- e o Victor? - perguntei preocupado.
- eu to aqui!
Meu amigo chegou de surpresa.
- eu vim pra cá só pra te fazer companhia e você ia me deixar aqui sem carona? O que ta acontecendo contigo mano? Cade o velho Biel que eu conheci?
- não é isso não mano. Só achei que você fosse ficar.
- claro que não pô, eu só vim por tua causa.
- desculpa. Eu vacilei mesmo, era pra ter te chamado.
- ainda bem que você sabe néh!?
- quer ir la pra casa derrubar umas?
- é o correto. - meu amigo sorriu.
Entramos no carro do Danilo e seguimos para minha house.
Meus pais já estavam dormindo e resolvemos ficar tomando uns gorós na sacada.
- o que rolou na conversa com meu irmão? - Victor sentou ao meu lado, e Danilo havia ido apanhar gelo.
Olhei sério para Victor.
- a gente conversou e ficamos numa boa. - disse emborcando um copo com cerveja.
- como assim de boa? Sobre o que vocês conversaram?
- ele te contou o que aconteceu na cozinha do apartamento de vocês?
- Não! Ele só perguntou se eu sabia do teu paradeiro, e eu disse que tu tava na praia. Fiz mal?
- Não velho. Foi até bacana a gente ter conversado. Acho que depois dessa eu desencano dele.
- mas porque? Ele te tratou mal?
- pelo contrário cara. Ele só foi lá pra não me deixar mal.
- eu to boiando velho. Ainda não entendi o objetivo dessa conversa.
- eu fiz uma merda hoje mano. Culpa dessa manguaça aqui. - disse eu apontando para a bebida.
- o que tu fez?
Abaixei a cabeça.
- eu falei pro teu irmão tudo o que eu sinto por ele.
- é o que? Que loucura mano! - Victor sorriu - É verdade mesmo isso?
- claro que é pô. Por que tu acha que o Fernando foi lá falar comigo?
- eu estranhei, mas não sabia o assunto. Ele não me disse nada dentro do carro.
- pois é cara. Agora já ta sabendo. Tomei um toco. - sorri.
- ah, nem foi assim véi. Tu já esperava por isso.
Danilo chegou com gelo e abasteceu o cooler com cerveja.
- tu acha que da pra tocar uma moda de viola aqui primão? - Perguntou Danilo.
- da sim pô.
- os vizinhos não vão se incomodar não?
- aqui são de boa.
- tu sabe tocar vei? - Victor olhou para o meu primo, que estava em pé apoiado no guarda corpo da sacada.
- eu tento. - Danilo sorriu.
- vai lá pegar a viola primo. - incentivei.
- beleza. Volto já.
- não sabia que teu primo tocava. - disse Victor.
- ele toca pô, e canta também.
- toca e canta o que?
- sertanejo, moda de viola, e um pouco de mpb e rock nacional.
- maneiro.
Victor levantou-se, foi ate o cooler e abriu outra latinha.
Danilo retornou e já vinha tocando algumas notas.
- o que ''cês'' querem ouvir? - disse meu primo sentando em uma cadeira que havia trazido da cozinha.
- fala aí Victor. - disse eu.
- ah, manda um Jorge e Mateus aí. - disse Victor tomando um gole da cerva.
- já é. - respondeu meu primo.
Enquanto Danilo começava a tocar, Victor e eu ficamos nus da cintura para cima.
♫♫♫♫
Agora já não tem mais jeito
Amo até seus defeitos
Não dá pra fugir
Se eu tenho um milhão de motivos pra te conquistar
Eu não vou desistir
Você é frio, é calor
É febre de amor, saudade de paixão
Eu sigo sempre rumo ao seu coração
Pra ter o seu amor
Eu viajei pelo seu mundo
Me vi com seus olhos
Descobri quem sou, ái ái ái
Pra ter o seu amor
Te pedi pra Deus de presente
Pra me ver contente
Ele te inventou
♫♫♫♫
Enquanto Danilo tocava, eu sentia uma nostalgia invadindo mim'alma por completo.
