Encontro Prometido. #6

Um conto erótico de Ezra.
Categoria: Homossexual
Contém 2640 palavras
Data: 14/02/2017 23:07:50
Última revisão: 14/02/2017 23:09:20
Assuntos: Gay, Homossexual

Eu já esperava há longos minutos. Não conseguia precisar, nem sob pressão, quantas vezes tinha conferido as horas no velho relógio do meu pulso. Da mesma forma descontrolada eu fazia com o celular. Se não segurasse a onda eu iria para o segundo copo de caipirinha que eu bebia por pura insistência do barman que dizia ser a especialidade do bar. Num desses sorrisos que na verdade eram bem simpáticos, eu pedi que preparasse a bebida e me surpreendi com o quão gostosa ela era. Ele não estava me enrolando, afinal.

Mas alguém poderia estar e essa era a única coisa em que eu conseguia pensar. Eu chegara no horário marcado e no lugar exato que tinha indicado para David quando ele ligou mais cedo naquele mesmo sábado, ordenando que eu escolhesse um lugar para o cumprimento de mais uma promessa. Eu estava sentado numa baqueta ancorado ao balcão e de frente para a porta de entrada. Seria impossível que eu não tivesse visto ele passar por ali. Mas no fim eu me prendi à lembrança de que ele não parecia ser do tipo que furava encontros marcados, então alguma coisa poderia ter acontecido.

Eu terminava de esvaziar meu copo com a intenção de já conferir as horas em seguida quando eu vi a porta se abrir e a silhueta que eu esperava adentrar o ambiente de luzes vermelhas e baixas. Eu sorri sozinho mas fingi desinteresse para logo em seguida acordar para o fato de que não precisaria daquilo. Aquele não era um encontro sexual. Eu não precisava de jogos. Ninguém precisa, afinal. “Idiota”, eu me repreendi antes que ele estivesse próximo o suficiente para ouvir.

- Começou sem mim? – ele apontou para o copo vazio sobre o balcão com um sorriso que me fazia esquecer os primeiros cumprimentos de um encontro.

Ele me viu descer daquela banqueta onde eu estava empoleirado e de frente um para o outro o abraço era inevitável. Completamente desajeitado, eu emoldurei o corpo dele com meus braços por baixo dos dele, sentindo muito daquele corpo encostar no meu. Ele estava quente e eu deveria estar ainda mais. Ele não tinha o peitoral muito largo, mas o abracei com certa dificuldade. Após alguns segundos eu o larguei primeiro tornando o fim daquilo ainda mais constrangedor. Eu sorri aliviando uma coceirinha inexistente em minha nuca e ele ligeiramente ocupou a outra banqueta ao meu lado como se nada tivesse acontecido. Ele sabia contornar as situações melhore que eu.

- Topei com imprevistos – ele começou me livrando de criar um assunto.

- Ah, sim. Achei que levaria um bolo, como dizem hoje em dia.

- Como é? Não. É claro que não faria isso. Não é difícil de imaginar como é trabalhoso sair de casa num sábado à noite quando sua criança quer ver aquelas animações repetidas na TV.

“Não é difícil de imaginar isso e também não quero falar sobre” eu pensei mirando o copo vazio antes de olhá-lo com um sorriso quase falso.

- Crianças, né? Sempre imprevisíveis.

- Sempre – ele concordou notando que aquele não era o melhor assunto para iniciar a noite. – Não venha me dizer que não pediu o meu? – Ele contornou sabiamente falando sobre a bebida.

- Eu acabei de tomar o último gole – eu respondi em tom de desculpas.

- Não seja por isso. Prepare mais dois destes – ele bradou para o Barman que o respondeu com uma piscadinha. – E então, como foi seu dia?

Eu não conseguia disfarçar o quanto eu ficava afetado toda vez que via os olhos deles me cercando.

- Eu trabalho dentro de um cubículo. Você não vai querer ouvir sobre crianças choronas e pessoas estressadas. Essa é uma pergunta inválida.

- Cadê a emoção que sua idade promete? – E então riu me entregando as benditas marcas que eu começaria a odiar se um dia não pudesse tocá-las. A que surgia no final das bochechas um pouco acima do lábio era a minha preferida.

- Provavelmente os jovens eram muito mais excitantes na sua época – eu lhe respondi com sinceridade. – Hoje há muitas tribos, rótulos e a normalidade é algo amplamente odiado. Eu sou só um rapaz normal, então...

- Aqui está sentado no balcão de um bar com um velhote entediante – ele me interrompeu em tom de brincadeira.

