Gente. Obrigado pela recepção positiva. Decidi colocar mais um capítulo no ar. Infelizmente por causa do tempo corrido, vou colocar esse conto só nos finais de semana, sábado ou domingo. Espero que vocês continuem acompanhando. Está sendo um prazer incrível escrever essa história. Muito obrigado. Segue o conto:
===============
Se pudéssemos definir o Aeroporto da Cidade de Londres em uma palavra seria: caos. Felipe praticamente carregou Guilherme, eles precisavam sair daquela área, pois tudo pegava fogo. "Eu vou morrer", pensava Felipe.
Muitas pessoas feridas pediam ajuda, mas Felipe não conseguia, ele simplesmente não parava de andar. De repente outra explosão leva os jovens ao chão. Um grande pedaço de concreto solta e quase acerta os dois, mas um policial conseguiu impedir a tempo.
— Saiam daqui. — o policial pediu, pegando no ombro de Felipe e apontando para a frente.
— Sim, senhor. — disse Felipe, carregando Guilherme e seguindo para a direção indicada. — Obrigado. — Felipe virou para agradecer o policial.
O policial seguiu, só que depois de mais uma explosão foi consumido pelas chamas. Os olhos de Felipe congelaram naquele instante. Ele ficou imóvel por um minuto, porém, lembrou de Guilherme e continuou.
O lugar estava quente e mais pessoas feridas pediam ajuda. Felipe seguiu as instruções do policial e conseguiu chegar a um grande saguão. As pessoas corriam de um lado para o outro.
Aos poucos, o Guilherme foi despertando e pediu para sair do colo de Felipe. Apesar de zonzo, teve uma noção do que havia acontecido dentro do aeroporto.
— Que recepção, hein? — comentou Felipe, que se assustou com mais uma explosão e abraçou Guilherme. — Precisamos sair do aeroporto. Um policial indicou a saída da direita.
— Vamos. — disse Guilherme, que ouviu um choro de criança e olhou atrás de uma lata de lixo.
Os dois encontraram uma garota chorando no meio do saguão. Guilherme tentou andar sem sucesso e contou com a ajuda de Felipe. Ele se abaixou perto da garotinha que não parava de chorar. Guilherme perguntou o nome dela, mas nada de resposta. Depois analisou a menina para saber se ela estava muito machucada. Nenhum sinal de osso quebrado.
—- Precisamos tirar ela daqui. — disse Guilherme, quase sem forças para andar.
— Oi, querida. Tudo bom? Me chamo Felipe... e... e... esse é meu amigo, Guilherme. Eu sei que você está com medo, nós também estamos, mas precisamos sair daqui. A gente... a .... sai daqui e encontramos sua mamãe. — Felipe estendeu a mão para a garotinha, que demorou, porém, acabou aceitando ajuda.
No Parque, Tchubirubas olhava a movimentação das ruas de Londres. Muitos carros passavam com toda velocidade e o barulho incomodava o cachorro. Eram patrulhas da polícia e corpo de bombeiros que iam em direção ao Aeroporto. Tchubirubas também prestou atenção quando os cachorros foram embora com seus donos. No fundo, ele queria alguém que o amasse, mas lembrava de tudo que sofreu nas mãos de seus antigos donos.
— Quem precisa de humanos? — choramingou Tchubirubas, que se assustou com alguns carros de polícia. — Eu vou pegar vocês! — exclamou.
O cachorro latiu e seguiu as viaturas. Felipe e Guilherme chegaram a uma parte que estava toda danificada, eles precisariam encontrar outra saída dali. De repente, várias explosões fazem o local tremer. Felipe colocou a garota no chão e junto com Guilherme ficaram abaixados. Muitas pessoas passaram correndo, na hora do desespero ninguém quer saber se existem pessoas no caminho.
— Vamos sair daqui! — alertou Felipe, ajudando Guilherme a ficar em pé. — As chamas estão nos alcançando.
— Tem muita fumaça. — Guilherme começou a tossir.
— Vamos tentar ir para aquela sala. — Felipe apontou para frente e pegou a criança no colo. — Acho que lá deve ter uma forma de saímos daqui.
— Espera. — Guilherme pediu. — Vai. Leva a garota. Eu fico, sou um peso morto.
— Para de falar besteira. Eu não vou te deixar. — Felipe disse.
— Estou assustada. — soltou a garota, antes de começar a tossir freneticamente.
