Victor estava tão nervoso, que talvez nem tenha notado a presença do Beto.
- minha mãe acabou de me ligar pra avisar que o Fernando foi baleado.
- que? Como assim mano?
- ela não me explicou direito, só disse que ele foi liberado, e vai chegar agora pela manhã.
- eu não to entendendo nada mano.
- eu também não entendi bem, mas assim que eu chegar em casa, te ligo.
- vou contigo? Posso?
- claro que pode pô. E o teu primo?
- vai com a gente velho.
- então bora. - Disse Victor um pouco apressado.
- Cara. Eu vou ter que ir nessa, depois a gente se fala. - falei olhando para o Beto.
- Beleza. - O cara me cumprimentou e saímos do banheiro.
No caminho para casa, Victor aproveitou para ligar para mãe. Meu amigo estava ansioso por notícias do irmão, e descobriu que Fernando havia levado uma bala perdida.
- como assim velho? Ele tão na guerra? - perguntei assim que Victor finalizou a ligação.
- Não. Minha mãe disse que a arma de um outro fuzileiro disparou e atingiu meu irmão. Parece que foi isso.
Mesmo com o ar ligado, Victor suava. Meu amigo parecia nervoso.
Assim que entramos no apartamento, Victor foi logo enchendo a mãe com várias perguntas.
- calma meu filho, não precisa ficar assim. Seu irmão levou um tiro no ombro, mas já foi atendido pelos médicos da marinha. - disse ela acalentando o coração de Victor.
- mas aonde é que ele esta agora? - Perguntou Victor ao lado da mãe.
- Já deve estar chegando.
- papai foi buscar ele?
- não. O corpo da marinha o trará ate aqui.
- então cadê o papai?
- esta no banheiro.
Eu acompanhava a conversa dos dois, do outro sofá ao lado do Danilo. Estava ansioso para ver Fernando, e saber se ele estava bem.
Ficamos aguardando até o nascer do sol, até que finalmente Fernando chegou.
- Ola família. - disse ele fazendo graça ao entrar no apartamento.
Um outro colega de farda, entrou com uma mala camuflada, e a colocou no sofá.
- seu maluco, você quer me matar? - disse sua mãe o abraçando.
Fernando sorriu.
- tudo isso por causa de uma perfuração atoa?
Fernando usava uma tipoia no braço direito.
- você chama isso de perfuração atoa? Por pouco não acertou o coração - sua mãe bateu em seu ombro.
Fernando gemeu alto.
- não teria como atingir meu coração. Eu estou bem protegido. - disse ele beijando o escapulário.
Aquilo me deixou feliz. Fernando ainda usava o presente que eu havia lhe dado.
Após toda a família cumprimentar o cara, chegou a minha vez.
- e aí Fernando. - falei um pouco tímido sem saber se podia lhe dar um abraço.
- fala Gabriel. Ta tudo bem? - disse ele me dando um abraço.
Aquele abraço me deixou arrupiado.
- na luta. - respondi sorrindo. - e você?
- quase morri, mas continuo vivo. - Fernando parecia animado.
- que bom cara. O Victor estava preocupadão, estávamos em uma festa quando...
- só o Victor? - Fernando me interrompeu.
- todo mundo. - respondi sem graça.
- e a faculdade? Estou sabendo que você esta cursando arquitetura.
- pois é cara. Pensa num curso pesado. Toda semana tem trabalho.
- faculdade é assim mesmo. Né ensino médio não.
Fernando fez força para apanhar a mala que estava no sofá.
- deixa que eu te ajudo. - Ofereci-me para levar a mala ate seu quarto.
Enquanto sua mãe fazia o café na cozinha, seu pai dormia no quarto, Danilo no quarto de Victor, e Victor no banho. Ficaram somente Fernando e eu.
Chegando ao quarto, Fernando foi logo se deitando.
- vou deixar a mala aqui.
- tem uma bíblia nesse bolso menor, pega pra mim por favor.
