Eu entrei e fechei a porta, mas não a tranquei. Eu fui para debaixo do chuveiro e entrei com roupa e tudo.
- Não faça isso! – Eu ouvi, era uma voz familiar
Eu peguei a faca que eu já deixava lá e cortei os pulsos, foi rápido, indolor. A minha dor interna era tão grande que eu não senti a externa. Aos poucos eu fui vendo tudo ficar branco. Eu ouvia um barulho beeeeeeeeeeem longe. Aos poucos tudo foi sumindo, a dor sumiu, a tristeza sumiu, a solidão sumiu, tudo virou um vácuo. O buraco negro dentro de mim só cresceu. Eu apaguei.
Quando eu acordei, eu estava no hospital. Thi chorava silenciosamente do lado da minha cama.
- Oi! – Minha voz saiu tão fraquinha que eu duvidei que eu tivesse produzido algum som, mas ele me ouviu
Ele pulou em cima de mim e me abraçou.
- Nunca mais, nunca mais faz isso com a gente!
- Onde eu estou?
- No hospital!
- Eu não morri?
- Por muito pouco, muito pouco mesmo tu quase morres. Onde tu estavas com a cabeça, Antoine? E a Sophie, tu ias deixar a Sophie?
- Ela ficaria bem com vocês.
- Não, ela não ficaria. Ela perderia os únicos caras que ela ama. Ela já perdeu um, tu realmente queres que ela perca o outro?
- Eu não aguento mais, Thi! – Eu disse chorando – Eu não aguento! Eu sinto tanta falta dele, mas é tanta que isso dói em mim. Eu sinto dores no corpo. Eu sinto uma dor dilacerante todos os dias, é uma dor que nunca passa. Eu não sinto nada além de dor e uma profunda tristeza.
- Tua filha precisa de ti, mano.
- Eu não posso cuidar dela, eu não consigo nem ficar feliz com a felicidade da minha própria filha. Eu não sinto mais nada, Thi. Eu tô vazio por dentro, ele levou tudo junto com ele. Eu não tenho mais motivo para existir. Eu só quero fazer essa dor parar, eu só quero fazer tudo isso passar.
- Antoine, eu estou aqui contigo. Tu sabes que eu jamais te deixaria. Luta por ti, pela Sophie, por mim... Não desiste, por favor. Eu sei que tu és forte, eu sei que tu consegues superar tudo isso.
- Eu não posso, Thi! Eu não consigo!
- Consegue, sim! Tu ias me deixar, Antoine! Como que eu ia ficar aqui sem as tuas broncas? Quem ia colocar juízo na minha cabeça?
- Tu tens muita gente aqui, vocês não precisam de mim.
- Filhote! – Papa entrou no quarto e foi me abraçando – Meu filho, não faz isso! Tu não vais mais voltar para aquela casa!
- Eu não quero sair de lá!
- Mas vais sair, por bem ou por mal. Tu vais lá pra casa!
- Aquela é minha casa. Eu vou continuar lá.
- Antoine, escuta teu pai. Talvez, no momento, seria bom tu saíres de lá.
- Eu não vou sair!
- Vamos fazer o seguinte, tu vais lá para casa. Eu mando reformar toda aquela casa, que tal?
- Vocês não entendem. Ele não faz falta para vocês, mas pra mim faz. Lá é o único lugar que eu posso ficar perto dele.
- Meu filho, já está decidido. Nós vamos reformar tudo.
- Não, Papa, por favor! – Eu disse chorando
Eu já havia perdido o Bruno, eu não podia perder aquela casa que nós montamos juntos cada cantinho. Foi ali que nós vivemos os melhores momentos da nossa vida. Eu não podia, ninguém podia tirar isso de mim também.
- Vocês não podem tirar isso de mim. Por favor!
- Meu filho, é para o teu bem. Tu achas que eu quero perder meu filho? – Ele disse chorando – Eu entendo que tu estás sofrendo, nós todos estamos. Eu não aguento perder mais um filho.
- Ninguém sabe o que eu tô sofrendo, ninguém sabe o que eu to sentindo...
- Filhote, tu não és o único que ama o Bruno. Nós todos o amávamos. Não te fecha em ti, deixa a gente te ajudar.
