Pai e Mãe,
Hoje é o grande dia. A primeira coisa que quis fazer ao acordar foi falar para vocês. Estou nervoso, mas sei que os meus amigos estarão ao meu lado. Será que vou conseguir passar por esse ano sem me meter em confusões?!
***
Como já é de costume, acordei antes das 6h. Fui até o banheiro e tentei ficar arrumado para o primeiro dia de aula. Na escola, a gente usava uma farda, só que eu ainda não havia comprado a minha, então, o look do dia seria uma calça jeans azul, uma blusa branca e meu tênis branco.
Tomei banho e chamei meus irmãos, pela primeira vez. A tia Olívia saiu toda descabelada do quarto. Ela era a única com um banheiro no quarto, entretanto, preferia usar o do corredor por causa do espelho gigante. Vesti a roupa, olhei a foto dos meus pais e desejei sorte a mim mesmo.
— Acordem, Richard e Giovanna!!!! — gritei no corredor.
— Vish. Coitado. — reclamou Giovanna saindo impecável do quarto. — Estou acordada há duas horas. Acha que é fácil fazer toda essa produção? — descendo às escadas, deixando um cheiro adocicado no ar.
Sim. A rotina da volta às aulas deixava minha casa uma loucura. A minha tia não era tão organizada quando se tratava de coletividade. Os meus irmãos iam de carona com ela, por que era caminho, e, eu pegaria carona com meus amigos, ou seja, a gente ia de ônibus.
O lado bom é que qualquer ônibus que passasse no Centro da cidade servia para nós. Os encontrei no ponto do ônibus, eles estavam vestindo a mesma farda, e logo, eu também estaria.
Enquanto a gente aguardava o ônibus, os meus amigos deram algumas dicas. Quase um manual de sobrevivência da Escola Dom Pedro II. Primeiro lugar, ter cuidado com a tia Ray, a inspetora, qualquer erro e podemos pegar uma suspensão. Em segundo lugar, não tomar a sopa do Mocotó, muitos alunos já foram parar no hospital. A terceira dica foi evitar sentar na frente, principalmente, na aula do professor de matemática. O motivo? Ele cospe.
Depois, os quatro começaram a relembrar algumas coisas que aprontaram nos últimos anos. Como por exemplo, um catolé (espécie de bombinha) que o Brutus jogou no banheiro feminino. O beijo que Letícia deu em cima da caixa d'água da escola. A Ramona que começou um pequeno negócio de "traficar" respostas de provas. E, por último, o Zedu que quebrou a janela do 2º ano "B" com a bola de futsal.
O ônibus chegou e Ramona fez sinal para entrar. Caramba, estava lotado. Não haviam mais acentos disponíveis, então, passamos pela catraca e abrimos caminho até a parte de trás. A cada nova parada, o coletivo ficava mais cheio, até que um homem começou a se esfregar em mim. Fiquei desconfortável com a situação, o Zedu percebeu e ficou na minha frente.
Ficamos em um ponto próximo à escola. Fomos andando e vários alunos também seguiam o mesmo caminho. Olhei para o lado e meus amigos estava todos sorridentes. Eu queria muito ser confiante como eles eram, mas não conseguia. A escadaria do colégio estava lotado de estudantes, alguns se abraçavam, outros falavam alto e não era nem 8h da manhã.
A partir desse momento, comecei a perder os meus amigos. Letícia encontrou algumas amigas, um grupo bem descolado, ela se despediu e ficou no meio do caminho. Brutus foi chamado pelos seus colegas de futebol e parou também para conversar. Ramona fez várias selfies na frente da escola e surtou quando encontrou uma professora, pediu licença e foi falar com ela.
Eu não conhecia ninguém, exceto meus amigos de bairro. De repente, os rostos sorridentes se transformaram em figuras abstratas. Fiquei um pouco zonzo e Zedu pegou no meu ombro.
— Ei, relaxa. — pediu Zedu apontando para frente. — Ali naquela parede tem o nome de todos os alunos. Vamos descobrir em qual sala estamos.
— Ok. — falei caminhando ao lado do Zedu.
De repente, uma voz feminina chama o nome do Zedu, no caso, José Eduardo. Ela era perfeita. Seus cabelos loiros começaram a voar por causa do vento. Sua pele refletia uma luz que nunca vi na vida. A farda da escola a deixava com um busto grande, por um momento pensei em silicone.
