Junior colocou uma única bala no tambor da arma, e depois apontou para mim.
- vamos brincar de roleta russa. - disse ele.
- não. - falei levantando do chão e o encarando.
Junior me olhou sem nada entender.
- pode carregar a arma. Eu não vou conseguir viver com esse peso na minha consciência. Vai em frente cara. Completa tua vingança, e a gente fica empatado. Só não faz nada com meu pai, ele não tem culpa de nada.
Ajoelhei no chão, e fechei os olhos.
Um silencio pairou no ar.
- eu não sou covarde. - disse Junior.
- eu também não sou. - respondi abrindo os olhos.
- então porque matou meu pai? - Junior mirava a arma em minha direção.
- eu não tive intenção cara. Teu pai apareceu do nada.
- isso não é verdade. Você deveria ta alcoolizado ou em alta velocidade.
- nem um nem outro. Você quer mesmo saber o que aconteceu aquele dia?
Junior me encarou.
- fala.
- meu erro foi ter parado pra ver uma mensagem no celular.
Uma lágrima escorreu dos olhos de Junior.
- você o que?
- eu sinto muito Junior. Eu não queria.
- poderia ser outra pessoa cara, mas foi o meu pai.
- e o que eu posso fazer pra consertar meu erro cara? Fala que eu faço.
Junior debochou.
- você vai trazer meu pai de volta?
Por um tempo procurei por uma resposta para aquela pergunta.
- infelizmente não posso, mas acabar com minha vida não iria ajudar.
- talvez diminua minha dor.
- então me mata de uma vez velho. O que tu ta esperando?
Pela primeira vez vi a arma tremer nas mãos do Junior. A arma estava apontando para mim, e eu sentia a bala saindo pelo cano.
O cara me virou as costas, e saiu caminhando lentamente. Não o segui, apenas o vi partir de cabeça baixa.
Quando cheguei ao local onde o carro estava estacionado, já não vi mais o Junior. Bati o barro do corpo, e dei partida no carro.
Não precisei ir muito longe para ver Junior na estrada. Parei o carro e o abordei.
- você sabe que estamos longe da cidade? - falei.
- e? - disse ele fazendo pouco caso.
- ta tarde cara, e é perigoso andar na estrada a essa hora.
- eu sei me virar. Já percorri distancias mais longas.
- mas você não precisa fazer isso hoje. Eu posso te levar.
- eu não quero.
- qual é a tua, cara? Primeiro você coloca uma arma na minha cabeça, depois me traz pra esse fim de mundo pra me matar e não me mata, e agora resolve voltar a pé sozinho.
Junior ficou bem próximo de mim.
- eu quero sim que você morra, mas não vai ser pelas minhas mãos.
- o que você quer dizer com isso?
- eu não vou me igualar a você cara. Eu não sou um assassino.
Junior passou por mim, e me deixou pensativo.
Entrei no carro e voltei pra cidade. No elevador do condomínio, topei com o Alexandre.
- ta vindo da educação física? - disse o cara.
- hã?
- você ta todo sujo. Educação física?
- ah! É.
Alexandre sorriu.
- você vai sair de casa agora? - perguntei assim que a porta do elevador abriu.
- não. - disse ele.
- você se importa de eu tomar um banho no teu apê?
Eu não queria chegar em casa naquele estado. Não queria preocupar, ainda mais, meus pais.
- claro que não. Pode ficar a vontade. - disse Alexandre abrindo a porta do apartamento.
Ele entrou, e eu entrei em seguida.
- bem vindo a minha humilde house. Já entrou em casa de arquiteto?
- nunca. A decoração é tua?
- não. Já peguei ele assim.
- eu achei que o material que você comprou naquela dia, fosse pra usar aqui.
- e é, mas não tive tempo ainda de mexer.
- de qualquer forma, essa decoração ta bonita.
- eu não gosto muito, prefiro algo mais clássico.
- eu não entendo bem desses estilos. - sorri.
- você ainda vai passar por eles. - disse ele simpático.
- espero. Eu posso usar o teu banheiro?
- claro que sim, vou só buscar uma toalha pra você.
Alexandre me acompanhou ate o banheiro e depois disso retornou à cozinha.
Quando saí do banho, encontrei o Alexandre, só de bermuda e avental, fazendo o jantar.
- ta com fome? - perguntou.
- não cara. To muito é como sono. - disse bocejando.
- você vai recusar minha comida? - o cara sorriu.
- ta com um cheiro bom do caralho, mas meu estomago ta um pouco embrulhado hoje.
