Era aniversário da Sophie. Todos me escutaram e resolveram não fazer festa grande, nós fizemos só um bolinho para a família e alguns amiguinhos da creche, só para não passar em branco. Todo mundo foi para a minha casa. A mesa do bolinho dela estava arrumada, a Jujuba me ajudou. Ela queria ganhar experiência para quando chegar o aniversário da Bruninha ela não fazer besteira. Nós decoramos a área de casa com personagens da Disney, Sophie adorava os desenhos dessa empresa.
Estava tudo muito simples, mas estava tudo bem bonito. Nós cantamos os parabéns para ela e a moleca na hora ainda pediu para cantarem uma segunda vez, essa gostava de ser o centro das atenções. Ela era uma cópia exata de mim, todos ficavam pasmos com isso. Por isso que falam, a genética ajuda, sim, mas é a educação que molda o caráter e a personalidade da criança.
Ela fazia a maior festa com os parabéns. Nós cortamos o bolo e o primeiro pedaço ela deu para o tio querido dela: o Pi. Ele ficou todo bobo e os outros tios ficaram mortos de ciúmes. O chamego dela era com o Pi, e olha que o padrinho dela era o Dudu. Ela gostava do dindo, mas pelo Pi ela era louca.
- O papai não ganha bolo, não?
- O xinhô não come!
Todo mundo riu da resposta da moleca, por que era verdade. Era muito raro eu comer porcaria.
- E tu comes? – eu perguntei para ela
- Também não!
- Tu estás criando uma cópia de ti! – Mamam falou
Eu só fiz sorrir para ela.
- Mas hoje a gente vai comer, né?
- Não!
- Por que não?
- Puquê não! – Ela colocou as mãozinhas no ar, ela era linda demais
- Eu vou comer!
- Não! Não!
- Vou, sim, filha! É teu aniversário, hoje pode. Posso comer brigadeiro?
- Bligadelo pode!
Eu ri demais dela. Todos ficavam assustados em como ela se comunicava bem. Eu sempre disse que ela seria assim. Desde bebê ela se comunica muito bem. As pessoas não entendiam que ela tinha dois aninhos e falava pelos cotovelos. Muitas crianças nessa idade ainda estão chupando catarro.
No final, ela comeu brigadeiro, comeu bolo e tudo mais o que ela tinha direito. Mas, eu estava sempre controlando a quantidade, pois como ela não era acostumada a comer essas coisas, ela poderia passar mal. Ela passou a noite brincando com o Pedrinho, que era o amiguinho da creche dela. Ele era filho da Beatriz, nós acabamos fazendo amizade por causa dos nossos filhos. Beatriz era mãe solteira, ela tinha somente 21 anos. O pai fez o filho e se mandou, ela nunca mais havia conseguido falar com o sujeito. O Pedrinho era o amiguinho da Sophie que eu mais gostava, pois ele era como ela, não era uma criança violenta, ele era bem tranquilo. Então, eu fazia gosto daquela amizade. Com isso, eu acabei ganhando uma nova amiga também.
- Antoine, deixa eu te apresentar... Esse é o Heverton, meu namorado. Heverton, esse é o Antoine, meu melhor amigo, meu irmão.
- Oi, Heverton! Tudo bem?
- Oi! Tudo, sim! Obrigado por ter me convidado para a festinha, eu adoro festa de crianças.
- Da festinha ou das comidinhas das festinhas?
- Das comidinhas, com certeza.
- Somos dois, então! Bom, aproveita! – Eu disse apertando a mão dele
No final da festinha, Sophie e Pedrinho estavam pretos de tanto correr e rolar no chão. Nós deixamos eles se divertirem, o dindo maluco da Sophie colocava músicas infantis e dançava com as crianças, eles iam a loucura. Ele seria um ótimo pai um dia. A festinha acabou às 22h, pois como eu sempre falo, festa de criança é PARA a criança e não para os pais. Não há motivo para ter bebidas alcoólicas e nem para a festa terminar muito tarde. Todos se despediram de nós e se foram. Meus pais ainda ficaram para me ajudar a guardar tudo, mas logo se foram também.
Sophie já estava cansadinha, afinal a festa foi só dela. Eu dei um baninho nela e a levei para o quarto. Ela deitou comigo e logo dormiu. Eu ainda fiquei acordado por um tempo, mas logo eu dormi também.