O psiquiatra entrou no meu quarto e começou a conversar comigo. Eles decidiram que fariam a reformar. Mas, antes, eu teria que doar todas as coisas do Bruno. O psiquiatra disse que seria um processo doloroso e lento. E que todos teriam que ter paciência. Eu odiava ser um fardo para todos, eu só queria deixar de existir, assim tudo se resolveria rapidamente. Ficou determinado que eu moraria com meus pais. Seria a coisa mais certa a se fazer, já que minha vida estava sendo ameaçada por mim mesmo.
Eu jamais pensei em tirar minha vida, mas na hora da dor, da angustia, da tristeza sem fim, a gente não enxerga a razão. A gente só quer se livrar de tudo aquilo o mais rápido possível. Só quer fazer parar a dor que não cessa jamais. Eu tive que ficar vários dias internado, quando me liberaram, eu fui direto para a casa dos meus pais.
Ninguém acreditava no que eu tentei fazer, logo eu que sempre fui alto astral. O que eu sinto pelo Bruno é mais forte que qualquer outra coisa e ficar sem ele me fez ficar sem norte. Me fez perder todas as referências.
O acordo foi que eu iria para a casa dos meus pais e três vezes por semana eu iria para a terapia. O primeiro mês foi bem difícil, eu ia para a terapia e ficava calado, como eu fazia a maior parte do tempo. O psicólogo disse que isso era um mecanismo de defesa, eu me via sempre em perigo, me sentia desprotegido e não falava nada para não chamar atenção de ninguém. Eu via diferente, eu só não falava por que eu não tinha o que falar.
Aos poucos, mas muito pouco mesmo, as coisas foram caminhando. Nós já estávamos no final do ano, eu já não queria mais tirar minha vida. Aquele final de ano foi o pior de todos. Eu me ver sem o Bruno me doía demais. Nosso relacionamento começou praticamente em uma festa de final de ano. Era natal de 2012, na véspera eu me vi lembrando do dia em que dormimos juntos e amanhecemos abraçados, foi quando a gente percebeu que estávamos apaixonados. Tudo com a gente era mágico. Tudo era lindo. Eu me lembrei da nossa viagem para Fortaleza, de nossas aventuras. Lembrei de nosso casamento, como estávamos felizes naquele dia. Eu não me cansava de perguntar por que eu tinha que sofrer tanto? Foram dois cânceres e ainda tinha que perder o amor da minha vida?
Eu comecei a questionar a existência de Deus. Eu comecei a questionar se realmente existia o bem, por que na minha vida só existia o mal. O mal devorava tudo o que era bom. Eu comecei a desacreditar em tudo o que eu acreditava. Ao invés de eu emergir do poço onde eu me encontrava, eu sempre achava um jeito de eu afundar cada vez mais. Eu já não cuidava tanto da Sophie, era a Mamam quem cuidava mais dela. Eu continuava sem querer comer, eu só dormia por que o remédio era tão forte que eu apagava. Quando eu acordava no outro dia, eu acordava sempre enjoado. Meus pais se preocupavam demais comigo, eles tinham medo que eu tentasse me matar mais uma vez.
Na noite de natal, todos estavam lá para dentro e eu consegui fugir e sentar na borda da piscina. Quando eu sentei eu senti alguém sentar ao meu lado. Eu olhei e era ele. Ele estava sentado do mesmo jeito que ele sentou na primeira vez que ele veio em casa.
- Ei, cadê meu sorriso? – Ele disse para mim, ele estava lindo
- Bruno?
- Oi, amor!
- Bruno?
- Oi, meu bem! Eu não quero te ver triste.
- Eu não consigo mais viver aqui. Me leva contigo.
- Eu não posso, amor. E tu também não podes vir ainda. Tu tens a Sophie, tu tens que cuidar dela.
- A Mamam cuida dela.
- Não, meu bem, és tu quem tem que cuidar dela.
- Eu não posso!
- Pode, sim! Nunca mais faz aquilo novamente, tá?
- Eu só queria te encontrar, te ver.
- Eu estou aqui, não estou?
- Tu vais ficar?
- Eu não posso! Olha só, me promete que tu vais cuidar da Sophie?
- Eu não posso!
- Me promete que tu vais ficar bem!
