- tô indo embora primo. - disse ele passando a lâmina no rosto.
- embora pra onde seu porra? Vai me deixar aqui sozinho seu puto?
- bora mas eu uai!
- ta falando sério?
- na moral primo. Faz tuas malas, e bora embora comigo. Te dou casa, comida e rola quentinha toda noite.
- eu ainda não to acreditando primo.
- que minha rola é quentinha? - ele me olhava pelo espelho.
- não pô. Que você vai embora. Eu já tava acostumado a ter você aqui.
- vai ficar tristinho? - disse ele sorrindo.
- claro primo. Gosto de você cara, sabe disso.
- então vem mais eu.
- eu não posso ir primo. Tem a faculdade, e agora tem o emprego.
Danilo sorriu.
- qual a graça seu otário?
- eu to me mudando pra um apartamento no andar de cima primo. Eu não vou embora do Brasil não. Esqueceu que eu também tenho aula?
- porra, seu filho da puta. Eu aqui me cagando de chorar por dentro, e você vem dizer que vai morar em cima da minha casa? - dei um tapa na nuca do Danilo.
- arri primo. Machucou.
- é pra machucar mesmo. Fuleiragem hen cara!?
- não ta feliz em saber que eu vou ficar por perto?
- se é pra morar no mesmo condomínio, não seria melhor tu continuar morando aqui com a gente?
- eu te falei que iria ficar aqui provisoriamente primo. Era só o tempo de conseguir outro lugar pra ficar.
- mas como tu conseguiu um apartamento tão rápido?
- advinha? Dona Valentina resolveu me fazer esse agrado. - ele referia-se a sua mãe.
- que louco. Ela deve ta arrependida da forma que tratou você.
- provavelmente.
- e moveis? Você vai dormir no chão?
- dona Valentina já pensou em tudo. Eu só preciso chegar e colocar minhas roupas no guarda roupas.
- tia Valentina amarra a corda, e esconde o ponto hen!?
- né isso. Esperta no mundo. - disse ele sorrindo.
- quando você ta se mudando? - perguntei.
- amanhã, depois da aula.
- ta apressado em ir embora do meu quarto hen!?
- to doido pra fazer umas festinhas do coqueiro. - disse ele rindo.
Eu também sorri.
- fuleiro. Tu já tomou banho, ou ainda vai tomar?
- ainda vou tomar primo. Por que?
- to afim de tomar uma ducha.
- pode tomar lá. Ainda vou demorar aqui.
Procurei uma toalha limpa, passei por Danilo, e entrei no box do chuveiro.
Fiquei conversando bastante com meu primo, enquanto tomava banho.
Depois que saí do banheiro, fui até a cozinha comer alguma coisa. Pouco tempo depois, Danilo chegou e me fez companhia.
- tem um negocio que ta me inculcando primo. - falei entre uma garfada e outra.
- o que ta pegando? - Danilo comia uma fruta.
- O Kadu ta me ajudando a armar um plano contra o Gustavo.
- tu comentou comigo, mas achei que já tivesse esquecido essa historia.
- pois é primo. Não sei o que o Kadu ta planejando, mas to começando a ficar assustado.
- e qual é a jogada?
- eu não sei. O kadu não me falou nada.
- então diz pra ele cancelar isso, vai que é algo pesado.
- aí é que ta, ao mesmo tempo que eu não desejo mal para o Gustavo, eu também desejo ser vingado. Entende?
- eu entendo sim, mas não esquece que antes de mais nada o Gustavo é nosso primo.
Danilo me deixou indeciso.
- você vai dormir agora? - perguntou Danilo.
- daqui a pouco. - respondi.
- vai me dar esse cu hoje de despedida?
- não. - falei sorrindo.
- ta todo amarrado ultimamente néh!? To indo pra cama. - Danilo fez carinho em meu cabelo, e saiu da cozinha.
Fiquei pensando no Gustavo. Tinha medo de me arrepender, caso continuasse firme com aquela ideia.
No dia seguinte eu estava quase dormindo na faculdade. Cheguei cedo e o Beto já me aguardava no refeitório.
- bom dia Gabriel.
- bom dia Beto. - o cumprimentei.
- como a fila tava grande, eu já me adiantei com o café. Comprei bolo, tapioca, e pão com presunto. Gosta?
- comprou pra nós dois? - perguntei.
- tu acha que a gente da conta disso aqui? - Beto riu.
- podemos tentar. - sorri.
Aproveitamos o café e colocamos o papo em dia.