Sem qualquer respeito com o âmbito escolar, a garota deu um beijo cinematográfico no Zedu. Ali, na minha frente! Queria que um buraco se abrisse no chão e me engolisse. Não ia achar ruim, juro. Já tinha perdido o Léo e, agora, esse projeto de Regina George mostrava que o Zedu era hétero de verdade.
— Oi. Que bom dia mais atrevido. — soltou Zedu se recuperando do beijo.
— Vai dizer que não gostou? Senti tanto a sua falta. Você não me ligou. — disse a patricinha comprovando a minha inexistência.
— Sabe como é. Queria distância de tudo que me lembrava a escola. — falou Zedu sorrindo e depois pegando no meu ombro. — Ah. Esse é o meu amigo, Yuri. Ele veio do Rio de Janeiro e vai estudar conosco.
— Bem-vindo. — desejou a garota beijando meu rosto duas vezes. — Sou Alicia, espero que goste da nossa escola. Amor, precisamos falar com a Carol, acredita que ela viajou para Paris? Quero saber de tudo. Vamos. — Zedu foi praticamente forçado a ir.
Pronto, finalmente, sozinho. Andei até o quadro de avisos e comecei a pesquisar meu nome. Já fiquei irritado, pois, as letras eram minúsculas e precisei aproximar meu rosto do papel.
— Você deveria usar óculos. Parece um míope. — comentou um rapaz com uma barba rala.
— Oi? — perguntei virando de uma vez.
Oi, moço. O garoto era bonito, não posso negar. No braço esquerdo, ostentava uma tatuagem do Pequeno Príncipe. Que era o Pequeno Príncipe cercado por vários planetas. Ele usava um alargador na orelha direita e seus cabelos cacheados receberam mais creme que o normal, talvez tenha sido a pressa para chegar na escola.
— Um míope, uma pessoa que não enxerga direito. — ele soltou usando os dedos indicadores para tocar uma bateria invisível.
— Eu sei o que é míope. E não, ainda não tenho nenhum tipo de problema na visão. — falei mais grosso do que queria parecer e voltando minha atenção para a lista. — Ah… achei… 1° ano – B – sala 2. — indo para a direita.
— É na outra direção. — avisou o rapaz.
— Obrigado. — agradeci indo pela direção indicada.
O garoto tirou um cigarro do bolso e acendeu usando um isqueiro. Do nada, a tia Ray apareceu e apanhou o cigarro. Ela deu um sermão sobre responsabilidade para o rapaz e o mandou para a sala de aula. Só foi o menino sair e a zeladora cheirou o cigarro.
— Até que o cheiro é bom. Depois vamos ver o gosto. — ela pensou guardando o cigarro no jaleco que tinha o símbolo da escola.
Chegou no lugar que seria torturado por um ano. A sala até que era bonitinha. Além do ar-condiconado, a sala contava ainda com um ventilador, alguns alunos estavam com casacos, enquanto outros de moletom. Obrigado pelo aviso galera. Ia congelar no meu primeiro dia de aula.
Para minha surpresa, o rapaz que me abordou no quadro de avisos também entrou na sala e sentou no fundão. Não demorou muito e Letícia entrou, ainda não tinha decidido em qual carteira sentar, ela relembrou a história do professor de matemática e sentamos no meio. A Ramona chegou toda feliz, pois, conseguiu uma vaga no comitê de formatura.
— Meninas. — falei baixinho. — Quem é aquele esquisitão? — fiz sinal para o rapaz barbudinho.
— O nome dele é Diogo. Um ogro, trata todo mundo mal. — cochichou Letícia, que teve a opinião endossada por Ramona que fez várias críticas.
— É. Eu percebi. — falei evitando olhar para trás.
— Ei! — exclamou Brutus chamando a atenção dos alunos que já estavam em sala. — Vocês me abandonaram. — se aproximando da gente.
— Eu que fui abandonado por vocês. — comentei fingindo estar chateado, mas rindo logo em seguida.
— Para de drama, os dois. — pediu Letícia apontando para o Brutus e eu.
Não muito longe dali, os meus irmãos também começavam uma nova jornada. Claro, que para eles a adaptação era mais fácil, infelizmente, para os outros alunos isso significava problemas.
