Pessoal, mais uma vez a demora é um problema que tento resolver (nem sempre consigo). Reafirmo que a história é real, o que dificulta a escrita. São vários detalhes que preciso, ao mesmo tempo que preservar, avalio o que é elementar para a história ser entendida. Espero que esteja interessante ainda e gosto demais dos comentários. Espero retomar essa semana ainda. Muito obrigado! Até.
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Já que era assim, não valia a pena continuar. Enquanto me encaminhava para dar fim ao sofrimento dos últimos meses, sinto duas mãos me segurando com força.
- Eu não vou deixar você fazer isso!
- É tudo por sua causa.
- Você é mais forte que isso. Me mata, mas não entregue os pontos!
Eu chorava de raiva ou de ódio.
- Tira a mão de mim, caralho. Você já destruiu tudo por nada! Vou só finalizar o que você fez questão de começar.
- Eu comecei, admito. Mas isso acaba agora.
Só lembro de ver seu braço na direção dos meus olhos e aí eu apaguei.
Acordei no hospital, sedado, olhando para os lados e não encontrando ninguém. De certo não era um hospital público, pela qualidade das instalações. Isso já seria um problema, afinal eu não tinha dinheiro para nada (estava atolado em dívidas). Comecei a lembrar das coisas que aconteceram antes de estar ali e lembrei daquele idiota. Fiquei pensando no quanto era incoerente o cara ter feito de tudo pra destruir minha carreira e depois me impedir de dar fim em tudo.
É bem verdade que eu precisava de alguém para me impedir mesmo, afinal entregar os pontos não faz parte do meu perfil, apesar de todos os problemas.
- Posso entrar?
- Claro, André. Entra.
- Dani, por que você foi tentar isso? Onde tava com a cabeça?
- Eu não sei. Me deu um apagão e eu fui.
- Nunca pensei que fosse dizer isso, mas que bom que aquele idiota apareceu lá.
- É... Além do ódio que eu sinto por ele, ainda tenho que ser grato agora. Não pode ficar pior!
- Se não fosse o soco dele, você podia ter morrido. Isso é muito grave!
- Eu sei, Dé. E quando eu saio daqui?
- Ainda não sei. Conversei com um médico e ele só disse que você chegou aqui desidratado. Vai precisar tomar mais soro e depois te levo pra casa.
- E quem tá pagando essa brincadeira mesmo?
- Uai... Seu plano, não?
- Que plano? Não tenho mais plano. Nem dinheiro!
Pensei por um segundo e fui pra coisa mais lógica.
- Não acredito que ainda vou dever dinheiro pro Ricardo...
- Calma, cara. Eu vou na recepção olhar isso. Fica quieto aqui.
Minha pressão começou a subir e eu fui ficando agitado. Era mais forte que eu! Aquele cara despertava coisas que eu nunca senti por alguém. Um misto de coisas que me deixava furioso e satisfeito ao mesmo tempo. Os aparelhos começaram a fazer barulho e uma enfermeira chegou.
- Está com algum problema, rapazinho?
- Quero ir embora daqui.
- No seu prontuário estão quatro vidros de soro. Você precisa se acalmar e aguardar.
Desisti de argumentar, enquanto ela avisava que me daria um sedativo leve para que eu consiga descansar (como se eu tivesse cansado de alguma coisa). Quando ela estava de saída, olhei para a porta e lá estava ele parado. Me apressei para demonstrar minha ira, algo que ele merecia.
- Não quero falar com você.
Ele entrou mesmo assim. Se aproximou rápido, após fechar a porta, como se tivesse com medo de ser pego. Confesso que achei engraçada sua expressão de travessura.
- Eu sei que você me odeia e você tem toda razão. Só preciso te explicar umas coisas.
- Eu não quero ouvir, cara. Me deixa em paz.
- Não posso! Ontem você me assustou muito e eu passei a noite em claro esperando para saber como você estava.
- Não precisava. Aliás, o que você tá sentindo é culpa. Nada que você não mereça.
- Daniel, chega! Cansei das suas acusações. Você agora vai me ouvir e depois você fala o que quiser. Aliás, se não quiser nem olhar pra minha cara, vou respeitar sua decisão.
Assenti pelo cansaço. Ele se sentou na poltrona ao lado da maca, respirou fundo e começou o relato.
- Eu tinha 14 anos quando meu pai morreu. Éramos uma família feliz. Eu, meus pais e meu irmão mais velho. Tudo ia bem até que meu pai faleceu repentinamente e depois tudo desabou. No velório, descobrimos que ele tinha outra família. Aliás, outra família não. Ele tinha um caso... Com um homem! Em vinte anos de casamento minha mãe nunca desconfiou de nada. Imagina o inferno que virou ao descobrirmos que nosso pai, além de viado, era um adúltero. Ele enganou a todos nós!
