Quero agradecer a todos que estão acompanhando a história. Recebi alguns emails e estou muito feliz com a repercussão. Realmente quase não se encontram romances onde o protagonista é uma pessoa gordinha, então espero que curtam esse romance escrevo com tanto prazer. O conto é semana, mas como muitas pessoas gostaram do primeiro capítulo decidi postar o segundo agora. O terceiro será postado apenas no Sábado (6), a noite. Obrigado pela atenção.
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Queridos Pai e Mãe,
Nossa primeira semana aqui em Manaus foi agitada. Desculpem-me, mas o Richard quase se machucou, e a culpa foi minha. Depois da confusão no banheiro, a Tia Olívia redobrou os cuidados conosco. Ela até cogitou contratar uma babá, mas, graças a Deus, desistiu da ideia nos 45 minutos do segundo tempo.
***
Obras e reformas dentro de casa se tornaram a palavra de ordem. A imobiliária enviou uma equipe para cuidar das mudanças maiores. Ainda bem que foi rápido — eu não aguentaria mais uma semana convivendo com o cheiro de fumaça do banheiro (obrigado, Richard).
— Tia. — Falei com tédio, ouvindo ao fundo o som dos grilos que vinham de fora.
— Oi? — Ela respondeu sem tirar os olhos das planilhas e documentos.
— Podemos ir ao centro da cidade? Estamos mofando aqui dentro.
— Hoje à tarde. — Disse, sem levantar a cabeça. — Deixe os funcionários da imobiliária terminarem o serviço primeiro.
— Tudo bem.
Sem TV a cabo e sem internet, o que três menores de idade podem fazer nessa situação? Decidi ouvir música. No caso, House of Cards, do Radiohead. Olhei para o lado e vi alguns móveis velhos no fundo da casa. Resolvi reformá-los para usar no meu quarto.
Sempre fui bom em marcenaria e em restaurar objetos usados. Minha tia, inclusive, sempre aproveitava esse meu dom para consertar algumas coisas. Mas logo percebi que não tinha as ferramentas necessárias para o trabalho, então saí em busca de uma loja de material de construção. Por um milagre de Deus, o sol não estava tão forte.
No caminho, esbarrei com Letícia — a garota que quase me matou com uma bola.
Que menina bonita. Ela tinha o perfil das mulheres de Manaus: morena, cabelos longos e lisos, rosto afilado e olhos castanhos. Usava um vestido provocante, mas tentei não ser indiscreto.
— Desculpa por ter acertado a bola em ti. — Ela se desculpou pela segunda vez e, por alguma razão, senti meu rosto corar.
— Relaxa. Estou acostumado. Afinal, sou um alvo muito grande para ser ignorado. — Brinquei, conseguindo arrancar um riso abafado dela.
— E você, está indo comprar o quê?
— Pregos, tinta e alguns materiais para reformar os móveis que o antigo dono da casa deixou para trás. — Expliquei, com o traquejo social de um jabuti, caminhando ao lado dela.
— Ah, bacana.
— E você? Toda arrumada... — Parei de falar ao perceber que estava sendo indiscreto.
— Vou a uma agência de modelos. Coisa da minha mãe. Ela gosta que eu tenha alguma atividade além de jogar futebol com os meninos. — Contou, ajeitando o cabelo que insistia em cair sobre o rosto.
Que conversa interessante. Letícia me indicou uma loja de material de construção e também comentou sobre alguns pequenos trabalhos que já havia feito no mundo da moda. Infelizmente, tivemos que nos despedir quando ela parou no ponto de ônibus.
Nota mental: no Rio de Janeiro, chamamos de ponto de ônibus; já em Manaus, dizem "parada". Expliquei essa diferença para Letícia, e ela não sabia. Achei curioso.
— Ei, Yuri. Hoje à noite vamos nos reunir no Fred's para comer uma merenda. — Convidou ela.
— Fred's? — Perguntei, achando que fosse uma pessoa.