— Vamos sair daqui. Não se preocupe. — Felipe pegou o cachecol da menina e cobriu o rosto dela. — Guilherme. — tocando no rosto do jovem e sorrindo. — Nós vamos sair daqui. Os três.
— Ok. — concordou Guilherme, que olhou em volta e achou um pedaço de ferro para usar como muleta.
As pessoas começaram a se aglomerar na sala, mas a mesma não tinha saída. E as explosões apenas pioravam toda a situação. Tchubirubas chegou no aeroporto ofegante e ficou olhando a movimentação. Ele começou a farejar alguma coisa e passou pela cerca de segurança da polícia.
— Interessante. — analisou Tchubirubas, farejando e entrando no Aeroporto.
— Um cachorro entrou no Aeroporto pela lateral. — avisou um dos policiais que percebeu a presença de Tchubirubas.
Tchubirubas entrou por uma área quebrada do prédio. Ele seguiu pelas salas e o que encontrou foi um rastro de destruição. O cachorro conseguia perceber que haviam pessoas machucadas e começou a latir para atrair a atenção dos sobreviventes.
— Você está ouvindo isso? — perguntou Felipe, que já estava quase desistindo.
— O que? — quis saber Guilherme.
— Um cachorro. Tem um cachorro preso aqui. — apontando para uma porta. — Está ouvindo?
— Estou. — Guilherme fechou os olhos e ouviu o cachorro latir.
— Espera aqui. — pediu Felipe colocando a menina no chão e tentando abrir a porta. — Está trancada. Vou, vou arrombar. — chutando a porta várias vezes até a mesma abrir.
— E então? — Guilherme estava curioso próximo a garota.
Felipe respirou fundo e entrou na sala. Do lado de fora, a ansiedade de Guilherme atacava, porque ele só queria sair daquele inferno. Após alguns minutos, o Felipe retornou e ao seu lado um cachorro, que latiu ao ver os sobreviventes.
A sala em questão estava destruída, mas as explosões fizeram um buraco que levava para o lado de fora do aeroporto. Com muita dificuldade, os três conseguiram chegar à saída.
A polícia havia colocado uma barreira muito distante da entrada. Eles e a garota andaram bastante até chegar em um local seguro. Muitos fotógrafos e repórteres estavam lá.
— Vocês estão bem? — um bombeiro questionou ao se aproximar dos jovens.
— Sim, — Felipe respondeu ofegante. — cadê o cachorro?
— Que cachorro? — perguntou o bombeiro confuso.
— O cachorro que nos mostrou a saída. — respondeu Felipe, deixando a garota no chão e apontando para o lado em que saíram. — Por aquele lado tem mais pessoas. A entrada principal está obstruída.
— Tudo bem. Vamos mandar homens agora. — o bombeiro pegou um rádio e fez um comunicado. — Atenção. Quero uma equipe entrando pela ala Oeste do Aeroporto. A explosão fez um caminho. Agora.
Os primeiros atendimentos foram feitos nos jovens. Em seguida, eles seguiram para o hospital em uma van. Os dois ficaram em silêncio por um tempo e Felipe começou a rir. Guilherme ficou sem entender, mas o sorriso de Felipe o encantou. Ele e a garotinha começaram a rir também.
Felipe sentou a menina em seu colo e ficou acariciando seu cabelo. Guilherme repousou a cabeça no ombro de Felipe. Depois de alguns minutos, eles chegaram no hospital e foram separados. Felipe se impressionou com a agilidade dos médicos. Em poucos minutos, o jovem teve seu diagnóstico: a cabeça e costas machucados.
Inglês. Para todos os cantos que andava, Felipe encontrava pessoas que falavam inglês. Ele precisou ir para um canto mais sossegado do hospital para respirar. De repente, a garotinha do aeroporto correu em sua direção e o abraçou. A mãe dela não demorou para aparecer. A menina explicou como Felipe foi corajoso e a resgatou.
O nome da garotinha era Amora e de sua mãe, Sara. Elas levaram o Felipe até a cafeteria e compravam um café para conversarem. Felipe explicou que havia se perdido de Guilherme e Amora garantiu que ele estava no quinto andar.
Felipe se sentiu perdido e saiu caçando informações sobre Guilherme. Ele vasculhou em quase todos os andares e acabou encontrando a garotinha que salvou. A menina correu e o abraçou. A mãe da menina apareceu e agradeceu Felipe. Depois ele descobriu que o nome da garota era Amora, e sua mãe Sara.
