Otávio - foda-se tudo isso. (disse ele um pouco emputecido). Esse mês já temos a moradia garantida. No próximo, a gente se vira.
Ele me olhou e eu fiquei mudo.
Otávio - né!? (disse isso voltando a sorrir).
Eu - tem um problema mano. (falei lhe encarando).
Otávio - qual?
Eu - eu não vou morar com você.
O sorriso do meu amigo se desfez.
Otávio - você não ta falando serio. (disse ele jogando os caroços da pipoca fora).
Eu - eu já to instalado em outro lugar.
Otávio - que outro lugar? Na casa do predador? (disse ele aumentando o tom da voz).
Eu - o cara me ofereceu ajuda quando eu não tinha mais com quem contar.
Otávio - e eu? Você não ta esquecendo de mim?
Eu - eu sei que posso contar contigo mano.
Otávio - mas as vezes parece que eu tenho que te lembrar né!?
Eu - eu nunca esqueci mano. Você é o meu melhor amigo... Sempre foi assim.
Otávio - então o que mudou? Você vai jogar nossa amizade no lixo por causa de um cara que tu mal conhece?
Eu - Não mudou nada mano, mas tu tem que ver que não tava nos meus planos tu sair de casa. Tu nunca me falou dessa ideia.
Otávio - eu nunca pensei em sair de casa mesmo, mas depois que vi você sem ter onde morar, pensei que pudesse ser uma solução.
eu - mas não precisa mais velho. Tu já pode voltar pra o conforto do teu lar.
Otávio deu uma risada irônica.
Otávio - eu não vou voltar, e eu vou me virar com ou sem você. Só quero que me diga aonde foi que tu alugou o apartamento.
eu - eu não aluguei. (falei baixo).
Otávio - é o que?
eu - eu não aluguei o apartamento.
Otávio - tu mentiu pra mim?
eu - eu não menti.
Otávio - ha não!? Então mentira mudou de nome agora?
eu - eu não falei a verdade porque preferi te explicar pessoalmente.
Otávio - você vacilou comigo, Felipe. Você vacilou comigo. (disse levantando-se do banco e caminhando).
eu - hey mano, tu vai aonde? (falei indo junto com ele).
Otávio - sei la cara. Atrás de uma ponte, sei lá, qualquer lugar pra passar a noite.
eu - para com isso mano. Nós vamos atras de um apê pra tu.
O cara virou para trás e limpou as lágrimas que nasciam em seus olhos.
Otávio - você sacaneou com nossa amizade.
eu - para de falar assim mano. Tu ta me deixando mal.
Otávio - e como tu acha que me deixou? Tu acabou comigo cara. Se você me falasse que não iriamos dividir um apê por causa da tua mãe, eu até que entenderia, mas por causa de um estranho?
Eu abaixei minha cabeça ali no meio da rua, mesmo, e lembrei de todos os momentos em que o Otávio esteve comigo.
eu - você tem razão. (falei levantando a cabeça).
Otávio não falou nada, apenas me ouvia.
eu - nós vamos dividir um apê.
o cara deu um sorriso tímido.
Otávio - eu não quero que você tome essa decisão forçado.
eu - não ta sendo forçado. Acontece que eu caí em mim e vi que eu tava fazendo burrada em abandonar você agora.
Otávio me abraçou no meio da praça.
Otávio - tamos juntos irmão.
eu - ''tamu junto'' (repeti).
Otávio - tem ideia de onde tu queira morar?
eu - tenho sim mano, mas não sei se vai ta dentro do nosso padrão de vida.
Otávio - sei. Diz aí qual o lugar.
eu - eu queria um apê aqui pelo centro mesmo.
Otávio - caralho irmão, mas aqui vai custar os nossos quatro olhos e os dois ''cus''.
Eu ri.
eu - mas podemos dar uma procurada? Eu vou trabalhar aqui pelo centro e queria um lugar perto pra morar.
Otávio - vai começar a trabalhar é sacana!? Então quer dizer que a entrevista rolou e deu tudo certo.
eu - mais ou menos mano.
Otávio - por que mais ou menos?