No playground do colégio, Richard, começou a ditar várias regras. O capetinha reuniu um grupo e parecia um político, fazendo várias promessas e ameaças. Os outros estudantes não entenderam nada, até que o meu irmãozinho pegou um deles e exigiu uma maça. Por sorte (ou não), Giovanna viu e tentou intervir.
— O que significa isso? — questionou minha irmã com as mão na cintura.
— Nada. — disse Richard segurando o garoto pelo pescoço.
— Me ajuda. Ele é louco. — implorou o aluno que se sentiu acuado.
— Solta o menino. — Giovanna pediu novamente, dessa vez, revirando os olhos.
— Queria pegar a maça. — explicou Richard.
— Maça, cadê?
— Dá a maça pra ela. — ordenou Richard ainda segurando o colega que entregou a maça para Giovanna.
— Obrigada. — agradeceu Giovanna. – Ah, e solta o menino. Agora!
— Aff. — soltou Richard soltando o colega. — Estraga prazeres.
Enquanto a diversão para alguns começava, eu só imaginava os bullyings que receberia nos próximos anos. Às vezes, queria ter a mentalidade do Richard e revidar tudo o que fazem comigo. Só que eu era um zero à esquerda e o medo falava mais alto. Porquê nasci assim?
A primeira aula que tive foi de Matemática, o professor parecia ser legal, porém, parecia uma pistola d'água. Os alunos desavisados sentiram na pele como é ser 'regado'. Só fiquei chocado com o cronograma de conteúdo, pois, a maioria havia estudado na escola do Rio de Janeiro. Após uma hora de cuspe e tédio, o sinal tocou e todos saíram apressados da sala.
Fiquei só novamente, os meus amigos foram resolver seus problemas e a vaca da Alicia não soltava o Zedu. Peguei o lanche que era um mingau de mungunzá e andei até uma área isolada, ficava atrás da quadra esportiva. Não vou mentir, para comer gostava de ficar sozinho. Conseguia pensar nos problemas da vida, refletir sobre as decisões que tomava e não precisava me apressar.
— Você quer? — perguntou Diogo me oferecendo um cigarro.
— Eu não fumo, obrigado. — agradeci sem olhar diretamente para ele.
— Está gostando da escola? — questionou Diogo, enquanto acendia o cigarro e tragava.
— É legal. — respondi.
Deu uma chance para o Diogo, afinal, precisava criar novos laços na escola. E, aparentemente, todo mundo respeitava/temia o Diogo. Ele poderia ser um ótimo aliado no ambiente escolar. Além do comportamento, outro defeito dele que eu detestava era o cigarro, só que ninguém é perfeito, né?
Reparei que o Diogo usava óculos de grau, então, fiz uma piadinha com ele. A gente acabou rindo. Ele mostrava um lado diferente para mim. De repente, o Zedu apareceu e perguntou se estava tudo bem.
— Sim, porquê não estaria? Olha. — apontei para frente. — A tua dona tá te procurando.
— Putz. Deixa eu ir lá. Qualquer coisa me manda uma mensagem. — orientou Zedu como se fosse responsável por mim.
— Típico. — murmurou Diogo dando uma tragada no cigarro e soltando a fumaça aos poucos.
— O que foi?
— A tensão entre vocês.
— Que tensão?
— Você gosta do gatão ali. — ele disse apontando para Zedu que conversava com Alicia.
— Sai fora, cara. — falei levantando e indo em direção a cantina para deixar o prato.
Enquanto passava no corredor que dá acesso a cantina, ouvi algumas piadinhas. Era o grupo de futebol da escola, parece que aquele ano não seria fácil para mim. Andei em passos largos e entreguei o prato. Voltei para a sala de aula e não havia ninguém. Sentei na minha carteira e me senti solitário. Estava com raiva dos meus amigos, mas por um lado entendia que eles tinham suas vidas.
O Zedu e a Alicia se conheceram na quinta série, e logo, se tornaram um casal. Na verdade, o Zedu era considerado do cachorrinho da patricinha. Eles iam juntos para todos os cantos da escola. Enquanto a Alicia conversava com as amigas, o meu crush desejava morrer, porém, não largava da namorada.
— Está aqui o seu suco. — falou Zedu entregando um copo para a namorada.
— Graças a Deus. — pegando o copo e tomando. — Meninas, a gente vai para a sala. Beijos. — Alicia se despediu das amigas e seguiu para sala com Zedu. — Demorou muito.