- Pare! – Eu quase o interrompi de volta colocando minha mão sobre seu antebraço para logo em seguida desfazer o movimento subitamente. Com isso eu voltei tanto meu corpo para trás que quase me vi caindo de costas sobre o homem sentado na outra banqueta. Tão ágil e preciso David me segurou pelo braço, impedindo um desastre e uma cena horrorosa se deslanchar. Eu queria conseguir fingir que aquilo não tinha acontecido, mas ver David gargalhar me fazia não temer a minha predisposição ao desastre e quase assumir que por pouco eu não tinha despencado dali como uma criança sem coordenação nenhuma.

– Você não é um velhote e muito menos entediante. Aproveite e já me faça outra promessa: não falar mais isso. – Eu disse quando nos recuperamos dos risos desenfreados.

- Mais uma promessa – ele concordou com minha proposta. – E quase mais uma queda.

Logo dois copos foram colocados sobre a mesa. Por causa dos longos e preciso dedos, o copo quase sumiu na mão dele e eu fiquei observando-o manipular o canudinho. Primeiro mexeu a bebida e depois o esqueceu de lado para provar a delícia. O sorriso largo e molhado explicitava a aprovação.

- Meu Deus que isso está bom demais.

- Opa, já chamou o barman de Deus no primeiro copo. Suspende o álcool do velhinho – eu ri tomando meu gole.

- E a promessa? – Seu olhar e a boca entreaberta me cobravam.

- Para um advogado você esqueceu de observar algumas coisinhas importantes. Você não pode falar tal baboseira, mas eu posso.

Meu olhar vitorioso e divertido encontrou o dele, tão brincalhão e convicto.

- Preciso tomar cuidado, você é esperto demais para o meu gosto.

E nossas gargalhadas juntas eram mais altas do que queríamos que fossem, mas isso não importava tanto. O bar inundado de vozes e a música ambiente fazia com que elas fossem apenas parte de tudo.

Continuamos por muito tempo sentados em nossas confortáveis banquetas e ainda plantados no balcão, imersos em nossos assuntos que tratavam de detalhes sobre nós, sobre os outros e sobre o mundo. Por vezes quando a música parecia ser mais alta, ou propositalmente pegavam pesado no volume para o divertimento dos presentes, ele se via obrigado a se aproximar de mim caso quisesse ser entendido com clareza. Eu não reclamava e muito menos tentava me manter longe, mas toda vez que tão próximo eu conseguia senti-lo, meu corpo reagia ao cheiro que exalava dele. Parecia pertencer às famosas gotinhas derramadas na parte lateral do pescoço. Era um cheiro exótico e inacreditavelmente confortável, além de muito gostoso. Começava forte, amadeirado e com notas que pareciam de vinho, mas não tanto, depois ficava suave em notas quase cítricas. Era realmente bom tê-lo por perto. Não somente pelo cheiro agradável, é claro, mas pela oportunidade de poder conversar sobre tudo. Eu não precisava fingir futilidade para atraí-lo, como precisaria se aquele encontro fosse com um membro dessa garotada de hoje, e também não precisava vasculhar minhas profundidades pois fazê-lo rir era algo que tudo em mim via como natural. Principalmente quando se é alguém que quase cai por apenas estar com os pés longe do chão. Da forma como ele se entregava aos assuntos, à mim e aos drinques, deixava claro que precisava e procurava por aquilo há tempos. Parte de mim estava feliz em saber que eu poderia ser tão bom para alguém, mas a outra parte, aquela inclinada ao drama, sabia para onde ele iria no final daquela noite e isso chegava a causar um leve desconforto no estômago.

.

Eu tentava resgatar a mais remota lembrança em busca dos motivos para carregar uma pequena cicatriz pouco acima do pulso direito, quando o vi direcionar sua atenção para algo além dos meus olhos cerrados e distantes dali. Ele acompanhava com o olhar um pequeno grupo que se encaminhava aos risos e pulinhos para a pista de dança, que naquela altura não era mais ocupada pelos animadinhos da noite ao ritmo de suas músicas do momento. Ele sorria com a felicidade de alguém que acabara de encontrar quem ou o que tanto procurava.

- Isso é Tears For Fears – ele me alertou ainda contemplativo.

- Não há dúvidas – eu confirmei me divertindo com a expressão dele.

- Vamos nos juntar ao dançantes, não vamos?

Os olhos instigados mirando os meus, as mãos pesadas apertando cada um dos meus joelhos, o corpo inclinado em minha direção e os lábios molhados em um sorriso convincente me diziam que nada naquele homem era ignorável ou irrecusável. Ele poderia me chamar para correr no meio da madrugada que eu iria.

