Estrela guia de minha nau errante | 05
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“Sangrenta rosa
Que evoca a louca,
A voluptuosa
Volúvel boca
De sua amada...
Ah, com que mágoa,
Com que desgosto
Dois fios de água
Lavam-lhe o rosto
De faces lívidas!
Da veste branca
À larga túnica
Por fim arranca
A rosa púnica
Em um soluço.
E parecia,
Jogando ao chão
A flor sombria,
Que o coração
Ele arrancara!...” (Manuel Bandeira)
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Ouvi as maliciosas palavras de Vanda e fingi que não era comigo. Desfiz-me do abraço e segui para cumprimentar meus demais colegas de trabalho.
Encontrei Clau e ali tive certo alívio.
- O que a víbora da Vanda estava a falar com você?
- Veneno! O que mais uma víbora tem a expelir?
- De fato. Ela deve estar aprontando alguma coisa.
- Ela disse que o melhor está por vir.
- Então, ela está aprontando com certeza. Ela é uma mal amada. Com certeza sabe que logo mais não terá mais espaço em nosso Setor. Porém, não consegue enxergar que a responsabilidade é da incompetência dela.
- Ela teve muitas chances. Sempre que pude, conversei com o Felipe a respeito da situação dela, tentando a resolução menos abrupta. Ela não melhorou. Pelo menos não será demitida, tão somente transferida.
- Meu querido, sei de seu esforço. E você não percebe que há mais nela além da mera frustração profissional?
- Desconfio.
- Lipe, ela tem algo pessoal contra você. Ela não gosta de você. Diria, até, que chega a odiar você.
- Eu percebo que ela não me aprecia. Mas a razão para tanto...
- Felipe, nosso Diretor!
- E o que eu tenho com isso?
- Lipe, a Vanda nunca foi um talento profissional, mas conseguiu ascender na carreira e na empresa. Ela utiliza seus dotes físicos como instrumento. Ela faz a linha da mulher sedutora.
- Mas ela nunca quis me seduzir.
- Sim, o objetivo dela sempre foi o Diretor.
- Oh!
- E ele sempre foi imune ao charme dela. Porém, ao seu...
- Nós não temos nada!
- Hahaha. Meu menino ingênuo! O Felipe é vidrado em você. Há tanto desejo ali.
Não houve como disfarçar que fiquei rubro. Eu já vinha notando as intenções de Felipe para comigo. E, nos últimos tempos, elas estavam mais evidenciadas.
De qualquer forma, ouvi-las ali, na minha face, era desconfortável.
- Você fica mais fofo quando tímido, Lipe! Exclamou Cláudia.
- Eu concordo! Disse Felipe, surgindo repentinamente próximo a nós.
- Uiiiiii!!!! Hahahaha. Gargalhou Claudia.
- Ele é uma graça constante, mas, quando vermelho de timidez, desperta em mim uma vontade de...abraçá-lo!
- Abraçar?! Sei....kkk. E mais uma vez Clau desatou a gargalhar.
- Por ora! Respondeu Felipe, dando uma piscadela marota.
- Ok, minha boa gente! Mudemos de assunto. Está bebendo o que, Felipe? Eu questionei, louco para que o foco da conversa deixasse de ser eu, apesar de saber, de antemão, a resposta.
- Whisky.
- Puro, pois é assim que você gosta.
- Você conhece e entende minhas vontades, Lipe.
A sedução dominava o ar.
Felipe, o Diretor, estava inebriante. Másculo, com a camisa justa ao corpo bem contornando e evidenciando seu porte físico, com olhar de interesse e mais saliente na postura, em razão da bebida.
- Felipe, você já bebeu bastante, não?! Já é sua quarta dose.
- Veja, Claudia, como o Lipe se preocupa comigo, passou à noite de olho em mim.
E ele era pura malícia.
- Gente, está aberta a temporada de caça! Debochou, Clau.
Felipe tomou um gole da bebida dele, olhou nos meus olhos e sorriu. E eu desmontei.
- Só me preocupo com meus amigos.
Foi isso que consegui responder.
-Felipe, meu chefe querido! Falou Vanda, juntando-se ao nosso grupo.
- Vanda. Apreciando a happy hour? Indagou Felipe.
- Muito, boss! E você sabe que eu prezo muito pelo seu bem estar, não é?!
- Aonde, meu Deus:?! Claudia questionou em resposta.
- Claudia, você não deveria estar junto aos seus? O pessoal do apoio está reunido em uma mesa, ali mais ao canto, possivelmente dividindo uma cerveja barata e uma porção de croquete.
Segurei na mão de Claudia e disse:
- Cláudia está entre os seus. Sou amigo dela e não admitido ofensas e qualquer tipo de preconceito, entendeu?!
- Olha só, a criança se ofendeu. Vanda desdenhou.
- Eu ratifico as palavras do Lipe, Vanda! Felipe vociferou.
- Não quis ofender, chefinho. Apenas pensei que a Claudia estaria mais confortável com o pessoal da laia dela. Em todo caso, chefe, não era isso que queria conversar.