— A fila da lanchonete estava cheia.
— E o que você acha de a gente ir para o porão? — sugeriu Alicia fazendo uma voz engraçada.
— Estou sem preservativo.
— Não tem problema. Eu tomo a pílula. — terminando de tomar o suco e jogando o copo na lixeira.
— Não estou afim.
— Nossa. Você mudou voltado das férias. — reclamou a patricinha.
— Sim, as pessoas mudam Alicia, isso, às vezes, faz bem. — Zedu falou antes de entrar na sala.
— Nossa. Todo estressadinho.
O Zedu entrou na sala e fechou a cara. Em seguida, o Diogo também entrou e sentou ao meu lado. Ele pediu desculpa pelo comportamento. Para o bem ou mal, o Diogo estava falando comigo. Conversamos sobre diversas coisas, como por exemplo, ele ser de Belém, gostar de cinema e ser fotografo nas horas vagas.
Apesar de conversar com o Diogo, a minha atenção estava todo no José Eduardo. Ele parecia realmente chateado com alguma coisa. O Diogo começou a falar todo empolgado sobre uma exposição de fotografia e me convidou. Nem sei o motivo, mas acabei aceitando. A gente acabou trocando os nossos números para marcar melhor o rolê cultural.
— Tá, tudo bem? — perguntou Zedu, assim que Diogo saiu.
— É a segunda vez que você pergunta isso hoje.
— Não quero que nenhum babaca mexa com você. — ele falou sentando ao meu lado.
— Ele estava sendo amigável.
— Amigável, sei. Precisa tomar cuidado com esse tipinho. — alertou Zedu subindo a sobrancelha direita e me fazendo rir.
— Relaxa. Se eu precisar te chamo, juro.
O resto da aula foi até que legal. O professor de artes era muito engraçado, além de bonito. A parte chata? Se apresentar para o resto da turma. Depois da aula terminar, seguimos direto para o ponto de ônibus de ônibus. Nossa, o Centro de Manaus é lotado no horário do almoço. Vi o Diogo de relance em um dos ônibus.
Por um milagre dos céus, o nosso ônibus não estava lotado. Todo mundo foi sentado. Zedu e eu, nos acentos da frente, Letícia e Ramona, nos assentos de trás. Já o Brutus foi em pé, segundo ele, já havia passado o dia sentado, não aguentava mais.
Os meus amigos fizeram mil perguntas sobre o primeiro dia de aula. Nunca falei tanto na minha vida, mas no geral, a experiência não foi tão ruim. Afinal, teoricamente, fiz até um amigo novo, o Diogo.
— Se eu fosse você teria cuidado com o Diogo. — alertou Zedu passando a mão no meu ombro.
— Ele te fez alguma coisa? — perguntou Letícia se curvando para se aproximar de nós.
— Pode falar, grandão… se ele te fez algo… eu… — ameaçou Brutus, quase desequilibrando quando o motorista fez uma curva.
— Calma. Ele foi legal comigo. Vocês desapareceram na hora do intervalo e ele puxou assunto. — comentei com os meus amigos que estranharam o comportamento do Diogo.
Como um dia de escola pode acabar com a nossa disposição, né? Estava acabado. Para completar, o professor de matemática passou uma lição, ainda bem que eu já sabia o assunto, então, seria fácil. A minha tia decidiu contratar um serviço de condução para os monstrinhos, digo, meus irmãos.
Para poupar dinheiro, me dispus a fazer o almoço deles. Além de cansado, ainda precisava fazer um almoço para eles. Na verdade, deixei tudo congelando na noite anterior. O cardápio era frango, arroz com brócolis e uma salada. Enquanto esperava os dois, acabei tomando um banho rápido e colocando roupas adequadas para o calor de Manaus, ou seja, uma blusa larga e uma bermuda velha.
— Estou faminta. — anunciou Giovanna chegando em casa e colocando a mochila em cima da mesa na sala.
— Estou faminta, também. — ironizou Richard jogando a mochila no sofá.
— E como foi o primeiro dia de aula? — perguntei descendo às escadas.
— Normal. Fiz várias amizades. — respondeu minha irmã indo para a sala de jantar. – Fraguinho, adoro frango é uma carne magra. — sentando na cadeira e pegando um prato.
— Eu também fiz amizade. Um menino até dividiu o lanche dele comigo. — falou Richard sentando ao lado de Giovanna.
