- mano, de que mentira tu ta falando cara?
- não se faz de inocente porra. Eu vi toda aquela putaria rolando solta la no banheiro da faculdade.
Dessa vez Fernando falava com raiva. Nunca tinha visto o cara daquele jeito.
- Nós tínhamos feito um trato Gabriel. Se tu ta comigo, é só comigo cara. Eu não suporto ter que dividir o que é meu com os outros.
Fernando não me deu tempo para réplica e saiu da cama, descendo as escadas apresadamente.
Corri atrás de Fernando, e o acompanhei quando ele já chegava na sala.
- O que tu viu dentro do banheiro cara?
- quer saber minha versão pra poder omitir alguma coisa?
- eu não to entendendo aonde tu quer chegar cara. Eu não fiz nada de mal, e ainda que tivesse feito, não tem porque a gente ta tendo essa conversa. Somos livres Fernando. Né assim?
- você tem razão quando diz que somos livres, mas porra cara, custa me respeitar?
- e eu te respeito pô. Eu não fiz nada que possa ter te desrespeitado.
- não foi o que eu vi cara.
- ta falando da brincadeira com a toalha?
- teve até brincadeira com toalha? Essa aí eu to sabendo agora. - Fernando era irônico.
Fernando caminhou até a cozinha, e tirou uma garrafa d'água da geladeira.
- você ta com ciúmes de mim e do Beto? É isso Fernando?
- Primeiramente que eu não sei nem quem é Beto, e segundo que eu não tenho ciúmes. Só não quero saber que você ta revezando comigo e outros por aí.
- então deixa eu ver se eu entendi, você me viu dando lá no vestiário?
Fernando bebeu a água diretamente do gargalo.
- eu não fiquei tanto tempo assim, mas talvez se tivesse ficado... - Fernando não concluiu sua fala, mas ele deixou subtendido o que realmente imaginava que eu fosse.
Apenas confirmei com a cabeça.
Subi as escadas, retornei ao quarto, e coloquei minha roupa no corpo. Peguei minha mochila, e coloquei nas costas. Antes de descer, passei no banheiro e lavei o rosto.
Quando desci, encontrei Fernando sentado no sofá.
- aonde você vai?
- vou pra casa cara. Só abre o portão pra mim por favor.
- embora? Mas a gente mal chegou.
- pra mim a noite já acabou cara. Sabe velho, eu gostava de tu pra caralho, mas...
- gostava? Não gosta mais? - Fernando levantou-se e ficou de pé em minha frente.
- pior que gosto cara... E isso ta me sufocando. Eu meio que fico nas tuas mãos sabe? É ruim gostar de alguém assim.
- Gabriel, você sabe que eu jamais vou poder te corresponder, e eu sempre deixei bem claro isso. Você entrou nessa sabendo.
Não era intenção do Fernando, mas naquela noite ele tava me fazendo sofrer mais que nos outros dias.
As lágrimas voltaram a cair.
- hey não chora. - disse ele tentando enxugar meus olhos.
- vai passar cara. É só uma fase, que vai passar. - disse me esquivando.
Virei as costas para Fernando e cheguei ate a porta da saída.
- Gabriel. - disse ele tocando em meu ombro.
Virei para Fernando.
- não vai cara. - disse ele com os olhos tristes.
- eu vou ter que ir cara, mas eu não me arrependo de nada. Não me arrependo de ter me apaixonado por você; não me arrependo de ter jogado futebol como se valesse minha vida só pra poder abraçar você; não me arrependo de todas as vezes que eu fui falar com o Victor só pra ver você; não me arrependo de entrar no teu quarto - na tua ausência - pra sentir o teu cheiro; não me arrependo de ter cuidado de você. Tudo na vida é aprendizado cara, e uma hora eu vou crescer.
- Vamos esquecer disso tudo Gabriel. A gente come alguma coisa, depois sobe pro quarto, e daqui a pouco eu te deixo em casa.
Limpei uma outra lágrima que caia, e recusei a proposta do Fernando.
- qualé Biel, será que é pra tanto? Você tem mesmo que ir por causa disso?
- tenho. Tenho sim.
- beleza. Eu não vou te impedir não, mas ao menos espera eu colocar uma roupa e trancar tudo que eu te deixo em casa.