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Nosso restaurante estava bombando. Nós começamos a abrir para todas as refeições do dia: café, almoço, lanche da tarde e jantar. Com isso, o trabalho aumentou. Eu fiquei responsável pelo café e pelo almoço e o Pi pelo lanche e pelo jantar. Erámos nós dois os chefs. Apesar de eu não ter formação em gastronomia, eu sabia cozinhar muito bem e o Pi me ensinou todas as técnicas da cozinha. Então, eu assumi de fato o restaurante com ele. Agora sim erámos sócios efetivos. Bruno sempre havia falado para eu ir trabalhar lá.
Tudo estava correndo muito bem novamente. A vida tinha se reajustado. O ser humano é o único animal que se adapta a tudo. Eu me readaptei. Agora, eu não me preocupava mais muito comigo, meu foco era a Sophie. Eu foquei nela, eu precisava fazer isso. Eu já começava a imaginar como seria a vida dela, comecei a juntar dinheiro para pagar faculdade e tudo.
- Oi! – Eu atendi enquanto preparava um prato na hora do almoço
- Oi! Tá ocupado?
- Não! Só tô flambando um prato. O que foi?
- Vais estar ocupado a noite?
- Vou!
- OK! Deixa eu refazer minha pergunta, tem como tu deixares a Sophie na casa da tua mãe hoje?
- Por que eu faria isso? Ivan, cuida disso aqui para mim? – Eu passei a panela para um dos auxiliares.
- Por que hoje tu vais sair comigo.
- Nem pensar, Thi!
- Por acaso eu perguntei se tu poderias ir?
- Justamente, não perguntou.
- Eu não perguntei por que eu não estou pedindo, eu estou mandando tu saíres comigo hoje a noite.
- Cadê teu namorado?
- Tá na casa dele, ué?!
- E ele gostaria se nós saíssemos juntos?
- E por que ele não gostaria?
- Bom, é meio estranho teu namorado sair sozinho com outro cara.
- Não é outro cara, és tu. Se ele não gostar o problema vai ser todo dele.
- Então tá, né? Se der problema, a culpa não é minha.
- Te pego às 19h, tá?
- Tá bom! Ah, e leva a tua carteira, por que hoje quem dirige és tu. Eu vou beber pra esquecer meus pubrema!
- Agora entendi o motivo de querer me tirar de casa...
- Claaaaaaaaaaaaaro!
- Vou ter que virar motorista.... Ô senhor!
Eu já havia tirado minha carta de motorista, eu já estava até estudando alguns carros. Eu precisava com urgência de um.
- Vai mesmo!
- Bom, deixa eu ir, tenho muito serviço aqui.
- Tá bom! Até mais!
Nós encerramos a ligação e eu voltei para o meu trabalho. Após o almoço eu fui pegar a Sophie na casa da Mamam e depois fui para casa. Eu já aproveitei para pedir a Mamam para ela ficar com a Sophie o que ela aceitou prontamente. Nós fomos para casa e lá eu fiz tudo como de costume, passei a tarde com minha filha, fiz lanche para nós, fiz o jantar dela e dei a ela. Às 19h em ponto o Thi estava na porta da minha casa.
No carro, eu tive que ir atrás segurando a Sophie, afinal não tinha cadeirinha. Nós a deixamos na casa da Mamam e partimos.
- Onde nós vamos?
- Tu vais ver.
- Ah, Thi, nada de surpresa. Onde vamos?
Ele trancou as portas do carro.
- Por que isso?
- Pra tu não pulares do carro...
- E por que eu pularia?
- Por que vamos à uma boate.
- Onde?
- À uma boate!
- Por favor, por favor, por favor... não me diz que é uma boate gay.
- Tá bom, eu não digo.
- Thi, eu não gosto dessas coisas.
- Tu precisas sair um pouco, conhecer gente nova.
- Eu não to afim, Thi.
- Nós vamos lá, se tu não gostares, a gente volta, beleza?
- Vai ser viagem perdida.
Ele seguiu para a tal boate. Chegando lá ele pagou nossas entradas e entramos. Estava lotada, mas muito lotada mesmo. Eu não me sentia nada bem com aquilo. Nós fomos para o bar e o Thi pediu uma bebida.
- Me dá a chave!
- Não!
- Então, cancela a bebida.
- Nem pensar, eu vou usufruir da tua carteira.
