Começo esse texto com uma pergunta: Há quanto tempo vocês vem acompanhando os contos da CDC? Quantos vocês ja leram? Estou por aqui há uns dez anos e tenho acompanhado a evolução de inúmeras histórias postadas. Assim como também venho observando a falta dela. (Em outro texto do meu perfil explico como comecei a ler contos e a escreve-los - confira em Uma Pausa para explicar)
Todo esse tempo aqui me fez ver como parece existir uma “receita de bolo” pra escrever um romance. Acredito que os autores, que também são leitores, ao acompanhar um numero suficiente de histórias resolveu escrever a sua própria. O que é muito louvável. A linguagem escrita deve ser sempre estimulada. Mas ao que parece ninguém avisou a esses autores, ou eles não perceberam sozinhos, é que não há necessidade de recontar a mesma história várias vezes.
Vocês acham sinceramente que ninguém nunca leu a história do garoto sensível que se apaixona pelo badboy hétero no primeiro dia de aula? Que nunca foi publicado em lugar nenhum o caso do carinha que muda de cidade pra cursar faculdade e se apaixona pelo colega de republica ou pelo veterano do curso? Hoje (o dia em que estou escrevendo esse texto) Tentei começar três novas séries publicadas esse ano e todas elas começam de mesma forma. Suas tramas são idênticas, seus personagens parecidos, até os nomes são os mesmos (Mateus, Yuri, Pedro, Felipe - nomes comuns, que todo Zé ninguém da rua tem). Na essência, são as mesmas historias que eu lia por aqui em 2006. Há uma saturação nos contos publicados aqui e me deixa ligeiramente perturbado o fato de ninguém se dar conta ou opinar sobre isso.
Vocês leitores, acabaram de chegar ou tem memória curta?
Começo acreditar que isso deve ser simplesmente questão de gosto. Muitos devem apreciar andar em terrenos conhecidos, rever o mesmo arquétipo de personagem sob outros nomes, passando pelas mesma situações que não eram interessantes na primeira vez em que foram escritas e com certeza não são agora. É reconfortante pra eles permanecer na segurança de que a história vai ter o seu “felizes para sempre” no final. Eu vou na contra-mão disso tudo. Detesto histórias rasas, personagens caricatos, roteiro sonolento e diálogos vazios. Gosto de ser surpreendido. Não quero saber como vai termina já no primeiro capítulo. Não me importo que acabe de um jeito triste ou trágico. Desde que o autor mantenha a lógica e o fator humano da história próximo do real, eu fico satisfeito.
Eu gosto de me identificar com o personagem narrando a história ou com qualquer outro que mostre uma personalidade interessante, mas fica impossível por causa da forma como eles são descritos. Conhecem a frase “White people problems”? É uma expressão americana usada pra ridicularizar pessoas que sempre tiveram tudo fácil na vida e ainda assim ficam reclamando dela. Que adoram posar de vítima. É obvio que também faz referencia ao racismo. Isso sempre me vem a cabeça quando leio os “dramas” que os autores fazem seus protagonistas passarem. São rasos, fúteis e não inspiram nenhuma compaixão. Como sentir pena do adolescente branco, de olhos claros, corpo atlético, classe média-alta, com empregada em casa e que não faz nada o dia todo? Quando a vida dele se resume a brigar com o namorado por ciúmes dentro daquela boate de trezentos reais a entrada, sair com o carro que o papai deu no aniversário de 18 anos até o apartamento de dois pavimentos em um bairro nobre enquanto ignora as chamadas dele no seu iphone7 novinho. Sentiu o drama? É pra gente se identificar com isso?
É difícil se sentir representado por personagens que estão totalmente dentro do padrão heteronormativo e com posição social elevada, quando a realidade que você vive é outra. Existe uma regra aqui no site que proíbe personagens negros ou de qualquer outra etnia narrar uma história? Porque (vocês sabem disso! Não banquem os inocentes) Esse tipo de história é rara. Qual a importância que torna tão fundamental que autor tenha que escrever “não tenho jeito de gay” logo no primeiro capítulo? Ele acha que alguém vai na casa dele com uma lâmpada se não deixar claro de imediato que ele não é (que horror!) afeminado? E, é claro, o macho dele PRECISA ser o hétero “convertido”, que nós sabemos que não existe! Nos meus próprios contos eu brinco muito com isso. Com todos esses clichês. Mas eu os uso apenas do ponto de vista do fetiche. São como filmes pornôs. Não são feitos pra pensar, e sim pra excitar. Funciona em contos puramente eróticos. Quando a história tem um cunho romântico a coisa toda simplesmente não se encaixa. A mecânica é diferente!
