Pai e mãe,
Hoje eu tive um encontro, pelo menos parecia um. A gente almoçou, riu e fomos para uma exposição. Apesar de tudo ainda sinto falta do Zedu, entretanto, nos últimos dias ele tem sido um verdadeiro babaca. Realmente, não sei o que pensar ou fazer.
***
Chegamos cedo na exposição de fotografia, alguns convidados já estavam lá e o clima parecia ser muito agradável. Diogo me apresentou alguns amigos, todos pareciam ser mais velhos que eles, muito mais velhos. Mas, isso não impediu o fato de que aquele lugar passava uma sensação de segurança. E as fotografias, nossa, elas eram lindas.
O nome do artista era George Guerreiro. De acordo com Diogo, ele trabalhava em um jornal local e tinha um estúdio de fotografia. A foto que mais gostei foi de uma garotinha que estava tomando banho em um igarapé. O George conseguiu captar toda a inocência da menina.
— Gostou? — perguntou Diogo pegando no meu ombro.
— Demais.
— Boa tarde. — falou um homem alto se aproximando de Diogo e dando um beijo em seu rosto. – Então? — ele perguntou fazendo uma expressão de medo.
— Está lindo, parabéns. Ah, Yuri. Esse é George, ele é o fotografo responsável pela exposição. — Diogo nos apresentou.
Caramba. O George era um típico ursão. Alto, uma barriguinha de Chopp e uma barba perfeita. O cumprimentei e comecei a fazer vários elogios sobre suas fotos. Destaquei o quadro da garotinha no igarapé, o George recebeu cada elogio com um sorriso.
De repente, um homem gordo vestindo uma bata nas cores da bandeira do Brasil entrou no salão e chamou a atenção de todos. Ele parecia desfilar pelo salão, sem medo dos comentários e olhares. Nossa, como eu queria essa confiança. Ele se chamava Hélder, o colega de apartamento do George.
— Olá, viados. — Hélder falou abraçando Diogo e George.
— A senhora veio. Parabéns. — olhando para Diogo e depois para mim. — Gente, para tudo. Quem é esse chubby lindo?
— É meu amigo da escola. — explicou Diogo.
— Parecem um casal. Olha, Yuri, agarra logo o Diogo, ele é um ótimo partido. Eu mesmo tentei, mas a nossa química não rolou. — contou Hélder aos risos, ao lembrar do dia em que ficou com Diogo.
—Hum. — soltei olhando para o Diogo e rindo.
— Foi uma vez só. A gente decidiu ser amigo. — Diogo tentou se justificar, sem sucesso, claro.
***
Duas horas. Esse foi o tempo que levou para Carlos ficar desesperado. Até o momento, a equipe responsável pelo elevador não deu sinal de ajuda. O estagiário tentou sair pela parte de cima do elevador, mas estava selada.
Tia Olívia reconheceu os sinais de ansiedade, afinal, ela presenciou os meus surtos. Com toda paciência, ela segurou no rosto de Carlos e pediu para ele se acalmar. O estresse só atrapalha quem sofre ataques de ansiedade.
— Tira esse blazer, Carlos. — pediu a titia.
— A gente tem que sair daqui, Olívia.
O Carlos estava transpirando demais. A minha tia pegou uma pasta e começou a abanar o estagiário. Aos poucos, Carlos foi se acalmando, mas o suor continuava a escorrer. Preocupada, ela abriu os botões da camisa dele. Um flashback de Parintins invadiu a cabeça da tia Olívia, que tentava lutar contra seus sentimentos.
— Eu sou patético, né? — ele perguntou sentando no chão e recebendo o auxílio da tia Olívia.
— Jamais. Ter medo não faz ninguém ser patético. — garantiu titia abanando o estagiário.
— Desculpa. — Carlos lamentou sem ter coragem de manter contato visual com minha tia.
— Ei. — tia Olívia chamou a atenção de Carlos e virou seu rosto delicadamente. — Não precisa se desculpar. Você é um cara maravilhoso.
Lutar contra um sentimento tão forte não deve ser fácil, né? A minha tia falhou e deu um beijo espetacular em Carlos. Do nada, o elevador começou a funcionar e os dois se levantaram assustados. A porta abriu e vários funcionários da empresa ficaram olhando. A tia Olívia estava toda descabelada e o Carlos todo suado. Um dos coordenadores foi em direção aos dois e pediu desculpas pelo inconveniente.
***
Estava adorando aquele grupo. Apesar de mais velhos, o George e Hélder nos tratavam com igualdade. A gente esticou para o apartamento do George, que era casado com outro homem, também gordinho, o Jonas. Eles estavam juntos há sete anos e pareciam felizes juntos.
