– Larga esse livro, Luke!
Eu senti uma bolinha de papel atingir em cheio meu nariz. Senti minhas bochechas brancas ficarem vermelhas num instante. Levantei meu rosto e encarei com raiva meu irmão, sentindo vontade de jogar na cara dele o livro de trezentas páginas que estava em minhas mãos. Mas pensei melhor e resolvi que não valia a pena. Gastei duzentos paus no livro e não iria estragá-lo com a cara escrota dele.
– Alex, me deixa estudar. – eu bufei. – Você sabe que a gente tem prova amanhã.
– Eu sei, irmãozinho. – ele me olhou com aquela expressão manhosa dele. – Mas eu já tô fodido mesmo com essa matéria. Então nem adianta pra mim.
– Então não tenta me arrastar pro fundo do poço junto contigo.
– Bora, Luke. Você vive reclamando que eu nunca tenho tempo pra você. Cá estou eu e você aí me ignorando.
Era verdade que eu vivia reclamando que ele nunca tinha tempo. Afinal, Alex passava quase o tempo todo enfiado dentro da casa dos amigos. E quando não era lá, ou estava de rolo com alguma menina ou estava jogando futebol. Mas ele não me engava com aqueles olhinhos de cão que caiu da mudança.
– Você tá aqui só porque é domingo e seus amigos foram pra praia.
– Isso não é verdade.
Eu o olhei de forma irônica e ele não resistiu e acabou rindo. Eu sabia. Era a prova de que ele estava mentindo. Alex era um verdadeiro mestre em usar a lábia pra conseguir o que queria. E ele sabia ser persuasivo. Pra minha sorte, eu já estava bem calejado. Tentei voltar a me concentrar no livro, mas senti outra bolinha de papel me atingir, mas dessa vez no meio da testa.
– Filho da p…
– Opa! – ele me repreendeu. Ah, que ódio! Como se ele nunca tivesse me xingado daquilo antes. – Minha mãe é a sua mãe também, esqueceu?
Cara, eu queria saber como o Alex conseguia ser uma pessoa tão gente boa mas ao mesmo tempo tão irritante. Ele sabia perfeitamente como me tirar do sério.
– Não adianta me olhar com essa cara. – ele olhava pra mim com aquele sorrisinho debochado no canto dos lábios.
– Não vai desistir, né?
– Você me conhece, mano.
Nossa! Eu realmente detestava quando isso acontecia. Odiava saber que meu irmão tinha aquele tipo de poder contra mim. Não importava o que ele queria, eu sempre acabava cedendo. Parece que ele tinha me lançava um tipo de feitiço, sei lá. Era muito estranho.
– O que você quer fazer?
– E eu preciso dizer?
Ele olhava pra mim com aquela cara travessa segurando uma das manetes do seu PlayStation 4 nas mãos. Era óbvio. Depois dos amigos, das garotas e do futebol, não tinha nada mais nesse mundo que ele gostava de fazer nas horas vagas além de jogar aquele videogame. Eu fechei o livro e o joguei sobre a cabeceira que tinha do lado do nosso beliche. Desci da cama (eu dormia no primeiro andar) e fui até o outro lado do quarto. Me sentei do seu lado, na frente da televisão.
Nunca gostei muito de videogames. Sempre fui mais antenado em livros ou ouvir uma boa música. Eu era completamente o oposto do Alex. Ele era desleixado, bagunceiro, desordenado. Odiava estudar. Era o típico garoto cobiçado pelas meninas, sabem? Descolado, marrentinho, adorava pegar uma balada com os amigos e beber até cair na sarjeta. Ele era a cara cuspida do meu pai. Pele clara, cabelos loiros e os olhos tão azuis quanto os meus. Além disso, era mais alto e mais forte que eu, apesar de ser apenas onze meses mais velho. Tinha acabado de fazer dezoito anos e estava se achando por ser maior de idade agora.
Já eu, era muito mais parecido com a família da minha mãe. Minha pele também era clarinha, mas meus cabelos eram negros quanto o céu da noite, o que gerava um contraste enorme com meus olhos azuis. Apesar de não ser tão forte quando Alex, eu não estava tão atrás dele. A puberdade tinha feito maravilhas com o meu corpo. Saí daquele casulo magricela pra uma versão bem mais melhorada. Eu ainda estava com dezessete.
– Eu desisto. – falei depois de perder a terceira seguida. Eu simplesmente não tinha habilidade para aquilo. Eu nem sabia qual botão fazia o quê.
– Qual é, brother? A gente mal começou!
– Anda, vamos almoçar. – minha barriga já estava roncando só de sentir o cheiro da comida que vinha do andar de baixo. Minha mãe não tinha muito hábito de cozinhar, já que, como meu pai, vivia dando plantão no hospital (ambos eram médicos), mas quando ela colocava a barriga no fogão, sempre saiam comidas maravilhas de lá. – Depois a gente volta.
O loiro fez uma cara de desconfiado para mim, mas acabou relevando. Afinal, aposto que ele também estava faminto. Já passava de uma da tarde e a gente só estava com o café da manhã no estômago. Saímos do quarto e descemos as escadas em direção a cozinha. E como eu havia previsto, a mesa estava farta de pratos.
– Achei que vocês dois tivessem morrido lá em cima. Estavam tão quietos.