— Aquela lanchonete vermelha. — Explicou, apontando com os lábios para um estabelecimento com o letreiro escrito "Fred's".
— Claro. — Respondi, estranhando esse gesto e achando, por um segundo, que ela tinha me mandado um beijo. — Que horas? — Perguntei, tentando parecer natural. Nunca recebo convites para nada.
— Às 19h. Aparece lá. A galera vai se reunir.
— Tudo bem. — Me despedi.
Letícia era linda, mas um pouco rústica. Com treino e prática, poderia se tornar uma ótima modelo. Será que ela e o Zedu ficavam? Espera... Por que eu estava pensando no Zedu? Ele também era bonito e rústico. Sua pele bronzeada lembrava a dos garotos do Rio de Janeiro.
Voltei com as compras e, para minha surpresa, Zedu estava me esperando. "Tá, Yuri. Segura a onda", pensei. Na verdade, meu desejo era pular naquele pescoço gostoso e devorá-lo sem piedade. Em seguida, voltei à realidade, porque, afinal, meu Deus grego me chamava.
— E aí, maninho, qual incêndio vamos apagar hoje? — perguntou ele, escorado no muro de casa. Tenho certeza de que Zedu é o tipo de homem que sabe da própria beleza. Não é possível.
— O incêndio que é esse sol. Sério, Manaus deve ter um sol só para ela. — Falei, abrindo a porta.
— Na verdade, um sol para cada habitante. Quente pra cacete! — Zedu riu sozinho de sua própria piada.
— Nem me fale. — Soltei um riso.
— Qual é a missão de hoje? — Ele perguntou, pulando a mureta, mesmo com a porta aberta.
— Transformar uma mesa e um armário em algo apresentável. — Expliquei, apontando para os móveis abandonados no chão.
— Só vamo.
Passamos uma tarde agradável. Zedu era muito prestativo, um cara do bem e, surpreendentemente, bem diferente dos homens do estilo dele — no caso, aqueles padrões e babacas. No Rio de Janeiro, por exemplo, alguém como Zedu nunca se aproximaria de mim. Minha tia estava feliz porque eu finalmente havia conseguido um amigo.
— Viu, Giovanna? Seu irmão já está fazendo amigos. — Ressaltou a tia Olívia, observando a gente trabalhar.
— Titia, olhe para mim. — Giovanna disse com desdém. — Agora olhe para as meninas dessa rua. Pelo amor de Deus, é uma diferença gritante. Quando eu começar na escola nova...
— Giovanna. — Titia a repreendeu. — Não vá fazer como na outra escola e...
— Titia, não tenho culpa se a Michelle caiu da escada e quebrou o pé. Alguém tinha que ser a Rainha do Baile de Outono. — Giovanna fez uma careta engraçada e jogou os cabelos loiros para o lado.
Minha irmã era, na verdade, um projeto de Abelha Rainha. Na escola, conseguiu desbancar as veteranas no cargo, mas acabou exagerando e quase matou uma colega de classe. A situação ficou tão feia que quase rendeu um processo para minha tia. No fim, Giovanna foi a menina mais nova do Brasil a prestar serviço comunitário. Quer dizer...
O tempo passou tão rápido que nem percebemos. O sol começou a se pôr, e várias aves sobrevoaram nossa casa. Eram lindas. Suas penas vermelhas ganhavam destaque contra o céu azul.
Segundo Zedu, eram araras. Essas aves são conhecidas por permanecerem com o mesmo parceiro por toda a vida. Poético, né? Ele ficava tão fofo explicando as coisas.
Os móveis ficaram maravilhosos. Pintamos a mesa de azul e o armário de branco. Zedu consertou as partes quebradas. Colocamos tudo em um local protegido para secar e nos sentamos no chão. Eu não queria que o dia acabasse, mas as coisas ainda podiam melhorar.
— Nossa, tô imundo. Fora que tá quente pra cacete. Posso me molhar na mangueira? — Ele perguntou, tirando a camiseta e se aproximando da mangueira no quintal.
