Desde o dia que Vincenzo me apresentara ao pai, o Senhor Filippo, eu não saía de sua casa. Três dias tinham se passado e o sábado chegou com gosto de ansiedade. Eu digo o porque: Vincenzo pretendia contar aos amigos mais próximos com quem ele estava namorando. Eu não via necessidade nisso, é claro. Não vejo minha sexualidade como algo que precisa ser reafirmado o tempo todo. Eu simplesmente sou e pronto, assim como uma árvore é uma árvore ou como um rio é um rio. Mas ele queria. E queria principalmente porque sentia que mentiu sobre isso por muito tempo. Eu concordei que ele organizasse um pequeno encontro e quando se sentisse pronto, me apresentasse. O melhor é que alguns dos amigos dele poderiam até me conhecer por causa da revista.
Eu percebi que a sala estava cheia por causa das vozes que ultrapassavam a altura da música animadinha que tocava. Definitivamente Vincenzo não escolhera aquelas músicas, alguém simplesmente tinha colocado uma playlist aleatória. O apartamento de Vincenzo consistia apenas da sala, cozinha e banheiro sem divisões num grande vão livre no primeiro andar e o quarto da mesma forma no segundo andar. Era um apartamento feito para receber pessoas, então cabia muita gente na sala. Ele disse que tinha convidado os amigos mais próximos, mas como em toda festa, um amigo resolve chamar outro amigo que traz outro amigo e num piscar de olhos: casa cheia. Mas naquela noite nada parecia fora de ordem. O barulho era medido e qualquer alteração do som devia ser controlada por Vincenzo. Aquele ainda era um condomínio residencial.
Eu corri para o banho assim que os primeiros convidados chegaram e quando terminei de me arrumar foi que percebi que já passava da hora de descer. Eu ainda nutria a ideia de que não precisava de um alarde ou uma anunciação formal. Aparentemente Vincenzo tinha esquecido do nosso acordo de levar as coisas com leveza e naturalidade. Anunciar o namoro de meio de uma festa ia totalmente contra isso. Com outro plano na cabeça, borrifei duas gotinhas do perfume de Vincenzo atrás de cada orelha e espalhei o líquido na região. Como mágica, o cheiro dele automaticamente me deixava em paz. Diante do espelho eu arrumei a gola da blusa de lá que eu vestia, arrumei os bolsos da calça escura que era do meu homem e sorri, sentindo-me abraçado por ele. Cada degrau que eu descia tinha um sabor diferente: esperança, ansiedade, medo, euforia, êxtase, felicidade. Cada passo despejava sobre meu corpo uma mistura complexa de sentimentos e isso não era necessariamente ruim. O tempo e a maturidade me fizeram aprender algo importantíssimo: prefira viver os sentimentos, bons ou ruins, do que se arrastar por uma vida vazia. Clichê. E se é clichê, é porque deu certo.
Praticamente todos que ocupavam a sala me viram descer e sabiam que aquela escada daria para o quarto dele, mas pelas expressões nada surpresas, devem ter me visto como um primo, ou um amigo mais intimo. Já entre eles, avistei Vincenzo próximo à parece de vidro que permitia a cidade iluminada preencher a sala e combinar com o clima festivo e logo comecei uma caminhada lenta entre os vários rostos que me olhavam já curiosos. Do canto ele me olhava com o sorriso calmo que eu tanto adorava e um caminho surgia entre os corpos para o meu caminhar suave. Já próximos, ele estendeu sua mão em minha direção e a segurei com firmeza. Não sei exatamente qual era a intenção dele naquele momento, mas eu mudei os planos e o surpreendi: juntei meu corpo ao dele deixando um pequeno espaço para que minha mão ficasse apoiada em seu peito e juntei nossos lábios em um beijo orgulhoso. Eu o senti prender a respiração mas não demorou até que ele retribuísse meu carinho. Aquela mão que segurava a minha foi parar direto em minha nuca e os dedos, sempre cuidadosos, afagaram meus cabelos. Era isso, eu estava entregando “ao mundo” o que tínhamos da forma mais natural possível. Vários selinhos molhados anunciaram o fim do beijo e quando sorrimos um para o outro, claramente todos estavam nos olhando. Alguns estavam curiosos e sorriam como se já suspeitassem, outros pareciam incrédulos, mas todos mantiveram-se calados.
