Continuando...
Com as palavras de Eduardo martelando firme na minha mente,entrei na van e não olhei pra trás.Apenas encostei o rosto na janela,sem enxergar o que havia lá fora.Passou se pouco mais de quarenta minutos e cheguei a minha cidade,onde paguei e desci.Sem ânimo para encarar a minha mãe,decidi ir ao cemitério,ver meu pai.
Caminhei por mais de quinze minutos e então passei pelos portões enormes que eram a entrada daquele lugar tão silencioso.Vaguei pelos túmulos,notando que alguns eram bem cuidados e estavam cheios de flores,já outros tinham as marcas do abandono.
Cheguei então ao fim do cemitério,e tomei a direita,a cova do meu pai ficava bem no fim.Mais ao me aproximar,notei um estranho de capuz,de joelhos sobre o túmulo dele.Me aproximei o suficiente e exigi saber o que ele fazia ali.
-Este túmulo não está proibido a receber visita de amigos e parentes,está?-Ele perguntou se virando pra me olhar.
-Não,claro que não...Tu era amigo dele?-Respondi surpreso,ao notar que seus olhos eram azuis bem claros.
-Sim...E você o que era dele?-Ele perguntou ainda me encarando.
-Filho!-respondi
-Ah,sim!...Nota se a semelhança!-Ele disse,agora abrindo um sorriso.
-Tu me acha parecido com meu pai?-Perguntei,sentindo um arrepio ao ouvir aquelas palavras.
-Fisicamente sim!...Você tem os mesmos cabelos rebeldes e olhos totalmente negros como ele tinha.Sem falar na mania de abrir e fechar o punho,quando se está com o pensamento em outro lugar.-Ele respondeu,me deixando de boca aberta.
Nunca tinha imaginado que meu pai tivesse amigos,pois ele parecia ser um homem tão sozinho.Agora,começava a ver que talvez eu não o conhecesse tão bem,quanto pensava.Sem esperar um convite,fui até o homem e me ajoelhei ao lado dele,em silêncio.
-Você sente muita falta dele,não é?-O homem perguntou.
-Bastante!-respondi.
-Eu também...Barroso era muito importante pra mim!-Ele disse com um olhar triste sobre a foto dele.
-Ele era um assassino!-Disse sem pensar,colocando pra fora uma parte do que girava na minha cabeça.
-É difícil pra você,ter que conviver com o que o seu pai fazia,não é?-Ele perguntou agora me olhando.
-Tu não imagina,o quanto!-Respondi,com os olhos cheios d'água.
-Independente de tudo,ele o amava muito.-Ele disse em tom de quem quer consolar.
-Será?...Nunca acreditei que monstros amassem.-Disse de cabeça baixa.
-Seu pai não era um monstro!-Ele disse.
-Ele matava por dinheiro!-Rebati enquanto ficava de pé.
-Ele fazia isso sim,mais sempre tentou não machucar um inocente...Seu pai ajudou e salvou muitas pessoas,e também chorava por cada uma das que ele teve que matar.-O homem disse com a voz embargada.
-Isso não diminui o que ele era...Não apaga a dor que ele causou a muita gente e nem manteve ele vivo.-Disse sentindo me sufocar.
-Não apaga,mais mostra que seu pai era humano,e como tal,cometeu muitos erros.-Ele disse sem se abalar.
Não consegui encontrar algo para dizer,então fiquei calado,deixando que as lágrimas escorressem pelo meu rosto,pensando no homem que estava debaixo daquela pedra de cimento.
-Você conhece o simbolo Yin e Yang?-O homem perguntou me puxando de volta ao chão.
-Não!-respondi surpreso.
-Pois bem,ele é um símbolo do Taoismo e representa a dualidade de tudo no universo.-Ele disse,também ficando de pé.
-Dualidade?-perguntei,tentando entender aonde ele queria chegar
-Sim,este símbolo mostra duas forças fundamentais,que se completam pra formar um só.Yin;o lado negativo que representa o mal,e Yan,o lado positivo que representa o bem.-Ele explicou lentamente.
-E o que isso tem a ver com o meu pai?-Perguntei,já sabendo em parte o que viria.
-O símbolo Yin e Yang traz a crença taoísta,de que tudo no universo é formado pela união do bem e do mal.De que nada pode se criar apenas de um elemento!-Ele respondeu me encarando.
-Tu quer dizer que o meu pai,tinha um lado bom?-Perguntei,após um minuto em silêncio.
-Eu quero dizer que cada um de nós,possui a maldade dentro de si.O que nós torna diferentes,é como a escolhemos usar...Seu pai é um homem que experimentou tanto a bondade como a maldade.Ele andou por entre as duas,como um menino na linha do trem.-Ele respondeu,voltando a se ajoelhar.
O silêncio pesou entre nós,e eu me ajoelhei de novo ao lado dele,olhando a foto a minha frente,de um novo jeito.A dúvida do que tinha acontecido com o Pedreira,ainda pesando dentro de mim.
Aquele desconhecido parecia que conhecia tão bem o meu pai,que decidi contar o que me atormentava.Relatei a briga com o Pedreira e como agi em frente ao espelho.
-Porque pensou em matar esse homem?-Ele perguntou sério.
-Porque eu queria livrar a gente dele,pra sempre.-Respondi após refletir.
-Você se acha um monstro,por isso?-Ele perguntou.
-Não!-respondi com sinceridade.
-Então não tem porque se atormentar.Não se julgue e nem se condene de maneira tão fácil,por causa de um momento de fúria.-Ele disse com carinho.
-Mais...-Tentei falar.