— Cla... cla... — Eu não conseguia falar, apenas sentir.
Ele era perfeito. Filho da mãe. Fazer isso perto de mim, por quê? Na minha imaginação, eu pulava em cima dele e beijava cada centímetro daquele corpo. Chupava o pescoço, os mamilos e tudo mais. Minha mente adorava viajar em sonhos impossíveis.
— Você não vem? — Ele perguntou, jogando água na minha direção. — A gente podia estar dando um tchibum na Ponta Negra, mas uma mangueira resolve.
— Um o quê? — Pensei, mas logo tratei de responder. — Não. Tá quase na hora de tomar banho, então...
Titia destruiu o clima. Apareceu com uma bandeja de sanduíches e suco. Que merda. Odeio comer na frente dos outros, principalmente dos crushes. Sentamos no chão e começamos a lanchar. Zedu estava todo molhado. Eu tentava fingir costume com aquela situação.
— Zedu, você gostaria de nos acompanhar ao centro amanhã? — Titia perguntou, escorada na porta do quintal.
— Não, tia, ele não pode. Deve ter outras coisas para fazer e... — Tentei evitar, mas Zedu foi mais rápido.
— Vou sim. — Respondeu, completamente à vontade com a minha família. Nossa, que vontade de socar esse garoto.
— Graças a Deus. Não sei andar aqui ainda. Só um minutinho. GIOVANNA! RICHARD! ESTOU ATRASADA! — Titia exclamou, antes de retomar o raciocínio. — Pois é, eu não sei me localizar direito.
— Credo, tia, não estamos surdos. — Giovanna saiu de casa com um guarda-chuva na mão, entrou no carro e, menos de um minuto depois, voltou. — Tá impossível ficar nesse veículo. Essa cidade é um crime contra a chapinha!
— Olha, Giovanna... — Titia começou a reclamar, mas entrou no carro para ligar o ar-condicionado. — Pronto, princesa. RICHARD! NÃO VOU CHAMAR DUAS VEZES!
— Ela grita alto que só. — Comentou Zedu, rindo.
Eu não resisti e ri do comentário do meu amigo. Ele me olhou estranho, então precisei explicar que ainda não estava acostumado com algumas expressões do Amazonas. O jeito como falam, o sotaque carregado, as palavras diferentes... tudo isso ainda era novidade para mim. O Zedu riu e disse que os amazonenses tinham sua própria língua: o amazonês.
— Pois é, você se acostuma. Nem tímpanos eu tenho mais.
Contei para o Zedu sobre o convite da Letícia. Ele garantiu que seria uma boa ideia conhecer a turma na lanchonete. Apesar da ansiedade que tomou conta de mim, aceitei o desafio. Cidade nova, novas oportunidades.
De volta ao meu quarto, admirei os móveis recém-reformados. Haviam ficado lindos, posicionados estrategicamente para otimizar o espaço. Reformar era uma forma de desestressar, uma maneira de canalizar minha energia acumulada em algo produtivo.
Mas minha mente insistia em me sabotar. A imagem do Zedu se molhando na mangueira continuava orbitando nos meus pensamentos. O jeito que a água escorria pelo seu peito, seus cabelos molhados, o sorriso despreocupado... Eu precisava me controlar. Suspirei, tentando afastar a lembrança, mas, infelizmente, ela logo foi substituída por outra: a minha própria imagem refletida no espelho.
Pele clara demais, um corpo sem graça, marcado por cicatrizes do passado. Mesmo se o Zedu fosse gay, eu jamais teria alguma chance com ele.
No fundo, eu sabia que era um cara comum. Não chamava atenção, não era popular. Meu estilo era sempre o mesmo: camiseta preta e calça jeans. Mas, desta vez, queria causar uma boa impressão. Pela primeira vez, eu tinha uma chance real de fazer amigos de verdade, não apenas inventar histórias para alegrar minha tia. Talvez esse fosse um dos melhores presentes que Manaus poderia me dar.