Petisco. Bebidas. Risos. Eu nunca tinha experimentado ter amigos gays tão legais, e tudo, graças ao Diogo que me acolheu de braços abertos, mesmo com segundas intenções. Falei sobre minhas primeiras experiências em Manaus. Adaptação na escola. Expectativas para os próximos anos.
— Já falei muito de mim. — disse rindo e tomando suco. — E vocês, meninos? Moram os três aqui?
— Sim, apartamento no Centro de Manaus não é barato. — falou Jonas, namorado do George.
— Na verdade, eu já conhecia a bicha ali. — explicou Hélder apontando para Jonas. — Depois, as duas se uniram e virei seguradora de vela oficial.
— E como vocês se conheceram? — direcionei a pergunta para o Diogo.
— Fiz um curso de fotografia com o George. Eu era péssimo, mas nos tornamos amigos.
O assunto caiu em uma festa de ursos para comemorar o aniversário de Hélder. Eles alugariam uma casa com piscina para fazer um encontro de ursos. O Hélder acabou me convidado, pois, o ambiente era ideal para socializar e conhecer mais do cenário ursino de Manaus.
Adorei aquele dia. Finalmente, encontrei um grupo que combinava de fato comigo. No caminho para casa, contei para o Diogo um pouco da minha história. Sobre a morte dos meus pais, a sensação de nunca pertencer a lugar nenhum e minha decepção amorosa mais recente.
O Diogo era um cara do bem, isso não podia negar. Talvez, ele gostasse de ser o jovem rebelde sem causa, só para se destacar entre os alunos. Ao chegar em casa, encontro a tia Olívia na sala, até fiquei assustado, pois, ela sempre saí tarde do trabalho.
Na exposição, acabei comprando o quadro do George. O da garota no igarapé. Mostrei para a Tia Olívia que sugeriu que eu pendurasse na sala. Sentei no sofá, e ela começou a contar sobre a saga no elevador. Nossa, nunca ri tanto na vida.
***
Não entendo o Zedu. Ele é um cara tão alto astral e parceiro, mas perto da Alicia, o Zedu que conhecia e adorava sumia. Naquela tarde, ele e a namorada foram ao cinema. O filme não era o preferido do Zedu, mas, assim mesmo, o meu amigo foi. Após a sessão, eles decidiram jantar na praça de alimentação do shopping.
— Zedu. Vamos tirar uma foto para eu colocar no Instagram. — pediu Alicia abraçando Zedu e levantando o celular. — Credo. Você não sorri.
— Vamos comer?
— Está aqui os suco. — disse uma garçonete que tropeçou e derrubou o copo em Alicia.
Alicia: (levantando) – Olha o que você fez! Idiota! O que esperar de uma pessoa que não sabe o plural correto?
— Desculpa moça. — pediu a garçonete desesperada com a situação.
— Tudo bem. — Zedu tentou colocar panos quentes na situação, mas não adiantou. — Você pode pegar outro suco, por favor. Eu limpo aqui. — Zedu levantou e pegou guardanapos para limpar Alicia.
— Droga. A minha blusa nova. Que ridícula. Esperar o que de uma emprega?!
— Alicia, chega. Foi sem querer.
Eita. A Alicia era realmente chata, o tipo patricinha e mimada. Ela achava que o mundo girava ao seu redor, mas as coisas não são bem assim.
Graças a Deus, que nem toda garota bonita é parecida com a namorada do Zedu. A Letícia, por exemplo, estava gostando da vida de modelo, ela escolheu as roupas para o comercial e ganhou até uma transformação no salão.
Os longos cabelos negros de Letícia foram cortados, mesmo com uma dor no coração, a minha amiga sabia que era necessário uma mudança para começar os trabalhos com o pé direito. O corte escolhido pela equipe do salão foi um Chanel na altura do ombro.
— Nossa. Amiga que linda! — Ramona ficou impressionada com a transformação de Letícia.
— Gostou? — perguntou Letícia olhando no espelho.
— Amei. Esse corte valorizou mais o formato do seu rosto.
— Amiga. Na sexta-feira gravo o comercial e faço as fotos promocionais.
— Imagina o seu rosto em cartazes, revistas e na televisão? — questionou Ramona dando pulinhos de alegria.
— As meninas na escola vão morrer de inveja, principalmente a recalcada da Alicia.
À noite recebi uma mensagem do Zedu, na verdade, apenas um emoji de uma pomba branca. A nossa amizade estava em um lugar estranho, eu não gostava de ficar sem falar com o Zedu, mesmo com o cão de guarda dele sempre no lado.