- o time ta uma merda. Não ta se encaixando. - disse Beto tomando um gole do café.
- time novo ainda mano. Com os treinos vão começar a render.
- você que pensa. Esse ano o time não chega aos pés do time que representou a faculdade no ano passado.
- qual o campeonato mais importante pra vocês?
- com certeza o Jubs.
- e quando vai ser?
- daqui há seis meses.
- tem muito tempo ainda mano. - falei comendo o pão com presunto.
- tempo tem, mas eu sei quem joga, e a maioria que ta nesse time não joga. Vou precisar de você Gabriel.
- infelizmente não vai dá.
- por que não cara? Eu fiz merda né!?
- né isso não velho. Meu pai me forçou a arrumar um emprego, e agora eu to com pouco tempo até pros estudos.
- complicado hen cara!? Mas vocês estão passando por apertos na tua casa?
- graças a Deus que não. Meu pai queria que eu fizesse direito, como eu fui pro lado da arquitetura, ele resolveu me deserdar. Aí eu tenho que me virar de algum jeito.
- por que tu não falou comigo mano?
- e tu ia me bancar?
- nós que jogamos pela faculdade temos preferência em receber bolsas. Não é muita coisa não, mas da pro gasto.
Interessei-me pelo assunto, e Beto me explicou como funcionava as bolsas para os universitários.
- porra mano, se tu tivesse me falado antes.
- mas to falando agora brow. Bora conversar com o treinador.
- agora não da mais mano. Tô trabalhando no mesmo horário dos treinos.
- podemos mudar o treino velho. Qual o melhor horário pra tu?
- de madrugada. - falei.
- falo sério mano. - disse Beto sorrindo.
- eu também mano.
- aí pega. - disse ele.
- pois é cara. Por isso te falei que pra mim não daria mais.
- vamos dar um jeito, nem que eu precise vir treinar contigo de madrugada. Agora vou ter que ir pra sala.
- hey mano, não...
- depois a gente se fala. - Beto deu um tapinha em meu ombro e foi em direção ao bloco de Educação Física, não me dando tempo para concluir minha fala.
O Victor chegou um pouco mais tarde, e veio sentar comigo.
- fala sumido. - disse o cumprimentando.
- e aí manin, como é que tu ta? - disse ele jogando seu material por cima da mesa.
- não como tu, mas um dia eu chego lá. Ta fazendo turismo aqui na faculdade é?
- vish mano, só faltei ontem tá!?
- e nos dias que tu esquece de contar né!? Nossa amizade ta ficando fraca igual pica de vei mano.
- claro que não pô. Só estamos correndo atrás de metas diferentes, aí nossos horários não estão se cruzando.
- eu sei qual é tua meta: Loirinha, rabuda, baixinha, boca de lata. né não!? - falei sorrindo.
- também sei qual é a tua: Alto, forte, cabeça raspada, fuzileiro, bom jogador de futebol. Acertei?
- já saí dessa faz tempo. - falei um pouco sem graça.
- uma semana? Talvez menos? - disse ele me encarando.
- sabe nem do que tu ta falando mano. Toma café aí que tu ta com fome.
- eu sei o que ta acontecendo Gabriel. Sei do lance de vocês no quarto dele, sei que ele ti levou pra casa de um amigo, sei que ele foi te pegar na praia. Eu só não falo nada porque você não me da abertura, mas eu continuo com medo de você sair dessa ferido.
Victor se despediu, e me deixou cheio de incógnitas.
Depois da aula, Danilo me levou até o trabalho. Troquei de roupa, coloquei meu avental e fui ao encontro do Rômulo.
- e aí, pronto para o segundo dia de tortura? - disse ele me cumprimentando.
- preparado. - sorri.
Naquela tarde, eu quase não consegui prestar atenção no serviço. Estava com a cabeça em tantos lugares diferente, que tava difícil de me concentrar.
O expediente acabou, e eu me senti mais aliviado.
Olhei o meu celular, e comecei a pensar no Fernando. Queria estar com ele, mas eu não iria ligar, nem continuar indo atrás. Tudo o que eu precisava era que o meu coração esquecesse aquele cara.
Naquela noite, eu não liguei para o Danilo. Meu primo provavelmente estava ocupado com a mudança para o seu apartamento novo, então não teria tempo de ir me buscar. Alonguei minhas pernas, e fui caminhando até a parada.
Não tinha me afastado muito da loja, quando um carro parou do meu lado.
- entra Gabriel. - alguém disse do interior do carro.