=======
- aqui cara. - falei colocando o escapulário nele.
- que responsabilidade. - disse ele passando a mão no objeto.
- vai da tudo certo, e você logo vai estar de volta.
- vou sim.
=======
Caralho, como era impossível parar de pensar no Fernando. Depois da conversa que tivemos na praia, ficou mais difícil ainda.
Como explicar uma paixão tão avassaladora como essa? Eu tenho que superar, eu tenho que superar.
Victor passou sua mão sobre meu ombro e começou a cantar alto como se estivéssemos em um show ao vivo. Lembrei do tempo que Fernando nos levava e buscava nos eventos que aconteciam na cidade.
Olha aí, já estava pensando no Fernando novamente. Até quando eu não queria pensar.
Danilo, e Victor continuaram cantando umas sofrências, e eu fui ao banheiro lavar o rosto.
Abri a torneira, e fiquei me olhando no espelho do armário.
- o que eu posso fazer de diferente? Quanto tempo é necessário pra esquecer aquele cara? - eu pensava.
Fiquei ali por um bom tempo até Victor bater na porta.
- e aí cara. Morreu?
- ainda não. - sorri.
Victor ficou parado entre a porta me olhando pelo espelho do banheiro.
- quer usar? - enxuguei minhas mãos na toalha.
- não pô. Só fiquei preocupado mesmo, e vim ver se tava tudo bem.
- ta sim mano. Tudo tranquilo.
- então vamos voltar né!? - disse ele abrindo passagem.
- bora.
Voltamos à sacada, e Danilo estava mexendo nas cordas do violão.
- parou? - perguntei.
- To meio cansado primão. Tava só te esperando pra saber onde eu vou dormir.
- dorme lá na minha cama primo.
- beleza. Boa noite aí pra quem fica. - disse meu primo retornando ao interior da casa.
- empresta a viola pô. - disse Victor.
- aqui pô. Só toma cuidado com a minha criança. - disse meu primo sorrindo.
- pode deixar.
Victor retribuiu o sorriso.
- vai um Henrique e Juliano? Victor me olhou.
- qual deles?
- '' duas vidas'' - respondeu Victor.
Olhei para Victor.
- tu é foda pô, essas músicas só fazem aumentar o meu sofrimento.
- porra, foi mal. Nem me toquei que tu tava na fossa. - Victor riu.
- a questão né essa velho. Eu queria fazer algo pra esquecer entendeu?
- o que por exemplo?
- uma baladinha com uma música mais agitada cairia bem. - falei.
Victor olhou em seu relógio de pulso.
- ainda da tempo.
- vamos combinar pra hoje a noite mano. Chegar no final da festa nem tem graça.
- pode ser cara. - Meu amigo respondeu.
- to com sono. - falei olhando pra ele.
- já? Tão cedo?
- cedo do dia né!? - falei sorrindo.
- tu vai dormir com o teu primo?
- sim. Ele vai passar uma temporada aqui.
- por que isso?
- problemas na casa dele, aí ele achou melhor dar um tempo fora.
- saquei. E eu vou dormir aonde?
- hoje vamos ter que improvisar pô. A gente pega uma cobertas e faz um colchão no chão. Sei lá.
- acho que é melhor eu ir pra casa.
- deixa de frescura mano. Dorme aqui.
- to afim de ir pra casa tomar um banho e trocar de roupa.
- toma banho aqui cara, e veste uma roupa minha.
Victor ficou pensativo.
- cuida logo caralho. Vem.
Estendi meu braço, e meu amigo se apoiou em minha mão e ficou de pé. Levei meu amigo até o banheiro do meu quarto, peguei toalha e roupa limpa para ele. Danilo dormia em minha cama todo espalhado.
Ouvi o barulho do chuveiro, meu amigo já estava tomando banho. Fui até o banheiro e empurrei a porta sem fazer muito barulho.