A questão da boa aparência é sempre importante. Ninguém quer uma pessoas fora dos padrões não é? É bom deixar bem claro pra todo mundo que se você não nasceu com os genes certos, pode desistir de encontrar seu príncipe. Falo isso porque é intrigante como eles conseguem manter a boa forma sem nunca ir a academia ou praticar esportes e como eles passaram pela adolescência sem nenhuma espinha na cara. Reparou que elas nunca são mencionadas? Eu devo supor que nunca existiram né? Ah! E ja ouviram falar da chuca? Isso é algo que só nós, pobres mortais, temos que nos preocupar. Eles estão sempre limpinhos e prontos pra ação.
A faixa etária dos personagens também é um ponto curioso a ser discutido. A maioria esmagadora dos protagonistas está entre os 16 aos 25 anos. O que vocês acham que acontece com os gays acima dos 30? Desaparecem? Posso garantir que nem todos eles estão curtindo o casamento perfeito com o namorado do ensino médio. Infelizmente não me lembro de ter lido muitos contos do ponto de vista de pessoas mais velhas, com um tempo de vivencia maior. Os “novinhos virgens” dominam geral aqui!
Agora, qual o problema com histórias assim? Por que esses aspectos parecem me incomodar tanto?
O primeiro motivo é porque histórias assim não são interessantes. Fato. Se nada demais acontece na trama, os personagens não cativam, a narração não for descritiva, o roteiro bem ambientado, se o autor centraliza tudo nos dois personagens e fica com preguiça de desenvolver todo o resto ou então fica colocando coisas aleatórias sem nenhuma explicação, então, me desculpe, seu conto é um desastre. E eu vou te falar isso!
O segundo motivo a me incomodar é uma questão mais social. Esses contos de aspectos parecidos existem aos montes porque há uma idealização do que é ser perfeito inserido na psiquê dos homossexuais. Um padrão aceitável. Esse padrão diz que você tem que ser como eu descrevi acima. Se não for é como se tivesse algo de errado com você. Esse padrão elitiza e segrega membros de uma comunidade que por si só já é segregada e alvo de preconceito constante. Vemos isso em todos os lugares. Boates e bares gays. Na publicidade, no instagram, facebook e twitter. Observem os “modelinhos” com mais seguidores, apesar de não criarem nenhum conteúdo, e depois observem os seguidores. Entende a minha frustração de entrar aqui e ver que essa adoração se mantém? Até aqui reverenciamos o descendente de europeus que faz os machos brigarem por onde ele passa! Isso influencia a cabeça dos mais novos, que acreditam que essa é a maneira ideal de ser e viver; ao mesmo tempo que envenena a dos mais velhos que se frustam ao ver tantos se encantarem com castelos de areia, sonhando com uma vida que nunca terão. Olhando por esse espectro, a existência de contos que promovem essa propaganda emplastificada é um desserviço!
“Se não gostou não leia” - Esse argumento é infantil e ilógico. Tudo que é publicado aqui, está aqui pra ser lido e julgado. Tem uma área pra comentários e um sistema de notas de zero a dez. É pra isso que eles servem. O problema é que muitos autores aqui levam as críticas pro lado pessoal. Eles só estão disposto a aceitarem as que são lisonjeiras. Alguns até apagam as que não gostam(to me coçando pra citar uns aqui). Isso demonstra uma incrível falta de maturidade. Se não podem lidar com o fato de que nem todos vão gostar do que você escreveu é melhor guardar pra você.
Aos autores: Saiam das suas zonas de conforto! Prestem atenção no que vocês escrevem. Você não fazem idéia de quem podem estar atingindo. E fiquem de olho no retorno de quem comenta. Algumas carinhas felizes não é indicação de qualidade. Se alguém apontou falhas ou acertos na sua história, quer dizer que ela prestou atenção ao que você escreveu. E isso é tudo que importa.
Não estou aqui pra cagar regra. Só queria desabafar e promover o debate.
Acho que fiz por merecer.