— Amora e Sara, muito obrigado pelo café, mas eu preciso ver o meu amigo. — Felipe pediu licença. — Eu posso pegar esse cupcake? — questionou o jovem.
— Claro. Pode levar. Não esquece, o quarto é o 505. — garantiu Sara, que colocou o bolinho em uma pacote. — E obrigado.
— De nada. — pegando o pacote e indo em direção ao elevador.
O coração é um órgão engraçado. Felipe mal conhecia o Guilherme, mas um vínculo havia sido criado entre eles. Dentro do seu peito, parecia que um trator fazia uma obra. Ele ficou mais aliviado ao encontrar o colega deitado na cama do hospital. O garoto se aproximou e acabou tropeçando no chão. Nem é preciso dizer que Guilherme riu da situação.
— Você escapou de uma explosão, mas vai morrer por causa de um tapete? — o questionamento de Guilherme fez Felipe dar uma risada sem graça.
— Né? — olhando o cupcake e percebendo que estava tudo bem.
— Sete pontos na cabeça e o pé enfaixado. — avisou Guilherme que apontou para o pé.
— Costa contundida e bati a cabeça, mas nada que não tenha acontecido comigo. — explicou Felipe sentando em uma cadeira perto da cama. — Descobriu o que aconteceu?
— Vamos ver agora. — pegando o controle remoto e ligando uma pequena televisão no quarto.
A manchete assustou a dupla. Um avião caiu na pista de pouso e atingiu outros que estavam estacionados, então produziu uma reação em cadeia. Felipe e Guilherme ficaram imaginando a sorte que tiveram de escapar de um acidente daqueles.
— Ah, — lembrou Felipe. — a garotinha se chama Amora. Ela encontrou a mãe.
— Uma coisa boa em meio a toda essa tragédia. E o cachorro?
—Não sei. Ainda bem que você o viu também. Senão pensaria que estou louco. Será que ele está bem?
— Eu espero que sim. Mas saiba que fico feliz ao saber que você está bem. — disse Guilherme arrancando um suspiro de Felipe.
— Eu também fiquei feliz por te ver bem. — Felipe afirmou, pegando um cupcake e mostrando para Guilherme. — É o teu aniversário, né? Precisamos de bolo.
— Obrigado. — agradeceu o jovem ficando vermelho e sorrindo.
— De nada. Agora finge que tem uma vela, assopra e faz um pedido. — orientou Felipe colocando o bolo próximo a Guilherme. — Tem que ter um pedido, né?
De todos os aniversários que teve na vida, esse foi o mais louco que Guilherme poderia imaginar. Ele respirou fundo e desejou ter mais de Felipe em sua vida. O jovem fez um suspense e, finalmente, apagou as velas imaginárias.
— Qual foi o seu pedido? — Felipe questionou curioso.
— Não posso contar. — soltou Guilherme ficando mais vermelho ainda.
— Quero saber. — choramingou Felipe, que ficou observando Guilherme comer o cupcake.
— Quer um pedaço? — oferecendo para Felipe.
— Não. — Felipe negou, mas estava com a barriga roncando.
— Tem certeza? Nossa. Está tão macio e cremoso. — Guilherme tentou Felipe, que lutou bravamente para negar a investida.
— Guilherme! — uma mulher alta e bem vestida entrou no quarto desesperada.
— Onde está meu filho? Vou processar todos! Como pode um avião cair no meio de um aeroporto? — um homem entrou logo atrás e quase fez Guilherme engastar com o doce.
— Pai e mãe, o que vocês estão fazendo aqui? — quis saber o jovem.
Mais uma vez, os dois tiveram que repassar a história do aeroporto. Explosão, desespero e agonia. Guilherme deixou bem claro que só sobreviveu graças ao apoio de Felipe. Os pais dele ficaram aliviados, mas ainda assim queriam processar o responsável pelo acidente.
Inclusive, a mãe de Guilherme adorou o fato de Felipe ser do Brasil, porque mesmo sendo naturalizada inglesa, a mulher tinha sangue brasileiro e participava de vários trabalhos sociais no seu país de origem.
Por outro lado, Guilherme agiu de maneira seca com eles, principalmente, com o pai. Como era um estranho, Felipe ficou de espectador e tentou analisar as pessoas naquele quarto. Porém, a tática de se passar invisível não funcionou e a atenção voltou para ele.
— E vocês são namorados? — questionou a mãe de Guilherme, dando uma risada e cobrindo o rosto.