- Eu não vou!
- Amor, eu te amo, tu sabes, né? Se tu ficares mal, eu vou ficar mal. Tu tens que ficar bem, tá bom? Promete pra mim.
- Bruno...
- Promete, Antoine.
- Eu prometo!
- Promete que tu vais cuidar da Sophie.
- Eu prometo!
- Tu não precisas de psicólogo, tu tens tudo aqui dentro. – Ele colocou a mão no meu coração
Eu ouvi um barulho e olhei para o lado. Quando eu voltei a olhar para ele, ele já não estava mais lá. Eu me perguntava se era ele realmente. Me perguntei se não eram os remédios que me fizeram imaginar tudo aquilo. Era bem provável que os remédios me tenham feito criar tudo. Mas, como espirita, eu acredito que tenha sido real. Ele estava bem, ele estava tão lindo. Eu pude sentir o cheirinho dele.
- Ah, tu estás aqui. O que fazes aqui? – Dudu me perguntou
- Nada!
- Vem, vamos la para dentro.
- Depois eu vou. Eu vou ficar mais um pouquinho aqui.
- Então, eu fico contigo.
- Eu não vou tentar me matar na piscina, Dudu.
- Quem foi que disse isso? Eu só vou fazer companhia para o meu irmão. – Ele sentou bem onde o Bruno estava
Nós ficamos em silêncio.
- Sabe, foi aqui que tudo começou. Foi aqui que o Thi brigou com o Bruno. O Bruno estava sentado aí onde tu estás, estávamos conversando sobre o primeiro marido dele. Aí o Thi chegou e pensou que ele estava dando em cima de mim, e talvez ele estava mesmo...
- Tu sentes falta dele, né?
- Tu não imaginas o quanto... – eu olhei para o céu estrelado e suspirei
- Isso vai passar, mano.
- Isso nunca vai passar, Dudu.
Nós ficamos mais um pouquinho e depois entramos. Eu entrei e peguei a Sophie no colo. Eu tinha prometido cuidar dela, cuidar da gente. Eu não queria vê-lo mal, eu queria vê-lo lindo como naquela noite. Mas eu realmente não sabia como eu iria nos manter bem.
As festas de final de ano passaram, eu tinha conseguido doar as coisas dele. A casa já estava começando a ser reformada. Eu não voltei a trabalhar, não me sentia bem para isso. Mas, eu já comia normalmente e dormia também. Eu ainda tomava antidepressivos e calmantes para dormir. Aos poucos a vida foi seguindo. Eu sentia falta dele durante todos os segundos, todos os minutos, todas as horas de todos os dias. Era uma dor constante, não passava nunca, mas a intensidade começava a diminuir. Eu posso dizer que eu cheguei no fundo do fundo do poço, só não sabia se eu sairia de lá.
Haviam se passado sete meses após a morte do Bruno. Entre idas e vindas, entre realidade e efeito dos remédios eu ia levando a vida. Ou melhor, iam me fazendo levar a vida. Meus amigos foram incansáveis, não me abandonaram um segundo sequer. Todo dia alguém vinha me visitar, parecia que eles tinham uma escala entre eles. Graças a Deus, eu não havia tentado mais nenhuma vez tirar minha vida.
Eu foquei na Sophie, era ela quem me mantinha vivo. Ninguém, mas ninguém mesmo tinha esse poder. Nem meus amigos e nem minha família poderiam evitar que eu desejasse me matar. A Sophie, sim. Até hoje eu vivo por ela, é ela quem me mantém vivo. É por ela que eu luto todos os dias da minha vida. Uma coisa é certa, a dor nunca passa. Tu te acostumas com ela, ela começa a fazer parte de ti, mas passar, ela não passa nunca.
O Thi sempre que podia me tirava de casa e me levava para passear. Eu nunca, jamais saia sem minha filha. Eu me ocupei 100% dela, voltei a não deixar ninguém cuidar dela. Em fevereiro minha casa já estava pronta. Eu fazia terapia constantemente, meu acordo com meu pai era que eu faria a terapia se ele deixasse eu voltar a morar na minha casa. Eu não me sentia bem na casa dos meus pais, eu amava estar lá, mas não morar lá.