- aqui?
- isso.
Abri o bolso da mala, e retirei a bíblia, conforme ele havia solicitado.
- você vai dormir filho? - disse sua mãe entrando no quarto com uma bandeja de café da manhã.
- Não mãe. Só ficar deitado mesmo.
- eu trouxe um café pra você.
- opa. Eu estou faminto. - disse Fernando passando a língua nos lábios.
- do jeito que você gosta. - disse a mãe.
- né isso. - disse Fernando.
- ta servido Gabriel?
- Obrigado tia, estou sem fome.
- Tu acha que eu consigo comer isso tudo sozinho? Você vai me ajudar.
- sendo assim eu aceito. - falei sorrindo.
- Deixa a bandeja aqui com o Gabriel mãe. Ele vai tomar café comigo.
- tudo bem.
A mãe do Fernando me entregou a bandeja, e eu puxei a cadeira do computador sentando ao lado da cama.
- Você não teve febre? - perguntou sua mãe tocando em sua testa.
- Estou bem mãe.
- De qualquer forma eu acho bom a gente ir ao médico.
- Não precisa mãe. Foi só um susto.
- Tem certeza?
- Sim mãe. Se eu sentir alguma coisa eu falo.
- Eu vou descansar um pouco. Não dormi nada essa noite.
- Ta certo. Qualquer coisa eu grito.
Sua mãe deu-lhe um beijo no rosto e retirou-se do quarto.
- vai começar por onde? - perguntei referindo-me a toda aquela comida.
Fernando fitou a bandeja.
- da um pedaço desse queijo aqui. - disse ele apontando com o dedo indicador da mão esquerda.
Cortei o queijo e deixei que Fernando se servisse. O cara me olhou, e em seguida olhou para seu braço na tipoia. Eu entendi que ele não conseguia comer sozinho.
Com o braço trêmulo, levei o queijo até a boca de Fernando.
- que tu tem? Ta com medo de mim?
- não é isso. - falei cabisbaixo.
- me desculpa Gabriel. Você gosta de mim, e eu to te fazendo passar por isso.
- relaxa mano. Eu só fiquei nervoso. Achei que tivesse te esquecido cara, mas agora que estou aqui perto de ti, colocando comida em tua boca, vejo que nada mudou.
Fernando respirou fundo e tentou falar algo, mas eu o interrompi.
- mas eu to tentando cara, eu to tentando. E aí, torrada com geleia agora? - Tentei ser forte para não desabar.
- você não vai provar do queijo? Ta muito bom.
- claro que eu vou. - falei cortando um pedaço do queijo e colocando em minha boca.
- e aí, o que achou? - disse ele me fitando.
- caralho Fernando. Bom mesmo.
- Num te falei?
- vou provar mais cara. Muito bom.
Fernando ria ao ver eu falar com a boca cheia, de forma esbaforida.
- quer torrada? - perguntei após limpar minha boca com o guardanapo.
- quero!
- manteiga ou geleia?
- manteiga. -disse ele já abrindo o bocão.
- me explica melhor como foi que tu levou esse tiro.
Fernando terminou de mastigar o alimento, e começou a relatar.
- havíamos desembarcado na divisa com a Bolívia. Um amigo de farda estava lubrificando uma arma, e daí eu não lembro bem o que aconteceu. Só sei que senti algo perfurando meu ombro, e o sangue molhando meu corpo.
- então foi sem intenção. - falei lhe servindo outra torrada.
- eu suponho que sim. Eu fui atendido pelos próprios médicos da marinha, e me levaram até o Acre, onde fui cirurgiado.
- Acre? Caralho! Tu foi no Acre?
- mas não foi curtição. - disse ele rindo - Nem pude conhecer o local.
- to ligado.
Cortei outra fatia de queijo, e levei até a boca do meu hétero proibido, em seguida lhe servi um café com leite morno.
- tu ta me enganando hen!?
- ué. Por que? - perguntei sem entender.