— Que bacana. Escutem, depois de comer passem água no prato e coloquem no lava louças. Vocês tem que começar a trabalhar também. — expliquei para eles, enquanto sentava.
***
Você tem algum talento escondido? A Tia Olívia descobriu que era campeã em evitar o Carlos. Ela evitava estar nos mesmos lugares que eles, só que o estagiário não facilitou a vida da chefe e parecia onipresente. No almoço, Carlos aproveitou para marcar território.
— Você sabe que o voto de silêncio não funciona comigo.
— O que fizemos foi errado. — sussurrou tia Olívia. — Podemos ser demitidos, eu tenho três bocas para sustentar.
— O quê?! — perguntou Carlos que não entendeu uma palavra que a minha tia falou.
— Boa tarde. — desejou Sheila, uma das administradoras da empresa, sentando de frente para tia Olívia. — Nossa hoje o almoço está apetitoso. Agora me contem? Como foi estava Parintins, a ilha do amor?
— Maravilhosa. — disse Carlos com um sorriso estampado no rosto.
Tia Olívia ficou sem palavras e se engasgou com uma ervilha. O resultado foi um acesso de tosse. Todos olharam para a mesa que eles estavam.
— Calma, amiga. — falou Sheila. — Conta, Carlos, como está a terra do boi bumbá? Eu adoro aquele lugar…
— Ótima. Levei a Olivia para passear em cada lugar bonito. Ela deu várias voltas. — soltou o estagiário para o desespero de titia.
— Realmente. É uma cidade maravilhosa, mas muito pequena. — salientou Tia Olívia arrumando os óculos. — Uma viagem muito curta.
— Mas, você aproveitou cada momento. Até gritou. — Carlos jogou sujo e percebeu o erro quando tia Olívia pediu licença e deixou a mesa.
— Gritou, como assim?
— Digo… quer dizer… gritou quando viu o bumbódromo. — falou Carlos desesperado.
***
O segundo dia de aula foi tranquilo. Tivemos química, geografia, português e história. Nada demais também, assuntos que já conhecia, fiquei meio desapontado, pois, os meus amigos falaram que era uma das melhores escolas. Não sou inteligente, porém, revisar aquelas matérias seria muito chato. Dormi duas vezes na sala de aula.
Na hora do intervalo, o Diogo me procurou e falou todo empolgado sobre a exposição de fotografia. Eu também adorava exposições, sempre que podia visitava algum museu no Rio de Janeiro.
— Só não esquece que vamos direto da escola. — reformou Diogo.
— Sim. Já falei com a minha tia e ela deixou.
— Traz outra roupa, ninguém merece ir de farda, né? — ressaltou Diogo rindo e piscando.
Mais duas horas de chatice, antes da tão sonhada liberdade. As aulas de português e história foram interessantes. Adorava a explicação da professora de história. Ela nos transportava para o assunto. Sempre tive o sonho de viajar no tempo e conhecer outros momentos da humanidade. Será que sou o único?
As meninas mandaram um recadinho para mim. Elas iam fazer compras no Centro, então, não poderiam ir para o ponto de ônibus. Na saída, esperei o Brutus que mandou uma mensagem dizendo que ia jogar futebol. E o José Eduardo sumiu do mapa. O Diogo me abordou na escadaria do colégio e perguntou se queria companhia.
Fomos caminhando até o ponto de ônibus. Naquela tarde, conheci um pouco mais do Diogo, ele era um cara simples e esperto. Em toda conversa, jogava alguma informação importante. O Diogo contou também que tinha família em Portugal e seu sonho era morar em Lisboa com os avós.
— Você não é tão ruim. — falei olhando para o Diogo, enquanto, aguardávamos o meu ônibus.
— Como assim? — ele perguntou coçando a cabeça.
— Pediram para tomar cuidado contigo.
— Teu namorado? — questionou Diogo mudando de expressão.
— Que namorado?
— O José Eduardo. Ele ficou com ciúmes por que eu me aproximei de você.
— Deixa de ser besta. Somos amigos, apenas amigos.
— Quer dizer que eu tenho uma chance? — ele quis saber se aproximando de mim.
— C. Chan. Chance? — quase que a pergunta não saiu de tão nervoso que fiquei. — De… de quê?!
— De conquistar você.