Essa era nossa mãe, Dona Elizabeth. Ela nos encarava com um olhar suspeito, já que normalmente a gente vivia gritando um com o outro. Ela era uma mulher espetacular pra alguém com quase cinquenta anos. Com os cabelos tão pretos quanto os meus, um pouco mais abaixo dos ombros, uma pele de moça e olhos tão vívidos quanto a luz do dia. Meu pai teve uma tremenda sorte de achar uma companheira tão bonita. Ela tinha um sorriso contagiante.
– A gente tava estudando. – meu irmão falou, com a cara mais sonsa do mundo. Eu estava estudando, né! Ou pelo menos, tentando.
– Você estudando? – minha mãe soltou uma gargalhada cômica. – Me engana que eu gosto.
Eu ri também. Claro que Dona Elizabeth sabia perfeitamente os filhos que ela tinha. Não precisava ser nenhum gênio pra saber que o Alex preferia morrer a pôr as mãos em um livro durante um fim de semana. Ele fez um bico e emburrou a cara.
– O pai não vem almoçar? – eu perguntei, enquanto enchia meu prato.
– Não, ele teve que ficar no hospital no plantão da tarde.
A vida de ter dois pais médicos era exatamente assim. Eles quase nunca estavam em casa, e quando estavam, volta e meia tinham que ir correndo ao hospital resolver alguma emergência. Nada que a gente não fosse acostumado, no entanto. Crescemos desse jeito.
– Mãe… – Alex começou falando com a boca cheia, mas depois mastigou depressa até engolir tudo. – Nossa turma vai fazer uma viagem no fim do ano.
A viagem. Ele tinha falado dessa bendita viagem durante a semana toda. Eu não aguentava mais ouvir ele dizendo o quanto iria beber e pegar garotas nesse passeio de formatura. Lógico que eu também ficava entusiasmado. Afinal, quem não gosta de sair pra conhecer lugares novos? Mas eu não estava psicótico igual ao meu irmão.
– Sério? E pra onde vocês vão? – ela perguntou toda animada. Minha mãe era bem pra frente quando o assunto envolvia nossa liberdade. Ela sempre gostou que saíssemos de casa, que fossemos mais independentes e tal.
– A turma não decidiu ainda. – eu falei, bebendo um pouco de refrigerante. – Mas acho que vamos pro litoral.
– Ah… – ela sorriu como se estivesse apaixonada. – Seu pai e eu passamos nossa lua de mel por lá. Foi incrível. É um lugar maravilhoso.
– E com certeza com várias gatas pra eu pegar. – Alex deu aquele sorriso malandro dele. Fala sério, meu irmão só pensava naquilo. Como alguém podia pensar tanto em beijar na boca igual aquele garoto?
– E o senhor não trata de encapar esse pinto pra ver o que acontece. – Minha mãe deu um tapa de leve no seu ombro.
– É lógico, Dona Elizabeth. Tá pensando o quê? O bagulho aqui é sério.
Ela não conseguiu segurar o riso. Logo depois que terminamos de almoçar, voltamos para o quarto e eu cumpri com minha palavra de voltar a jogar com Alex. O que, felizmente, não durou muito, já que ele se cansou rápido. Também, depois de ter comido feito uma lombriga de ressaca, era natural que fosse tombar a qualquer momento.
– Tá ligado que na sexta é o aniversário do Lucca, né? – Alex perguntou pra mim, enquanto eu mexia no meu smartphone.
Lucca era seu melhor amigo. Eu ficava impressionado, porque os dois não se pareciam nem um pouco. Lucca era bem nerd, até mais que eu, e fazia a linha menino responsável. Enquanto Alex era o oposto. Mesmo assim, os dois viviam colados desde que se conheceram, no maternal.
– Claro que eu lembro. Você me encheu o saco pra eu ir nisso.
– E você já tem uma resposta?
Ele me encarava com aqueles olhos curiosos, enquanto eu puxava meu livro pra cima da minha barriga. Era engraçado quando Alex me olhava daquele jeito. Era quase como se ele estivesse implorando com os olhos. Certo que a gente sempre ia em todas as festas juntos, mas eu não conseguia imaginar por que ele estava tão fixado com esse aniversário do Lucca. Talvez fosse porque há muito tempo não tínhamos uma festa boa pra ir.
– Se vossa alteza me deixar estudar, quem sabe…
Eu olhei pra ele e sorri com o canto da boca. Ele riu também. Por um segundo trocamos os papéis. Eu fazendo a linha Alex, usando seus desejos pra conseguir alguns minutinhos de sossego. Ah, que isso! Não é nenhum pecado querer ler um livro sem meu irmão me chamando de quinze em quinze segundos.
– Beleza, eu ia mesmo dar um volta por aí. Quem sabe acho algum maluco a toa.
Eu encarei seus olhos azuis e sorri. E dessa vez foi um sorriso sincero. Ele percebeu e retribuiu na mesma moeda.
– Vê se estuda bastante, irmãozinho.
E falando isso ele saiu do quarto. Eu fiquei alguns segundos olhando para o nada, relembrando dos vários momento que já tivemos juntos. Alex podia ser o maior pela saco, irritante, idiota e até meio burrinho. Mas eu sabia que sempre podia contar com ele.
– Pode deixar… – falei pra mim mesmo, sozinho, já pensando em qual roupa eu usaria nessa festa. E seria uma puta de uma festa.
***
Olá, leitores da casa dos contos. Passando pra publicar o primeiro capítulo dessa série fictícia. Espero que gostem e comentem! E queria dizer também que essa história está sendo publicada no meu perfil do Nyah!Fanfiction, https://fanfiction.com.br/u/Grande abraço!