-Quantos de nós não já sofreu tanto nas mãos de alguém,que por um momento pensou em acabar de uma vez com a existência daquela pessoa?...Isso não nós torna um monstro,e sim nós torna humanos.E como tais,temos desejos primitivos como a fúria e a violência.-Ele interrompeu enquanto segurava no meu queixo.
-Tenho tanto medo de me tornar igual a ele!-Disse baixando a cabeça.
-Não precisa ter!-Ele disse com um sorriso.
Como um milagre,toda a angústia e sofrimento que vinha sentindo,sumiram de dentro de mim.Como o sol que se abre em um dia chuvoso,me senti iluminar por dentro e acabei sorrindo de verdade pra ele.
-Quer tomar um café comigo?-Ele perguntou enquanto se levantava.
-Quero sim!-Disse fazendo o mesmo.
Caminhamos juntos em silêncio até um carro cinza que estava a entrada do cemitério.Ele abriu a porta pra mim,e em seguida entrou,dando partida.Depois de alguns minutos,ele parou em frente a uma lanchonete,e descemos.Ele escolheu uma mesa bem ao fundo e chamou o garçom,pedimos e ele saiu de perto.
-Como você se chama?-Perguntei curioso.
-Frederico Almeida Reinhardt...Mais pode me chamar de Fred!-Ele respondeu estendo a mão para a mim.
-Eu sou Lúcio Monteiro!-Disse,enquanto apertava a mão que ele me estendia.
-O mesmo nome do seu pai?-Ele perguntou divertido.
-Sim!...Então você o conhecia bem?-Respondi,enquanto brincava com um canudo que estava ali.
-Vamos dizer que,eramos bem íntimos!-Ele respondeu sem olhar pra mim.
-Íntimos,como?-Perguntei sério.
-Nós amávamos loucamente,quando ele ia a minha casa.-Ele respondeu nervoso.
-Nós amávamos?...Então você e meu pai eram...-Disse chocado com a revelação.
-Humanos que amavam outros humanos.-Ele completou,dando uma gargalhada logo em seguida.
-Eh...Onde você vive?-Perguntei,decidindo que ia pensar naquilo uma outra hora.
-Na capital,mais estou aqui a trabalho!-Ele respondeu sem insistir em continuar no outro assunto.
-Trabalha de que?-Perguntei curioso.
-Engenheiro!-Ele respondeu.
-E sua família?Vive lá também?-Perguntei.
-Não,eles moram na cidade ao lado.-Ele respondeu anormalmente sério.
-Foi mal aí!-Disse ao perceber que tinha chegado a uma área delicada.
-Tudo bem!...Eu não os vejo a dez anos,e acho que eles não querem me ver.-Ele disse.
-Nossa!-Disse,tentando encontrar uma maneira de quebrar aquela tensão.
-Eu era um garoto quando conheci seu pai,e a gente se envolveu.Meu pai é um velho militar e odiava o Barroso,assim como meus irmãos.Quando eles descobriram tudo,eu sai de casa e meu pai,disse que apartir daquele momento,não tinha mais filho.E que se um dia,colocasse os pés na porta dele de novo,levaria um tiro.-Ele explicou,seu olhar mostrando uma dor profunda.
E então ele perguntou de mim,e eu pra manter o novo rumo da conversa,contei sobre a escola,o André e minhas passagens pela cadeia.O clima ficou novamente divertido e comemos entre risadas.Quando acabamos,ele chamou o garçom e pagou,não deixando que eu dividisse,o que me deixou um pouco envergonhado.
-Então,topa me ver de novo?-Ele perguntou após entrarmos no carro.
-Claro!-respondi alegre.
Depois de alguns minutos chegamos em frente a minha casa,onde ao se despedir ele me deu um beijo na testa,que fez meu peito vibrar por dentro.Desci e entrei em casa,indo ao meu quarto.
Os cacos de vidro continuavam lá,junto com a faca ensanguentada.Então decidi fazer uma limpeza e lavar minhas roupas sujas,o que levou o resto do dia.Quando acabei tomei um longo banho,e vesti uma bermuda jeans com uma regata.
Antes que eu conseguisse pentear os meus cabelos,ouvi batidas na porta e fui até lá,abrir.
Dei de cara com um homem alto e bastante musculoso,de cabelos loiros escuros e olhos azuis escuros.
Eduardo!!!
Tentando controlar meu coração dentro do peito,encarei o com toda a frieza que podia.
-O que tu quer aqui?-Perguntei,o encarando irritado.
-Primeiro,entrar!-Ele respondeu passando por mim.
Bati a porta e me virei para encara-lo,que me olhava bastante sério.Se bem que ele nunca sorria!
-Se veio até aqui,pra...-Tentei falar.
-Cristóvão pegou um dos participantes da briga de gangues na noite de ontem,e...-Ele interrompeu,parecendo nervoso.
-Tu descobriu que eu falei a verdade,e não tive nada a ver com aquela merda.-Completei sentindo,a raiva me queimar por dentro.
Eduardo me deu um olhar de cachorro quando cai da mudança,fazendo o idiota do meu coração se encher de pena,mais tentei me manter firme.
Continua...
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Olá,boa madrugada!
Morenaaa além de querer retratar a vida de um adolescente que entrou no mundo do crime por falta de opção,mostrando como não é fácil.Também quero mostrar como é ser filho de um bandido e ser julgado pelo que o seu pai fez.
Ouvir das pessoas que o seu paí era um monstro e a dificuldade que o filho tem de amar quem o criou.
Coração_Solitário, Flor de maio, VALTERSÓ, Ru/Ruanito,Geo Mateus e Atheno obrigado pelos comentários e nota,espero que gostem desse capítulo.
Impact e Smile.Smile obrigado pelas notas e espero que gostem também.
Obs:Cadê Martines?
Obrigado a todos que leram e até a próxima!