Meu Deus. Aquilo não podia ser real, o Diogo disse mesmo aquelas palavras?! Ele queria me conquistar? Eu ainda não o tinha visto de outra forma. Ele era inteligente, alto, moreno claro, um rosto de homem com uma barba bem-feita e usava óculos. Um verdadeiro nerd, porém, ainda não havia despertado nada dentro de mim.
Por sorte, os deuses dos gordinhos desesperados enviaram meu ônibus. Por um impulso, dei um abraço no Diogo e entrei no coletivo. O meu coração estava disparado. Gente, o que os homens de Manaus têm? Sentei e o meu celular vibrou. Era uma mensagem do Zedu.
***
Zedu <3: (mensagem de texto) – Pq você n me esperou?
Yuri: (mensagem de texto) – Esperei e mandei msg, pra vc e o Brutus.
Zedu <3: (mensagem de texto) – Eu te vi com o Diogo na parada. Até abraçou ele.
Yuri: (mensagem de texto) – Sim. Ele acompanhou já que vcs sumiram do mapa
Zedu <3: (mensagem de texto) – Eu já te falei sobre ele. Toma cuidado.
Yuri: (mensagem de texto) – Para Zedu. Ele é meu amigo, pelo menos, ele me ajudou. E vc nem deveria ficar chateado, poq vive me abandonando
Zedu: (mensagem de texto) – Tá, Yuri. Vc q sabe
***
Minha primeira DR com o Zedu foi pelo whats'app. Que romântico. Eu não entendia a cabeça daquele garoto, ele não deveria ficar tão preocupado comigo. Ele tinha a namorada dele para cuidar. Entretanto, preciso confessar que adorei vê-lo com ciúmes da minha amizade. Cheguei em casa, fiz o almoço dos meus irmãos e decidi dormir um pouco.
Naquela tarde, a minha tia decidiu almoçar com o Orlando. Ela queria tirar o Carlos da cabeça de uma vez por todas. Eles foram em um restaurante de comida regional, o Orlando sabia que a minha tia era apaixonada por peixe, na verdade, ele não sabia, ligou para mim e perguntou. Após o almoço, o ficante de titia decidiu ser ousado e foi para um motel. Lá, eles tiveram bons momentos, mas a minha tia ficou com a consciência pesada.
— O que tá acontecendo com você? — titia questionou para si. – Você não era assim. Eu preciso falar para o Orlando, ou melhor, não vou contar. Ele vai pensar que eu sou uma oferecida… e…e… quanto ao Carlos? Meu Deus. O que vou fazer? Eu preciso de um sinal. De uma direção.
Sim, a minha tia chamou a atenção de dois homens gostosos, mas não sabia o que fazer. Eu pelo contrário, chamei a atenção de uma pessoa que não me interessava em nada, entretanto, decidi dar uma chance para a amizade do Diogo, afinal, eu não queria ficar sozinho.
***
Diogo: (mensagem de texto) - Não esquece de amanhã.
Yuri: (mensagem de texto) – Pode deixar. Já escolhi minha roupa.
Diogo: (mensagem de texto) – Te assustei?
Yuri: (mensagem de texto) – Com oq?
Diogo: (mensagem de texto) – Em dizer que me interessei em você?
Yuri: (mensagem de texto) – Não.
Diogo: (mensagem de texto) – Ah tá. Pq n é todo dia q vejo um gordinho tão gostoso.
Yuri: (mensagem de texto) – Então é apenas sexo?
Diogo: (mensagem de texto) – Não sei. Pode ser, mas tbm pode não ser. Tive dois relacionamentos até agora e os dois com gordos. Vc me daria um ótimo namorado, mas acabamos de nos conhecer.
Yuri: - (mensagem de texto) – Entendi, mas o apressado aqui é você.
Diogo: - (mensagem de texto) – N sou apressado. Apenas fui sincero em dizer que você faz meu tipo, afinal, o Zedu pode querer antes, e eu preciso garantir o meu.
Yuri: - (mensagem de texto) – Para de implicar com o Zedu. Somos amigos e ponto.
Diogo: (mensagem de texto) – Se você diz.
***
Naquela noite, eu tive um sonho muito bom. Sonhei que ficava com o Zedu e o Diogo ao mesmo tempo. Infelizmente, o despertador do celular tocou e eu precisei levantar. Na noite anterior, já havia preparado a comida dos meus irmãos. Eles precisavam apenas colocar tudo no micro-ondas. Escolhi roupas leves, afinal, às tardes em Manaus são quentes demais. Encontrei os meus amigos na parada.