- Você demorou demais – ele disse apenas para mim.
Sua voz pareceu alertar os convidados da naturalidade daquele beijo e de forma quase ensaiada todos voltaram para as conversas e danças que protagonizavam no meio da sala. Vince olhou ao redor com um sorriso satisfeito e divertido e então virou-se para o casal que teve a fala cortada quando nos beijamos.
- Este é Caio, meu namorado. Caio, este é o Senhor e a Senhora Velázquez.
Ambos sorriram em uma simpatia absurda e logo me estenderam a mão.
- Que surpresa! –Exclamou o senhor.
- Boa? – perguntou Vincenzo com pressa.
- Maravilhosa – respondeu-lhe a senhora.
- Ufa!
Não demoramos em nossa conversa com o casal e logo Vincenzo me conduziu ao pequeno barzinho montado para a feitura dos drinques e coquetéis. Logicamente fomos parados algumas muitas vezes no percurso minúsculo: “que imenso prazer conhecer você” me disse uma jornalista bastante conhecida, “não poderia ser alguém menos bonito” brincou um rapaz ao me dar um abraço apertado e fazer corar minhas bochechas. “Sortudo! Este homem é único” me confessou uma amiga italiana de longa data de Vincenzo que tinha importantes negócios no Brasil e outro nos abordou com um risonho “eu sabia, só não lhe cobrei uma posição”. Finalmente no bar, eu pedi apenas um suco de manga e Vincenzo reabasteceu seu corpo com um uísque de cor e cheiro fortes e provavelmente bastante caro. Aquele era um líquido que eu jamais forçaria descer por minha garganta. Fiz uma careta aparentemente engraçada para o primeiro gole dele e o deixei beijar meu queixo com uma aproximação íntima demais.
- Você me surpreendeu.
- Tive medo de ir na contramão da sua ideia – confessei.
- Que medo bobo. Eu até prefiro que você mude meu jeito de pensar.
- Não me dê tanto poder – eu brinquei deixando ele me encostar no balcão. Minhas mãos estavam em sua cintura.
- Tarde demais. Você tem todos os poderes possíveis.
- Espere aí. – Eu levei meu dedo indicador até minha própria têmpora e fingi mentalizar em algo. – Que a sala se esvazie agora e eu possa amar meu homem em paz.
- Não brinque comigo. Eu faço isso em um minuto.
- Não faz isso! – Eu o segurei também brincando e ele interrompeu minha gargalhada com um beijo muito curto.
- Eu estava brincando, mas faria se você quisesse. Aliás, eu faço qualquer coisa pra te ver satisfeito.
- Até me perseguir e quase me enlouquecer – eu brinquei segurando o riso.
- Você vai mesmo jogar isso na minha cara pro resto da vida. – Ele também quase ria.
- Eu disse que iria usar isso contra você sempre que pudesse.
Como se um adivinhasse o passo do outro, ele deixou o copo sobre o balcãozinho e segurou minha cintura com as duas mãos, eu lacei seu pescoço com meus braços e ancorei meus dedos suavemente na nuca dele. Um abraço típico.
- Além disso tem outra coisa. – Meu sussurro era doce.
- Vai, me esculacha! – O hálito dele era alcoólico.
- Meu corpo inteiro te ama. – Sussurrei ainda mais intimista.
- Meu Deus!
- O que foi?
- Você me desmonta inteiro – me confessou.