Minha voz estava embargada, então eu apenas confirmei com a cabeça.
Fernando subiu para o quarto afim de trocar de roupa, e eu fiquei aguardando na sala. Em frente ao sofá havia uma mesinha de centro, e em cima desta, estava o controle do portão. Sem perder tempo, eu me apossei do controle, e abri o portão da garagem.
Já do lado de fora da casa, eu liguei para o Danilo, afim de pedir que ele fosse me buscar. O telefone tocou várias vezes, até cair na caixa postal. Parei em um ponto de ônibus, e tentei pensar em como eu iria voltar pra casa. Aquele dia tinha sido de longe o mais desgastante desde que eu começara a cursar a faculdade.
Meu celular vibrou no bolso, e era uma ligação do Fernando. Ele ligou várias vezes, e eu não atendi nenhuma delas. Depois o cara começou a mandar mensagem.
****
- atende esse telefone Gabriel.
- cadê você Gabriel?
- o que tu ta fazendo cara? Vamos conversar.
- Gabriel, Gabriel atende esse telefone pô.
****
li todas as mensagens, e não respondi nenhuma. Quando o carro do Fernando passou por mim, eu me escondi atrás do poste da parada. Talvez eu tivesse sendo infantil, mas eu precisava esquecer aquele cara. Aquele lance de sexo com ele sem compromisso não daria certo.
Entrei no primeiro ônibus que apareceu, e depois de um tempo eu havia chegado em casa. Assim que entrei no apartamento ouvi um som de mpb ambiente. Meus pais estavam recebendo alguns convidados, o motivo para tal comemoração eu não sabia. Cumprimentei algumas pessoas, e fui para o meu quarto.
Danilo não estava em casa, sua viola ele havia deixado em cima da cama. Sentei na cadeirinha que ficava de frente para o computador, e comecei a dedilhar.
Na parede havia algumas fotos em um mural que tinha sido decorado pela minha mãe. Lembrei de todos os detalhes nos momentos em cada uma daquelas fotos. Fotos estas que me remetiam a infância.
- Eu era feliz e não sabia. Como era bom se pudesse existir um túnel onde pudêssemos voltar ao ano que mais marcou em nossas vidas. Com certeza, eu voltaria a minha infância, quando eu passava o dia assistindo desenhos animado, ou então na fazenda da tia Valentina brincando com a ''primarada''.
Coloquei a viola, novamente, na cama e fui ao banheiro tomar um banho.
Quando saí do banho, tinha um prato de comida, quente, em cima do criado mudo. Provavelmente minha mãe havia deixado ali.
Troquei de roupa, sentei - mais uma vez - na cadeira do computador, e olhei para o visor do celular. Algumas ligações e mais mensagens.
***
- to começando a ficar preocupado Gabriel, me diz aonde você ta que eu vou te buscar.
***
Victor, Danilo e um número desconhecido havia me ligado. Retornei para o Danilo.
***
- Me ligou primo? - disse ele assim que atendeu.
- liguei primo.
- diga lá.
- não mano, é que eu tava precisando de uma carona.
- tu ta aonde?
- agora eu to em casa.
- e tu quer carona pra ir aonde?
- eu queria carona pra voltar pra casa, mas já vim de ônibus.
- pô primo, foi mal, eu saí com a galera lá da engenharia, e deixei o celular dentro do carro.
- tem problema não primo. Ta tudo bem por aí?
- tudo maneiro primo.
- ta certo, então vou deixar você se divertir.
- não primo calma aí, ta tudo certo com você? Quer que eu vá pra casa?
- não primo. Ta tudo tranquilo.
- tem certeza?
- tenho sim.
- então beleza primo. Até mais tarde
- até. - falei desligando o telefone.
***
Pensei muito e achei melhor não ligar para o Victor, tinha medo de ele estar por perto do irmão.
Após o jantar, liguei o computador e fiquei assistindo vídeos no youtube. Queria algo que pudesse me chamar a atenção, e me tirar daquela fossa.
Já passava das dez, e outra mensagem do Fernando.
***
- atende o celular Gabriel, ainda da tempo de aproveitar a noite.
***
Simplesmente ignorei a mensagem, e liguei para o Lucas.
***
- fala Gabi.
- grande Lucas. Fazendo o que irmão?