No último final de semana de fevereiro de 2013 eu voltei para a minha casa. Quando eu cheguei lá, não era minha casa. Tudo estava diferente. As paredes não eram as mesmas, o chão não era o mesmo nem mesmo o jardim permaneceu igual. A impressão que eu tinha era que ela tinha sido derrubada e outra tinha sido construída no lugar. Eu só sabia que era a minha casa por que a casa dos meninos continuava igual, ao lado da minha.
Os móveis foram trocados, tudo foi redecorado. Onde era a sala, agora era a sala de vídeos, onde era a sala de jantar era a sala de estar, onde era a cozinha era a sala de jantar. Minha cozinha estava no final da casa, onde era a área de lavar roupas e estendê-las. Meu quarto também não ficava mais no mesmo lugar, nem o da Sophie, a parte de cima foi toda refeita, nada era como antes. Nada mais me lembrava dele. Ele tinha sido apagado dali.
O quarto da Sophie ficava de frente para o meu, estava tudo lindo, mas não era a minha casa. Eu teria que aprender a viver ali. Papa me deixou lá com o coração apertado, morrendo de medo de eu fazer alguma coisa comigo mesmo. O processo de vigilância continuava, vira e mexe aparecia alguém lá comigo. Eu não trabalhava há meses, não saia de casa há meses. Só saia quando o Thi me arrastava, literalmente, para fora.
Nós estávamos em março de 2013. Foi só a partir daí que eu comecei a viver novamente. Minha primeira tarefa era colocar a Sophie em uma creche, o que eu fiz. Eu ia deixa-la e busca-la todos os dias. Eu passei a trabalhar no restaurante com o Pi, no início eu só o ajudava. Todo mundo sabia o que eu estava passando e todos tinham pena de mim, o que me dava uma raiva bem grande. Mas eu sempre sorria para todos e falava que eu estava bem, eu falava várias vezes que era para eu mesmo escutar e acreditar. É incrível como a vida não espera, se tu perdes alguém que tu amas, ela continua a caminhar e te arrasta junto, sem se importar se tu sofres ou não. Ainda bem que é assim...
O aniversário da Sophie estava chegando e todos queriam fazer festa, menos eu. Ano passado foi o Bruno quem quis fazer festa, era ele que controlava tudo. Esse ano era só eu, eu não queria. Não queria por que eu lembraria dele, não queria por que viria todo mundo e eu não sei se eu aguentaria todos querendo saber como eu estava. Eu estava melhor, é verdade, minha aparência tinha melhorado, eu já não parecia um zumbi. Eu me alimentava direitinho e dormia direitinho também, mas eu não engordava.
Minha filha já iria fazer dois anos, ela só pode conviver com o pai durante um aninho. Ela nem sequer lembraria dele. Ela estava grande, falava pelos cotovelos como Mamam havia me dito há algum tempo. Nós estávamos em casa, só nós dois como sempre.
- Qué poló, Papa! – ela veio correndo até mim na cozinha
Eu achava tão lindinho o jeito como ela falava. Poló era água. Eu tinha que decifrar às vezes o que ela queria, mas era lindo. Eu coloquei água no copinho dela e ela bebeu, aquela menina era uma esponja.
- Cadê o Sheep, filha?
Sheep era um cachorrinho que nós tínhamos comprado. Ela ficava muito sozinha, então eu resolvi comprar um amiguinho para ela. Ele era um poodle, dócil, brincalhão, era exatamente o que eu precisava. Minha filha não tinha aquela maldade típica das crianças daquela idade, ela não apertava e nem batia no Sheep, ela queria cuidar dele exatamente como eu cuidava dela. Ela sempre foi esperta demais. Especial demais.
Depois que ela aprendeu a andar de fato, o que aconteceu logo após a morte do pai, eu vivia andando atrás dela pela casa. Ela não parava, o que foi ótimo para mim logo no início, pois eu não tinha tempo para pensar em besteira.
- Filha, tá com fome?
- Tô! – Ela batia na barriguinha
- Vamos comer?
- O que?
- Olha, eu fiz macarronada pra gente. Aquela que tu gostas.