— Mãe, não viaja. — respondeu Guilherme, quase não conseguindo evitar a vermelhidão no rosto.
— Não começa, Anastácia. — o homem olhou para a esposa de forma severa. — Não disse que traria alguém.
— Para, Leopold. Ele pode trazer sim. — garantiu Anastácia pegando na mão de Guilherme que puxou logo em seguida.
— O Felipe não é meu namorado. — disse Guilherme, ficando vermelho igual a um tomate. — Ele é um amigo, o conheci no avião.
— Tudo bem. — Anastácia se deu por vencida e mudou de assunto. — Já falei com os médicos. E você vai sair hoje mesmo, querido. E você? — olhando para Felipe.
— Vim fazer um intercâmbio, vou estudar. O motorista da Empresa ia me pegar no hotel, mas nem acho que vou ter que ir direto. Eu só preciso de um telefone para falar com a minha mãe. Acho que vi um orelhão, lá fora.
— Orelhão? — questionou Anastácia, tirando o celular da bolsa e entregando para Felipe. — Pode usar. — Felipe agradeceu e foi para o corredor.
— Que gatinho. — comentou Anastácia, piscando para Guilherme e rindo.
—Mãe. Para. — pediu Guilherme. Ele não entendia o interesse da mãe em sua vida amorosa. — O que está acontecendo? Porque está agindo desse jeito? A senhora nunca falou esse tipo de coisa para mim.
— As pessoas mudam. — Anastácia pegou na mão do filho. — Conheci uma senhorano grupo de leitura, ela perdeu o filho que era homossexual. Fiquei muito tocada, então depois de que soubemos da explosão no aeroporto, — ficando emocionada. — nossa. — chorando. — Eu, eu sei que errei com você, só que as pessoas erram, as pessoas aprendem e quero te pedir perdão.
— Mas não é para tanto. Viu como o papai agiu? Ele me odeia. Para ele eu sou apenas um peso morto.
— Eu e seu pai ficamos tão preocupados com o que aconteceu no aeroporto. Sei que somos ausentes, mas amamos você. E dê tempo ao seu pai, por favor. Já conversamos bastante sobre a tua situação.
— Estranho isso. — garantiu Guilherme, cruzando os braços e pensando nas palavras da mãe.
As notícias correm rápido. No Brasil, por exemplo, todos já estavam preocupados com Felipe, principalmente, sua mãe. Ela chorou ao telefone e emocionou o filho, que precisou esconder as emoções, mesmo estando muito assustado.
O jovem pediu para a família não se preocupar, porque tudo corria bem. Depois de um tempo, Felipe voltou e ficou esperando a liberação de Guilherme. O novo amigo o convenceu a ficar em sua casa até o dia seguinte.
No trajeto para casa, os pais de Guilherme pararam para em um restaurante. Tudo era novo para Felipe. Ele jamais imaginou viver tudo aquilo. Depois do jantar, todos seguiram para a cobertura da família Thompson, Felipe ficou maravilhado quando entrou no apartamento.
— Caraca. — soltou Felipe, olhando para cima e esbarrando em um vaso. — Ops. — tentando pegar o vaso, até que consegue e coloca no lugar. — Desculpa.
— Com licença. — Leopold chamou a atenção de todos. — Vou para o meu quarto. — pegando no ombro de Guilherme. — Filho. Fico feliz que você voltou. — subindo as escadas.
— Bem-vindo. — Guilherme falou para Felipe, antes de continuar o tour pela sala.
— Meninos, se vocês precisarem de algo, o Alfred está na cozinha. — avisou Anastácia, que deu um forte abraço em Guilherme. — Filho a mamãe te ama, se precisar de algo me avisa. Também vou para o quarto. Mais tarde vou levar os remédios que eu comprei. — se aproximando de Felipe e o abraçando. — Querido, obrigado. Fique o tempo que precisar. Até mais.
— Alfred? — questionou Felipe parecendo confuso com o ambiente e informações.
— Ele trabalha conosco. — explicou Guilherme, sentando no sofá com dificuldade e respirando fundo.
— Entendi. — disse Felipe, ficando em pé ao lado de Guilherme. — Ei, acho que quero tomar um banho. Estou um lixo.
— Claro. — Guilherme tentou levantar, mas teve dificuldade, então, contou com a ajuda de Felipe. — Vamos para o meu quarto. Me segue.