- Victor. - falei em frente ao box.
- fala mano. - disse ele sem parar o que fazia.
- Vou deixar uma toalha, e uma roupa limpa aqui pra ti.
- ta certo. Vlw! - disse ele se ensaboando.
Naquela noite, eu dormi no chão da sala, em cima de alguns cobertores, juntamente com o Victor. O Danilo estava ocupando praticamente todo o espaço da minha cama.
- dormiu? - disse Victor.
- Não. To com sono, mas não consigo dormir. - respondi com os olhos fechados.
- quer que eu cante a canção do '' boi da cara preta''? - disse ele tirando onda.
- quero que tu vá tomar no cu. - falei sorrindo.
xxxXXX
Os meses se passaram, e aquele amor que eu sentia pelo Fernando, estava diminuindo. A ausência dele estava me fazendo bem, e eu já não me sentia mais tão sufocado.
O resultado do sisu havia saído, e eu tinha passado em arquitetura, contrariando as expectativas do meu pai.
- como é que é? - disse meu pai no meio do jantar.
- eu passei em arquitetura. - falei tímido.
- e o curso de direito? - meu pai a essa hora já havia abandonado o prato.
- eu pensei melhor, e decidi não fazer direito.
Meu pai esmurrou a mesa, fazendo alguns pratos saltarem.
- seu moleque de merda. - disse ele me ofendendo.
- só porque eu não fiz o curso que você queria eu sou um moleque de merda?
Minha mãe tentou apaziguar, mas foi inútil.
- você poderia ao menos ter seguido os passos da família. Seu avô é advogado, seus tios são advogados, eu sou advogado.
- mas eu não tenho vontade de ser advogado droga. - falei exaltado atirando o pano de prato em cima do meu pai.
- você ta levantando a voz comigo?
Meu pai levantou-se, e veio na minha direção já tirando o cinto.
- hey tio. Calma lá. - disse Danilo entrando no meio.
- deixa ele vim primo. Pode deixar. Tô cansado de ficar indo pela cabeça dos outros. Tô cansado de terem que me dizer o que devo fazer. Eu já fiz 18 anos pai. Na próxima semana eu começo a fazer faculdade. Eu já virei um homem será que você não percebeu?
- Gabriel, vai pro quarto meu filho, depois conversamos sobre isso. - disse minha mãe um pouco nervosa.
- desde quando que homem grita com pai? - disse ele respirando pesado.
- eu não estou gritando. Só quero que o senhor entenda de uma vez por todas. Eu quero fazer arquitetura, eu sei desenhar, eu gosto dessa área.
- mas nós tínhamos feito planos para você.
- nós não pai. O senhor.
Meu pai balançou a cabela em conformidade.
- ta certo Gabriel, eu não vou falar mais nada. Quer acabar com sua vida? Pois faça bom proveito.
Meu pai saiu pisando fundo.
- mãe, a senhora sabe que eu jamais faria de propósito pra irritar o papai né!?
- eu sei meu amor. Eu sei. - disse ela me abraçando e alisando meu rosto. - Seu pai ta nervoso, de um tempo pra ele assimilar isso tudo.
Eu confirmei com a cabeça que sim.
Minha mãe foi ao encontro do meu pai, e ficamos meu avô, Danilo e eu na cozinha.
- minha fome passou. - falei se retirando.
Fui ao quarto e Danilo me acompanhou.
- calma primo. - disse ele entrando e trancando a porta.
- Tô calmo primo. Quem ta nervosinho é o meu pai.
- liga pra isso não. Faz o que você tem vontade.
- é isso que vou fazer velho.
Deitei na cama, e Danilo deitou junto a mim. Nos últimos tempos nossas fodas haviam ficado mais quentes e rotineiras. Acho que talvez o meu primo fosse o maior responsável por fazer eu esquecer Fernando.