- Ok! Eu até deixo tu usufruíres, mas me passa a chave pra cá.
Ele me entregou a chave do carro. Nós ficamos lá no bar, eu estava fazendo papel de idiota. Ficamos um bom tempo lá, Thi já tinha bebido vários drinks.
- Olha, aquele carinha tá olhando pra ti.
- E eu com isso?
- Vai lá dançar com ele.
- Claro que não.
Nós continuamos no bar.
- Olha, não te assusta, mas o cara tá vindo aqui.
- Deixa ele vir – Eu disse tranquilamente
O carinha veio em nossa direção e falou comigo.
- Oi, tudo bem? Aceita um drink?
- Oi! Não, obrigado, não estou bebendo.
- Uma dança?
- Não, também!
- Posso sentar?
- Também não!
- Opa! Pode, sim! Senta aqui, amigo! – Thi se levantou e deu seu lugar para o cara
O cara sentou ao meu lado.
- Você é daqui?
- Daqui??
- De Macapá?
- Mais ou menos.
- Como assim mais ou menos.
- Longa história...
- Eu tenho bastante tempo.
- Pois é, mas infelizmente, eu não.
- Nossa, você é bem direto, né?
- Desculpa, não é nada com você. Eu só não devia estar aqui.
- E por que está?
- Por que aquele meu amigo idiota me trouxe.
- Entendi... Posso saber teu nome pelo menos?
- Desculpa, mas não.
- Tudo bem, foi um prazer não te conhecer. – Ele disse sorrindo
Eu levantei e sai a procura do Thi. Eu só senti uma mão me puxando.
- Ai!
- Por que tu estás aqui? Cadê o carinha?
- Thi, eu não vim aqui para isso. Eu já vou.
- Não, fica aqui.
- Ficar aqui pra quê? Em que isso vai me ajudar?
- Tu precisas conhecer gente nova.
- Eu não quero conhecer gente nova. Não na perspectiva que tu queres...
- Antoine, já faz um ano...
Eu olhei para ele e fui embora. Ele veio atrás.
- Ei, calma!
Eu fui andando e um cara me puxou e tentou me beijar, eu o empurrei e continuei em frente.
- Antoine! – Thi me pegou pelo braço, mas eu me soltei
Eu acelerei e sai da boate.
- Espera! – ele puxou meu braço com força, agora
- O que é, Thiago? O que tu queres de mim?
- Eu só quero te ver feliz.
- Eu não quero, entendeu? Eu não quero conhecer ninguém! Eu não quero vir a boates. Eu não quero nada disso.
- Antoine, eu só quero o teu bem.
- É o seguinte, eu estou muito bem como eu estou. Eu não preciso de ninguém, eu não quero ninguém. Não me importa se já passou um ano, não me importa se vão passar vinte, eu não quero e nem vou querer ninguém.
- Eu não te entendo...
- Tu nunca amaste alguém como eu o amo.
- Sim, eu já amei! Mas deixa isso pra lá... o que me importa é a tua felicidade.
- Eu já fui feliz, Thi. Eu já fui muito feliz, essa fase já passou para mim. Tu tens que cuidar de ti, tu tens que cuidar da tua felicidade.
- Eu não vou ser feliz se tu não fores também.
- Olha, eu sou feliz, ok? Eu tenho a minha filha, ela me faz feliz. Eu já vou!
- Não, fica, por favor.
- Aqui, não. Se tu quiseres ir para outro lugar, eu vou, mas aqui eu não fico. Eu não sou um pedaço de carne a mostra. Entende de uma vez, eu não quero ninguém.
- Tá, tudo bem. Não vou insistir nesse assunto. Me dá a chave, vamos embora.
- Eu dirijo, tu já bebeste.
Nós entramos no carro e fomos embora sem rumo.
- Nós vamos para onde? – Ele perguntou
- Não sei!
- Vamos pra tua casa! Vamos levar vinho.
- Isso me lembra quando a gente tinha 19 anos.
- Verdade, né? Ta aí, vamos lembrar do passado. Para no mercado!
Eu fiz o que ele mandou, eu parei no mercado e nós compramos vinho e algumas coisinhas para comer.
- E aí? Tu vais cozinhar pra gente, chef?
- Vou! Fazia isso quando não era chef, imagina agora...
