– É sério. Eu juro que estou pagando por tudo que já fiz.
– E você é tão malvado assim? – Eu disse estendo a mão para Alexandre, que a agarrou como se fosse a última coisa que ele tocaria na vida.
– Como você me faz subir tudo isso, seu merda?
– Seu exagero é comovente, Alexandre. Agora veja essa vista.
Aquela era a última grande pedra que precisaríamos subir para atingir o topo daquele grande paredão. O sol parecia queimar glorioso, o céu estava pintado de um azul-brincadeira convidativo, ao nosso lado direito a água caía do alto da cachoeira como um majestoso e claro véu que lá em baixo se transformava em um atraente e sedutor poço de água cristalina.
Com a chegada do final de semana eu resolvi que era minha vez de propor algo diferente ao menino Alexandre. Para um garoto mimado de vida completa, era um absurdo pensar que ele jamais tivera feito uma trilha na vida. Eu não poderia aceitar tal fato, e dessa forma, lá estávamos no alto do que chamavam de trampolim natural, prestes a saltar numa queda livre de quase dez metros de altura.
Ele respirava ofegante com as mãos apoiadas aos joelhos. Seus ombros estavam deliciosamente queimados, seu rosto estava vermelho na mesma intensidade e ele se desmanchava em suor.
– Quem vai primeiro?
O salva-vidas do local era grande demais e quando próximo de nós, facilmente tampava o sol, me deixando numa sombra confortável.
– Pera lá, rapaz. Eu nem sei se estou vivo – resmungou Alexandre num riso divertido, afastando-se da beira do “penhasco”.
– Preste atenção – eu disse muito próximo de seu ouvido. – Pernas juntas e esticadas, braços colados ao peito, olhos e boca fechados. Se você morrer, bom, trate de me esperar do outro lado.
Eu sabia que ele pularia. Alexandre não era do tipo que se negava aos desafios. Ele só precisava ter de volta o ar que a escalada roubara de seus pulmões. Ciente disso, me afastei com pressa e esboçando um sorriso provocativo me lancei ao vazio diante de mim, seguindo as regras que uma queda livre exige. Cortei o ar como uma bala e violentamente atingi a água fria. O poço parecia incrivelmente profundo a medida que eu afundava. Voltei a superfície e ri comigo mesmo após buscar a quantidade necessária de ar. A adrenalina percorria todo meu corpo. Nadei para longe do centro daquele buraco natural e esperei pelo salto de Alexandre.
Ouvi um grito, quase como um anúncio. Eu ri. Era ele. Igualmente cortou o ar furiosamente e atingiu a água, indo tão fundo quanto eu tinha ido. Na superfície, sua careca e seu rosto vermelho mas ainda incomparavelmente bonito me trouxeram paz novamente.
– Caralho! – Ele gritou claramente animado. Os banhistas ao meu lado riam de sua excitação.
Ele nadou em minha direção e eu quase suspirei quando o vi sair da água. Seu tronco grosso, mas nada exagerado, sua pele alva exibia um queimado bonito. A sunga pesada mostrava uma quantidade pequena e deliciosa de suas entradas, logo abaixo da cintura. Eu aposto que ao meu lado as mulheres, assanhas, também suspiravam. Isso me fez sorrir sozinho.
– Confessa. Diga que eu sou foda por lhe trazer aqui.
– Você me devia algo, mas ao me fazer pular... – ele me entregou uma de suas pausas desnecessárias. – Você é foda. – Sua voz saiu mansa e vagarosa enquanto ele sentava ao meu lado, próximo demais.
“Obrigado” pensei convencido. Eu até poderia pensar num discurso de agradecimento.
– Então você vivia pulando perigosamente de penhascos quando era criança?
– Sempre fugíamos para alguma cachoeira no interior. Éramos donos dos campos, selvagens, puros. Nós explorávamos tudo ao redor. Eu não era o líder do pequeno bando, mas quando se tratava de pular, ah, eu era o mais corajoso.
– Não entendo. Teve uma infância tão livre, cresceu e virou um completo chato.
Ele ria enquanto falava. Estava se divertindo. Eu fui obrigado a socar seu ombro mostrando meu desagrado com as provocações. No fundo eu ri.
– Para o mundo moderno eu sou inexperiente. Eu sou bicho do mato, Alexandre.
– Eu gostaria de ter uma infância parecida na memória – ele disse seguindo a linha que a cachoeira formava.
– Do que você se lembra?
– Meu pai metido com longas viagens, eu trancado dentro de casa, minha mãe chorando sua ausência e sua falta de carinho ao chegar dos mais variados destinos. Não é um roteiro feliz – ele me entregou um sorriso sem muita vida, completamente diferente de todos os outros que ele tinha guardado.
