Pai e Mãe,
Por incrível que pareça, estou feliz. Quero que todos a minha volta estejam também, mas será que vou conseguir? Tenho tanto medo de me abrir para a felicidade e tudo desmoronar.
***
Naquela noite, uma briga quase aconteceu no Fred's. Os protagonistas da baixaria foram Brutus e Vando. Afinal, o assunto do Mascarenhas era algo delicado para Brutus e Vando mentiu para me fazer o ajudar em seus planos.
Após a confusão, Vando se aproveitou da fragilidade do Brutus e resolveu destilar todo o seu veneno.
— Sinto muito, Brutus. — disse Vando se preparando para dar o bote. — Eu respeito você, mas será que o Yuri respeita?
— Como assim? — quis saber Brutus se afastando de Vando.
— Ah, Brutus. Vai dizer que nunca percebeu, né? O Yuri te olha de uma forma diferente.
— Diferente?!
— Acho que ele tá apaixonado por você. — disparou Vando conseguindo criar uma confusão na cabeça de Brutus.
— Você tá viajando.
— Estou? Amanhã presta atenção. Como ele vai te tratar de maneira diferente. Se eu fosse você teria cuidado, afinal, teus amigos vão pensar que vocês são um casal.
Enquanto o Brutus era envenenado por Vando. A janta do climão acontecia lá em casa. A tia Olívia estava constrangida, pois, os meus irmãos faziam uma pergunta pior que a outra. Até tentei fazer alguma coisa, porém, fiquei traumatizado com o último questionamento do Richard.
Assim, o pobre Carlos continuou a ser bombardeado com os piores tipos de perguntas possíveis. Para a surpresa da tia Olivia, ele conseguiu driblar a curiosidade deles.
Lá em casa, a gente tentava disfarçar o climão. Afinal, aquela era a noite da tia Olivia e do Carlos. Infelizmente os meus irmãos estavam impossíveis. Alguém precisava dar um jeito naquelas duas pestes.
— Você é estagiário da titia, né? — perguntou Richard, enquanto, o ajudava a tirar os pratos da mesa.
— Isso. Sou sim. Trabalhamos juntos.
— Você não é velho demais para ser estagiário?! — Carlos percebeu que a pergunta dele foi genuína.
— Richard. — tia Olivia já preparava um sermão, quando o Richard foi salvo pelo Carlos.
— Tudo bem. Então, eu sou o estagiário da sua tia, estou cursando o sétimo período de direito e me orgulho muito das coisas que conquistei. Richard, o importante não é a estrada, mas sim, alcançar o nosso objetivo.
Comprei um creme de cupuaçu (maravilhoso e sem defeitos) para a sobremesa. Resolvemos comer na sala e aproveitamos para jogar Banco Imobiliário, o preferido da titia. Formamos três equipes: equipe raio de sol (titia e Giovanna), Antrax (Carlos e Richard) e Os Ruelas (Diogo e eu).
Aquele encontro começou estranho, não vou mentir, mas acabamos dando risadas e fazendo novos laços. Todo mundo se divertiu e comeu bastante. Tive a ideia de fazer um jantar para receber meus amigos, uma forma de me desculpar por achar que eles iam acabar comigo.
***
Infelizmente, a alegria acumulada na última noite se dissipou como uma nuvem passageira. Ao chegar na escola, alguns alunos riam e apontavam para mim. A situação ficou pior quando o Diogo chegou, ele, assim como eu, não estava entendendo o motivo dos risos.
Letícia e Ramona decidiram investigar a situação. Elas trouxeram notícias péssimas. Bem, o resumo da ópera: alguém viu o Diogo me beijando no nosso lugar secreto. Fiquei desesperado. Uma coisa é as pessoas comentarem, outra é terem provas concretas.
Que noite divertida. A minha família realmente sabia fazer um bom jantar, e quando digo família quero dizer eu. Todo mundo se divertiu e comeu bastante. Acho que vou até fazer um jantar pra turma como forma de pedir desculpas. Infelizmente, a alegria de um ser humano dura pouco. Ao chegar na escola encontrei várias pessoas comentando de mim. A Letícia já chegou dando a má notícia.
— Ei, vocês dois. — tia Ray, a inspetora, se aproximou de Diogo e eu. — A diretora quer falar com vocês.
— Merda. — soltou Diogo, desesperado, olhou para mim e coçou a cabeça.
— Boa sorte. — desejou Ramona, pegando no meu ombro.
Após arrasar na audição da peça, a Giovanna virou uma espécie de celebridade da escola. Todos queriam uma selfie e um follow dela nas redes sociais. A minha irmã aproveitou a situação para irritar Diandra, que mandou mal no seu teste.
— Gente, soube que alguém mandou muito mal. #professordecanto — Giovanna falou rindo.
