos examinou Laura. — Foi você que aprontou isso, não foi?
— Não!
— Mas combinou de encontrá-lo de novo, não é? — Carlos desconfiava da veemência excessiva da menina.
— Não vou contar nada.
— Muito bem. Quer que eu vá contar à sua mãe que esteve com ele hoje?
— Você não faria isso!
— Não me provoque, estou na droga do meu limite! — Carlos se sentou na cama.
— Está bem. — Laura parecia estar em conflito consigo mesma. — Prometi me encontrar com ele de novo na sexta-feira.
— Laura! — Carlos se pôs de pé. — E espera que eu concorde com isso?
— Você disse que era meu amigo!
— E sou. Sou, sim. Mas não foi isso o que combinamos, foi? Sair para se encontrar com John não vai melhorar nada a ideia que seus pais fazem dele.
— Mas eles nunca vão permitir que eu saia com ele.
— Isso você não pode afirmar, tente parar de se postar como uma criança mimada e seja inteligente. — Carlos sacudiu a cabeça, cansado. — Já lhe disse. Eu ajudo. Mas não assim. E se ele telefonar de novo pode contar a ele o que eu disse.
— Então, quando é que vou poder vê-lo?
— Depois. Depois. Daqui a uns dois meses.. .
— Dois meses! — Laura estava horrorizada.
— Essas coisas levam tempo, Laura. Confie em mim! Eu sei o que estou dizendo.
Mas será que sabia? Quem era ele para aconselhar os outros? Não tinha sido muito bem-sucedido com sua própria vida, tinha?
— Como posso ter certeza de que você não está interessado em nos separar? — disse ela de olhos baixos.
— O que quer dizer isso? — perguntou Carlos de olhos arregalados.
— É. John veio visitar você quando eu estava fora, não veio? E ele me disse que foi você quem mandou chamá-lo. Como posso ter certeza de que não está interessado nele? Você é gay né? Talvez , você se apaixonou de tanto eu falar dele,Talvez ele quisesse mesmo era falar com você quando telefonou hoje.
— Laura! — Carlos molhou os lábios. — Acha mesmo isso?
— Não sei.
— Bem, se pensa assim, é bom que saiba que eu nunca tinha visto John na minha vida antes daquele dia em que ele veio aqui. E, ao contrário das suas suspeitas, não sinto nenhuma atração por ele. Não estou apaixonada por ele.
— Isso não quer dizer que ele não sinta atração por você, não é? — O lábio inferior de Laura tremia. — Quer dizer, mamãe estava dizendo que muitos homens sentem atração por homens do seu tipo.
— Sua mãe. . . disse isso? — Carlos estava quase sufocado.
— Disse.
— E a troco de quê?
— Foi ontem. Na hora do almoço. — Laura prosseguiu: — Antes de papai sair para velejar. Ela disse que você ia passar a noite em Londres.
— E daí?
— Bom, ela disse que você provavelmente ia encontrar com algum homem. Disse que você morava com um rapaz antes de vir para cá. Ela tem o endereço.
— Meu Deus! — Carlos sentiu náuseas. Então era assim que James o havia descoberto. — Mas por que ela disse uma coisa dessas? O que tem a ver com isso?
— Você não conhece bem a minha mãe, Sr. Douglas. Ela gosta de falar dessas coisas. Não que esteja interessada em.. . em sexo. Desde que teve o acidente ela não deixa o papai nem encostar nela. Ela ficou fria, nem dá prazer ficar ao lado dela.
— Como é que você pode saber? Como você sabe da vida sexual dos seus pais menina?
— Ah, eu sei. Ela se encolhe toda quando papai chega perto dela. Mas isso não quer dizer que não ligue para ele. Se alguma mulher, dessas que vêm jantar aqui de vez em quando, tenta flertar com ele, mamãe fica furiosa. Ela é muito ciumenta, sabe?
— Laura, acho que não devia dizer essas coisas de sua mãe.
— Por que não? Foi você quem perguntou.
— Eu sei, mas...
— Sabe minha mãe, não é sociável , ela sempre faz de tudo pro papai ficar mal, e fica fazendo insinuações.
— Laura!
— Bom, como eu ia dizendo, mamãe insinuou que você. . . e john— A garota hesitou. — Ela não sabe que John esteve aqui, mas acho que, se soubesse. . . ela meio que iria jogar na minha cara ...
Carlos tentava entender o que a menina estava dizendo. Sabia que havia certas pessoas que adoravam atormentar os outros. Mas fazer isso com a própria filha!
Foi até a janela, torcendo as mãos. A ideia que acabava de lhe ocorrer era muito improvável, mas. . . Talvez fosse Débora a responsável pela visita de John. Ela era a que tinha tido a melhor oportunidade para chamá-lo. E sabia que Carlos ia estar sozinho na casa. A presença de James tinha sido inesperada;
Carlos percebeu que estava com a respiração agitada. Aquela ideia maldosa atingia-o como um soco. Seria possível? E, se fosse, por que é que Débora faria uma coisa dessas?
Não adiantava nada ficar se atormentando. Era apenas uma suposição infundada. De qualquer forma, Laura o tinha advertido sobre a própria mãe. E ele lhe era grato por isso.
— Algum problema, Douglas? — perguntou Laura, preocupada. — Não está pensando em ir embora só porque. . . só porque minha mãe se interessa demais pela vida dos outros, não é?
— Não, Laura, claro que não. — Carlos sentiu, de repente o peso de sua responsabilidade.
— Eu não vou encontrar John na sexta-feira, Tá? — disse Laura, aliviada. — Vou tentar mandar um recado para ele.
— Muito obrigada — respondeu Carlos.
— Melhor eu ir me aprontar para o jantar agora. Mamãe me contou que você vai jantar conosco.
Carlos fez que sim com a cabeça. Tudo o que desejava naquele momento era não ter de ir a jantar nenhum! Ele estava pensando, talvez, apenas talvez, James não tivesse o enganado totalmente, talvez, só talvez, ele tivesse falando a verdade anos atrás . Apenas Talvez.
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Incoerências? Me falem, eu me perco as vezes.kkk