Estava animado demais. Contei para eles que visitaria uma exposição com o Diogo. Apesar da preocupação, a Letícia achou legal a atitude dele em me chamar para passear. Os outros concordaram, quer dizer, quase todos.
— Amigo. Só não te acompanho por que eu vou fazer a prova de roupa pro comercial. — afirmou Letícia.
— Vou malhar. Essas crianças não crescem sozinhas. — disse Brutus beijando os músculos.
— Tenho medo do Diogo. Não vou não. — soltou Ramona fazendo uma careta engraçada.
— Gente. Sou bem grandinho, até por demais, pra falar a verdade. Vou ficar bem. É uma exposição de fotografia. — tentei tranquilizar os meus amigos.
— Deixa ele gente. Ele é grandinho. — Zedu falou de forma rude. — Lá vem o ônibus, vamos.
Zedu estava ficando muito chato. Na escola, ele quase não falava comigo, a Alicia tomava todo o tempo dele. No intervalo, conversei com o Diogo sobre a exposição. Ele disse que era de um amigo dele que havia participado de uma excursão pela Amazônia. A forma como ele falava de fotografia me deixava animado.
— E os teus amigos? — ele perguntou, antes de dar uma mordida no sanduíche.
— O que tem eles?
— Na hora que a gente foi comprar lanche, eles ficaram olhando para nós. — comentou Diogo.
— Impressão sua. Eles estavam com os amigos deles. E eu preciso fazer amizades também. Agora se você não quiser ser visto comigo… — falei sendo um pouco dramático e levantando.
— Senta aí. — ele pediu me puxando de volta. — Eu apenas pensei que você ia se importar com os comentários.
— Hunf. Comentários não querem dizer nada. E meus amigos são legais.
Durante toda aquela semana, a Giovanna traçou uma meta imaginária. Entrar no grupo das meninas populares. Mas, para a surpresa delas, tal grupo não existia. Então, a minha irmã começou a analisar o perfil das coleguinhas. E nenhuma era boa o suficiente.
Durante uma aula de geografia, a professora passou um exercício para que os alunos escrevessem todos os estados brasileiros dentro de um mapa. Após terminar a tarefa em tempo recorde, a minha irmã decidiu descansar a beleza. De repente, uma coleguinha virou e tentou puxar assunto com ela.
— Giovanna. São 33 estados, né?
— 33? 33? Você tá brincando, né? Não chegou nem perto. Deus me livre que esse país tivesse mais estados. A resposta certa é 27. Tá precisando estudar, hein. Depois tira zero na prova e não sabe o motivo. E olha que estamos na primeira semana de aula. — Giovanna falou alto demais e alguns alunos riram da situação.
— Giovanna, isso é jeito de tratar a colega? — perguntou a professora.
— Desculpa, professora. — disse minha irmã com um sorriso amarelo no rosto.
O sinal tocou e todos os alunos entregaram suas atividades. A professora pediu para Giovanna ficar um pouco mais na sala de aula. Segundo ela, a garota que pediu ajuda da minha irmã se chamava Cláudia, e estava passando por um momento delicado em sua vida.
— Todos nós passamos por momentos difíceis, mas isso não é desculpa para revisar o assunto antes da aula. — Giovanna tentou achar uma brecha para o seu comportamento.
— Ela perdeu os pais, Giovanna. E desde o início das aulas você foi a primeira pessoa com quem ela interagiu. — explicou a professora.
— Eu não fazia ideia, professora. Eu...
Sim. Alguém se arrependeu feio. Afinal, Giovanna passou por uma situação parecida e, apesar de negar, o assunto ainda mexia bastante com ela. Enquanto uns se arrependiam, outros seguiam firmes nas suas convicções. A Tia Olívia procurava qualquer desculpa para se ver distante do Carlos, mas o destino sempre dava um jeito de deixar os dois juntos.
O Carlos e a minha tia pegaram o mesmo elevador. Eles tinham uma reunião no quinto andar do prédio. As poucas pessoas que seguiam no elevador saíram no quarto andar. Do nada, acontece uma queda de energia e a Tia Olívia solta um grito abafado.
— Isso não tá acontecendo! — gritou tia Olívia. — Socorro!