— Querida, o que me falta em canto, compenso em atuação. O professor até chorou. — disse Diandra, jogando seus cabelos negros para o lado.
— Oh, querida. Se incomodou com o meu comentário? — soltou minha irmã. — Perdão. — E se o professor chorou foi por causa dessa voz horrível. — ela cochichou com Cláudia e riu.
Nunca fui acusado de nenhum crime, entretanto, me senti um criminoso indo em direção ao cárcere. A diretora explicou que a bronca não era pelo fato de sermos um casal gay, pois, os beijos eram terminantemente proibidos até entre os alunos héteros.
Ok. A bronca não foi tão grande, mas as conversas paralelas estavam demais. Uma aluna afirmou que nos viu transando no banheiro, outro falou que tentei beijá-lo. Chegou ao ponto de envolverem o nome de um professor.
— Olha, eu sou uma aliada. — disse a diretora Fonte Boa, mostrando com orgulho um broche da bandeira LGBTQIA+. — Yuri, você acabou de chegar. Eu sou uma mulher muito tranquila. Não se preocupe. E, você, Diogo. Preparado para a grande mudança? A gente já preparou sua papelada para a escola de Portugal.
Depois de toda essa perturbação, evitei ficar sozinho com o Diogo, principalmente, no nosso lugar secreto. Não queria pegar uma suspensão ou dar mais material para os fofoqueiros de plantão. Tá, o outro motivo foi pelo fato de descobrir que ele estava se mudando para Portugal. Perderia outro boy, na verdade, nenhum deles foi meu um dia, então, continuava no zero a zero.
— Ei. O que houve? — perguntou Diogo ao perceber meu distanciamento.
— O que houve? Tá todo mundo chamando a gente de gay. — falei baixo para evitar chamar a atenção.
— E não somos? Fala a verdade, o que mais está te chateando?
— Portugal? Sério.
— Olha. Portugal está nos meus planos desde sempre. A minha avó conseguiu uma transferência no meio do ano. Desculpa, eu queria te contar, mas...
— E você queria namorar comigo...
— Vish. Eles estão tendo uma D.R. — comentou um aluno ao passar por nós.
— Fala na minha cara! — Diogo esbravejou o garoto que se assustou e saiu correndo.
No treino de futebol, Zedu e Brutus, também sentiram a força do preconceito, apesar de, infelizmente, nada ter acontecido entre nós três. Do nada, João, um dos valentões da escola começou a fazer insinuações para os meus amigos.
O Brutus ficou assustado, pois, ainda estava abalado com as palavras de Vando. Chateado, Zedu subiu na arquibancada e chamou a atenção dos colegas. Ele afirmou que minha orientação sexual era um problema meu, e que isso não ia mudar o nosso relacionamento.
Após um jogo cansativo, o time se reuniu no vestiário da escola. Eles estavam treinando para uma competição estadual que seria sediada em Manaus. Enquanto, eles se trocavam, o João voltou a destilar o seu veneno.
— Ei, vocês vão defender mesmo esse gay? — perguntou João.
— Não estamos defendendo. — soltou Brutus, deixando o Zedu chateado.
— João, vai se tratar. O Yuri é meu amigo. Nada vai mudar isso. Nem o teu preconceito. — Zedu afirmou pegando a mochila e saindo do vestiário.
— Cuidado, Brutus. O Zedu tem namorada. Ninguém vai falar nada dele, mas você...
— O Yuri não é meu amigo, cara. Ele apenas anda com um pessoal que eu conheço. — disparou Brutus com o coração na boca.
As pessoas sempre ficam nervosas no primeiro encontro, né? Eu, pelo menos, fiquei quando saí com o Diogo. A Letícia e Arthur marcaram um encontro no Amazonas Shopping, um dos mais antigos de Manaus. A minha amiga queria tomar um café, então,, resolveu chamar o crush.
Eles conversaram por quase quatro horas. A química estava dando uma força para que um segundo encontro entrasse em pauta na conversa deles. A Letícia ficou confortável em contar as coisas para Arthur.
— Além da faculdade de cinema e o trabalho na produtora do teu pai, quais são os seus outros interesses, Arthur? — perguntou Letícia.
— Gosto de games, literatura e viajar. Não sou um cara exigente. Tudo me agrada. — ele confessou sorrindo e tirando um suspiro de Letícia.
O primeiro beijo entre eles aconteceu na escada rolante do shopping. Foi desengonçado, rápido e apaixonante. Com certeza, outros iriam rolar e eles seriam sem pressa.
Enquanto a Letícia vivia um conto de fadas, o Zedu tinha que aguentar a Alicia. Ela queria que o namorado se afastasse de mim por causa das fofocas que rolavam na escola.
