Capítulo 4 - Olhares
-Esses olhos... -Foi a vez dela sussurrar. Algo havia mexido com ela.
Por uma fração de segundo, pensei em suas palavras e antes que pudesse falar qualquer coisa, a Doutora puxou seus óculos escuros para cima, revelando, em meio a marcas roxas no esquerdo, um belo par de olhos azuis que me fizeram arregalar os meus próprios olhos e extremecer. Eram os de meu sonho. Tinha certeza.
Difícil explicar tudo o que senti e o que me passou pela cabeça e por longos segundos ficamos a nos encarar. Cogitei várias vezes a chance de estar sonhando.
Agora eu sabia por que estava usando óculos escuros. Devia ter ganhado os ematomas em uma briga.
A mulher a minha frente, que aparentava uns trinta e tantos anos, parecia estar tão perplexa e sem reação quanto eu.
-Saia daqui. Agora. -Disse abrindo a porta, quando finalmente saiu do transe, me obrigando a sair também.
Eu ainda sentia uma corrente elétrica me percorrer e não sabia o que pensar de tudo aquilo, mas no momento, consegui raciocinar e sair daquela sala, encontrando Rodrigo sentado em um banco, do outro lado do corredor.
-Irei interrogá-la mais tarde. -Disse a doutora para Rodrigo, enquanto eu saia da sala e ía em sua direção.
-Tudo bem. -Disse Rodrigo voltando-se para mim.
Eu não tive coragem de encará-la mais e sai com Rodrigo. Porém, podia sentir, de onde estava, seus olhos queimarem.
Já dentro da cela, Rodrigo perguntou:
-O que aconteceu?
Entendi prontamente que ele se referia a entrevista e lhe contei tudo o que havia ocorrido na sala da delegada, omitindo a parte em que ela se aproximou de mim e me olhou nos olhos.
-Acho que ela deixou que o lado pessoal se sobresaísse ao profissional. -Concluiu baixinho pra si mesmo depois de tudo o que eu lhe falei.
-Como assim? -Perguntei com curiosidade. Incrivelmente, tudo com relação a doutora, me interessava. E lá no fundo, eu sabia que isso não tinha a ver com amizade.
Rodrigo fugiu do assunto.
-Eu preciso ir. Volto na hora do almoço pra trazer sua comida.
Ele saiu rapidamente, depois de tirar as minhas algemas, me deixando cheia de dúvidas. Que segredos a doutora escondia?
Me deitei no banco/cama e fiquei pensativa sobre tudo o que estava acontecendo.
"Aqueles olhos... São os mesmos de meu sonhos..." Tal pensamento, não saía de minha cabeça e eu acabei adormecendo com isso.
-Ahh... -Acordei com meu próprio gemido. -Droga! Esse sonho de novo? -Falei baixinho pra mim mesma.
-Olá... -Ergui os olhos e vi Rodrigo com uma bandeija de comida.
-Oi...
Ele adentrou a cela e me entregou a comida.
-Sua mãe esteve aqui. Ela trouxe isso pra você. -Falou me entregando uma sacola.
-Obrigada.
Enquanto comia, perguntei a Rodrigo, tentando parecer natural.
-Qual o nome dela... da delegada?
-Por que quer saber isso? -Perguntou intrigado.
-Só curiosidade. -Respondi.
-Entendo. Mas é melhor que você não saiba.
-Ela... é muito grotesca, não? -Continuei tentando arrancar algo de Rodrigo.
-Às vezes sim. Acho que grande parte do estresse dela se deve a noiva.
-Noiva? -Uma pontada fiscou meu coração. Eu estava perplexa.
-Sim, ela... é lésbica.
-Hum...
-Bem, eu preciso ir. Já falei de mais. -Disse Rodrigo, levantando-se. Eu lhe entreguei a bandeija.
-Até depois, quando a delegada for interrogá-la.
-Até.
Rodrigo saiu e eu fui pro banheiro escovar os dentes com a escova e a pasta que Rodrigo havia me entregado.
Não tinha muitas coisas que eu pudesse fazer presa na cela e tudo ali era entediante. O que me restava, era dormir, mas eu não conseguia.
Resolvi deitar e assim fiquei por um longo tempo, pensando em tudo, até Rodrigo chegar e me tirar de meu devaneios.
-Isabella... -Falou assim que adentrou a cela.
-Boa tarde. -Sorri, me sentando.
-Boa tarde? -Ele me olhou em tom brincalhão. -Já são quase nove horas da noite.
-Nossa, -Arregalei os olhos o encarando. -Eu nem vi o tempo passar. -Sussurrei.
-Pois é. Vim trazer o seu jantar, já que não pude vir a tarde pra te trazer algo e também quero falar com você. -Falou colocando a bandeija sobre meu colo e se sentando.
-O que aconteceu? -Perguntei preocupada.
-Bem, a doutora virá interrogá-la daqui a pouco. -Disse seriamente, me fazendo quase cuspir a comida. -Ela me disse que estava sem tempo pela manhã e por isso deixou para agora a noite.
-Tudo bem. -Falei o encarando.
-Olha, tudo o que te falei de manhã, será mais útil ainda agora já que a doutora deve tá de saco cheio pelo dia cansativo.
Eu assenti e fiquei o olhando. Parecia cansado. A barba por fazer a uns dois ou três dias, denunciavam a sua exaustidão.
-Você... Está bem? -Perguntei-lhe. -Parece cansado.
-Eu estou sim. -Sorriu fraco sem deixar de me olhar e aproximou-me um pouco.
-Bem ou cansado? -sussurrei olhando em seus olhos.
-As duas coisas. -Seu sorriso era bonito.
Ficamos nos olhando por um tempo e vi seu olhar mirar minha boca e seu rosto se aproximar...
Continua...