A cada novo passo, Felipe se surpreendia. Ele prestou atenção em cada detalhe do apartamento. O quarto do Guilherme era do tamanho da casa do Felipe. O rapaz mostrou o banheiro e deu toalhas limpas para o amigo. O filho de Leopold aproveitou para entregar para Felipe algumas peças de roupas.
Depois do merecido banho, Felipe voltou apenas de toalha. Ele morava em uma casa pequena com cinco pessoas, então, a falta de privacidade não era um problema. Guilherme até tentou evitar, mas deu aquela espiada no corpo de Felipe.
Depois foi a vez de Guilherme tomar banho. Os dois passaram parte da madrugada conversando. Alfred, o mordomo dos Thompson, preparou uma cama no chão. O colchão era muito mais macio do que qualquer cama que Felipe dormiu na vida, então, não demorou muito para ele pegar no sono.
Felipe estava feliz, muito feliz, mas teve um pesadelo naquela madrugada. Lembrou das pessoas mortas no acidente do aeroporto.
— Nããããooooo! — gritou Felipe, levantando da cama e olhando em volta.
— O que foi? — questionou Guilherme assustado com o grito do amigo.
— Eu... eu... — Felipe não era uma pessoa emotiva, entretanto, lágrimas escorreram pelo seu rosto.
— Ei. — Guilherme o tranquilizou. — Tá tudo bem.
— Eu vi várias pessoas morreram hoje e não pude fazer nada. — enxugando as lágrias. — Desculpa, eu não queria te atrapalhar.
—Você não está me perturbando. — garantiu Gilherme. — Você salvou a minha vida. E eu não sei como vou te agradecer.
— Obrigado. — soltou Felipe.
— Porquê?
— Por ser legal comigo.
— Não chora. — pediu Guilherme. — Senta aqui comigo. — afastando e liberando espaço para Felipe, que prontamente atendeu o colega. — Eu sei que você está assustado com tudo o que aconteceu, mas estou aqui ao seu lado. — abraçando Felipe.
— Guilherme. — Felipe se sentiu protegido e não queria chorar, só que não foi bem sucedido nessa missão.
Eles se abraçaram por quase três minutos e nenhum deles queria sair de perto do outro. Mas o celular de Guilherme começou a tocar e eles se assustaram. Felipe contou para Guilherme tudo o que lembrava sobre o desastre no aeroporto.
— Ei. Quer saber? Dorme comigo. Na minha cama.
— Tem certeza?
— A minha cama é grande, tem espaço para nós dois. — garantiu Guilherme levantando as cobertas para Felipe deitar. — Vamos dormir um pouco.
— Devo ser o hóspede que mais te deu trabalho. — brincou Felipe, que se sentiu aquecido e confortável.
— É o primeiro amigo que eu trago aqui.
— Que honra. Acho que nunca te levaria em casa depois de tudo isso. Teu quarto é do tamanho da minha casa. Eu divido o quarto com a minha mãe e irmãos. — revelou Felipe sentindo vergonha de sua origem, mas sabendo que isso era errado.
— Para de besteira. Um dia quero conhecer a tua família e dizer que você é um herói.
— Bobo. — apertando o nariz de Guilherme.
— Eu... eu... posso fazer uma coisa?
—O quê? — questionou Felipe com o coração batendo forte. Então, Guilherme descansa a cabeça no peito do amigo.
— Te incomoda ficar assim?
— Não. — disse Felipe ficando nervoso. — Eu... não... não me incomodo.
— Boa noite. — desejou Guilherme, finalmente, se rendendo ao sono e dormindo.
***
Quem também teve um pesadelo foi Tchubirubas. O cachorro sonhou com o dia em que seu antigo dono tentou o molestar. Tchubirubas ficou assustado e o mordeu. Com raiva, o homem deu vários chutes em Tchubirubas que conseguiu fugir e se abrigou no Hyde Park. Ele acordou assustado, mas não havia ninguém para confortá-lo.
Depois da conversa com o amigo, Felipe teve uma boa noite de sono. Quando ele acordou, Guilherme não estava mais no quarto. Felipe levantou e viu roupas em cima de uma mesa. "Escolha o que ficar melhor em você", dizia um bilhete. Felipe pegou uma camiseta, calça jeans e um tênis. O jovem desceu e sentou no sofá.
— O Sr. deve ser o Felipe? — perguntou um homem alto e magro.
— Sim, sou o Felipe. — ficando em pé.
— O seu Guilherme o aguarda na cozinha. Siga naquela direção. — apontando para frente. — Preciso ir à farmácia comprar os medicamentos para vocês. Com licença. — saindo.
