- Victor? ( Fernando saia do quarto,e já estava quase pronto, só faltava a última peça - a ''tal camiseta''.
- Fala mano. (respondeu Victor de frente para o irmão).
- Tu sabe onde a mãe guarda o ferro de passar? O Gabriel vai engomar minha camiseta, mas eu não estou encontrando.
Victor me olhou e eu entendei aquele olhar. Se até aquele momento ele tinha duvidas, dali em diante não existiria mais.
- sei sim. - Victor não tirava os olhos de mim, e aquilo estava me deixando atordoado.
- Mostra aonde ele ta para o Gabriel. - Disse Fernando, pegando o telefone da sala, e retornando ao quarto.
Victor aproximou-se de mim.
- Essa camisa é do Fernando? - disse isso com o semblante fechado.
- qual diferença isso faz? - joguei a camiseta no sofá e fui a passos largos para a cozinha.
- faz muita diferença Biel. Primeiro porque somos amigos e não temos segredos um para com o outro, segundo porque se estiver acontecendo o que eu estou pensando, você só vai sofrer, e terceiro...
- qual é o terceiro motivo?
- Não tem terceiro, mas os dois primeiros são o suficiente pra você esquecer qualquer sentimento pelo meu irmão.
- e por que eu esqueceria? - falei pegando: queijo, presunto e manteiga da geladeira.
Victor me olhou e ficou calado.
- já sei, é porque ele é Hétero e eu sou gay né!?
- isso não ta saindo da minha boca.
- mas ta cravado na sua cabeça.
Victor voltou a ficar calado.
- eu tenho um pensamento bem aberto pra essas coisas. Mas porra Biel, você só vai sofrer cara.
- o teu pensamento é aberto ate acontecer com alguém da sua família né!? Você é preconceituoso Victor. E o pior é que não quer assumir.
- você ta sendo injusto comigo Biel. Eu não sou preconceituoso e nunca te tratei de forma diferente pelo fato de tu ser gay.
- então qual é o pó agora?
- o problema é que o meu irmão nunca vai gostar de você, e isso vai te frustrar muito.
- Isso é coisa minha cara. Tu não tem nada a ver com isso.
- beleza velho. Eu não vou me meter, mas fica de olho aberto Gabriel. O mundo é um uma máquina destruidora de sonhos.
Victor foi procurar pelo ferro de passar, e me deixou com aquelas palavras maquinando em minha cabeça.
xxXXX
- Gabriel? - Fernando, já arrumado e pronto para sair, entrou na cozinha.
- fala. - Eu estava sentado à mesa junto de Victor.
- To indo. Assim que eu resolver o que pretendo eu volto pra ti levar em casa.
- fica tranquilo.
Fernando aproximou-se do irmão.
- como se sente campeão? (disse ele tocando na barriga do irmão).
- bem melhor. - disse ele olhando para o irmão.
- O papai e a mamãe ainda vão demorar, e o Gabriel vai ficar te fazendo companhia ate eu voltar.
- beleza.
- Cuidado e não vão tocar fogo no apartamento. - disse ele antes de sair pela porta.
Terminei de comer meu misto e me deitei no sofá da sala.
- uma jogatina? - Disse Victor com o controle do vídeo game nas mãos.
balancei a cabeça que não.
- tu ta bem? - falei me sentando no sofá.
- sim. - disse ele sentando a meu lado.
- então acho que não tem problema se eu for pra casa né!?
- eu prefiro que tu fique.
- eu não to muito bem cara. Quero tomar um banho e dormir.
- dormi aqui ué.
- to precisando da minha cama cara.
Acho que o quarto da gente é o melhor lugar para se esconder.
- isso não vai resolver teu problema velho.
Victor era bem compreensível.
- mas vai amenizar.
- tu que sabe. Eu adoraria que você ficasse, mas se tiver mesmo que ir eu vou entender.
- eu vou só pegar minhas coisas.
Victor confirmou com a cabeça. Fui ate o quarto, coloquei minhas roupas dentro da mochila e saí.
- vou ate lá em baixo contigo.
- precisa não pô. Ta tranquilo
- to preocupado contigo velho.
- Relaxa Victor. Ta tudo sobre controle.
- será?
- claro.
Dei um abraço em meu amigo, e peguei o elevador do prédio.
já dentro do ônibus, eu ficava imaginando como um amor tão besta poderia mexer e bagunçar tanto com a vida da gente.
Escorei minha cabeça na janela de vidro e acabei adormecendo.
- Hey garoto. - eu ouvia uma voz me chamando. Uma voz longe. Aos poucos aquela voz foi chegando mais perto.
- acorda garoto.
- hã? - acordei no susto.
- chegamos no final da linha.
- o que? puta merda! - esbravejei.
