Quando viajávamos ele sempre ia e voltava dirigindo. Várias vezes, disfarçadamente, ficava admirando seu pacote, suas pernas, seus braços, seu pelos corporais, seu bigode. Tudo nele era motivo de contemplação e desejo. Estava acostumado com isso. Era um motorista extremamente prudente. No entanto, naquele dia logo após abastecer o carro ele perguntou se eu podia voltar dirigindo.
Tranquilo!!! Animado, foi o que eu respondi. Conhecendo um pouco daquele mecânico que me proporcionou a foda mais prazerosa da minha vida não iria tomar a iniciativa de perguntar sobre a noite anterior. Ele era um sujeito reativo nesse aspecto, através das suas feições conseguia decifrar alguns nuances do seu comportamento ou do seu (des)contentamento. Tentava emplacar uma conversa qualquer e quando percebia estávamos em silêncio. Isso me incomodava. Estava com a cabeça cheia de perguntas e inquietações e sei que ele também.
Então, ele sem demonstrar nenhum sentimento, de repente disparou: “Bezerra o que aconteceu ontem acho melhor a gente passar uma borracha... Alguém tem que ter juízo e não preciso estar lembrando que trabalhamos na mesma empresa, somos casados, temos família e se você insistir vai acabar levando umas porradas. Calou-se, alguns segundos e falou: tu entendesse!!! Encerrado qualquer possibilidade de argumentação.
Putz!!! Foi como levar um soco no estômago. Entorpecido, senti um frio na barriga. A adrenalina percorria todo meu corpo. Havia naquele instante um embaraço emocional e mental, além da conta. Minha boca ficou seca. Diminui a velocidade do carro e parei no acostamento tentando digerir aquela enxurrada de sentimentos. E quando consegui falar, disse: “Não quero perder a sua amizade. Mas, se é assim que você quer eu aceito”. Vida que segue... disse isto fuzilando seus olhos com muita raiva.
Em seguida, liguei o motor do carro e queria chegar o mais breve possível. Minha cabeça fervia. Sentia uma dor sufocante no peito, queria chorar. Mantive neste estado de torpor até chegar em casa. Rodava um filme na minha cabeça enquanto a água caia na minha cabeça debaixo do chuveiro. Sai do banheiro enrolado na toalha, cheguei no quarto e desabei na cama.
É tão ruim quando alguém que a gente gosta machuca a gente. Resignado, percebi que tudo que eu mais queria tinha ficado pra trás... adormeci. Foi uma noite inquietante, acordei com a cabeça querendo explodir. Ainda bem que era um sábado e podia ficar mais um pouco deitado. No café minha esposa perguntou se estava acontecendo alguma coisa. Notou que ora eu estava ausente, ora muito impaciente. Disse-lhe que estava apenas exausto. Me abraçou por trás e saiu para ir à feira.
Por enquanto, mais que tudo, eu queria apagar essa estranha condição...
Por enquanto vou absorver esse doce, amargo, medo, tesão, decepção, desejo e respeito entre a gente...
Por enquanto vou viver um dia de cada vez...
Por enquanto eu não sei se vou perdoá-lo ou me perdoar...
Por enquanto só me resta fazer a promessa para nunca mais me machucar de tanto amor, de tanto querer...
Por enquanto eu estou muito triste! Mas, amanhã quem sabe o que será?
Naquela manhã, sentia-me terrivelmente cansando e mentalmente repetia:
"Hei de passar essa sede, esse desejo, essa avidez, essa aflição".
"A travessia será longa. Mas, hei de vencer".