Eu sorri e reforcei meu carinho nos cabelos curtinhos atrás da orelha de Vincenzo. Ignorando todos ao redor, que sequer prestavam atenção em nós, ele me beijou e me deu uma prova de como era o sabor do uísque. O beijo só teve uma pausa para uma afirmação que eu já sabia, mas sempre faria questão de ouvir atentamente:
- Eu amo você, minha coisa bonita.
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O último convidado só nos deu a alegria da privacidade nas primeiras horas do domingo. O rapaz que era filho de um casal muito próximo de Vincenzo tinha bebido além dos limites sociais e o um táxi precisou ser chamado. Ao menos era engraçado ouvi-lo repetir uma dúzia de vezes que estava feliz por ver tudo tomar um rumo certo. Ríamos e em cada “vocês são tão bonitinhos” eu dava a sorte de ganhar um beijo no rosto de Vincenzo.
- Finalmente sou inteiro seu – ele suspirou ao fechar a porta atrás dele.
- Gosto disso, mas não muito desse cheiro.
Tão próximos, havia nele um cheiro de álcool que me deixava enjoado.
- Eu sei como resolver isso.
- Eu também sei – afirmei com segundas, terceiras e outras muitas intenções.
- Espere bem aqui!
Ele correu e eu quase gritei para ir devagar quando vi que o quarto estava nos seus planos. Ele estava um tanto alto e aquele estado em nada combinava com a sequência de degraus. Para o meu alívio o vi voltar em segurança com os dois roupões pendurados no ombro direito.
- O que é isso, Vince?
- Vamos tomar banho.
- Não quero nem perguntar onde – brinquei.
- Isso é uma recusa?
- Só se eu fosse maluco – entreguei como resposta.
Também não demoramos e logo estávamos na área molhada daquele conjunto de prédios. É claro que o local estava “fechado”, mas isso pouco importava no momento. Abrimos o portãozinho que nos separava da piscina e Vincenzo foi logo tirando a roupa. Eu ainda estava receoso, afinal, alguém poderia surgir ali repentinamente e estávamos velhos demais para broncas. Voltei meu olhar para Vince e ele acabava de tirar a calça. Completamente nu e de costas para mim, sua bunda era o alvo dos meus olhares. Ele era o dono da bunda mais bonita que eu já tinha visto. Tão firme, pequena e redondinha. Eu quis morder suas nádegas convidativas. Ele fugiu do meu olhar num mergulho silencioso demais para alguém que estava levemente alterado e quando voltou para a superfície me flagrou tirando a roupa.
- Vem logo! – ele implorou.
Pedindo-o para ter calma, eu me livrei de todas as peças e também pelado sentei na borda da piscina. Ele veio ao meu encontro e apoiou suas mãos em meus joelhos.
- Não está muito fria, não é?
- Não mesmo. Mas você sabia que dos outros prédios podem nos ver aqui?
- Que medo desnecessário – ele riu. – Ninguém está interessado em nós!
E com delicadeza ele me puxou para dentro da piscina. Aproveitei a quase queda e dei uma mergulho completo e quando voltei para a superfície ele me agarrou com seus braços seguros. Estar no meio deles era sempre estar em casa, independentemente se estivéssemos dentro de uma piscina ou no meio de um jardim em Paraty. Aquele era meu porto onde eu tinha a sorte de atracar. Outro clichê!
Na parte mais rasa é claro que eu ainda estava entre os braços dele, mas naquela ocasião ele me mantinha preso entre seu próprio corpo e a borda da piscina perfeitamente iluminada. Nem se eu quisesse sair dali, eu conseguiria. Seu corpo roçava o meu sem malícia alguma e cada beijo que ele me dava, provocava todas as reações do mundo. De arrepios à músculos tensionados, ele sabia exatamente quando e como acordá-los em mim.
- Você se sente confortável aqui, não é? – Ele ousou parar um dos beijos para falar.
- Aqui na piscina ou aqui em seus braços?