- não ta comendo. Pensa que eu não to reparando.
- tu que pensa mano. Enquanto tu se distrai me falando do acontecimento, eu tô aqui só passando a boca num ''tiquim'' de tudo.
- a é safado? Então ta querendo me enganar pra poder comer mais que eu?
- claro. - falei com a boca cheia de presunto.
- muito bom. Pois também agora eu não respondo mais as suas perguntas. - disse ele fazendo birra.
- não?
- não!
- acabou de responder.
- filho da mãe. - ele sorriu.
- quer bolo?
- quero.
Cortei uma fatia do bolo de milho que sua mãe havia preparado, e lhe entreguei. Ele sujou toda a boca com os farelos.
Sem me dar conta, peguei o guardanapo, e lentamente limpei os cantos de sua boca. Fernando não disse nada, apenas me observava.
Ao término do café eu tive que ir embora.
- valeu por tudo Gabriel. Você é um amigão.
- Que isso cara. Precisa nem agradecer.
- Você volta?
- Uai. Claro que sim cara.
- Ta certo. Vou esperar então. Só dar uma arrumada aqui na minha almofada antes de ir.
Ergui a cabeça do Fernando, e coloquei o travesseiro em uma posição mais adequada.
- ta bom assim?
- bem melhor.
- beleza cara. Melhoras pra você.
- obrigado!
Saí daquele quarto com uma imensa dor no peito. Em pensar que talvez, eu nunca mais teria um momento igual aquele.
Deixei a bandeja na cozinha, e encontrei Victor tomando seu café.
- estava brincando de casinha?
- ah, vá tomar no cu mano. - falei lavando meu rosto.
Victor riu.
- relaxa, to só brincando com você.
- e eu to só mandando você ir tomar no cu. Cadê o Danilo?
- dormindo la dentro do quarto. Você já tomou café?
Confirmei com a cabeça que sim.
- vou lá acordar ele.
- deixa o cara dormir pô.
- dorme em casa. - falei saindo da cozinha, e indo até ao quarto do Victor.
Após acordar o Danilo, me despedi do Victor, e fui para casa.
Danilo pegou no sono rapidamente; Já eu fiquei pensando no Fernando.
- eu não acredito que isso ta começando novamente. - falei em meus pensamento.
Danilo dormia ao meu lado tranquilamente. Já eu fui até a sacada pegar um ar e por as ideias em ordem.
O final de semana passou, e a rotina da faculdade recomeçou.
Depois de, Danilo, Victor, e eu tomarmos café no campus, cada um seguiu para o seu bloco.
- Gabriel. - alguém me chamou quando eu já estava chegando na porta da sala.
- fala Beto, o que você manda? - disse isto o cumprimentando.
- mano, amanhã após a aula vai ter uma peneira la no campo.
- opa. Beleza! Já é pra trazer roupa então né!?
- sim. Já trás teu uniforme dentro da mochila.
- hen Beto, então amanhã eu vou te procurar no teu bloco pra ir contigo. Pode ser?
- pode sim. Quem sair primeiro vai ate o bloco do outro. Beleza?
- fechado.
Beto e eu nos despedimos, e então entrei na sala.
Ao termino das aulas, me encontrei com Victor e Danilo ao restaurante universitário a modo que pudéssemos almoçar alguma coisa.
- qual o prato de hoje? - perguntei logo na entrada.
- é strogonoff. - disse a tia que vendia as fichas.
Compramos, fomos servidos, e nos sentamos.
- como ta teu irmão Victor? - perguntou Danilo.
- Bem melhor cara. Graças a Deus.
- que bom velho. - disse Danilo.
- ele só ta um pouco debilitado do braço, devido a tipoia, então nós estamos tendo que ajudar ele em tudo.
- eu to ligado.
Beto entrou , e sentou em uma mesa a nossa frente. O cara estava acompanhado de outras quatro pessoas. Ele me cumprimentou com a mão, e deu atenção aos amigos.