- to na praia.
- a essa hora cara?
- ta rolando um show aqui.
- porra, show de quem?
- são uns cantores locais, mas os caras mandam bem.
- ta com quem cara? Posso chegar aí?
- claro que pode velho.
- beleza. Vou colocar uma roupa e ir descendo.
- ta certo, to aqui te esperando.
***
A praia não ficava longe da minha casa, então eu coloquei uma roupa qualquer, uma sandália, comuniquei aos meus pais e fui caminhando.
Não demorou muito, e eu cheguei até onde estava meu amigo Lucas.
- e aí. - falei o cumprimentando.
- E aí Gabi. Chegou numa hora boa cara. Ta saindo umas caipirinhas da hora.
- Hoje eu to álcool zero mano. - falei sorrindo.
Lucas estava sentado, junto de outros amigos, na areia em frente a um palanque improvisado. Rolava um show de uma dupla cantando músicas sertanejas, e a galera se jogava na vibe do momento.
Conheci a galera do Lucas, que por sinal eram pessoas bacanas.
- tu faz arquitetura tambem? - perguntou uma amiga dele, loirinha, com sotaque do sul.
- faço sim, e tu?
- eu faço enfermagem.
- bacana. Tenho um amigo que faz enfermagem também.
- qual o nome dele?
- Victor.
- primeiro período né!?
- isso. - respondi.
- to no terceiro período, mas eu sei quem é. Já fizemos laboratório juntos.
- você não é daqui né!? - perguntei apenas para confirmar.
- não, eu sou de Porto Alegre.
- desconfiei - falei sorrindo.
A menina era muito simpática, além de linda.
- ta afim de cair na água? - ela foi direta, mas não sei se ela tava me cantando ou apenas gostando da minha companhia.
- só se for agora.
Fiquei em pé, e já fui abaixando a bermuda, ficando apenas de sunga.
- hey fura olho, aonde tu vai com minha mina? - disse Lucas com um copo de caipirinha em mãos.
- vamos pegar uma onda. - sorri.
- doido pra colocar o piro dentro da minha mina né sacana? Lucas deu um leve tapinha em meu ombro.
- se a garagem dela estiver disponível, eu estaciono minha triton lá dentro.
Lucas riu.
- ta certo mano. Cuida dela que ela já ta meio chumbada.
- pode deixar. - falei.
Descemos até o mar, e eu descobri que aquela garota simpática chamava-se Larissa.
- Gabriel. - Prazer.
- você também não é daqui né Gabriel!?
- Não! Eu sou de Uberlândia, mas moro aqui desde pivete.
- teu sotaque é um pouco diferente das pessoas locais.
- é um pouco caipira néh!? sorri.
- claro que não bobo. - Ela gargalhou.
Larissa era mesmo muito simpática. E por um momento ela fez eu esquecer dos problemas.
Já passava das 23:30 e Lucas me convenceu a beber. Resolvi apenas experimentar, mas acabei passando do ponto.
Estávamos todos em um quiosque, um pouco afastado do show, mas ainda era possível ouvir as músicas rolando.
Meu celular vibrou no bolso, e eu atendi sem nem olhar no visor.
***
- oi. - disse atendendo.
- té que enfim cara.
Era a voz do Fernando.
- onde tu ta? Tô preocupado.
- tô na puta que pariu. - falei na brincadeira sem noção.
- tu ta bebendo Gabriel?
- só leite. - disse sorrindo.
- me diz onde tu ta que eu vou te buscar.
- não precisa vir me buscar, eu ainda consigo chegar em casa. - eu era um tanto chato quando perdia as contas com a cachaça.
- eu não to brincando Gabriel, me fala teu endereço.
- meu endereço é o mundo mano.
- tu usou alguma coisa?
- não usei nada cara, só fui usado, até hoje.
- deixa de falar besteira Gabriel. Me diz logo onde tu ta, e vamos sentar pra conversar.
- não da cara. Eu tô ocupadão agora.
- ocupado com o que? - disse ele do outro lado.
- to seguindo os teus conselhos.
- de que conselhos tu ta falando Gabriel.
- tô te esquecendo cara, tô te esquecendo.
***
Desliguei o telefone, e o guardei no bolso da bermuda.
Continua...