- Em tudo, Caio.
- É claro que sim – eu respondi em um riso. Ele estava sério.
- Não quero que você vá embora.
- Seu pedido é uma ordem, você sabe disso.
- Eu estou falando sério – ele disse roubando um selinho. – Mora comigo?
Eu precisei de alguns duradouros segundos para realmente entender o que aquela proposta significava. Eu posso jurar que meu corpo inteiro queimava diante da inesperada pergunta.
- Eu... Eu... – Tentei falar com minha voz falhada.
- Por favor, mora comigo. – Implorou em um sussurro.
- Não há a opção, meu amor - respondi em outro sussurro. – Tudo que eu preciso está aqui.
Não tive tempo de falar outra coisa e logo estávamos nos beijando em um ritmo que só nós sabíamos. Poderia ser, mas aquele não era um beijo quente. Tinha gosto de agradecimento e amor. É isso, era um beijo amoroso. Era o beijo que cabia naquele momento.
Uma rajada de vento fria me fez encolher entre os braços dele e aquele era o aviso que precisávamos para decidir que era hora de sair dali. Outra idéia não bem sucedida de Vincenzo. Eu já tinha material para anos de implicância. Imediatamente saímos da piscina aos risos, juntamos nossas roupas e nos enrolamos em nossos roupões. Fizemos o caminho de volta para o apartamento com pressa e eu ria pensando na possibilidade de encontrar alguém. Definitivamente seria um momento assustador, se não fosse cômico. Já no apartamento, atravessamos a sala que estava um completo caos e eu vi Vincenzo se jogar na cama com roupão e tudo. As roupas foram deixadas despreocupadamente pelo caminho. Eu tirei meu roupão, o fiz tirar o dele e também os joguei para longe de nós. Aninhando no abraço dele eu sabia que naquela noite apenas a paz de termos um ao outro seria a protagonista. Aquela sintonia curiosa fez Vincenzo entender que nada aconteceria entre nossos corpos além do já habitual nó que formávamos antes de cair no sono.
Completamente nu ele me puxou para junto de si e me aninhou entre seus braços. Meu rosto foi parar direto no peito dele e eu tratei de respirar em sua pele para dizer que eu estava bem ali na minha verdadeira casa.
- Obrigado – ele sussurrou sobre meus cabelos.
- Pelo quê? – Eu adoraria ouvir a resposta, como sempre.
- Por me aceitar de volta e por ser bondoso comigo.
- Eu não estou sendo bondoso com você – eu respondi em seu peito.
- Não?
- Não. Aceitar morar com você não é bondade minha... – eu dei uma pausa desnecessáriaÉ amor!
O ouvi suspirar e depois sorrir sonoramente, mantendo-me ainda mais preso ao seu corpo.
- Ridiculamente romântico – ele brincou.
- Ridiculamente! – Eu completei.
O “boa noite” daquela madrugada tinha outro gosto. Diferente dos outros que eu dizia sabendo da necessidade de partir com o amanhecer, aquele tinha o sabor da permanência e do pertencimento. Daquela vez eu ficaria. E ficaria por quanto tempo fosse necessário. Não restava dúvidas de que não era mesmo uma única noite.
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Deixem-me ser malvado: o conto está em sua reta final. Sim, está! Espero que não queiram me matar por isso. E que prepotência essa minha. Enfim, obrigado aos que sempre estão por aí, comentando ou não.
Jades, eu juro que sabia que você iria pensar em todas as situações possíveis e até seria um tanto desastroso. hahaha Eu vi seu conto e comentei, é claro. Ri um bocado. Todos os abraços!
Ru/Ruanito, :D
Bagsy, você sempre poderá dar faniquito. Gritinhos também! E aquele foi o melhor capítulo? Não brinca comigo. Eita que eu tô todo me tremendo. haha Obrigado, obrigado e obrigado. Que contentamento!