Ela me olhou toda sorridente e pela primeira vez eu me vi sorrir. Há meses eu não sabia o que era aquilo. Nós nos sentamos a mesa, eu sentava na ponta e ela do lado, ela tinha a cadeirinha própria, pois ela ainda não alcançava a mesa usando as cadeiras normais, é claro.
- Num quelo isso, Papa! – Ela apontava para uma cenoura
- Mas tem que comer, filha.
- Num quelo!
- Me dá aqui, deixa o papai fazer desaparecer.
Eu peguei o prato e amassei todos os legumes e misturei tudo, era assim que eu a enganava. Nós almoçamos, tomamos nosso banho, nos arrumamos e saímos. Eu fui deixa-la na creche e de lá eu fui para o restaurante. Eu voltei a andar de ônibus já que eu ainda não tinha carteira, mas era muito difícil. Papa já tinha me matriculado em uma autoescola e eu tinha iniciado as aulas teóricas.
A vida de fato seguiu. Eu aprendi a viver daquela maneira, aprendi a viver sem ele. A Sophie me salvou duas vezes, a primeira foi quando eu tive câncer e a segunda quando eu perdi tudo o que havia de bom dentro de mim. Todos os dias eram iguais, eu acordava, cuidava da casa, cuidava da Sophie, eu a levava para creche e ia trabalhar. No final do dia eu a buscava na creche, a deixava na casa da Mamam e voltava para o restaurante. Às 21h eu ia busca-la e íamos para casa.
###
Era um final de semana e nós tínhamos combinado de ir para o terreno da minha tia em Ferreira Gomes. Todos estavam super animados para passar um final de semana inteiro no interior. E é claro que eles me arrastaram. O Jean realmente havia se mudado para o Brasil, ele e a Jujuba tiveram a Bruna. Ela deu o nome do Bruno para ela em homenagem. Ela era linda. Todos falavam que ela seria louca como a mãe. Eles tinham comprado uma casa e tinham casado de forma bem singela. Não houve festança e nem vestido de noiva, pois a Jujuba disse que ela pareceria uma vovó gorducha vestida com vestido de noiva e uma barriga saliente e ela não registraria esse momento de jeito nenhum. Todos estavam arranjados, Jujuba havia casado com o Jean, Dudu e Pi estavam firmes, Thi estava namorando um carinha e até a Loh casou com o médico e praticamente sumiu de nossas vidas. Eu ficava muito feliz com a felicidade dos meus amigos.
Eles ainda se preocupavam comigo, eles ainda me visitavam. Eles ainda tentavam me tirar de casa. Jujuba até tentava fazer eu olhar para os caras, mas ninguém me atraia. Eu já não os olhava com olhos de desejo. Aquilo estava acabado para mim. Eu me fechei e não queria me abrir para ninguém.
- Antoine, vem comigo! – Thi disse
Nós estávamos vendo quem ia no carro de quem.
- Não, Thi! Eu vou com o Papa, a cadeirinha da Sophie está no carro dele.
- A gente coloca ela aqui, ora.
- Quem vai contigo?
- Só tu e a Sophie.
- Cadê teu namorado?
- Ele não quis vir.
Ele teve todo o trabalho de tirar a cadeira do carro do Papa e colocar no dele. A Anne foi a única que não foi, era ano de vestibular e ela estava louca estudando. Após todo mundo se acomodar, nós partimos quase em uma passeata para Ferreira.
- Quer ouvir música? – Thi perguntou
- Pode ser.
Nós fomos ouvindo música e o Thi ia cantando feito um maluco durante todo o percurso. Ele fazia várias caretas, incorporava a letra da música. Tanto eu quanto a Sophie começamos a rir.
- Teu tio é doido, né filha?
- É! – Ela disse rindo
Nós chegamos em comitiva no Terreno, todo mundo foi se ajeitando. Mamam, Mamie e tia Joana se apoderaram da cozinha e começaram logo a fazer nosso almoço. A Mamie controlava as duas.
Todo mundo foi para a piscina natural do terreno e eu fiquei sentado debaixo de uma arvore com a Sophie.
- Papa, eu quelo picina.
- Agora não, Sophie. Mais tarde o papai te leva, tá?