- Fernando? - parei e lhe encarei
- entra aí. - disse ele com o vidro da janela abaixado.
Dei uma passada, e entrei no banco do carona.
- o que tu fazendo por essas bandas? - perguntei.
- Victor disse que tu tava trabalhando aqui, e eu vim te buscar. - disse ele dando partida no carro.
- você veio me buscar cara? - perguntei um pouco incrédulo.
- sim. Você já tem outro compromisso?
- não. Eu tava indo pra casa.
- posso te roubar uns minutinhos? - disse ele sorrindo.
- você gosta da minha companhia? - perguntei na lata.
- claro que sim. Eu gosto de você Gabriel.
- então você pode me roubar pelo tempo que quiser. - dessa vez eu que sorri. - pra onde nós vamos?
- surpresa.
- eu gosto de surpresas.
- ah é? Então eu acho que você vai amar essa.
Fernando dirigia, e eu acabei cochilando escorando no encosto do carro. Despertei quando senti que o motor do carro foi desligado. Abri meus olhos, mas não via muita coisa, pois estava muito escuro.
- vem - disse Fernando quase cochichando.
- que lugar é esse mano? - falei, também, baixo.
- vem comigo que tu vai ver.
Saí do carro, e Fernando segurou minha mão e me ajudou a caminhar. Na nossa frente havia uma escada que tivemos que subir com muito cuidado pois dava pra ver pouca coisa. Fernando abriu uma porta, e a luz do ambiente nos ajudou a ver com mais nitidez.
Ao final da escada tinha um quarto que eu já conhecia bem.
- motel mano? - falei desapontado.
- não gostou? - disse Fernando tirando os sapatos e deitando na cama.
- eu achei que você tivesse preparado outra coisa pra gente. Continuo sonhando que um dia tu vai gostar de mim.
- cara, qual prova mais você quer? rodei a cidade toda atrás de você, fui te buscar na praia, cuidei de tu enquanto estava de ressaca, fui te buscar no teu emprego...
- e me trouxe pra descer a pica? - falei o interrompendo.
- é só isso que tu pensa de mim? Você acha que eu sou um ogro desesperado por sexo? Eu poderia ta fodendo um puta por aí agora, mas eu to aqui contigo. Será que isso não é o suficiente pra provar que alguma coisa eu vi em você?
- eu não sei o que pensar cara. A gente fica juntos, e depois tu some, aí depois aparece, e sempre tem cama pelo meio dos nossos encontros.
Fernando abriu a carteira e me entregou um papel dobrado.
- o que é isso? - falei antes abrir o papel.
- lê. - disse ele friamente.
Enquanto eu lia o conteúdo daquele papel, Fernando tirava sua roupa e entrava no banheiro.
Sentei na ponta da cama, e enquanto eu desfazia o cadarço do meu tênis, fiquei digerindo o que acabara de ler.
Tirei minha roupa, peguei uma toalha que estava dobrada em cima da cama, e fui ao banheiro.
- posso entrar? - falei envergonhado.
- vem cá. - disse Fernando me estendendo o braço.
O cara me deu um abraço afetuoso.
- eu passei o dia correndo atrás disso daqui pra gente. O Victor disse que tu tava cansadão, e eu quis te proporcionar um momento agradável. E o bacana é que não precisa ter pressa, a gente tem até o dia amanhecer pra ficar aqui.
- mas e o sexo? - perguntei ainda agarrado a ele.
- o sexo é consequência Gabriel. No dia que você tiver afim, beleza. Quando não der, eu vou entender cara. Hoje eu te trouxe aqui pra gente jantar, assistir um filme, conversar. Não precisa rolar sexo. - Fernando me olhava nos olhos.
- e se eu tiver afim de sexo?
- a gente vai fazer sexo.
- e nos dias que eu quiser um sexo selvagem? - perguntei.
- eu me transformo num leão.
- e nos dias que eu quiser um sexo mais carinhoso?
- aí a gente faz papai e mamãe. - disse ele sorrindo.
- tu vai aguentar isso por muito tempo?
- to de licença médica. Tenho todo o tempo do mundo.
Eu tinha vontade de beijar o Fernando, mas sabia que eu nunca conseguiria chegar àquele patamar. Ter o abraço dele talvez fosse o máximo para o meu contentamento.
Após o banho, ficamos enrolado na toalha, e deitamos enquanto Fernando interfonava pedindo algo para jantarmos.