Enquanto procurávamos por apartamento eu aproveitei para relatar toda a historia para o Otávio.
xxxXXXX
Otávio - Tou arriado velho.
eu - esse é o ultimo. (falei sentando na escadaria do condomínio).
Otávio - e se não der certo aqui também?
Olhei para o céu e o sol já se escondia dando lugar a noite.
eu - aí vamos ter que dormir em um hotel qualquer e continuar procurando por apartamentos amanha.
Otávio - então bora agilizar.
Otávio me estendeu a mão e eu me pus de pé.
Procuramos pelo sindico do prédio e ele nos atendeu ali na entrada do apartamento mesmo.
- pois não. (disse o homem).
eu - boa noite amigo.
- boa noite. (disse ele).
eu - quanto é que ta custando o aluguel dos apartamentos aqui?
- o preço varia. É para os dois?
Otávio - isso. (disse Otávio).
- já viram os que temos disponíveis?
- Ainda não. ( Otávio e eu respondemos aos mesmo tempo).
Sindico - faz favor.
O homem saiu na frente, Otávio e eu o acompanhamos.
O homem nos mostrou três apartamentos vago.
Otávio - e os valores deles? (disse Otávio).
Sindico - tem preferencia por algum?
Eu - o mais em conta.
O homem tirou uma tabela no bolso.
Sindico - bem, vocês notaram que nossos apartamentos são todos de qualidade né!?
Otávio e eu confirmamos com a cabeça.
Síndico - o mais em conta esta saindo 1.150,00 mensais mais a taxa de condomínio. Água, energia e gaz não estão inclusos.
Quase eu infartei.
- Caralhooo. (falei fazendo eco).
O síndico riu.
eu - amigo, valeu pelo atendimento, mas no momento não vai dá pra nós não.
Síndico - sem problemas. ( o homem foi simpático).
Otávio - gostou daqui? (disse Otávio ainda em frente ao sindico).
Eu - muito caro para o nosso bolso, mano.
Otávio - quero saber se tu gostou.
Eu - muito.
Otávio - posso pagar no cartão fera? (disse ele tirando a carteira do bolso).
Síndico - débito, sim.
Otávio - beleza! Vamos ficar.
eu - mano, não precisa. (falei segurando sua mão antes de abrir a carteira).
Otávio - nós merecemos cara. (disse ele se livrando de minha mão).
Síndico - queira me acompanhar por favor.
Otávio - na hora.
Enquanto Otávio seguia o homem, eu aproveitava para dar uma olhada no ambiente. Estacionamento, jardim, piscina, área de lazer: Tudo que eu sempre quis.
Sorri em imaginar que dali pra frente seria tudo diferente.
Meus pensamentos foram cortados pelo barulho de um molho de chaves balançando na frente do meu rosto.
Olhei para o Otávio e ele sorria com as chaves em mãos.
Otávio - bora la pra nossa casa? (disse sorrindo).
Eu - só se for agora.
Apostamos corrida feito dois abestados, até a entrada do apartamento.
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- E hoje vamos dormir no chão? (perguntei dentro de um dos quartos).
Otávio - hoje vai ser doído. (disse ele passando as mãos na cabeça).
Eu - de onde tu tirou esse cartão com tanta grana? (falei sentando no chão e encostando minhas costas na parede).
Otávio - são as economias com a pensão que o papai me dava, mas agora acabou a mamata. (disse ele lamentando).
eu - agora não adianta chorar. Temos que arregaçar as mangas e partir pra luta.
O cara riu do que eu falei.
eu - to mentindo?
Otávio - você tem razão. Falando em arregaçar as mangas eu vou sair pra comprar alguma coisa pra nós comer. Vem comigo?
eu - não mano. Eu preciso ir ate a comunidade.
Otávio me olhou com cara de reprovação.
eu - vou só agradecer pelo tempo que o predador deixou eu ficar na casa dele. Só isso. (falei tentando me explicar).
Otávio - celular existe pra isso.
eu - mas eu não sei o número dele.
Otávio - tu tem certeza que volta? (ele fechou a cara).
eu - claro mano. Estou te dando minha palavra.
Otávio - passa la na casa do Raul e pega umas roupas de cama com ele.
eu - pra que?
Otávio - como pra que pô? Pra gente não dormir no chão duro.
eu - ah sim. Liga e pede pra ele já deixar no ponto só de eu pegar.