Cauteloso para não quebrar nenhum jarro importante, Felipe seguiu até a cozinha. Ele encontrou Guilherme fazendo uma pesquisa em um tablet. A explosão do aeroporto continuava entre as notícias mais importantes do mundo.
— Por que você não me acordou? — questionou Felipe assustando Guilherme.
— Você parecia tão cansado. Eu deixei você descansar mais. — explicou Guilherme deixando o tablet de lado e prestando atenção no amigo.
— Nossa. Que mesa linda. — Felipe ficou encantado com a quantidade de comida na mesa. — Eu... eu... posso?
— Claro, bobo. Pode sim.
Pães de diversos tipos, ovos, queijos, bolo e chá. A mesa estava farta de delícias. "O café é a refeição mais importante do dia", salientou Felipe, enquanto se empanturrava de comida. Por outro lado, o Guilherme ficava cada vez mais encantado com o amigo.
Felipe fez um prato que poderia alimentar um batalhão. "É a refeição mais importante do dia", salientou o jovem, antes de atacar. Ele comeu pão, ovos, queijo, bolo, doces e quase se entalou com uma salsicha. Guilherme estava encantado com o jovem. "Ele é tão autêntico", pensou Guilherme.
— Preciso ir à Escola de Intercâmbio. — avisou Felipe com a boca cheia. — Será que eles pensam que eu morri? Tentei ligar para a coordenação, mas o telefone não completou a ligação.
— O Alfred pode te levar lá. Ele conhece essa cidade como ninguém.
— Você vai poder ir comigo?
— Se o meu pé melhorar, acho que vou, mas não vou sair do carro. — explicou Guilherme apontando para o pé. — Você pode ficar aqui em casa por um tempo.
— Não sei. — Felipe ficou sem graça com o convite. — Não quero dar trabalho. Fora que ainda preciso ir ao aeroporto atrás da minha mala. Não posso usar suas roupas. São chiques demais para mim.
— Deixa disso. Você ficou muito bem.
— De verdade. Gostei de você, quero ser seu amigo, mas prefiro ficar na escola. Ainda preciso achar um emprego... e... vish... tanta coisa. — Felipe riu sem graça. — Deu até fome de novo. Você não vai repetir?! — batendo os talheres contra a mesa.
— Fique à vontade. — Guilherme respondeu, parecendo um pouco triste.
Naquela manhã, Tchubirubas acordou com um cheiro tentador de frango assado. Ele fez sua rotina matinal, que, basicamente, era passar em todos os restaurantes e apelar para a bondade dos clientes. O cachorro sabia a maneira certa para conseguir sua comida.
Depois de comer bastante, e coloque bastante nisso, Felipe entrou no Facebook para conversar com os irmãos. Ele havia criado um grupo para mandar notícias para a família. O jovem conseguiu falar com a mãe pela webcam e garantiu que tudo corria bem.
Pela internet, ele também conseguiu explicar para o coordenador do intercâmbio o que aconteceu. Felipe soube que três alunos do curso morreram na explosão do aeroporto.
— O carro está pronto senhor. — informou Alfred, que usava uma boina vermelha.
Para ajudar o amigo, Guilherme preparou uma mala com algumas peças de roupas, mas a esperança de Felipe era encontrar a mala que ficou perdida no aeroporto. Eles descobriram que o caminho até o aeroporto continuava bloqueado para a perícia policial.
Alfred levou Felipe e Guilherme para o Centro da cidade. Felipe ficou apaixonado pela cidade, ele ficou, praticamente, com o rosto grudado na janela do carro. Alfred se incomodou e preferiu abrir as janelas para evitar acidentes. Eles demoraram uns 20 minutos até a Escola de Intercâmbio.
— Então você vai estudar aqui? — perguntou Guilherme ao sair do carro.
— Sim. — disse Felipe pegando a mala e saindo do carro. — Ainda não sei direito como funciona, mas assim que eu estiver instalado te chamo para tomar um chá. — avisou Felipe, que se surpreendeu com um abraço de Guilherme. — Obrigado. Obrigado mesmo. Se eu não tivesse te conhecido ainda estaria no hospital. Você que é o herói da história. — beijando o rosto de Guilherme e saindo correndo. — A gente se vê! — gritando sem olhar para trás.
— Senhor, Thompson, ele sabe? — perguntou Alfred. — Ele sabe que o dono da Escola é o teu pai?