- eu preciso fechar o ônibus. - quem havia me acordado era o motorista.
- e o senhor não vai voltar para o centro?
- encerrei meu expediente por hoje, mas daqui a pouco esta saindo um outro ônibus.
Agradeci ao cara e desci.
Aquele lugar era escuro, e além daquele ônibus, havia mais dois. Me aproximei de alguns funcionários, que pareciam ser os motoristas e fiz uma abordagem.
- boa noite. - falei tímido.
- boa. - responderam em coro.
- falta quanto tempo pro primeiro ônibus começar a circular?
- daqui há uns dez minutos. - disse um motorista olhando para o relógio em seu pulso.
- eu vou esperar.
O cara apenas confirmou com a cabeça.
Falei vários palavrões em minha mente, e sentei em um banco no aguardo do coletivo.
Assim que cheguei ao condomínio, comprimentei o sr Artêmio, sindico do prédio e subi para o apartamento onde morava com meus pais. Passei pela porta e a sala estava escura, provavelmente todos estariam dormindo. Fui ate a cozinha, e abri logo a geladeira. Olhei o que tinha de bom para comer e uma melancia vermelhinha me chamou a atenção.
Sentei à mesa e comecei a saborear a melancia. Não demorou muito tempo e minha mãe apareceu só de camisola.
- que é isso Gabriel? - disse ela espantada.
- o que? - perguntei com a boca cheia.
- comendo melancia a essa hora? Meu filho, melancia é muito pesada, você vai passar a noite tendo pesadelos.
Se minha mãe soubesse que meus piores pesadelos eram quando eu estava acordado.
- que mal isso pode fazer mãe? Pesadelos não matam ninguém.
- pesadelos não matam, mas você pode ter uma má digestão.
Minha mãe tomou a melancia de minhas mãos e retornou com ela à geladeira.
- ah mãe, deixa de ser sem graça.
- sou sem graça mesmo. Engraçado seria se eu deixasse tu se acabar de comer melancia a essa hora da noite. Se quiser eu posso preparar algo mais leve. - disse ela beijando minha cabeça.
- precisa não mãe. Vou tomar um banho e dormir. Sua benção.
- Deus o abençoe. - beijei a face da mão de minha mãe, e ela fez igualmente comigo.
Tomei um banho, coloquei um short folgado e deitei. Naquela noite, revirei por muito tempo na cama até o sono chegar.
No dia seguinte levantei cedo e meus pais, junto de meu avô já estavam tomando café.
- bom dia. - disse meu pai.
- bom dia. - respondi pegando uma xícara.
- e essa cara de ressaca?
- dormi mal, pai.
- isso tem cheiro de mulher na jogada. - disse meu avô inocente.
Olhei para o meu avô e soltei um riso discreto disfarçadamente.
- depois do café, arrume suas coisas que vamos passar o dia fora. - disse minha mãe pegando uma fatia de melão.
- o dia fora aonde? - falei passando manteiga no pão.
- vamos pra fazenda da tia Valentina.
Valentina era uma tia da minha mãe. Então ela seria minha tia avó? Acho que era isso mesmo.
- vão vocês mãe. Eu tenho outras coisas pra fazer.
- que outras coisas pra fazer que não possa ir conosco? - perguntou minha mãe me fitando.
- coisa minha mãe.
- que coisa é essa? - insistiu ela. Minha mãe, quando queria, era muito pegajosa.
- deixa o menino queto. - disse meu pai.
Meu pai era um cara muito na dele. Ele nunca foi de se meter na minha vida. A única exceção era quando eu tirava notas baixas na escola.
- a família vai ta toda reunida e não faz sentido o Gabriel passar o dia de domingo enfurnado aqui dentro de casa. - Minha mãe falava olhando para o meu pai.
- ta certo mãe. A sra venceu. (falei engolindo o café quente).
- ótimo. - disse ela enfim colocando o melão na boca.
Após o café, retornei ao meu quarto, tomei um banho, coloquei uma toalha e uma sunga dentro da mochila, vesti uma bermuda, calcei um chinelo, coloquei meus óculos de sol, um boné, e desci ao encontro de meus pais que já estavam no carro.
- pronto? - perguntou minha mãe parada na porta do carro. Meu pai já estava no banco do motorista.
Confirmei com a cabeça.
- tem certeza que não ta esquecendo de nada?
- tenho sim mãe.
- então vamos que a estrada é longa.
Minha mãe entrou no carro, e eu a segui, sentando ao lado de meu avô. Victor me ligou, e eu recusei a ligação, colocando o celular no bolso da bermuda.