Otávio - beleza.
Otávio e eu saímos juntos.
xxxXXX
Antes de chegar na casa do predador eu passei em uma farmácia e comprei produtos para curativo.
Assim que desci do ônibus, caminhei direto ate chegar a residencia. De praxe, toquei a campainha e o portão foi aberto. Retirei o cartão do bolso da calça e entreguei ao ''vigia'' da noite.
- Ta liberado. (disse o homem com arma nas mãos) Só espera um pouco que o predador ta com uma mina la dentro, e pediu pra ninguém incomodar.
eu - ele ta com mulher la dentro?
O cara confirmou com a cabeça.
eu - mas é namorada dele?
- aí já quer saber demais cumpade, eu não ganho pra ficar de olho na vida dos outros não. (disse ele de forma grosseira).
eu - desculpa, eu não perguntei por mal. Será que eu posso aguardar la na salinha?
- desde que não entre no apê...
Não deixei nem o cara concluir e saí andando a passos largos. Entrei na salinha, mas não me contentei e tive que ir até o apê.
Caminhava lentamente para não fazer barulho. Coloquei a chave no cilindro da porta e girei quase que em câmera lenta. A porta foi aberta e eu entrei pisando em penas. Na cozinha havia garrafas de cerveja; Na sala a tv estava ligada em volume baixo; As roupas do predador estavam jogadas em cima do tapete. Continuei andando ate chegar ao quarto, encostei meu ouvido na porta e ouvi gemidos baixos.
Uma dor incontrolável me atingiu e eu não sabia explicar o motivo, afinal de contas eu não tinha nada a ver com a vida daquele cara.
Uma parte de mim dizia pra eu fugir dali, e a outro dizia pra eu continuar ate ter certeza do que estava acontecendo. Lentamente, fui caminhando para trás até tropeçar em cima das roupas do predador. O barulho que eu fiz ao cair no chão não foi o suficiente pra atrapalhar o ''casalzinho''.
Ali no chão mesmo, senti o cheiro do predador em uma de suas camisetas e aquilo dobrou a dor que eu já sentia. Lágrimas -teimosas- caiam, e eu tentava dizer a mim mesmo que aquilo era normal. Afinal, todo homem transa com mulher.
Nada do que eu pensasse naquele momento diminuía a dor que eu estava sentindo. Saí pelo mesmo lugar por onde entrei.
Retornei a salinha e assim que vi a poltrona onde o predador tanto gostava de sentar, o choro aumentou. Chorava igual uma criança, mas ainda não entendia o motivo para tanto sofrimento.
Senti o cheiro na poltrona e me esparramei nela.
Eu tinha que ir embora daquele lugar, mas não antes de olhar para os olhos do predador.
Fiquei durante muito tempo esperando até que o casal saiu da toca.
xxXXX
- Bundinha? Que tu ta fazendo aí?
eu - tava te esperando pra pegar minhas coisas. (falei com a voz cansada do choro).
Predador - eu vou deixar a Michele em casa, mas já volto. Ta com a chave aí?
eu - to.
Predador - já jantou?
eu - não.
Predador - tem pizza na geladeira, é só esquentar.
Eu apenas balancei a cabeça confirmando.
O cara saiu com uma bermuda, regata e um tênis ''Nike''.
Durante nossa pouca conversa, em nenhum momento ele soltou a mão da mulher.
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Caminhei ate o apê e la chegando fui direto ao quarto. Era como se tudo o que eu tivesse visto e ouvido não fosse o suficiente.
Assim que abri a porta, me deparei com uma cama totalmente desarrumada e suada. O sexo dos dois ainda exalava um cheiro forte.
Tirei a roupa que eu usava do predador e coloquei uma minha, peguei minha mochila e joguei todos os meus pertences dentro. Era como se eu estivesse me despedindo daquele lugar que passei poucos dias. Coloquei o cartão e a chave em cima do criado mudo e saí do quarto com minha mochila nas costas. Cheguei na sala e tornei a me despedir. Eu estava me sentido frágil, fraco, usado.
Quando já estava indo embora, topei com o predador na salinha.