Ela ficou meio emburradinha, mas ficou lá comigo brincando. Ela viu as galinhas do terreno e rapidinho esqueceu de piscina. Ela começou a correr atrás das galinhas. Foi instantâneo, a imagem do Bruno brincando com ela pela casa me veio forte à memória. Eu pensei em como ele estaria feliz ali conosco, em como ele faria a festa ali. O Bruno levava alegria e felicidade onde quer que ele fosse.
- Tá tudo bem? – Dudu sentou ao meu lado, ele estava de sunga e todo molhado
- Unrum! – Era o que eu respondia, afinal, eu ouvia essa pergunta mil vezes por dia
- Tu me pareces um pouquinho mais feliz.
- Essa palavrinha já não faz mais parte de mim.
- Ainda dói, né?
- A todo momento.
- Ei, tu sabias que o Pi deu o maior ralho na Carlinha?
Carlinha era uma das funcionárias do nosso restaurante.
- Por que ele ralhou com ela?
- Por que ela se ausenta demais do posto dela, e os clientes começaram a reclamar.
- Mentira? Quando foi isso?
- Ontem, depois que tu saíste para buscar a Sophie na creche.
- Caramba! Tadinha dela! Ela é super gente fina.
- Ela é mesmo, mas trabalho é trabalho, né?
- Verdade!
Às pessoas se esforçavam para me fazer falar, eu já não era como antes. Eu já não falava mais pelos cotovelos.
- Eu sinto falta de ti, mano... – Ele colocou a cabeça no meu ombro
- Eu tô bem aqui.
- Eu sei, eu tô te sentindo. O que eu estou falando, é que eu sinto falta do meu irmão. Sinto falta dos teus ralhos, das tuas implicações...
Eu fiquei em silêncio.
- Sabe, eu sei o quanto deve ser difícil pra ti, mas tu tens que voltar a ser quem tu eras, mano. Ele jamais iria querer te ver assim.
Ele tinha razão, o Bruno jamais iria querer me ver daquele jeito. Mas eu tomei um caminho onde eu me perdi, eu não sabia mais voltar para mim. O EU de antes já não existia mais, todos queriam o antigo Antoine, mas ele havia partido.
- Filha, vem pra cá! Cuidado aí! – Ela estava entrando no galinheiro. A sacana me olhou, sorriu e entrou no galinheiro. – Sophie, não! – Eu dei um pulo e fui atrás dela
Era muito engraçadinho ver aquela coisinha correr de biquíni pelo terreno. Ela fugiu de mim e fez eu ter que correr atrás dela.
- Aaaah, sua moleca! – Eu disse rindo e continuando a correr atrás dela.
- Mamie, mamie, mamie!! – Ela correu e se atracou na perna da Mamam
- Vem cá, moleca! – Ela olhava para mim e sorria sacanamente
- O que vocês estão aprontando?
- Sua neta que me faz correr atrás dela pelo terreno. – Eu disse a pegando no colo, ela começou a resmungar, ela só queria saber de chão, agora.
Eu a coloquei no chão e ela abriu na carreira, mas quando ela ia saindo o Pi a pegou.
- Para onde a senhora vai?
- Eixa eu, tiU!
- Pra onde tu vais?
- Picina!
- Vem, o titio te leva, então.
Ela rapidinho se atracou no pescoço do Pi. Moleca interesseira!
- Vem primo também!
Eu tive que ir já que ele levou a Sophie. Na piscina estavam o Jean, o Thi, o Dudu, o Papa, o Gui e o Papie. A Jujuba estava na sombra com a Bruna. Pi teve que segurar forte a Sophie, pois ela parecia um peixinho, se ela visse água, ela se jogava. Ela era assim desde bebe. Eu tirei a bermuda e a camiseta ficando só de sunga. Meu corpo já não era mais o mesmo, minhas pernas e meus braços eram magricelos. Minha bunda, o que o Bruno sempre achou muito bonita, já não era mais bonita. Eu fiquei bem magrinho, meus ossinhos do pescoço eram bem evidentes. A impressão que eu tinha era que eu tinha reduzido até de tamanho. Quando eu tirei a roupa, o Dudu ficou me olhando. Eu vi pena nos olhos dele. Todos me olharam, na verdade. Eu entrei na água rapidamente e peguei a Sophie. Eu era o único que conseguia controlar minha pestinha. Nós nadamos um bom tempo e depois nós fomos sentar junto com a Jujuba.