***
Pontualmente às 19h, cheguei à lanchonete. Eles já estavam lá, conversando animadamente. Sentei-me, observando a interação do grupo. O que mais eu poderia fazer em um ambiente completamente novo? Eles eram legais, falavam sobre a cidade e compartilhavam informações úteis, como o perigo dos motoqueiros e os melhores lugares para comer.
No entanto, não consegui estabelecer uma conexão com o Brutus. Ele era completamente diferente de mim. Bonito, claro, mas um pouco... tapado.
— E as gatinhas cariocas, Yuri? Tinha muitas peguetes? — perguntou Brutus, antes de tomar um gole de refrigerante.
— Leso. — resmungou Zedu, jogando um guardanapo amassado na direção do amigo.
— O quê? Quero saber! As gatinhas do Sudeste ainda vão conhecer esse corpo. — Brutus se defendeu, rindo e passando as mãos pelos músculos definidos.
Como definir o Brutus? Um corpo escultural, daqueles que parecem ter saído direto de uma revista fitness. Sei que não deveria pensar assim, mas era a mais pura verdade. Ele começou a malhar aos 14 anos e, desde então, foi só ganhando massa muscular. Seus braços eram grandes, com veias saltadas, e a camiseta parecia estar prestes a rasgar de tão apertada.
— Mano do céu. Esse garoto só pensa nisso. Não se preocupe, Yuri. Tem momentos que ele presta. — disse Ramona, com um tom difícil de decifrar. Era fã ou hater? Fiquei na dúvida.
Ramona era uma garota baixinha, com cabelos encaracolados que exalavam um forte cheiro de morangos silvestres. O ventilador da lanchonete estava bem atrás dela, e toda aquela fragrância veio direto no meu rosto.
— Somos da zoeira, mas somos bonzinhos. — garantiu Letícia, segurando minha mão e sorrindo.
De repente, Ramona bateu palmas, chamando a atenção de todos.
— Falando em disfuncional, meu aniversário é essa semana e tenho uma notícia porreta!
— Você ganhou na loteria? — brincou Zedu.
— Melhor. Meu pai vai nos levar para Presidente Figueiredo.
O grupo inteiro explodiu em comemoração. Fiquei completamente deslocado, sem entender direito o motivo da empolgação. Felizmente, Zedu percebeu meu desconforto e explicou que era um passeio para uma cidade conhecida por suas belas cachoeiras. Antes que eu pudesse reagir, Ramona me convidou também.
— Vai morrer de colar, Yuri! Tú pode conhecer um pouco mais do Amazonas. — disse ela, animada.
— Claro, quer dizer... vou falar com a minha tia. — menti, porque, na verdade, não queria ir.
— Tenho certeza que ela vai deixar, grandão. Não conheço sua tia, mas ela deve ser chibata. — assegurou Brutus.
— Espero... estou tão ansioso para conhecer mais daqui. — Mais uma mentira.
Droga. Cachoeira significava uma coisa: gente tomando banho, de sunga, de biquíni, corpos expostos. A última vez que fiquei sem camisa na frente de alguém foi antes do acidente dos meus pais. E a ideia de reviver isso me deixava apavorado.
***
Após uma noite incrível, cheia de novas amizades, voltei para casa. Encontrei minha tia na sala, assistindo a uma série na TV. Ela havia baixado vários filmes no trabalho e conectado o notebook à televisão. Sentei ao lado dela e aproveitei um pouco do filme.
Foi então que mencionei a viagem para Presidente Figueiredo e o convite que havia recebido. Para minha surpresa, tia Olívia achou a ideia excelente.
— Mas, tia, não quero preocupá-la. Se eu não puder ir, prometo que vou entender. — A máscara do adolescente compreensivo estava ativada.
Ela tirou os óculos, me observou por um instante e perguntou:
— O pai da sua amiga vai?
— Sim.
— Então você pode ir.