– Nem sempre dinheiro é a fonte de todos os problemas, não é? – Tratei para que minha voz saísse o mais confortável possível e não parecesse deboche.
– Não é. Você que sempre me perguntou o porque de ser tão solto na vida, ta aí, eu estou vivendo o que meus pais me tiraram.
O sol se desvencilhou das nuvens que o cobria e nos iluminou, tornando a queimar nossa pele. Ele ergueu seu rosto de olhos fechados sentindo a vida preencher seu corpo outra vez. Obrigatoriamente eu sorri. Sorri e deixei que minha mão pousasse sobre seu joelho esquerdo.
– Esqueça todas as vezes que eu lhe critiquei ou fui rude com você.
Ele abriu os olhos e me olhou. Até parecia que surgiria ali um momento ‘amigos para sempre lá lá lá’. Um sorriso malicioso surgiu.
- Mas eu ainda continuo achando você um chato. Que tédio! – Sua voz foi saiu muito próxima de meu rosto. Num segundo ele estava correndo para a água novamente. – Anda, larga de chatice. Vem cá!
Por um segundo esqueci completamente que havia outras pessoas ali. Éramos apenas nós dois. Duas crianças vivendo algo que não tiveram juntas. Ele ria quando eu, cuidadosamente, afundava sua cabeça, obrigando a se livrar de minhas mãos. Eu gargalhava quando por baixo da água ele me agarrava a cintura e puxava meu corpo para ele.
Não demoramos ali. Logo o sol baixaria e tínhamos toda a trilha até o acampamento, onde deixamos nossa barraca espaçosa demais montada à nossa espera.
Já tinha escurecido quando ele saiu do banheiro do camping. Os outros que esperavam do lado de fora já me olhavam torto. Eu fingi que não o conhecia. Ele não se importou, é claro.
Vestia apenas um short leve e ainda exibia o peitoral bonito e bem definido. O cheiro leve de suas loções já tomavam conta do ar, se misturando com a fumaça da fogueira acendida há pouco tempo.
– É sempre assim?
– Assim como? – Perguntei curioso enquanto escorregava minhas mãos untadas de creme por suas costas incrivelmente macias.
– Campings. São sempre tão fotogênicos?
Eu desci minhas mãos até sentir a saliência de sua bunda.
– Sempre. Mas logo você muda de idéia quando acordar sentindo seu corpo pesar 200 quilos?
– Vamos para casa. Agora! – Seu riso foi alto e exagerado. Novamente nos olharam. Alexandre teria soltado um “que foi?” se eu não tivesse apertado seus ombros, travando-o.
– Pegue leve, garoto!
– Não posso dizer o mesmo pra você. Gosto da sua mão bem aí onde ele está.
Num riso baixo dei um tapinha provocativo em sua bunda dura. Ele puxou o ar, fazendo um barulho característico.
– Gostoso! – Eu fui preciso ao elogiá-lo.
Logo após o banho estávamos no pequeno centro da vila. Alexandre não se importou com o tom rústico que o local servia. Bares pequenos, restaurantes de comida caseira, iluminação baixa. Ele estava se divertindo com tudo aquilo. Ver pessoas tocando violão numa pracinha foi o ponto alto da noite. Era como uma criança descobrindo a vida. Eu me sentia responsável por aquela descoberta, assim como ele se sentia responsável pela descoberta que desencadeou em mim.
Ele devorou o prato de macarrão como se fosse uma questão de vida ou morte. Sorriu brincalhão quando o próprio dono do restaurante nos serviu um drink colorido como cortesia da casa. “Nem pagando centenas de reais num prato fazem isso na metrópole, não é?” ele disse encerrando a conversa. Era como se outro Alexandre surgisse diante dos meus olhos. Digo, menos quando ele olhava para mim. Aí era o mesmo Alexandre e eu continuava querendo devorá-lo em público, diante dos olhos curiosos.
– Eu me recuso. Não posso sair daqui sem pegar um bicho grilo gostoso – ele disse olhando ao redor, como um leão atravessando uma manada de zebras.
– Tente não procurar. A vida gosta de surpresas.
– Ah, por favor. Quando tempo você esperou?
Era uma provocação. Corrigindo: ainda era o mesmo Alexandre. Não sabia se agradecia ou se chorava. Resolvi sorrir, quieto.