- Papa, dexa eu! – Ela falava tentando se soltar de mim.
- Sophie, eu só vou falar uma vez. Você vai ficar aqui comigo, depois nós voltamos lá para a piscina. – Eu falei de forma bem séria com ela
Bastava eu falar uma vez que ela ficava quietinha. Eu sempre conversei demais com minha filha, nunca precisei bater nela. Eu explicava o lado positivo e o lado negativo de tudo. Então, ela sempre me ouvia e me obedecia.
- Oi, amigo! – Jujuba disse quando Sophie e eu sentamos ao lado dela – Oi, dindinda!
- Oi, dinda!
- Oi, Ju! Oi, Bruninha linda do titio! – Eu disse a pegando do colo da mãe.
- Papa e eu? – Ela morria de ciúmes da Bruninha
- Vem com a dinda, vem. – Jujuba a pegou no colo – Ta tudo bem, amigo?
- Unrum. Como tá essa princesinha aqui?
- To bem! – Sophie disse sem nem dar a oportunidade da Jujuba falar
- Amor, papai tá falando da priminha. Ela é tão princesa quanto você.
Ela desceu do colo da Jujuba e veio sentar ao meu lado na esperança de eu devolver a Bruninha para a Jujuba e pegá-la no colo. Ela vendo que eu não ia dar a Bruninha para a Ju, ela fala:
- Xai, Buninha! Ele é meu papa! – Ela empurrava meu braço
Que liiiiiinda!!! Eu me derretia todo quando ela fazia essas coisas.
- Que isso, filha? Não pode falar assim com a priminha.
- Magela tá aí. – Ela queria falar: Pow, pai, deixa essa menina que esse colo é meu.
- Eu sei, meu amor. Mas ela é sobrinha do papai, a tia Jujuba não te carrega?
- Caega!
- Você não gosta?
- Gosto!
- Então, meu amor, a Bruninha também gosta de ficar comigo. Eu sou tio dela e também sou o dindo dela. A mesma coisa é a tia Jujuba pra ti.
- Mageu quelo ir aí.
- Olha, eu não sou teu papa?
- É!
- Então, a gente não dorme todo dia juntinho?
- Domi!
- Pensa que a Bruninha só vai ficar um pouquinho no colo do papai, depois ela vai com a mamãe dela.
- Hum...
- Sabe como é o nome disso que você tá sentindo?
- Não!
- É egoísmo.
- Quié goísmo?
- Egoísmo é quando a gente quer uma coisa só pra gente. É algo bem feio, sabia? Você quer ser uma menina feia?
- Não! Oxô bunita!
- Você é linda! Por isso não pode ser egoísta. Tem que dividir as coisas com os priminhos, com os amiguinhos... Entendeu?
- Tendi! – Pronto, ela ficou sentadinha do meu lado e esperou eu entregar a Bruninha para a Jujuba para só então ela voltar para o colinho dela.
- Eu fico besta vendo vocês conversarem. Como tu tens paciência com ela?
- Jujuba, tu vais ter a mesma paciência com a Bruninha. Faz parte do papel de pai/mãe.
- Eu espero que eu tenha mesmo... Agora, só não sei se eu vou ter esse jeito todo para conversar com ela.
- Vai, sim. Tu achas que eu sabia? Eu fui aprendendo...
- Eu acho muito linda a tua relação com a tua filha.
- Sabe, Ju, a vida meio que me forçou a ser mais atencioso, mais carinhoso, mais dedicado a minha filha. Ela só tem a mim. É claro que ela conta com todos vocês, mas no final das contas quem educa de verdade são os pais. Os filhos vêm correndo para os pais quando eles têm alguma dificuldade e não para os avós, tios, etc. Então, eu tenho consciência que minha filha depende de mim e que eu tenho que dar o meu melhor para que ela se torne um ser humano do bem.
- Tu mudaste, né? Tu amadureceste tão rápido, amigo. Eu quero ser assim também. Tu és meu exemplo, sabias? Depois de tudo o que tu passaste e ainda cuidar da Sophie desse jeito todo terno, carinhoso, amoroso... Eu me espelho em ti.