— Acho que não.
O tamanho do campus impressionou Felipe. Ele foi em vários locais, mas não encontrou a coordenação. Haviam pessoas do mundo todo na instituição. Do jeito Felipe de ser, ele conseguiu fazer a primeira amizade em Londres.
— Nossa, quanta gente. — reclamou Felipe sem prestar atenção no caminho e tropeçando em um skate. — Essa doeu. — levantando do chão.
— Oh. Desculpa. — pediu uma moça japonesa, pegando o skate do chão. — Desculpa. — fazendo uma reverência.
— Não se preocupe. Se uma explosão não me derrubar, um skate também não vai. — Felipe falou em português, deixando a moça confusa. — Oh, desculpa. — falando em inglês. — Disse que está tudo bem. Sou brasileiro, novo na escola. Me chamo Felipe Ramos. — estendendo a mão.
— Nariko Tsruno. — apertando a mão de Felipe. — Sou do Japão.
— Legal! Adoro comida japonesa. Sushi, Saquê, Bolinhos. — afirmou Felipe passando a mão na barriga.
— Sim. — Narico concordou e riu da maneira de Felipe se expressar. — As comidas do japão são as melhores.
— Será que você poderia me ajudar? Estou procurando a diretoria, esse lugar é enorme. — disse Felipe.
— Claro, vem comigo. — pediu Nariko, colocando o skate no chão e andando nele. — Vou devagar, prometo.
A solidão pode ser uma companheira traiçoeira. Em meio aos pensamentos, Guilherme andou pelo apartamento, mas não havia ninguém. Ele se deparou com um retrato dos pais com os seus irmãos. Os gêmeos foram um presente na vida do jovem, que os defendia com unhas e dentes.
Ao chegar no quarto. Guilherme encontrou algumas peças de roupa de Felipe. Com cuidado, ele pegou a peça e cheirou. Porém, dentro dele uma voz dizia: "Deixa de ser rídiculo". Sim, Guilherme não confiava em si mesmo, principalmente quando se tratava de assuntos do coração.
Na hora do almoço, Guilherme desceu e se surpreendeu com a mãe fazendo a comida. Anastácia não gostava de cozinhar, porém, queria mostrar ao filho que havia mudado sua forma de pensar. Eles conversaram trivialidades, mas a paciência do jovem não conseguia ir além disso.
Guilherme voltou para casa e sentiu a falta dos irmãos, eles se viam pouco, mas eram unidos. Os gêmeos estudavam na Inglaterra, eram mais ligados com os pais do que Guilherme. Ele foi para o quarto e encontrou as roupas de Felipe. Guilherme pegou a peça e cheirou. "Para de ser ridículo", pensou o jovem. Na hora do almoço, Guilherme desceu e encontrou a mãe na cozinha.
— E os meus irmãos? — questionou Guilherme, antes de sentar à mesa.
— Kiran está no Judô. E a sua irmã no ballet. — contou Anastácia, que se viu encrencada ao colocar açúcar no macarrão. — Céus. — tirando a parte 'açucarada' e respirando fundo. — E o teu amigo? Eu achei o Felipe super gatinho e...
— Mãe! — exclamou Guilherme ficando vermelho. — Prefiro a sua época homofóbica. Lembra que me proibiu de trazer amigos em casa?
— Guilherme. — Anastácia apagou o fogo do fogão e olhou para o filho com a voz embargada. — Para. Estou tentando, tudo bem? Você deveria me dar um voto de confiança. Sei que não reagi muito bem. Até hoje, a tua avó não fala com a gente porque não te expulsamos de casa ou tiramos o seu nome do testamento.
— Tudo bem. — o coração de Guilherme parecia bater com força. — Desculpa. É que... eu sempre me senti tão solitário. — as lágrimas começaram a escorrer pela face do jovem. — Se não fosse a Celestina... eu...
— Me perdoa, filho. — implorou a mulher, correndo e abraçando Guilherme. — Prometo que tudo vai ser diferente agora. Eu prometo. Vou te proteger de tudo e todos.
O dom do brasileiro é a conversa, não é? Em pouco tempo, Felipe fez aliados em todas as áreas da escola. Ao diretor, o intercambista explicou sua situação e conseguiu todas as informações do curso. Ele teria aulas de segunda a sexta, pelo horário da manhã. Pela tarde, Felipe poderia conseguir um emprego, que seria cedido pela instituição.