Graças a Deus, que o Zedu foi irredutível e colocou a namorada em seu devido lugar. A gente até podia se conhecer a pouco tempo, entretanto, a conexão que tivemos nos colocou em outro patamar de amizade.
A minha amiga estava feliz por ter encontrado alguém bacana. O mesmo não valia para Zedu, ele aguentou um tempo até perguntar para Alicia como as pessoas da escola ficaram sabendo de mim e do Diogo.
— Você está muito preocupado com esse tal de Yuri. — comentou a patricinha sentando ao lado do Zedu.
— Claro, ele é um dos meus melhores amigos. — disse Zedu.
— Zedu, você o conheceu neste ano. Eu te conheço há três, não pode defender o Yuri.
— O Yuri é um cara legal, Alicia. Ele não é um criminoso. Não tenho motivos para me afastar dele. Entenda isso, por favor.
— Você está muito diferente, Zedu. Acho que precisamos dar um tempo. — soltou Alicia assustando Zedu.
— É isso que você quer?
— Não, desculpa. Estou com a cabeça quente. Acho que vou para casa. — Alicia deu um beijo no rosto do Zedu, levantou e saiu.
— Droga! — pensou Zedu.
***
O que um jantar com crianças não pode fazer por um relacionamento, né? A titia e o Carlos estavam se entendendo mais, uma mudança positiva e gradativa. Eles tinham gostos parecidos, porém, o trabalho parecia ser um empecilho para os dois.
O Carlos estava desesperado para se formar na faculdade. Ele queria tirar a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e conquistar seus objetivos, incluindo, o coração da tia Olívia.
— Você está linda, sabia?
— Obrigada. — tia Olivia sorriu e colocou os óculos. — Você revisou o processo 450?
— Tá aqui. — entregando os documentos nas mãos dela.
O clima tão agradável se tornou tenso quando Orlando foi anunciado pela secretária. A tia Olivia começou a suar, mas decidiu não prolongar mais a situação com o juiz.
— Carlos. Você pode trazer duas xícaras de café, por favor. — pediu tia Olivia.
Carlos quase colocou veneno de rato no café do juiz. Ele deixou a bandeja sob a mesa e torceu para a titia dispensar o Orlando. Adora a versão da minha tia nervosa. Ela não consegue formular uma frase simples. Orlando percebeu o nervosismo dela e foi direto.
— Acho que não tenho mais chance, né? — ele perguntou tomando um gole de café.
— Orlando, você é um homem maravilhoso, mas acho que devemos ser só amigos. — titia falou rápido como se as palavras fossem doer menos.
— Eu entendo. Não se preocupa. Não é o primeiro pé na bunda que levo de uma mulher tão bonita.
— Desculpa, Orlando. Por favor.
***
A Alicia me procurou na escola. Não vou mentir, fiquei chocado, porque ela nunca havia feito isso. Ela garantiu que era uma aliada dos gays e lamentava que as pessoas estivessem pegando no meu pé.
— Você sabe que o Zedu está sofrendo muito com tudo isso. Ele pediu para eu falar com você. — ela falou pegando em minhas mãos e apertando.
— Entendi.
— Acho melhor você se afastar dele. — Alicia jogou uma bomba na minha cara.
— Como? — perguntei chocado.
— Você tem seu namorado, né? E sabe como é ruim quando as pessoas falam dele. Alguns alunos babacas, homofóbicos, ficam falando que o Zedu já te pegou. Acho ri-dí-cu-lo, mas o Zedu ficou chateado. Entende?
— E ele pediu para você falar isso?
— Essa parte não, mas tenho uma conexão profunda com ele. Coisa de pessoas apaixonadas. — ela ressaltou me abraçando. — Espero que isso fique entre nós. Afinal, também somos amigos.
Que merda. Como a Alicia podia descer tão baixo assim? Me recuperei do baque e segui para a sala de aula. Tinha prometido ajudar uma colega de classe e fique até mais tarde na escola.
Deixei a colega respondendo alguns questionamentos e resolvi beber água. Encontrei o Zedu conversando com o João e o Lucas, uma espécie de discípulo de João. Eles falavam alto e riam de alguma coisa. Demorei um pouco para perceber, porém, o assunto de deboche era o meu peso.
"Ele é tão gordo que nem consegue andar direito", o Brutus falou rindo. Eu não conseguia acreditar. O Brutus não podia falar daquela forma. Eu o considerava um amigo. O João percebeu que eu estava escutando e fez o Brutus falar mais.
— Será que ele consegue ver o pênis dele? — perguntou João.
— Claro, que não. — respondeu Brutus rindo.
— Viu, Yuri. Você é uma chacota. — soltou João rindo e apontando para mim.
— Grandão? — Brutus questionou se virando e olhando na minha direção.