- Diga o que quer de uma vez, Vanda.
- Então, chefe. Hoje, após saber dessa happy hour, coincidentemente, a Roberta estava on-line no Messenger do Facebook e me chamou para conversar. Como eu sempre penso no seu bem estar, contei a ela desse happy hour e a chamei para vir.
Puta que pariu!!!!
Roberta era namorada de Felipe. Eles se conheciam de sua cidade natal, no interior. Ambos vieram para capital para cursar o ensino superior.
Eles tinham um relacionamento antigo, mas evidentemente desgastado. Não havia mais amor ali. Qualquer um que os visse constatava que a permanência do casal era mais por comodismo e respeito à antiga história a dois.
Isso, pelo menos, por parte de Felipe. Roberta ainda o queria e fazia de tudo para que o término do relacionamento não acontecesse. Felipe era um prêmio, tido por um ótimo partido em sua pequena cidade natal, de forma que, para ela, Felipe era sinal de status, de vitória.
- Vanda, Roberta estava ciente desse happy hour. Eu mesmo contei a ela. Afirmou Felipe.
- Sim, chefe. E eu gosto tanto da companhia dela que a incentivei a aparecer aqui. Além disso, sabia que você ia adorar ter sua namorada ao seu lado.
Vanda era venenosa mesmo. Ela tinha ciência que o namoro deles não ia bem e, mesmo assim, forçou a situação.
- Falando nela, olha a Roberta ali na entrada. Vem, chefe, vamos recepcionar nossa convidada.
E Vanda saiu arrastando Felipe consigo.
De imediato, Claudia virou para mim e soltou:
- Vaca!
- Que?
- Puta! Essa Vanda, maldita.
- Tadinho do Felipe. Claro que eles ainda namoram, mas a briga entre eles é constante. Eu creio que ela esteja tentando encontrar o momento certo de terminar.
- Olha, Lipe, eu acho que, terminado o amor, não há motivo para manter uma relação.
- Eu concordo, Clau. Até já falei isso a ele. De certa forma, ele também pensa assim. Mas, a Roberta é uma pessoa difícil, e eles se conhecem desde crianças. Além disso, a família de ambos pressiona para que eles fiquem juntos. Há muita expectativa para isso. Enfim, a Vanda não tinha o direito de se intrometer e criar essa situação para ambos.
- Lipe, a Vanda fez isso com um único propósito: prejudicar você!
- Aff!
- Veja, é evidente que esse namoro do Felipe está no fim. Assim como é vidente que o Felipe está louco por você e querendo te ganhar. Vanda chamou Roberta para impedir a aproximação de Felipe em você. Ela fará de tudo para vocês não ficarem juntos.
Felipe, Roberta e Vanda estavam cumprimentando os demais presentes até que, por fim, chegaram a mim e a Cláudia.
- Beta, meu amor, lembra-se da Claudia, do apoio? Vanda disse.
Roberta saudou Claudia com um beijo na bochecha.
- E esse aqui, Beta, é o Lipe, o protegido do chefe. Vanda destilou.
- Olá, Roberta, como está? E não sou protegido de ninguém. Eu disse, cumprimentando Roberta com um beijo também.
- Estou bem Lipe. E, de fato, Felipe fala muito sobre você. Vocês são tão próximos....
Havia um certo desconforto de Roberta ao dizer isso.
- O Lipe não é meu protegido. A competência dele fala por ele. Felipe verbalizou.
- Veja como ele se prontifica a defender você, Lipe. É tão automático nele essa proteção.
Era mais que um desconforto. Era um desgosto que Roberta sentia pela minha proximidade com Felipe.
Imaginei, naquele instante, se alguém não estava a envenenar suas ideias.
Vanda sorriu.
- Venha, Roberta. Vamos pegar algo para você beber. Felipe disse.
Mas, nada é tão ruim que não possa piorar.
Ainda reunidos ali Vanda, Felipe, Roberta, Claudia e eu, notamos mais alguém chegar: Pedro, nosso estagiário.
- Tomei a liberdade de chamar nosso novo estagiário. É bom para ele se enturmar. Vanda disparou.
Pedro nos achou com olhar, mas de imediato seus olhos me alcançaram. E ele sorriu. Veio em nossa direção.
Pedro parou em minha frente, ainda sorrindo e com aqueles lindos olhos azuis.
Olhos que chamam, olhos que te reclamam, olhos que te tomam.
Pedro trazia consigo uma rosa vermelha. Ele a entregou a mim.
- É para você, Lipe! Pedro falou.
Uma rosa. E ele. Gentil, sorridente e com aqueles benditos olhos a me focar.
- O que significa isso, “mon petit” (meu pequeno)? Felipe questionou zangadamente.
Claudia bateu a mão na própria testa e soltou um “putz...”
Roberta olhava-me com ódio.
Vanda sorria e se deliciava com o momento.
Pronto, a arapuca estava armada e a presa era eu.