- Vou ligar lá pra minha casa inventando uma desculpa qualquer. - falei pegando meu celular no bolso da calça.
- beleza, mas primeiro da uma sugestão sobre o que eu peço pra gente comer.
- o que tu pedir eu como mano. Tenho frescura não.
- olha lá hen!? E se eu pedir algo que você não goste?
- aí a gente vai brigar aqui ate o couro cair dos ossos. - falei rindo.
Fernando riu.
Após o jantar, Fernando estava deitado na cama, com um palito de dente na boca. Aproximei-me, vagarosamente, e deitei com a cabeça em cima do seu peitoral nu.
Fiquei aguardando a reação do Fernando, e ela não demorou. O cara passou suas mãos em volta da minha cabeça, e fez cafuné até eu dormir.
A semana passou voando, e chegou o sábado. Cedo da manhã, Kadu me ligou.
***
- e aí parceiro. - disse ele animado.
- fala mano. Bom dia. - respondi.
- ótimo dia. É hoje hen mano!? Tudo em cima?
- tu que tem que me dizer mano.
- da minha parte já ta tudo pronto. Teus convidados vêm?
- todos confirmaram.
- Eu convenci o Gustavo a chamar uns primos de vocês também. Marcela e, e...
- e o Eduardo? - interrompi.
- isso.
- Mano, tu me garante que não vamos se arrepender depois que tudo isso acabar?
- você tem minha palavra Gabriel.
- e o que vai acontecer com o Gustavo?
- simplesmente ele vai se arrepender de espalhar mentira a respeito dos outros. Tu ta se arrependendo?
- mais ou menos mano.
- relaxa Gabriel. Só quero que você aproveite a festa e deixe o resto com o papai aqui.
- beleza cara. Tô confiando em você.
***
Quanto mais se aproximava a hora da festa, mais eu sentia minha barriga doer.
Convidei o Fernando, mas ele recusou pois teria um bico pra fazer. O cara disse que no dia seguinte iria me levar pra pescar, então eu estava ansioso por dois motivos: A festa na fazenda do pai do Kadu, e a pescaria com o Fernando.
À noite chegou, e Danilo bateu la em casa.
- já ta pronto? - disse ele parado na porta.
- entra aí, vou só escovar os dentes.
Danilo entrou e me acompanhou até o quarto.
- vou passar um perfume aqui primo, o meu acabou e eu esqueci de comprar outro.
- beleza! - gritei do banheiro com a boca cheia de pasta.
Após sairmos de casa, passamos pra pegar o Victor e partimos pra ''nigth''.
Kadu tinha usado bem o dinheiro do pai dele. Depois que saímos da estrada, tinham tochas espalhadas pelo ramal de barro, indicando o endereço da fazenda. Lá chegando já tinha muitas pessoas se movimentando pelo ambiente, e o sertanejão rolando solto.
Um fogos de artificio foi disparado, e eu tive um leve susto.
- ta tudo bem? - disse Danilo.
- tranquilo primo.
- tem certeza?
Eu apenas assenti. Mas por dentro não estava nada bem. Eu não queria me acovardar, nem estragar com tudo que Kadu havia organizado para aquele momento, mas eu estava rezando para o Gustavo não aparecer.
- tarde demais. - eu falei na minha mente.
Logo mais a frente eu vi Gustavo junto de Marcela e Eduardo. O cara estava se divertindo muito.
Victor, Danilo, e eu tratamos logo de procurar por bebida.
- hey Gabriel. - disse Kadu vindo a nosso encontro.
0 cara cumprimentou meus amigos.
- ta quase na hora. Vou só esperar isso aqui lotar mais um pouco, e a gente começa a diversão.
- tu convidou a faculdade quase toda. - falei dando uma visualizada no local.
- tinha que ser assim mano. Fazia parte do plano.
- e esses fogos? - falei olhando para uma caixa que estava em suas mãos.
- isso aqui é o ''grande finale''. Eu pensei em tudo meu amigo. - Kadu gabava-se.
- ta certo. - falei tentando não demonstrar meu nervosismo.
- deixa eu cuidar. - disse ele se afastando de mim.
- hey Kadu. - gritei.
Kadu olhou para mim.
- fala.
Respirei fundo, e pensei mais uma vez.
- Nada não. Segue com o plano.
Kadu olhou pra mim e deu um sorriso diabólico.
- o que eu to fazendo meu Deus? - pensei comigo mesmo.
Minha cabeça deu umas voltas, e eu comecei a vomitar ali mesmo.
Continua...