- Faz isso, não! – Eu sorri
- Quem diria, né? Que um dia nós estaríamos sentados aqui com nossas filhas no colo. Eu ainda lembro da gente na universidade, dois moleques brigando por tudo. Lembro das nossas idas ao barzinho...
- É, nós crescemos. Agora tu tens tua família e eu minha filha.
- Que é a tua família, ora.
- É, mas minha família foi despedaçada. – Eu disse triste
- Ah, desculpa...
- Não, tudo bem.
- MENINOS, VENHAM COMER! – Tia Joana gritava para nós.
Os meninos saíram da piscina e foram até onde Ju e eu estávamos com as meninas. Quando a Sophie viu o Pi, ela se jogou no colo dele. Ela era louca por aqueles tios dela. Para ela, depois do meu colo, os melhores era o do Pi e o do Dudu.
Nós nos sentamos na mesa do lado de fora da casa, era uma mesa gigantesca, cabia todo mundo. Foi uma algazarra só, era incrível ver todo mundo reunido. Era uma faladeira que não tinha fim, todos queriam falar ao mesmo tempo e o pior de tudo é que a gente se entendia muito bem. Parecia uma família italiana e não francesa. Meus avós já estavam mais brasileiros do que franceses, eles adoravam meus amigos, pois todos eram barulhentos.
Foi um final de semana maravilhoso. Há muito tempo eu não tinha um final de semana assim, afinal minha vida era casa-creche-restaurante-creche-casa da Mamam-restaurante-casa da Mamam-casa.
- Eu fico muito feliz em te ver feliz, sabias? – Thi disse quando estávamos voltando para casa
- Thi, felicidade já não é mais pra mim, não. Eu tenho até medo de ser feliz, para ser sincero. A impressão que eu tenho é que basta eu acreditar que eu estou feliz para algo ruim acontecer.
- Não é assim, Antoine! Não pensa assim... Tu mereces ser feliz, mano.
- Não, quem merece ser feliz és tu. Eu já tive minha dose de felicidade, mas infelizmente acabou.
Sophie dormiu durante todo o caminho de volta. Thi foi me deixar em casa, já que a Sophie havia dormido.
- Quer ajuda para leva-la?
- Não, pode deixar! Eu já estou expert nisso.
Eu peguei minha filha com todo o cuidado e a levei para dentro. Thi ficou lá embaixo tirando a cadeirinha e as sacolas com roupas que eu havia levado.
- Prontinho, ela já está na caminha dela.
- Poxa, se eu não fosse jantar com o Heverton, eu ficaria aqui contigo.
- Imagina! Vai namorar, menino! Eu fico com minha filhota, sem problemas. E pode ter certeza que alguma babá vem me fazer companhia.
- Amanhã eu venho pra cá, então.
- Thi, não te preocupas comigo. Lembra o que eu falei no carro? Quem precisa ser feliz agora és tu. Vai lá, aproveita teu namorado. Te dedicas a ele e não a mim. EU já fiz todos vocês perderem tempo demais comigo.
- A gente faz isso por que a gente te ama.
- Eu sei! E eu amo vocês e por isso eu quero que vocês vivam a vida de vocês e deixem que a minha eu vou levando.
- Amanhã eu estarei aqui! – Ele disse me abraçando e fingindo não ter ouvido o que eu falei.
- Tá bom! – eu suspirei - Bom jantar!
- Obrigado! Dá um beijo na Sophie por mim.
- Pode deixar!
Ele partiu e eu entrei em casa. Enquanto a Sophie dormia, eu preparei algo rapidinho para comermos. Após ter preparado nosso jantar, eu subi para o meu quarto e resolvi assistir um filme. Eu estava na minha cama, e toda vez que eu estava lá, era impossível não sentir a ausência dele. Meses haviam se passado, mas era como se tudo tivesse acontecido há alguns dias. Eu me esforçava para sorrir, para viver, mas por dentro só eu sabia como eu estava. Eu olhava para aquele quarto vazio, eu me via sozinho e várias vezes eu chorava em silencio.
#####
Oi, gente! Poxa, muuuuuitissimo obrigado pelo carinho! Obrigado mesmo! É o que eu consigo dizer no momento: obrigado! Um beijo em todos! Até amanhã!