Predador - pra onde tu ta indo? (ele já estava sozinho).
eu - deixei a chave e o cartão com a senha lá em cima do criado mudo.
predador - perguntei aonde você ta indo. (ele usou enfase).
eu - eu já encontrei um lugar pra ficar. (falei esfregando uma mão na outra).
predador - mas você pode ficar aqui em casa sem problemas. Não precisa ter pressa pra ir embora. ( dizia ele parado em minha frente).
eu - eu prefiro assim cara. Eu não quero te dar trabalho.
Predador - deixa de frescura caralho. Desde quando tu ta dando trabalho?
eu - eu to invadindo tua vida privada. To atrapalhando teus esquemas.
O cara riu.
Predador - atrapalhando nada. (disse aos risos). Bora deixar de frescura e voltar que eu trouxe uns filmes pra nós assistir.
Balancei a cabeça que não.
eu - eu to indo embora mesmo. Deixei, também, uma sacola com produtos farmacêuticos pra fazer um curativo nas tuas mãos.
Predador - o que ta pegando bundinha? Por que tu ta tão estranho assim?
eu - to estranho não pô. Tô normal.
Predador - você mente mal bundinha. Conta pra mim o que ta acontecendo.
Minhas lágrimas voltaram a cair.
eu - quem era aquela mulher?
Predador - A Michele?
eu confirmei com a cabeça.
Predador - aquela é a mãe do meu filho.
eu - e vocês ainda se pegam? (falei levantando o tom da voz).
Predado - qualé bundinha? (ele cruzou os braços). Não to entendendo aonde tu quer chegar.
eu - a lugar nenhum! (falei tentando sair dali).
Predador segurou meu braço e me puxou com força.
- Ta fazendo esse monte de perguntas por que? Ta com ciumes de mim? (ele falava sem sorrir).
Eu fiquei calado, apenas o olhava.
Predador - responde filho da puta. Eu dei motivo pra você ta agindo assim? Nem de macho eu gosto meu irmão. Te liga. ( o cara pareceu ficar enfurecido).
Eu - então por que você fez aquilo comigo?
Predador - o que eu fiz contigo? (ele estava tão próximo a mim que eu via a saliva saindo de sua boca).
Eu - você... (tremi antes de conseguir falar). Você me penetrou.
Predador - o que? (ele gritou) Tu ta ficando doido moleque?
Eu - você vai negar?
Predador pegou pelo meu pescoço e me arrastou ate a parede.
Não bastasse eu ter o pego com outra, ele ainda tava me fazendo passar po tudo aquilo.
Predador - me da um bom motivo pra não acabar com você.
eu - eu senti você dentro de mim. Achei que você real.
O cara me sufocava.
eu - mas eu acho que foi um sonho e acabei confundido tudo.
O cara olhava pra minha boca enquanto eu falava.
eu - você só precisa me deixar ir e eu juro nunca mais tocar nesse assunto com ninguém.
Predador cerrou o punho e eu senti que ele fosse me esmurrar ali mesmo, mas não foi isso que aconteceu. Ele me soltou, fazendo eu cair no chão. Entendi que ele estava concordando que eu fosse embora e não tocasse mais nesse assunto.
Levantei-me do chão, juntei minha mochila e caminhei sem olhar para trás.
- Fica parado aí. (ouvi sua voz intimidadora, antes que eu pudesse passar pela porta).
Olhei para trás, lentamente, e o vi sentado na poltrona.
Predador - entra e me espera no quarto. Nós temos muito o que conversar.
Continua...
♫♫♫♫
Só pelo fato de te amar
Me sinto uma pessoa melhor
Na certeza que você existe
Na tua ausência não me sinto só.
Continuo sendo mesmo
Mas em minha vida tudo mudou
Numa noite escura e fria
A melodia a canção entoou.
Me diz como explicar
Seus gostos sendo os mesmos que os meus
O que acontece toda vez que olho nesses olhos seus?
Faço um monte de perguntas
E as vezes até acredito
Que as nossas duas vidas já viveram juntas
Se o meu violão
Acaso desafinar
Ou se eu não tiver voz pra cantar
Nada vai impedir
De dizer e provar
Que essa vida eu só vivo pra te amar.
♫♫♫♫