- eu achei que você fosse jantar aqui. Fiz comida pra dois. - Com uma cara de decepção.
- eu posso tentar. - sorri.
Sentei à mesa, e fiquei observando a desenvoltura do Alexandre na cozinha. O cara era um pouco atrapalhado, mas era esforçado.
- bisteca de porco, você gosta?
- adoro mano.
- minha especialidade. - disse sorrindo. - tem suco de laranja e pêssego.
- pode ser laranja. - respondi.
Alexandre colocou uma jarra de suco na pequena mesa e sentou a meu lado.
Coloquei uma garfada da comida na boca, e o cara me observou sem piscar os olhos.
- então? - perguntou me fitando.
- delícia mano. Do jeito que eu gosto.
- você ta falando isso só pra ser simpático.
- juro cara. Ta muito bom mesmo.
- não ta me enganando?
- não. Ta tão bom, que sou capaz de comer tudo, e deixar você sem.
Sorrimos.
- então quero ver. - disse ele tomando um gole do suco.
Após o jantar, sentamos no sofá sala e ficamos jogando conversa fora. Alexandre me contou sobre seu tempo de faculdade, sobre concursos e sobre o mercado da arquitetura.
- o que tu achou do bar? - perguntou ele.
- maneiro. Quando eu tiver meu próprio lugar, quero ter um desses na minha sala.
- você vai ter. Quer beber alguma coisa?
- pode ser um whisky.
- duplo, com gelo, sem... - disse ele levantando e indo em direção às bebidas.
- duplo e com gelo. - falei esfregando uma mão na outra.
Enquanto Alexandre servia as bebidas, eu lembrava - mesmo sem querer - da noite aterrorizante que havia tido. Tentava entender porque Junior não me matou já que teve chance.
- sua bebida. - disse Alexandre cortando meus pensamentos e sentando a meu lado.
- valeu.
- e la na loja como é que ta?
- de vento em polpa. Tô vendendo muito bem. Acho que me adaptei rápido.
- isso é bom Gabriel. Você acaba conhecendo muitos equipamentos que irá precisar depois de formado.
- eu percebi isso. As vezes eu atendo muitos clientes que são arquitetos e engenheiros, e eu que não sou besta nem nada sugo o conhecimento deles ate a alma.
Alexandre riu.
Ficamos mais um tempo conversando até eu decidir que era hora de ir.
- ta cedo. - disse Alexandre.
- ta nada mano. Já vai da meia noite.
Alexandre olhou no relógio.
- da tempo de emborcar mais uma. - disse ele.
- vamos deixar pra próxima. Já to meio zonzo. - sorri.
- então ta bem. Apareça quando quiser.
- pode deixar.
Alexandre me deixou na porta. Passei no apartamento do meu primo, entreguei-lhe a chave, e depois fui pra casa.
Assim que entreguei, retornei uma ligação do Beto.
***
- fala mano. - falei.
- sumiu cara. Te esperei a noite toda. - disse um pouco chateado.
- desculpa velho, tive um imprevisto.
- quando for assim, avisa mano. Ficamos preocupados.
- desculpa mesmo brother. Não deu nem pra avisar.
- o que aconteceu?
- um probleminha pessoal.
- foi algo muito sério?
- mais ou menos cara. Mas já passou.
- você pode contar comigo se precisar.
- eu sei mano. Valeu mesmo.
- vou deixar você dormir, amanhã a gente se fala.
- até amanha.
***
Muito cansado, tomei uma pilula pra cabeça e dormi.
A semana passou, e eu não tive mais contato com o Junior. Meu pai havia dito que o resultado da pericia ainda não tinha saído. Estava ansioso para que aquele caso se desenrolasse o quanto antes.
No sábado da semana seguinte, estava de folga quando um número com um código de fora me ligou.
***
- oi. - falei atendendo.
- quem fala? - uma voz rouca do outro lado da linha.
- Gabriel. Quer falar com quem?
- tudo bom Gabriel? É o Julio Cesar.
- desculpa amigo, mas não conheço nenhum Júlio Cesar.
- realmente eu não me apresentei. Você me atendeu a mais ou menos uma semana atrás. Combinamos que você me levaria pra conhecer a cidade. Lembra?
- ah! Sim, sim. O cliente de sampa né!? Desculpa brother, mas é que eu não sabia teu nome.
- sem problemas. E aí, você vai fazer alguma coisa hoje a noite?
- nada combinado ate agora.