***
Zedu: (mensagem de texto) – Sabe o que significa essa pomba branca?
Yuri: (mensagem de texto) – Paz.
Zedu: (mensagem de texto) – Sim. Então, deixa eu entrar na tua casa?
Yuri: (mensagem de texto) – Está aí na frente?!
Zedu: (mensagem de texto) – Sim. Preciso conversar com você.
***
Ai, lasqueira! Como diria minha avó. O que será que o Zedu quer comigo?! Fui correndo para abrir a porta. Ele estava segurando um jogo novo para o X-Box e uma sacola cheia de comida. A gente jogou um pouco, comemos e fomos para o meu quarto ouvir música. O Zedu mexeu em alguns CD's e DVD's.
— Teu gosto musical é bem peculiar.
— Você acha? Não vejo nada de peculiar em Oasis, The Keane e The Beatles, apenas que todas são bandas inglesas. — falei sentando na cama.
— Entendi. — ele disse se aproximando e sentando ao meu lado. – Ei. Quero te pedir desculpa pela forma como venho agido com você. Sei que tenho te deixado de escanteio por causa da Alicia.
— Relaxa. Ela é tua namorada, e outra, eu também estou fazendo novas amizades. Não esquento.
— Vocês são alguns dos poucos amigos que eu tenho.
— Eu sei, mas cada um tem seu grupo de amigos, então é justo que eu faça o meu. O Diogo não é um cara ruim, vocês apenas não deram a chance de conhecer quem realmente ele é. — durante o meu discurso, tomei coragem e segurei na mão do Zedu. Ele assustou, mas não tirou a mão dele.
— Entendi.
— Olha. Eu te considero o meu melhor amigo aqui em Manaus. Gosto muito da turma, mas com você é diferente. Sinto que posso ser eu. E não quero mudar nada disso.
— Eu me sinto da mesma forma. — Zedu garantiu apertando minha mão.
— Agora me conta? — me aproximei de Zedu que ficou nervoso e falei perto do ouvido dele. — Você não até aqui apenas para dizer que me ama, né. Acho que precisa apanhar mais em Mortal Kombat.
— Besta. — soltando da minha mão e dando um leve tapa na minha cabeça.
Minha irmã também fez uma nova amiga na escola, a Giovanna era uma pessoa difícil, só que tinha um bom coração. Para comemorar o sucesso da primeira semana de aula, a tia Olívia resolveu nos levar para lanchar.
Aproveitei o momento de confraternização e pedi dela para ir a festa do Hélder. Graças a Deus, que ela deixou. Fez uma entrevista enorme, porém, no fim, deixou.
Na escola ainda estava conhecendo a rotina e os professores, alguns passaram trabalhos pequenos, nada demais. Até que a professora de história teve a ideia de fazer um trabalho em duplas. De repente, a sala de tornou uma feira.
Miga. Vou fazer com você. — disse Letícia pegando na mão de Ramona.
— Ei, Brutus! — gritou João, um dos idiotas da sala. — Ei! Brutus! É nóis!!
— Beleza! — respondeu Brutus.
Olhei para o Zedu na esperança de ser escolhido, porém, a rata da Alicia colocou o braço em volta do pescoço dele e marcou território. O Diogo pegou no meu ombro e perguntou se eu queria fazer dupla com ele, claro que aceitei.
O tema do projeto? Personalidades brasileiras. Deveríamos pesquisar sobre a vida de pessoas importantes para a história do Brasil e fazer um trabalho interativo. Diogo e eu, nos reunimos na hora do intervalo, no nosso lugar, como a gente gostava de falar.
Depois de muito debater optamos por contar a vida de Chiquinha Gonzaga. Fiquei muito animado, mas ainda teríamos que decidir a forma de apresentar o projeto. Fui tomar água e encontrei Zedu no bebedouro.
— E esse trabalho? — ele perguntou enchendo uma garrafinha rosa, que penso ser de Alicia.
— Nem me fala, o Di e eu, já decidimos o que vamos fazer. Quer dizer, parcialmente. — falei rindo e tomando um gole de água.
— Sério? Trabalham rápido. Gostei.
***
Sabe duas coisas que não combinam? A tia Olívia e atividades do lar. A gente sabia que ela não era um exemplo de dona de casa, entretanto, para não pensar tanto em Carlos, a titia resolveu capinar o mato que crescia na calçada de casa.
A minha tia parecia uma guerreira de Esparta empunhando uma espada para dizimar seus inimigos. Uma vizinha percebeu a presepada e se aproximou.