Fiquei um tempo ali olhando para o teto, e Danilo nada dizia. Apenas me fazia companhia.
A semana correu, e a universidade me aguardava. Combinei de encontrar o Victor no estacionamento da universidade federal.
Desci do carro com o Danilo, e Victor estava sentado em um banco ao lado da guarita.
- hey. - ele acenou e eu logo o reconheci.
Victor iria cursar enfermagem. Danilo começaria engenharia civil. Nos cumprimentamos, e localizamos nossas salas.
Quando olho para o fundo da sala vejo o diabo.
Gustavo me cumprimentou com os olhos, e eu o ignorei.
Sentei mais ou menos no meio da sala, e coloquei meu material sobre a mesa. Olhei mais uma vez para o Gustavo, e ele me encarava.
A aula foi um tanto estranha. O único professor daquele dia não ensinou nada, apenas apresentou a grade, e indicou vários instrumentos que deveríamos comprar para ter durante algumas aulas.
Finalmente fomos liberados, e eu combinei de encontrar com o Danilo no bloco de engenharia. Ia caminhando tranquilamente, quando um carro passou e me arremessou lama. Aquele não era um carro qualquer. Eu reconhecia muito bem o carro do Gustavo, mas não achei que aquele cara chegaria tão baixo.
- puta que pariu. - esbravejei.
Quanto mais eu tentava tirar a lama do meu corpo, mais sujo eu parecia ficar. Corri para o vestiário mais próximo, joguei meu material todo no chão, peguei um rolo de papel higiênico e comecei a tirar o excesso de lama da minha vestimenta, o que obviamente não estava resolvendo de muita coisa.
Dois caras entraram conversando, e um deles começou a rir da minha situação.
- ta rindo de que seu otário? - perguntei irritado.
- calma véi. Se ta puto desconta noutro.
Respirei fundo, e continuei usando o papel para me limpar.
- não seria mais fácil você tomar um banho e colocar uma roupa limpa?
- seria se eu tivesse uma roupa extra aqui.
O cara sorriu.
- tira essa roupa cara, toma uma chuveirada que eu eu vou trazer roupa limpa pra você.
- de onde você vai arrumar roupa limpa? - falei o fitando.
- sou do time de futebol do colégio. Tenho uniformes dentro do meu armário.
- ta falando sério, ou ta brincando comigo?
- falo sério.
- e você pode me arrumar uma toalha também?
- aí já é demais. - disse ele rindo.
- tem razão cara, mas me arruma ao menos esse uniforme para eu poder voltar pra casa.
- tô zuando. Eu vou trazer uma toalha sim. Enquanto isso vai tomando um banho.
Comecei a me despir, e o meu ajudante pediu para que o seu amigo fosse buscar uma toalha e um uniforme limpo. O cara foi imediatamente.
- espero que isso não seja um trote pra você roupar as minhas roupas e fazer eu sair pelado pelo campus. - falei ligando o chuveiro.
- não seria uma má ideia. - o cara sorriu.
Após o banho, enxuguei meu corpo, e vesti o uniforme.
- depois você me devolve. Você me encontra fácil lá no bloco de educação física. - Disse o cara referindo-se a roupa que havia me emprestado.
- espera aí. - falei antes que ele saísse do vestiário.
- fala.
- Valeu pela roupa cara.
- Nada. - disse ele.
- Você falou que joga no time de futebol da faculdade. É isso mesmo?
- Isso.
- eu gostaria de participar de uma seletiva. Posso?
- claro. O professor vai agendar um peneira, e eu te aviso.
- ta certo. Gabriel, prazer. - falei estendendo o braço.
- prazer Gabriel. Pode me chamar de Beto.
O cara me cumprimentou e nossas mãos ficaram entrelaçadas por um tempo.
Continua...
Amigos, desejo a todos uma ótima virada de ano. Que 2017 seja melhor que 2016. Que seus planos e sonhos possam se realizar nessa nova etapa que se inicia.
Abraços.