Droga. Traidora. Agora eu teria que ficar sem camisa na frente do Zedu. E agora? O que eu vou fazer? Não posso. Será que consigo emagrecer 30 quilos em quatro dias? Para de delirar, Yuri. Droga. Talvez eu possa dizer que sou evangélico e, por questões religiosas, não posso tirar a blusa...
Os dias passaram voando e, ao invés de fazer dieta, eu acabei comendo em dobro. A ansiedade estava me consumindo. Quando finalmente chegou o dia da viagem, tia Olívia preparou um café reforçado e me levou até o ponto de encontro.
O grupo parecia animado, enquanto eu, por outro lado, só queria desaparecer. O pai da Ramona, seu Walter, era um cara simpático. Um coroa bonito, até. Divorciado, tinha tempo livre para atender aos desejos da filha.
Viajaríamos em uma Kombi branca, que, segundo Ramona, era o xodó do pai. Coloquei minha mochila na parte traseira, cumprimentei meus novos amigos e entrei no veículo. Acabei sentado ao lado do Zedu, que vestia uma camiseta regata e um short do Flamengo. Eu, por precaução, escolhi uma camisa branca e uma bermuda preta — nada que me deixasse muito exposto.
— Seu Walter, obrigada por cuidar do meu sobrinho esse fim de semana. — disse minha tia, cumprimentando o pai da Ramona.
— De nada. Qualquer amigo da minha bebê é bem-vindo. Vamos nessa? — perguntou ele, dando duas batidinhas na carroceria da Kombi.
Minha primeira viagem pelo Amazonas. Será que eu veria algum animal selvagem? Ou um índio? Eu estava tão nervoso que comecei a pensar besteira. Mas o que realmente me preocupava era lembrar que, inevitavelmente, teria que ficar sem camisa na frente de todos.
Por mais legais que fossem, eles ainda eram estranhos para mim. Eu precisava bolar um plano.
Fizemos uma parada para o café da manhã em um restaurante lindo. Pedi tapioca com queijo e banana frita. (Nota mental: lembrar de acrescentar leite condensado da próxima vez. Deve ficar ainda melhor.)
— Está gostando, Yuri? — perguntou seu Walter, tentando tirar uma foto do grupo com o celular.
— Sim. O lugar é adorável. A comida também está ótima. Obrigado, tio. — agradeci pela gentileza.
— Você precisa ver as cachoeiras. Vai amar. São lindas. — ele ressaltou, ainda concentrado na missão de registrar tudo em fotos.
Hesitei um pouco antes de perguntar, mas minha curiosidade foi maior:
— Será que não é perigoso? Digo... pode aparecer algum bicho, tipo cobra, onça ou jacaré?
No instante em que terminei a frase, percebi o quão idiota parecia minha pergunta. Todos riram, e eu disfarcei rindo junto. Mas, para minha surpresa, o pai da Ramona não descartou completamente a possibilidade de encontrarmos um animal selvagem.
— É sempre bom ter cautela. Estamos indo para um lugar de natureza preservada, e é o habitat deles. Mas fiquem tranquilos, só precisamos respeitar o espaço da fauna.
Ótimo. Agora, além do pavor de ficar sem camisa, eu tinha que me preocupar com cobras, onças e jacarés. A viagem mal tinha começado e eu já queria estar de volta em casa.
Seguimos viagem e, após alguns minutos, finalmente chegamos a Presidente Figueiredo. O trajeto foi uma experiência à parte: a estrada, apesar de alguns buracos traiçoeiros, não conseguia ofuscar a beleza da paisagem ao redor. As árvores imponentes margeavam o caminho, formando uma espécie de túnel verde que filtrava a luz do sol e projetava sombras dançantes no asfalto. O cheiro da terra úmida se misturava ao perfume exótico das plantas, criando um aroma fresco e revigorante.
No caminho, meus amigos compartilharam curiosidades sobre a região. Ramona, animada como sempre, falou sobre a quantidade de cachoeiras espalhadas pela cidade, enquanto Zedu comentou sobre os animais que poderíamos encontrar. Brutus, por outro lado, limitou-se a contar uma história absurda de um amigo que supostamente viu uma "cobra gigante devorar um boi inteiro". Tentei ignorar a informação, mas a ideia não saía da minha cabeça.