- to querendo dar uma volta. O que tu me indica?
- depende do teu gosto fera.
- hoje eu to afim de tomar um chopp.
- saquei. Prefere um bar mais agitado ou tranquilo?
- tranquilo, porém animado.
- tem um bar maneiro com mpb ao vivo. Lá é tranquilo, agradável e com bom atendimento.
- é isso que procuro. - disse o meu cliente sorrindo.
- anota o endereço aí.
- preferia que você fosse conosco. Ta muito ocupado?
- to não. Como fazemos, você me busca, ou eu te busco?
- me manda tua localização que eu te pego. - disse ele.
- beleza. Vou mandar pelo whats.
- Certo. Fico no aguardo.
- Até mais cara.
- Até.
***
Assim que terminei a conversa por telefone, mandei a localização. Combinados o horário e sem atrasos Júlio Cesar chegou ao meu apartamento.
Despedi-me da minha família e desci.
Julio Cesar estava com a caminhonete estacionada em frente ao prédio onde moro. O cara estava acompanhado de outros dois homens.
- boa noite. - falei.
- tudo bom Gabriel? - disse Julio me cumprimentando.
- suave. - respondi.
- esse é meu irmão Juliano, e um amigo de trabalho Juan.
- e aí. - falei tocando em suas mãos.
- beleza Gabriel? - disse Juliano.
- tranquilo cara, graças a Deus.
- o que você preparou pra nós essa noite?
- tem um barzinho la na beira da praia muito top. Acho que vocês vão curtir.
- então bora nessa. - disse Juan.
- Tem carteira Gabriel? - Perguntou Julio.
- tenho sim.
- se importa em ir dirigindo já que você conhece mais a cidade que nós?
- de maneira alguma.
Entrei na porta do motora, Julio Cesar foi ao meu lado, Juliano e Juan no banco de trás.
- o que você faz da vida Gabriel? - perguntou Juliano.
Pelo retrovisor eu via seus olhos fixos em minha direção.
- trabalho e estudo. - disse concentrado na estrada.
- legal. Ensino médio? - disse o rapaz Loiro, igualmente ao irmão, porém com uma aparência mais nova, e sem tanta barba.
- não, arquitetura.
- o rapaz tem atitude. - disse Juan.
- um arquiteto e três engenheiros. Daria o nome de um filme de roubo e assassinato.
Os três riram, menos eu. Continuava encarando Juliano pelo retrovisor, e era reciproco pois ele me encarava de volta. O cara tinha algo nos olhos que me causava medo.
- chegamos. - falei estacionando o carro.
Logo na entrada, recebemos uma ficha com o numero da nossa mesa. Sentamos e pedimos de imediato um balde de cerveja.
- lugar bacana. Você vem sempre aqui Gabriel? - perguntou Juliano.
- poucas vezes. Eu curto mais um sertanejão. - falei.
- mpb também é bom. - disse Juan.
- é sim cara. Pra beber tudo é bom. - sorri.
- falando nisso, você não vai beber? - perguntou Julio Cesar.
- não amigo. Vocês podem beber a vontade que eu deixo vocês em casa, e depois pego um táxi.
- amigo da rodada. - completou Juan.
- exato. Álcool e direção não combinam. - lembrei do acidente.
- e não tem risco de você assaltar a gente?
Todos ficaram mudo, deixando Juliano no vácuo.
- qual é? É só uma brincadeira pessoal. - disse o rapaz.
- brincadeira fora de hora mano. - disse Julio César tomando um gole da cerveja.
Juan analisou o cardápio e pediu que o garçom trouxesse uma porção de camarão empanado.
- trás um suco verde pra mim amigo. - pedi antes que o garçom deixasse nossa mesa.
- algo mais? - disse ele.
- limão e sal. - disse Juliano.
- ok. - disse o garçom retirando-se da nossa mesa.
- ta em qual período da faculdade Gabriel? - perguntou Juliano.
- primeiro. Ainda tenho um longo caminho pela frente.
- federal ou particular?
- federal. - respondi.
- o ruim são as greves né!? Isso acaba com o cara.
- pois é. Até agora não tivemos greves. Espero que continue assim.
Juliano tomou um gole da cerveja.
Meu celular vibrou, e eu pedi licença para atender.
Um número estranho. Fui ate o banheiro e atendi a ligação.
***
- oi - falei.
- Oi Gabriel. - disse uma voz do outro lado da linha.
- quem é? - perguntei.
- não reconhece mais a voz do teu macho?
Continua...