Nunca fui tão humilhado, quer dizer, já fui humilhado outras vezes, mas aquilo foi foda. Cheguei em casa chorando, tranquei a porta do quarto e fiz algo que há muito tempo não fazia, comi doces e mais doces.
Depois do treino, Brutus e os amigos foram ate o Freds. João decidiu que faria um plano para acabar com a minha imagem na escola. Ele não aguentava dividir a atenção dos professores comigo.
— Devemos pregar uma peça no Diogo e Yuri. Já que eles se acham o casal da escola. O que você acha Brutus? — sugeriu João pegando no ombro do Brutus.
— Não sei.
— Vai amarelar? — perguntou Lucas rindo de Brutus.
— Eu acho que o Brutus gosta do Yuri. — João começou a zoar com o colega.
— Tá me estranhando? Eu lá gosto de macho, ainda mais gordo. — falou Brutus rindo sem graça.
— E diz o que tú mais odeia no Yuri? — quis saber Lucas.
— O cara é gordo e gay. O corpo dele é muito esquisito. Eu tenho nojo.
— Brutus!!! — Letícia e Ramona falaram juntas.
Sim, flagrei novamente o Brutus falando de mim. A gente decidiu lanchar no Fred's com o Diogo e ouvimos todos os comentários de Brutus. Pela segunda vez, o João conseguiu me humilhar. Eu não conseguia sentir nada, apenas lágrimas escorriam pelo meu rosto.
Corri de volta para casa, quer dizer, andei rápido de volta para casa. O Diogo ficou preocupado e me seguiu. Ramona e Letícia não esconderam a decepção com o Brutus, elas decidiram jantar em outro lugar.
***
Após muito ensaiar para a audição, a Cláudia conseguiu se sair bem. Giovanna ficou curiosa e ligou para a amiga. Elas passaram horas falando sobre a possibilidade de interpretar a Julieta.
— E qual a música que você cantou? — questionou Giovanna deitando na cama.
— O Fim do Amor.
— Não conheço. Amiga, canta pra mim.
— Tudo bem. Vou colocar no viva voz.
Cláudia:
O que é o fim do amor?
Se enganar em um sorriso que há de sorrir
Como quem que agora diz está pronto a partir
Mas os pés não retira do chão
***
Naquela noite, o Zedu foi dormir na casa de uma tia. A mulher morava sozinha em um prédio que ficava no Centro da cidade. Ele subiu até o último andar, burlou às regras e subiu para a cobertura.
O vento batia no rosto do Zedu. Ele estava pensando em muitas coisas, porém, o principal era em mim. Com dificuldade, o Zedu pulou a grade de proteção do prédio e sentou na beirada da laje.
— Yuri. — disse Zedu olhando para uma foto nossa e chorando. — Desculpa por ser covarde.
***
Cláudia:
O que é o fim do amor?
É está na tua cama e dormir na cozinha
É ouvir que me ama e me sentir vazia
Do amor que não soa mais
***
A tia Olívia ficou triste por Orlando. Infelizmente, o Carlos havia despertado algo dentro dela e nada poderia mudar aquele sentimento. Apesar de escolher o estagiário, ela tentou manter uma distância dele. Principalmente, para evitar comentários maldosos e, claro, uma possível demissão.
— Você quer jantar amanhã? — perguntou Carlos.
— Claro, mas vamos tratar desse assunto depois. Aqui somos profissionais. — falou tia Olivia entregando uma pasta de documentos para Carlos. — 300 cópias, por favor.
***
Cláudia:
O que é o fim do amor?
É talvez não aceitar que o fim já chegou
É sequer entender que o fim já chegou
É na sala ficar e o fim já chegou
***
O Diogo me consolou naquela noite e a gente acabou transando. Eu queria tanto me apaixonar por ele, só que a viagem para Portugal se tornou um abismo entre nós. Eu não nasci para ter sorte no amor, todos os caras fogem de mim.
— Ei, não liga para os comentários do Bruno. Você é um cara incrível, lindo, inteligente e parceiro. Não deixa ninguém te fazer sentir o contrário. — ele disse passando a mão nos meus cabelos.
— Obrigado, Diogo. Você é um ótimo amigo.
***
Cláudia:
O que é o fim do amor?
É um de um amor
E o fim de um amor é o fim do amor
E o fim do amor é o fim
***
O Brutus chegou no ponto de ônibus e não havia ninguém. Ao chegar na escola, ele nos encontrou na escadaria. Não tive estômago para olhar nos olhos dele, então, subi para a sala de aula. A Ramona e Letícia me seguiram, ainda estavam chocadas com as palavras do Brutus.
— É meu amigo. Você pisou na bola. — Zedu pegou no ombro de Brutus e seguiu para a sala.
— Droga. — soltou Brutus com vontade de chorar.