— Vish. — soltou Carlos coçando a cabeça.
— A culpa é sua. Você fez isso. — ela acusou Carlos que decidiu sentar no chão.
— Claro, Olívia. Eu tinha planejado isso há semanas.
— Você não vai fazer nada?
— Fazer o quê?!
— Abrir essa porta... e a gente pode....
— Claro. Não assistiu Premonição? — perguntou Carlos cortando titia.
Não existe nada melhor que reconhecer os próprios erros, né? A Giovanna pode ser a pessoa mais geniosa que conhece, entretanto, a gente sempre a ensinou a reconhecer suas falhas. Na hora do intervalo, ela encontrou Cláudia sentada em uma parte distante do refeitório. Giovanna pegou o lanche e sentou ao lado da colega.
De início, a garota estranhou a presença de Giovanna, mas aos poucos, elas foram conversando e se entendendo. Um dos alunos começou a fazer chacota da situação na sala de aula e o lado diva da minha irmã brilhou em toda sua glória.
Minha irmã saiu para o intervalo e encontrou Cláudia sentada em uma parte distante do refeitório. Ela pegou seu lanche e sentou ao lado da garota.
— Escuta aqui garoto. — Giovanna levantou, colocou a mão direita na cintura e arrasou o garoto que brincou com Cláudia.
— Não vem tentar dar uma de engraçado não, que eu vi a tua resposta também estava errada. Pega esse teu cabelo de imitação barata do Thiago Iorc e vai procurar o que fazer.
Percebi que o nível dos professores eram gritantes, enquanto alguns arrasavam na metodologia, outros pareciam dinossauros. Até o momento, o professor favorito era a professora de história. Ela abusava de vídeos, áudios e fotos. Quase não sentia sono durante a aula dela.
No fim da aula, o Diogo disse que precisava ir ao banheiro. Fui praticamente arrastado pelos alunos que queriam sair da escola. Resolvo esperar o Diogo em uma pracinha na frente do colégio. Fico olhando para o celular, quando escuto uma voz conhecida.
— Não vai falar comigo? — pergunta Zedu, sentando em um dos bancos da praça.
— Sim. Eu não tenho problemas em falar com você na frente dos meus amigos. — falei me aproximando dele.
— O que isso quer dizer?
— Nada. — disse respirando fundo. — Nada, Zedu.
A Alicia apareceu do nada. Esse é o grande poder dela, surgir do nada. Ela sentou no colo do Zedu e começou a fazer carinho em seus cabelos. Ramona, Letícia e Brutus também deram o ar da graça. Ótimo. Era tudo o que eu precisava. A turma reunida para me ver sair com o Diogo.
— Oi, Yuri. — falou Diogo se aproximando.
— E ai?! Gente, esse é o Diogo. Diogo essa é a gente. — apresentei uma pessoa que eles já conheciam e ri da minha situação. — Brutus, Letícia, Ramona, Zedu e Alicia.
— Oi, galera. — Diogo fez uma saudação esquisita e pegou no meu ombro. — Então, vamos?
— Gente, até mais. E Letícia me fala sobre o resultado da prova de roupas. — segui o Diogo, pois, não fazia ideia para onde iríamos.
Ele explicou que a gente ia almoçar em um restaurante para trocar de roupa. O lugar era bonitinho e não ficava tão longe da escola. Sentamos, uma moça baixinha nos atendeu. Sério, eu não conseguia enxergar a pessoa estranha que todos falavam. O Diogo sempre tinha uma piada pronta para qualquer situação.
Escolhi uma macarronada ao molho branco que estava divina, já o Diogo escolheu filé de frango à parmegiana. Depois de almoçar, fomos até o banheiro. Ele trancou a porta, colocou a mochila no chão e tirou toda a roupa, ficou apenas de cueca. E, nossa, ele tinha um corpo bonito, e além da tatuagem no braço, havia outra perto da virilha dele.
— Você não vai tirar sua roupa? — ele perguntou vestindo uma calça jeans preta.
— Você pode virar? — respondi com outra pergunta, pois, estava nervoso.
— Como?
— Eu não estou acostumado. Você pode virar? — perguntei novamente, enquanto tirava minhas roupas da mochila.
— Sei. Você é do tipo que tem vergonha do próprio corpo, né? Tudo bem. — ele disse virando de costa e colocando a camiseta.
— Eu.... eu....
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