A ponta dos meus cabelos médio tocavam meus ombros sensíveis da exposição ao sol e eu os prendia em um coque totalmente despreocupado quando senti o impacto do meu ombro em outro ombro, aparentemente mais forte. Girei meu corpo para me desculpar e um sorriso largo de dentes perfeitos me pedia desculpas. Aquele sorriso poderia sair por aí andando sozinho, mas a situação era ainda pior: um par de olhos negros apertados me miravam. Eu estava paralisado. O homem mais alto e claramente mais forte que eu estendeu seu braço e tocou meu ombro. Não era apenas um toque. Os dedos fortes podiam e quase atravessaram minha pele. Os lábios carnudos um tom mais claro que a pele negra do homem se movera harmoniosamente num sonoro “está tudo bem?”. Eu quase não acordei do meu momento.
– Ah, sim, sim. – Eu disse apressado, me perdendo em meu próprio ritmo. – Está sim.
– Está mesmo? – Ele percebeu meu descompasso e apertou meu ombro.
Ele não deveria ter feito aquilo. Meus joelhos tremiam diante de seus vários centímetros mais alto que eu. A pele se seus ombros fortes e nus por causa da regata brilhava sob a fraca luz da rua. O rosto de traços fortes e linhas bem feitas parecia perfeitamente desenhado, assim como seu cabelo crespo igualmente negro e bem cortado. Quando mais eu o olhava menos sentia as pernas.
– Desculpe – interrompeu Alexandre. – Aparentemente meu amigo não sabe fazer duas coisas ao mesmo tempo.
– É uma pena – disse o homem ainda me olhando com aquele sorriso cheio de movimento. – Será que você consegue dizer seu nome?
Eu fui obrigado a sorrir. Já poderia agir como uma pessoa controlada. O sangue já circulava perfeitamente pelo corpo. Em algumas regiões eu sentia mais a presença dele, é claro.
– Caio. Este é Alexandre – eu apontei para Alê paralisado do meu lado. – E você? Tem nome?
– Eloy. E não estranhe, meus pais...
Eu o interrompi. Eu precisava mostrar que não era um bobão que esbarrava em pessoas e ficava sem voz, repentinamente.
– Bonito. Muito bonito!
– Não mais que o seu cabelo – ele disse apontando para o coque no topo da minha cabeça. Eu posso jurar que eu corei inteiro. Merda!
O grupo a qual Eloy pertencia já havia caminhado alguns metros e berravam por sua atenção. Ele caminhou olhando para trás. Eu continuei sorrindo até que o homem sumisse no meio da pequena aglomeração de pessoas que caminhavam.
– Eu não sei o que dizer – continuou Alexandre gesticulando exageradamente. – Eu calo a boca e num segundo você consegue esbarrar com um homem que visivelmente se interessou e tudo que você faz é parecer que tem alguma retardação no cérebro. Qual o seu problema? Sério, Caio?
Eu não consegui falar. Pelo menos por alguns longos segundos. O sorriso não sabia da minha cabeça, o brilho da pele, o queixo marcado, os olhos apertados. Por fim novamente acordei de outro êxtase.
– Então você também viu aquilo?
Ambos gargalhamos sonoramente.
No caminho para o camping só conseguíamos falar sobre o acidente que me despertara uma paixão inesperada. Eu fazia questão de não esquecer aquele rosto tão cedo. Mas nem de brincadeira eu o esqueceria.
Alexandre se movia quase que descontroladamente. Como regra de um colchão de ar, seus movimentos faziam meu corpo se mover no mesmo ritmo.
– Como você consegue ficar em paz em cima desse negócio?
– Só fique quieto e logo você vai se sentir em sua própria cama. É um trabalho mental.
Ele riu. Sua gargalhada ecoou por todo o camping. Mais uma daquelas e seríamos expulsos dali.
– Não brinque comigo, Caio! – Ele ensaiou uma expressão mas nós dois sabíamos o quão falsa era.
– Vem cá – eu disse o puxando para perto de mim. Meu braço embaixo de sua nuca, seu rosto tocando levemente meu ombro, sua perna direita sobre a minha, nossos pés brincando de se tocarem. – Tá bom assim?
– Ainda não. – Sua voz adquirira um tom manhoso, quase infantil.
O puxei ainda mais. De lado, a lateral do meu corpo tocava sua barriga, sua perna jogada minha coxa e seu volume adormecido encostado sem cerimônias em meu quadril. Em pensamento eu concordei com ele, daquele jeito estávamos mais confortáveis. Completamente encaixados.
– E assim? – Eu quase bocejei sentindo seus dedos macios pousados sobre minha barriga.
– Assim está perfeito, senhor. – Ele brincou deixando um beijo molhado e úmido em meu peito. – Mas se você me acordar durante a noite alegando não sentir seus membros, eu te mato, seu cretino.
Eu dormi sentindo sua respiração suave e quente em minha pele. Não haveria motivos pra acordar.
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