Nosso roteiro incluía cinco cachoeiras: Iracema, Pedra Furada, Onça, Santuário e Maroaga. Eu nunca fui do tipo aventureiro, então, assim que desci da Kombi, a primeira coisa que fiz foi passar protetor solar e uma quantidade generosa de repelente. Resultado: fiquei mais branco do que já sou.
Caramba. Nem bem havíamos chegado e Brutus e Zedu já estavam sem camisa. Como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.
Brutus era um verdadeiro armário. Ele tinha um físico impressionante, músculos bem definidos e uma largura de ombros que parecia dobrar a minha. Seu abdômen era trincado, e os braços pareciam prontos para carregar qualquer coisa – ou qualquer um – sem esforço. Já Zedu, embora menos musculoso, compensava com um físico proporcional e uma beleza quase hipnotizante. O tipo de cara que chamava atenção sem precisar se esforçar. Brutus era gostoso, mas Zedu era bonito. Muito bonito.
Enquanto os dois desfilavam suas perfeições genéticas, as meninas tiveram que se trocar dentro da Kombi. Assim que tudo estava pronto, seguimos rumo à primeira cachoeira.
Senhor, como era quente dentro da floresta! O ar abafado fazia o suor escorrer pelo meu rosto antes mesmo de começarmos a caminhada. Eu me sentia como a bruxa de O Mágico de Oz, derretendo aos poucos, mas, em vez de água, a Dorothy me jogou no meio da Floresta Amazônica.
Depois de alguns minutos caminhando, nos deparamos com um obstáculo que quase me fez soltar um palavrão: uma pedra gigantesca, na qual alguém teve a brilhante ideia de esculpir uma escada improvisada. Olhei para aquilo e suspirei.
— Pode vir, Yuri! — incentivou seu Walter, passando à frente com facilidade. — Quer ajuda?
— Estou bem. — respondi, forçando um sorriso enquanto tentava atravessar a rachadura na pedra sem demonstrar desespero.
Depois de um esforço digno de uma competição olímpica, consegui passar.
— Consegui! — comemorei, soltando um riso abafado.
— Muito bem, grandão. Só tira essa aranha do seu ombro. — alertou Zedu, passando por mim com um sorriso divertido.
— Credo! — soltei um gritinho patético, dando tapinhas desesperados no ombro até ter certeza de que o bicho não estava mais ali.
O que só piorou minha situação foi notar que Brutus e Zedu estavam cobertos de suor, os corpos brilhando sob a luz do sol filtrada pelas árvores. Meu Deus. Que visão era aquela?
— Vamos! — disse Letícia, me tirando do meu devaneio.
— Claro, claro.
Os garotos foram os primeiros a se jogarem na água. Seu Walter, para minha surpresa, até subiu em uma árvore e fez um salto cinematográfico. As meninas, por outro lado, passaram protetor solar como se fossem ganhar marquinhas de bronzeamento profissionais.
Eu? Bem, eu não tinha o corpo definido do Brutus nem a beleza do Zedu, então fiz o que qualquer pessoa insegura faria: peguei meu Kindle, ajeitei uma cadeira e comecei a ler.
— Você não vem? — perguntou Ramona, franzindo a testa.
— Daqui a pouco. É que meu corpo ainda está quente. — usei a primeira desculpa que me veio à cabeça.
— Letícia, a última que chegar na água é mulher do Brutus! — desafiou Ramona, disparando na direção da cachoeira.
— Deus me livre! — gritou Letícia, correndo logo atrás.
O lugar era realmente lindo. A água cristalina refletia o verde da floresta, e o som da cachoeira era como um convite para esquecer dos problemas. Mas ainda estava muito quente, e minha camisa ensopada de suor grudava na minha pele. Ainda bem que trouxe pelo menos umas cinco na mochila.