Ele começou a chorar, com raiva e ao mesmo tempo tristeza. Minha vontade era toca-lo, demonstrar preocupação e empatia, mas me contive e ele continuou.
- Nossa vida começou a mudar porque minha mãe se tornou uma mulher amargurada, meu irmão deu um jeito de sair de casa, mas eu não conseguia. Não conseguia acreditar direito na revelação sobre o caso do meu pai. Tive que me encontrar com o cara que ele tinha o caso e ouvir da boca dele o quanto eles eram felizes juntos, enquanto a gente o esperava para jantar. Tive que ouvir que, diversas vezes quando meu pai dizia sobre trabalho, ele estava dando ou comendo um cara. Isso não entrava na minha cabeça, mas era a verdade, tudo fazia sentido. Tive acesso a cartas que meu pai escreveu pra esse cara quando ele viajava e eles ficavam um tempo juntos, sendo que ele nunca fez isso para a minha mãe.
- Ricardo, se você não quiser falar disso, não precisa!
- Eu preciso falar, Daniel. Deixa eu continuar...
- Ok. Diga.
- Tentei ser o filho suporte para minha mãe, mas nada adiantava. Com a adolescência, comecei a me sentir estranho e, mesmo sem sair muito de casa, passei a me odiar.
Ele fez uma pausa, mas minha curiosidade foi maior do que a calma.
- Como assim, se odiar?
- Eu comecei a perceber que eu era igual meu pai, entende? Eu precisava lutar contra isso! Não poderia ser igual a ele, não mesmo. Minha mãe não merecia. Eu não podia gostar de homens. Comecei a ficar com meninas, mesmo não querendo, mesmo sem vontade. Me tornei um pegador porque eu precisava aprender a gostar de mulher. A história não podia se repetir e, adivinha o que aconteceu? A porra da história se repetiu.
Ele já chorava muito e eu estava com pena. Não havia esquecido o que ele fez comigo, mas comecei a entender o sofrimento do cara, ainda que não justificasse.
- Eu engravidei uma menina, casei com ela, por pressão da minha mãe, tivemos o filho e meses depois estava eu me envolvendo com caras na rua. Eu sou um nojento, sempre fui. E por medo ainda me envolvia com os caras mais afastados, pagando. Depois que minha mulher morreu, eu percebi a merda que tava fazendo com a minha vida e mudei.
- Mudou pra melhor?
- Não! Eu não consigo ser melhor. Eu sou um bosta.
- Claro que consegue.
- Nada que eu fiz foi bom. Minha vida toda foi fazendo merda. Eu nem conheço o caminho para fazer certo. Depois que fiquei viúvo, praticamente entreguei o meu filho para minha mãe cuidar e fazer dele o homem diferente de mim, diferente do meu pai. Enquanto isso eu passei a recriminar todos os gays que eu conhecia, mesmo me envolvendo com alguns, por dinheiro, só pra transar, pra aliviar essa merda de desejo que eu não consigo tirar de mim.
- Ricardo, sua história é realmente triste, mas o que eu tenho com isso? Por que essa vontade de destruir minha vida?
- Eu perdi o controle. Eu só queria que alguém como você não se aproximasse do meu filho. Ele não pode ser como eu!
- Alguém como eu?
- É. Você é gay! Eu não quero isso pro meu filho. Não quero que ele seja errado assim.
- Assim como você!
- Não. Eu tenho essas merdas no meu corpo, mas eu vou me livrar disso. Eu preciso, eu...
- Ok, Ricardo. Eu não quero discutir isso. Eu só sei que você foi longe demais e eu espero sinceramente que você perceba o mal que me causou.
- Eu sei disso. Eu tô muito arrependido. Era só eu ter mantido distância e não teria problemas.
- Como assim?
- Aproximar de você seria lembrar o que eu preciso esquecer.
- Você não precisa esquecer. Precisa aprender a lidar.
- Não. Eu não posso falhar mais. Não posso desapontar minha mãe. Eu já errei muito. Eu sou igual ao meu pai, cara. Não devia ser assim.
Seu choro passou a ser compulsivo e eu não aguentei. Puxei ele pela mão e o abracei, fazendo-o se aproximar da maca, quase que deitando junto comigo. A emoção era tão grande que não percebi quando a porta se abriu.
- Eu não acredito no que tô vendo aqui!
Continua...