Depois de um bom tempo na estrada, finalmente, chegamos à fazenda da tia Valentina. Logo na entrada, notei que já tinham vários carros espalhados pelo gramado. Fiquei aliviado, pois nunca gostei de ser o primeiro a chegar nos lugares.
Descemos do carro, e de imediato, notei a presença de vários parentes. A ''primarada'' véa com certeza já estava na piscina.
Fomos andando ate chegar ao encontro de todos. Havia algumas mesas espalhadas pela grande varanda da casa de minha tia. Minha mãe saiu de mesa em mesa, cumprimentando a todos, e eu ia atrás feito um moleque abestado. Minhas tias me abraçavam e diziam.
- ta tão crescido e bonito. - e apertavam minha bochecha.
Eu agradecia e sorria.
Sim! Agradecia, mesmo sabendo que nem todas elas diziam à verdade.
Após aquele choque de gerações, fui até o banheiro social, vesti minha sunga e fui à área da piscina.
Como já previa, os primos estavam todos ali.
- gordinho. - Isso vinha de dentro da piscina.
Olhei fixamente e notei que era o Eduardo, um primo filho de uma irmã da minha mãe.
Quando criança, recebi o apelido de gordinho, porque realmente eu era um pouco fora do peso.
- sai daí tora galinha.
Todos riram.
Atribuímos esse apelido ao Edu, depois de flagrarmos ele agarrado com uma galinha nos fundos do galinheiro da tia Valentina. O cara inventou uma conversa que estava pegando a galinha para o almoço, mas Tia Valentina negou a versão dele. Desde aquele dia passamos a chamar o Edu de tora galinha, e cá entre nós, eu acho que ele queria comer a galinha mesmo.
Agora, já estávamos crescidos- como diziam minhas tias - e alguns apelidos haviam ficado para trás, mas quando era necessário a gente desenterrava e usava uai. Eram metodos de defesa. Tomei uma chuveirada ao lado da piscina e em seguida dei um salto na água.
- cade a tia? - foi a primeira coisa que o Edu perguntou.
- ficou la na varanda colocando o papo em dia com as outras véas. - eu chamava minhas tias de ''veas'', mas era sempre com muita educação e carinho.
Edu sorriu.
- e a tia Valentia? Não a vi na chegada.
- não ta sabendo?
- Não! o que?
- O Danilo ta chegando do Rio, hoje.
- sério? - meu coração disparou.
- Sim. A tia Valentina foi buscar ele no aeroporto.
O Danilo era filho da tia Valentina. O cara era o tipico caipira de grande coração. Usava roupas de Cowboy, botina de peão, e tava sempre com chapelão tocando suas modas de viola pra alegrar o povão. O cara era branco, sempre bronzeado de pegar sol. Sua pele as vezes ficava avermelhada de tão branco que ele era. O apelido dele aqui pra essas bandas era galegão.
Danilo foi um cara muito importante para mim, afinal foi com ele que eu tive minha primeira experiencia. Um pouco frustante pra falar a verdade, pois só rolou oral e anal. Danilo não me beijou e nem eu sugeri, mas a minha vontade era tascar o mó beijão naquela boca rosada.
No dia que fiquei sabendo que Danilo iria para outro Estado eu quase morri. Ainda toquei no assunto com meus pais, disse que seria bom eu ir também para fortalecer os meus estudos, mas meu pai teimoso feito uma mula não deixou.
- você ainda é uma criança. Quando tiver fazendo faculdade, quem sabe eu não te libere para viajar. - dizia ele.
Eu apenas sorria. Nunca fui de contrariar meus pais.
- Não sabia que ele viria passar as férias. - Disse a meu primo Edu.
- Férias que nada. Ele vem é de mala e cuia.
- ta falando serio?
- claro.
- e aonde ele vai morar?
- deve ser aqui né na casa mãe dele.
- é! Faz sentido. - falei pensativo.
Dei atenção a mais alguns primos, e logo em seguida saímos da piscina para almoçar. O almoço era servido em uma, enorme, mesa que havia sido improvisada na varanda.
Após nos servir, Edu, eu, Marcela e Gustavo, outros dois primos, resolvemos colocar uma mesa de plástico embaixo de uma mangueira da fazenda da tia Valentina. Ali poderíamos almoçar sem pegar sol.
- ta malhando Biel? (disse Marcela levando uma colher de comida a boca).
- to não. Por que?
- ta ficando saradão.
- saradão só se for de saúde né prima!?
Todos na mesa riram.
Repentinamente vi um fiat touro estacionando, era um dos carros da tia Valentina. A porta do carona foi aberta e minha tia desceu, abanando o corpo com um leque. Em seguida a porta do motora foi aberta, e eu vi uma bota do lado de fora.
Puta que pariu. Era o Danilo, e com certeza ele iria bagunçar ainda mais a minha vida.
Continua...