Foi divertido observar meu novo grupo de amigos se divertindo. Na verdade, eles eram os primeiros amigos que eu realmente tinha. Nunca fui popular na escola, e, para ser sincero, a maior parte do tempo fui o responsável por me isolar. Minha tia sempre se preocupou com essa minha tendência de me sabotar.
— Ei, Rio de Janeiro! — chamou Zedu, balançando a cabeça e espirrando um pouco de água na minha direção. — A gente não te trouxe de Manaus pra você ficar aí sentado lendo Paulo Coelho! Vem ficar de bubuia, a água tá geladinha!
Soltei um suspiro resignado e fechei meu Kindle.
— Estou indo. — disse, deixando o livro na mochila e me levantando.
— Você não vai tirar a blusa? — perguntou ele, observando-me com curiosidade.
Hesitei.
— Eu não sei... Tem muita gente e...
— Tá com vergonha? — ele riu. — Para com isso. Olha pra frente. — Apontou para as outras pessoas na cachoeira. — Tem vários caras mais fortes que você e eles tão de boa sem camisa.
Mordi o lábio, inquieto.
— Você diz isso porque é gostoso. — murmurei sem pensar.
— O quê? — Zedu franziu a testa.
— Falei que vou tirar. — disfarcei, puxando a barra da camisa e dobrando-a antes de deixá-la perto da mochila.
— Quem chegar por último é mulher do Brutus! — gritou Zedu antes de sair correndo e se atirar na água.
— Até que não seria uma má ideia... — murmurei, rindo para mim mesmo antes de segui-lo.
Você já fez algo de que se arrependeu imediatamente? Eu já. E foi exatamente quando pulei na água de uma vez só.
Puta merda!
Parecia que mil facas atravessavam o meu corpo ao mesmo tempo. Como um lugar tão abafado podia ter uma água tão gelada? Senti meu corpo inteiro encolher e soltei um grito involuntário, arrancando gargalhadas de todo mundo.
Mas, para minha surpresa, ninguém pareceu reparar no meu corpo. Nenhum olhar torto, nenhum cochicho. Apenas o Zedu, que lançou um olhar rápido na minha direção. Talvez por causa da nossa conversa mais cedo. Depois disso, ele se afastou e resolveu subir no alto da cachoeira.
As meninas vieram até mim, cheias de perguntas. Falei sobre meus pais, que haviam falecido, o motivo de eu ter me mudado para o Amazonas, minhas lembranças da escola antiga e, claro, minha vida amorosa – ou a total falta dela. Em troca, elas me contaram um pouco sobre a amizade do grupo e algumas aventuras que já haviam vivido juntos.
Zedu foi o primeiro a chegar no bairro. Conheceu Brutus ainda no ensino fundamental, e os dois se tornaram inseparáveis. Depois veio Ramona, mas ela só se aproximou dos garotos quando Letícia chegou. No fim das contas, todos passaram a estudar no mesmo colégio e a amizade se fortaleceu ao longo dos anos.
— Acho muito legal a amizade de vocês. Com tantas mudanças — e minha total falta de habilidades sociais — acabei não fazendo nenhum amigo. Depois que meus pais morreram, me fechei ainda mais. — confessei, olhando para as duas.
— Deve ter sido difícil perder sua família, né? — Ramona perguntou, sua expressão carregada de empatia.
— É uma dor que não diminui, mesmo com a distância...
Minha linha de raciocínio foi brutalmente interrompida quando um corpo foi lançado na nossa direção.
— Trouxe o fugitivo! — gritou Brutus, exibindo os músculos com orgulho enquanto ria.
Zedu emergiu da água, sacudiu a cabeça como um cachorro molhado e nos encharcou com as gotículas. Todos rimos daquela cena, mas, antes que pudéssemos continuar a conversa, o pai de Ramona chamou nossa atenção. Era hora de explorar outra cachoeira.