Nós fomos para casa e lá desarrumamos tudo e eu comecei a cozinhar.
- Cara, faz muito tempo que a gente não faz isso. – Thi disse
- Verdade! Nem lembro quando foi a última vez...
- Com certeza, há muitos anos atrás.
Eu cozinhei algo bem rápido para nós e enquanto isso nós íamos bebendo. Após o jantar nós sentamos na varanda de casa e ficamos jogando conversa fora até tarde da noite, como o dia seguinte seria domingo, nenhum de nós trabalharia.
- Tu lembras daquela vez que tu saíste correndo pelado e porre pelas ruas do nosso bairro? – Eu falei pra ele
- Claro que eu lembro! – Ele disse caindo na gargalhada – Se não fosse tu, eu teria pegado uma pneumonia e algum bicho teria mordido meu amiguinho lá de baixo.
- Tu sempre foste louco!
- Olha quem fala... Eu me lembro muito bem de uma festa do Ensino Médio que tu fizeste de tudo para comprar bebida, inclusive seduzir a irmã mais velha de um dos nossos amiguinhos da época. Ela comprou cerveja pra gente e quando ela foi cobrar a dívida, tu caíste fora fingindo estar bêbado.
- A gente já aprontou pra caramba nessa vida, né?
- Já mesmo! Se a gente for relembrar de tudo, não sairíamos mais daqui.
- Ei, sabes com quem eu encontrei outro dia lá no restaurante?
- Quem?
- Tu lembras da Yanne?
- Quem?
- Da Yanne... Tu não lembras da Yanne? – Eu disse fingindo estar assustado
- Não faço a mínima ideia de quem seja.
- Cara, tu namoraste ela na oitava série.
- Égua, eu não lembro.
- Ela era bonitinha, lembra que ela mentiu pra todo mundo quando vocês terminaram, vocês já tinham acabado e ela ainda falava pra todo mundo que vocês estavam juntos.
- Aaaaaaaaaah, a maluca da oitava. Lembrei agora.
- Olha, ela tá linda. Ela perguntou por ti.
- E o que tu falaste?
- Que tu viraste viado! – Eu disse rindo
- Tu falaste isso?
- Exatamente isso.
- Eu não acredito!
- Espera aí. – Eu peguei meu celular – Toma o número dela, liga pra ela e pergunta.
- Tu pegaste o número dela?
- Na verdade, foi ela quem me deu. Ela me disse que a gente poderia sair qualquer dia desses.
- E tu não falaste para ela que tu também eras viado?
- Não!
- Quer dizer que tu falas que eu sou e tu não?
- Isso mesmo!
- Posso saber o porquê?
- Tu estas namorando um cara...
- Tu foste casado com um.
Eu olhei para ele, meu sorriso sumiu.
- Ai, que idiota que eu sou! Desculpa, desculpa mesmo!
- Tudo bem!
- Desculpa eu ter te levado aquela boate.
- Tudo bem, Thi.
- Sabe, eu te conheço melhor que qualquer outra pessoa. Eu sei identificar quando tu não estás bem, e eu vejo que tu não estás. Eu sei a luta que tu tens travado, eu vejo isso em ti. Tu não podes esconder nada de mim, Antoine. Eu queria estar mais presente...
- Tu já fazes o suficiente por mim, Thi. Eu vou repetir só mais essa vez: tu tens que correr atrás da tua felicidade. Vocês precisam me deixar quietinho. Eu não farei mais nenhuma besteira.
- Eu sei como tu te sentes. Eu vejo a solidão em ti, Antoine. Tu quase não falas, tu quase não sorris, tu quase não tiras mais aquelas brincadeirinhas típicas de ti. Eu não quero te ver assim...
Eu fiquei pensativo com o que ele tinha me dito, talvez tenha sido o efeito do vinho.
- Sabe, às vezes, depois de fazer a Sophie dormir, eu me deito na minha cama e fico olhando para o quarto vazio. Eu sinto tanta a falta dele, Thi. Todos os dias ele chegava, me beijava, me fazia rir, a gente passava horas conversando. Às vezes coisas muito importantes e às vazes banalidades, fofocas do hospital, da escola, da nossa família, dos nossos amigos. Eu sinto falta dele. Sinto falta de ter com quem conversar. Sinto falta de alguém. Mas, ninguém vai poder substitui-lo. Por isso, esse lance de felicidade a dois não é mais para mim.