— Tá precisando de ajuda? — perguntou a mulher que segurava uma vassoura.
— Ah, não, obrigada. Estou pegando o jeito.
— Sou nova no bairro. O meu marido é militar e o exército alugou uma casa para nós.
— Ah, que legal. Sou Olívia.
— Sou Joyce, prazer em te conhecer.
— Mudei faz um mês. Sou do Rio de Janeiro. Ganhei uma oportunidade de emprego e vim para o Amazonas. — explicou tia Olívia.
— Menina, sou do Rio Grande do Sul. Pensa na aventura que foi viajar para Manaus. Quer tomar uns drinks? — perguntou Joyce.
— Eu ia adorar.
***
Educação física. Como eu odeio essa matéria, principalmente, quando o professor quer nos ensinar o estilo fitness. Percebi que o nosso gosta de fazer a gente correr em círculos, graças a Deus, que ele deixa cada um ir no seu ritmo e o Diogo me acompanhou todo trajeto. Zedu por outro lado era a estrela da escola, o Brutus nem preciso falar.
— É o seguinte. Ainda temos um tempinho. Que tal a gente jogar um pouco de futebol? — perguntou o professor para a alegria dos héteros e do Diogo, até estranhei.
— Zedu e Brutos. Vocês serão os capitães dos times. Escolham. — ordenou o professor.
Não sei se foi por pena ou amizade, mas o Brutus me escolheu primeiro. Meio desanimado, caminhei para o lado dele do campo. Então, Zedu e ele, começaram a escolher realmente quem era bom. O Diogo sobrou e ficou na equipe do Zedu.
Ótimo. Até as meninas foram no meio, Alicia ficou com raiva por que ficou no time de Brutus. Eram 14 contra 15, imaginem a bagunça que virou aqueça quadra. Apesar de amigos, o Zedu e Brutus levavam uma disputa à sério. Eu quase não reconheci os dois em campo.
Outra que me impressionou foi Letícia. Ela era tão habilidosa quanto os meninos. O Diogo fez o primeiro gol para contra o time do Brutus. O Zedu passou por ele e o cumprimentou. Realmente, o futebol une às pessoas. Ramona e eu, ficávamos correndo de um lado para o outro com medo da bola.
— Migs, fica comigo. A Letícia tá acostumada. Vamos fingir que estamos correndo atrás da bola. — sugeriu Ramona, se escondendo atrás de mim.
— Que horror. Não fui feito pra jogar bola. — reclamei.
— Por que tú é a bola! — exclamou João olhando para mim e rindo.
— Repete. — pediu Diogo empurrando João. — Repete se você for homem.
— Calma. — pedi segurando o Diogo para evitar uma confusão maior. — Ele fez uma piada.
— Que bagunça é essa?! — questionou o professor soprando o apito. — Eu quero todo mundo jogando!!!
Todos ficaram do lado do Diogo. O comentário do João foi infeliz e só causou mal estar. Ainda bem que nada de grave aconteceu. Fiquei olhando para o Diogo, que estava se mostrando ser um grande amigo. Só que minha atenção se voltou para o José Eduardo.
Zedu era muito lindo jogando, o jeito que a camisa dele ficava colada no corpo por causa do suor. Nossa. Ele e Brutus disputavam a bola, até que o Zedu conseguiu se livrar dele e chutou pra trave e seria um belo gol, se não fosse um problema: eu.
Ramona e eu, passávamos em frente à trave quando o meu amigo chutou o mais forte que pode. A bola pegaria nela, se eu não a empurrasse e recebesse uma bela bolada no rosto.
O som da bola contra meu rosto criou um eco dentro da minha cabeça. Caí sentado no chão e não conseguia definir ainda o que havia acontecido. Diogo correu na minha direção e me ajudou a ficar de pé.
— Deixa eu ver. — pediu Diogo levantando meu rosto. — Está saindo sangue do seu nariz.
— Yuri. — soltou Zedu correndo para minha direção. — Você está bem?
— Sai daqui, babaca. — disse Diogo empurrando Zedu que caiu no chão. — Você já fez demais.
— Diogo, leve o Yuri para a enfermaria. — mandou o professor, olhando com uma expressão séria para Zedu. — Sacanagem, cara. Logo você!
— Foi sem querer. — Zedu ainda estava em choque pela violência que ele chutou a bola, na verdade, o alvo era o Diogo.
— Vem, bebê. — Alicia ajudou o namorado a ficar em pé. — A culpa nem foi tua, Zedu. A orca que ficou na frente.
— Cala boca. — Zedu saiu da quadra deixando Alicia sozinha.