Após o almoço, fomos pra casa. Tomei um banho demorado, e liguei o play pra jogar bomba patch. Meu celular vibrou e era uma mensagem do Fernando.
***
- ta fazendo o que? - dizia na mensagem.
- batendo um play. - respondi.
- você pode vir aqui em casa me dar uma mãozinha?
- posso sim cara. Ta muito apressado?
- não muito Gabriel. Precisa ter pressa não.
- beleza. Daqui a pouco eu colo aí.
- to te esperando.
***
Fiquei pensando em que eu poderia ajudar o Fernando.
Deixei o play do mesmo jeito que estava e fui me arrumar dentro do quarto.
- vai sair? - perguntou Danilo fazendo um trabalho no computador.
- vou ter que ir ali. Você pode me emprestar teu carro?
- claro que sim primo. Só não sei como ele ta de gasolina.
- tem rolo não. Eu paro pra abastecer.
- tu demora?
- acho que não. Por que?
- que tu acha de a gente pegar um motel hoje? Tô afim de dar uma fodida. - Disse ele arremessando a chave do seu carro.
- pode ser cara. Quando eu voltar, a gente ver.
- beleza.
A distância entre minha casa e a do Fernando parecia ter triplicado.
Ao chegar lá, fui logo subindo e tocando a campainha.
- E aí Gabriel. Entra aí. - Fernando veio me atender
- E aí, beleza?
- tudo bem.
- O Victor ta aí?
- Ta não cara. Ele deu uma saída com a namorada, e meus pais foram na casa de um tio meu. Resumindo me abondaram. - disse ele fazendo biquinho.
- que dó de tu vei. - falei sorrindo.
- tava muito ocupado não na hora que te liguei?
- não. Ia só jogar um play. Fazia tempo que eu não jogava.
- atrapalhei tua jogatina.
- relaxa. Mas em que eu posso te ajudar cara?
- rapaz Gabriel, eu tenho até vergonha de te pedir isso, mas é que eu não tenho pra quem pedir.
- fala aí Fernando. Pode pedir cara.
- tu pode me ajudar a fazer a barba?
Eu ri.
- é isso cara? Claro que posso po. Só não garanto ficar perfeita.
- tem segredo não. É só passar a lamina.
- pode ser. Quando é que a gente começa?
- pode ser agora?
- claro.
Fernando caminhou ao quarto, e eu o segui, o cara estava apenas com uma bermuda jeans azul.
O hétero proibido entrou no banheiro e me chamou.
- vem Gabriel. Fica a vontade cara.
Fernando abriu a porta do armário e tirou uma espuma de barbear e um barbeador.
- Em qual torneira tem água quente? - perguntei de frente ao espelho do banheiro.
- nessa aqui. - ele apontou com a mão esquerda.
- beleza.
Abri a torneira e passei, suavemente, água quente em seu rosto, antes de passar a espuma de barbear.
Eu sentia de perto a respiração do Fernando. Na minha mente aquele momento era mágico. Foda-se se ele fosse hétero, eu iria aproveitar todos os poucos momentos que eu tinha ao lado dele.
Abri a espuma e espalhei pelo seu rosto. Sua pele não tinha marcas.
- agora vou começar o serviço. Beleza?
Fernando usou a ponta dos lábios para falar que sim. O cara fechou os olhos, e eu comecei a movimentar o barbeador em seu rosto.
A cada passada da lamina, sua barba ia sumindo. Sentia meu corpo tremer tão próximo ao corpo daquele cara. Podia analisa-lo de perto e notar o quanto ele era bonito.
Fernando usou sua mão esquerda para tocar em minha cintura, e seu corpo veio aproximando cada vez mais do meu.
- Gabriel? - disse ele abrindo os olhos.
- oi! - falei quase sem voz. Meu ar nessa hora já não existia.
- você sabe guardar segredo?
- melhor do que ninguém.
- se acontecer alguma coisa entre a gente você promete que ninguém saberá?
Continua...