A explicação do diretor soou como música aos ouvidos de Felipe, que queria aproveitar o tempo livre para arrumar dinheiro, afinal, sua família ainda estava passando por um aperto financeiro.
Após a reunião, o jovem brasileiro seguiu para o seu apartamento. A chave trazia a sigla 'B 20'. Ele esbarrou com Nariko, a intercambista japonesa, que o ajudou a encontrar o dormitório certo.
— Você já tirou o seu registro de aluno? — questionou a moça.
— Não. — respondeu Felipe, deixando a mochila no chão e saindo do quarto.
— Esse é o documento necessário para você comer aqui. — contou Nariko, que riu quando Felipe se enrolou para trancar a porta. — Eu te ajudo. — pegando a chave e fechando. — Vamos até a administração para retirar o seu registro.
A empresa de Leopold, o pai de Guilherme, cresceu de uma maneira natural. Ele investiu bem o dinheiro e obteve sucesso em todas as áreas de negócios. Por ser uma única pessoa, o empresário contava com o apoio de vários supervisores, um deles era John Smith, que no passado teve uma relação com Guilherme.
Mesmo com 20 anos, John está tendo um bom desempenho e chamou a atenção de Leopold. Ele está cursando Negócios Internacionais na Universidade Oeste de Londres. Durante uma reunião, Leopold deixou escapar a informação que Guilherme estava de volta à Inglaterra.
De repente, algumas doces lembranças surgiram na mente de John. De origem humilde, ele buscou se destacar no estudo para conseguir entrar em uma universidade decente. No meio do caminho, John encontrou Guilherme. Eles tiveram um relacionamento bom, mas as coisas não deram certo no fim das contas. Apesar de tudo, John ainda era apaixonado e decidiu fazer uma visita ao ex-namorado.
— Então? O teu pai disse que você estava em casa se recuperando do acidente no aeroporto. Fiquei tão preocupado. — disse John abraçando Guilherme.
— Pois é. Acabei machucando a cabeça e o pé, mas estou bem. — garantiu o jovem.
— Fico muito feliz. O Seu Leopold disse que você nos ajudaria na empresa esse mês.
— Sim, vim para dar uma força. Acho que vou ficar na Escola de Intercâmbio.
— Aquele chiqueiro? — questionou John, que destacou a pouca rentabilidade do lugar. — Por que diabos você gostaria de ir para lá?
— Eu gosto. Acho legal essa rotina de alunos. Ei, você quer tomar um chá?
— Adoraria.
Em todos os lugares, o assunto do momento era a explosão no aeroporto. Enquanto caminhavam pela avenida, Felipe e Nariko eram bombardeados por informações nos jornais impressos, revistas, rádio e televisão. Os dois foram até o metrô para o Felipe retirar o seu cartão. Ele também aproveitou para sacar dinheiro. O Governo do Brasil havia depositado uma certa quantia em sua conta. Um valor que o ajudaria, mas não seria o suficiente.
Eles pegaram o metrô e desceram perto de um parque arborizado. Felipe contou para Nariko os horrores que viveu no Aeroporto ao lado de Guilherme. De repente, Felipe vê o cachorro do Aeroporto. Ele não sabe o que fazer, então, balbucia algumas palavras e o animal some em meio a multidão.
Depois de finalizar todas as tarefas do roteiro. Felipe percebeu que estava perto do apartamento de Guilherme. Ele e Nariko foram até lá. Felipe parecia animado para apresentar a amiga para ele. Alfred atendeu o interfone e liberou a entrada dos dois. Enquanto isso, Guilherme e John tomavam um chá.
— Oi, Alfred? Essa é a minha amiga Nariko. — contou Felipe, enquanto Nariko acenava para o mordomo.
— Prazer, senhorita. — Alfred fala cumprimentando a jovem. — Bem, o Guilherme está no escritório. Por aquele lado. — apontando para frente.
— Pode deixar.
— Que lugar incrível. — Nariko balbucia em japonês, seguindo Felipe e louca para fotografar o apartamento.
No escritório, Guilherme estava tentando se livrar de John, que forçou um segundo abraço. Apesar de achar o rapaz bonito, o filho de Leopold não sentia mais nada.
—Depois do que eu passei ontem. Das coisas que aconteceram, digo, eu não sei o que esperar do futuro. — falou Guilherme nervoso, porque seu rosto estava próximo ao de John.
— Eu só tenho a certeza de uma coisa. — beijando Guilherme. Enquanto Felipe e Nariko entram no escritório e ficam sem reação.