- Antoine, tu és jovem. Tu vais passar o resto da vida sem ninguém.
- Isso eu não posso te dizer com certeza, mas nesse momento, eu não quero ninguém. A única pessoa que eu quero eu não posso ter.
- Tu não podes pensar assim, a gente só esquece um amor, amando.
- Aí é que está o problema – eu disse soltando uma risadinha fraca – eu não vou esquecer o que eu sinto. Eu não quero esquecer! Só o Bruno e eu sabíamos o que um sentia pelo o outro. Só nós sabíamos da proporção do nosso amor.
- Não pensa assim! – Ele pegou na minha mão e a apertou – Não deixa a tristeza falar por ti.
- Não me resta mais nada além dela. Tudo se foi, Thi. Não me resta mais nada. Minha única missão aqui é cuidar da Sophie. Eu não quero nada mais que isso.
- Tu estás te fechando, Antoine.
- Não, eu já estou fechado.
- Às vezes, a felicidade tá tão perto da gente e a gente nem percebe.
- Um dia eu já acreditei nisso...
Nós ficamos em silêncio por um tempo.
- Ontem, a diretora da escola me perguntou como tu estavas, eu disse que tu já estavas bem. Ela me perguntou se tu não querias voltar para lá.
- Não quero, não.
- Tu não vais mais dar aula?
- Não!
- Eu já entendi! – ele fez uma pausa e respirou fundo – Tu estás fugindo da tua vida, tu não queres fazer nada que te lembre dele.
- Não, não é isso – eu disse sorrindo – eu lembro dele a todo instante, Thi, basta eu fechar os olhos para eu ve-lo. – Eu disse fechando os olhos.
- Tu tens que reagir, Antoine. Tens que retomar a tua vida.
- Ai, Thi, tu não sabes quantas vezes eu já ouvi isso, de várias pessoas diferentes. As pessoas não entendem, sabe? Todo mundo pensa que quando tu perdes alguém tu deves continuar a viver para esquecer. Mas tu não esqueces! Tu nunca esqueces! O máximo que acontece é que tu aprendes a sentir dor. Tu te acostumas com a dor. Dói todos os dias, todos os segundos do dia. Eu nunca esqueço. Tudo me faz lembrar dele, tudo me faz lembrar da vida que tínhamos. Eu sinto falta do beijo dele – eu comecei a chorar – eu sinto falta do toque dele, sinto falta dele me dizer “te amo”. Sinto falta das brincadeiras que só ele sabia fazer, sinto falta dele todo preocupado comigo, sinto falta de tudo. A solidão que eu sinto não é a solidão de alguém. É a solidão dele, é a ausência dele.
- Não chora! – Ele sentou ao meu lado e me abraçou
- Sabe, eu pensei que eu conseguiria me matar naquele dia. Eu queria tanto, Thi, mas tanto... Eu queria dar um fim em tudo isso. Eu sinto falta de alguém se preocupando comigo, sabe? Sei que isso parece egoísmo da minha parte, eu tenho todos vocês e todos se preocupam além da conta comigo, mas eu sinto falta da preocupação boba que ele tinha. Ele se preocupava se eu já tinha comido, se eu tinha dormido bem, se seu estava bem, se eu sentia algo... ele sempre tentava amenizar a situação de alguma maneira. Eu sinto falta dele. – Eu chorava no ombro do Thi, eu fiquei assim por um tempinho
Eu nunca tinha falado nada disso com ninguém além da minha terapeuta.
- Eu queria ter o poder de tirar toda esse sofrimento de dentro de ti.
- Eu queria ter esse poder também...
Nós ficamos conversando até tarde da noite. Ele dormiria lá em casa, pois eu jamais o deixaria dirigir depois de ter bebido. Nós dois subimos e eu arrumei o quarto de hospedes para ele.
- Boa noite, Thi! – Eu disse quando terminei de arrumar o quarto
- Boa noite!
- Obrigado por tudo, tá?
- De nada! – Ele ficou me olhando, depois de um tempo disse: - Dorme bem!
- Tu também!
- Qualquer coisa, pode me chamar. Se não conseguires dormir, me chama.
- Depois de todas essas garrafas de vinho, eu acho que eu durmo muito bem. Até amanhã.
- Até! – Eu fui fechando a porta e ele ficou olhando para mim