— Esperem! — Ramona saiu da água às pressas para pegar o celular. — Vamos tirar nossa primeira selfie juntos!
Correu com cuidado, segurando o aparelho como se sua vida dependesse disso.
Selfie do grupo:
Brutus: mostrando os músculos.
Ramona: fazendo duck face e piscando.
Letícia: de perfil, ajeitando os óculos escuros.
Zedu: com um braço em volta de Yuri.
Yuri: vermelho de vergonha, mas sorrindo.
A primeira selfie com amigos que tirei na vida.
Para eles, talvez fosse apenas uma foto qualquer, mas, para mim, significava muito mais. Representava uma mudança. Uma boa mudança.
Seguimos para as outras cachoeiras, todas deslumbrantes. O Amazonas era realmente um lugar mágico. O dia terminou com um pôr do sol inesquecível, visto de cima de uma grande rocha. Parecia um sonho.
Aquele dia ficou marcado na minha memória... e no meu corpo. Mesmo passando protetor solar, terminei todo vermelho e ardendo. No caminho de volta, o cansaço me venceu, e acabei adormecendo. Quando acordei, percebi que minha cabeça estava apoiada no ombro do Zedu. Ele também havia dormido.
Sério. Foi muito perfeito.
Chegamos de volta à cidade e, para fechar o dia com chave de ouro, seu Wilson pagou uma pizza gigantesca de 70 cm. Fiz o educado e comi apenas cinco fatias.
A casa da Ramona não ficava longe da minha, então ficamos conversando por um bom tempo. Era bom me sentir incluído em um grupo, mesmo sem entender todas as piadas internas.
— Me passa tuas redes sociais pra eu te marcar nas fotos. — pediu Ramona.
Todos me olharam surpresos quando expliquei que não usava redes sociais. Nunca gostei muito de expor minha vida na internet (diferente da Giovanna). Para ser sincero, sempre achei uma perda de tempo. Confesso que já tentei criar um blog, mas escrevi um único texto e apaguei logo depois.
— Então me passa teu e-mail. Eu te mando as fotos hoje. — disse ela, me entregando o celular.
— Claro. — respondi, digitando meu e-mail. Depois, devolvi o celular e olhei para o grupo. — Gente... só queria agradecer a vocês. Hoje foi um dia incrível.
Me despedi e segui caminho com Zedu. A casa dele era antes da minha, então fomos juntos, conversando sobre várias coisas.
Falar com Zedu era fácil. Com ele, eu não precisava fingir ou me esforçar para parecer algo que não sou. Ele me entendia de um jeito que eu achava fascinante... e um pouco assustador.
Respirei fundo e criei coragem para agradecê-lo.
— Valeu pelo conselho de hoje. Ainda é difícil pra mim.
Zedu sorriu e deu um tapinha no meu ombro.
— Não esquenta. Somos amigos, né?
Tremi inteiro.
— Sim. Somos.
— Firmeza. Ah, essa é minha casa. — apontou para uma casa de dois andares, com um estilo diferente, mas um detalhe típico de Manaus: as grades nas janelas. — Amanhã a gente se encontra?
— Sim! Quero conhecer mais a cidade. Não esqueça que você vai ser nosso guia! — falei, empolgado.
— Vamos te levar no Teatro Amazonas. Bem, Yuri, tenha uma ótima noite. Até amanhã.
— Boa noite.
Continuei meu caminho, sentindo um calor estranho no peito. Revivi todos os momentos do dia. Especialmente o momento em que dormi no ombro do Zedu.
Acho que nunca mais vou lavar o lado direito do meu rosto.
Faltavam poucos metros para chegar em casa quando ouvi o ronco de um motor se aproximando rápido.
Um motoqueiro veio na minha direção e cantou pneu.
Meu coração disparou.
Acelerei o passo, tentando ignorar. Mas ele voltou.
Subiu na calçada, parou ao meu lado e ficou acelerando sem sair do lugar.
O pânico tomou conta de mim.
Merda.
Eu ia ser assaltado?
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