Entendendo como um mestre o que meu corpo queria dizer, ele apenas segurou minha mão com a sua e ligeiro conseguiu me arrastar para a pista. Algumas poucas luzes piscavam ali, mas o charme estava exatamente nisso. Com a música que aquele grupo tinha pedido para colocarem, parecíamos embarcado em uma viagem no tempo aos antigos clubes onde muito provavelmente David ocupava as pistas de danças com seus lindos e iluminados olhos castanhos. Ele sorria quando girava seu corpo com certa dificuldade por causa dos muitos drinques e nossos olhos se encontravam outra vez. Ele mexia a cintura de um lado para o outro ao mesmo tempo que estalava os dedos no ar, seguindo perfeitamente o ritmo animado da música. De sua boca saía um quase exagerado “nothing ever lasts forever... Everybody wants to rule the world” e somente quando ele fechou os olhos para se entregar ao refrão eu me dei conta de que estava naquele momento e que ele precisava ser vivido. O cabelo penteado de David não mais estava tão comportado e no lugar e isso muito queria dizer. Padrões estavam sendo quebrados novamente. Alguns fios caíam sobre a testa enquanto ainda de olhos fechados a voz dele e a minha se misturavam com as outras vozes dos outros componentes daquela dança sem moldes. Cada um ao seu ritmo e estilo, parecíamos nos mover em câmera lenta, pois sempre que um feixe de luz iluminava o rosto dele eu conseguia ver com clareza cada expressão naquele rito de liberdade. Eu o via ainda mais bonito não pela forma como ele balançava o corpo e parecia um jovem retirado dos anos noventa e colocado no meio daquela pista, mas porque sentia que naquele instante eu o assistia ser a versão mais verdadeira de si mesmo.

Continuamos ali por mais umas duas músicas, até que ele colocou as mãos sobre os joelhos e disse que precisava sentar antes que caísse duro. Aos risos e brincadeiras sobre nossas condições físicas, nos sentamos e mesmo bem altos pedimos mais dois drinques que ainda não tínhamos experimentado.

Entre olhares direcionados ao relógio e uma leve embriaguez se aproximando, decidimos que estava na hora de ir embora. Somente quando saímos do bar notamos que caía uma chuva muito leve mas que nos molharia se precisássemos esperar por algum táxi naquele horário. Por sorte, ou o acaso novamente, um se aproximou e corremos em sua direção. Imediatamente embarcamos naquele que seria nosso salvador pelo menos até tal lembrança não existir mais e o vi, do outro lado do assento, secar o rosto que guardava gotinhas inconvenientes ao mesmo tempo em que dizia nosso destino ao condutor do automóvel.

- Chuva de verão? – Parecia mais uma afirmação camuflada de indagação.

- Uma noite fresca no meio desse inferno – eu comemorei.

- Nem se anime. Essas chuvas não duram o tempo necessário e isso só intensifica essa sensação de abafamento.

Ele cortava o meu barato com um sorriso encrenqueiro nos lábios. Ignorando aquele sorriso perigoso, estiquei minha mão e coloquei aqueles fios rebeldes de volta no lugar deles. O cabelo dele não era grande, mas quando bagunçado os fios eram notáveis. Consequentemente meus dedos escorregam pelo cabelo molhado e quando notei que aquilo tinha se estendido por um tempo desnecessário encontrei os olhos dele cravados nos meus em uma seriedade quase assustadora. Eu não poderia evitar se ele tentasse alguma coisa ali e eu sabia que ele poderia fazer isso. Mas em vez de tomar caminhos precipitados ele desviou o olhar e eu fiz o mesmo, mirando assim a rua ao meu lado através do vidro molhado.

- Gostei do bar... – Uma pausa. – E das músicas... – Outra pausa longa demais. – E da dança! – Ele contornou aquela situação.

- Foi uma ótima noite, não foi? – Era minha forma de concordar.

Eu queria olhá-lo e o encontrei fazendo o mesmo, mas dessa vez não havia mais tensão no ar. Ambos concordávamos com o corpo inteiro que fazer aquilo era quebrar alguma lei. Eu estava disposto a errar pelo menos uma vez na vida, mas se ele não queria era meu papel respeitá-lo.

- Foi uma noite incrível – ele murmurou, condizente.

- Obrigado por não dormir ou deixar o tédio nos consumir – eu sussurrei de volta.

A resposta dele contrariou toda as regras possíveis e todos as minhas previsões. Eu vi sua mão se arrastar pelo assento escuro na direção da minha. Impossibilitado de tirá-la do caminho, eu senti os dedos de David tão úmidos e frios tocarem os meus com uma suavidade surpreendente. Os dedos grandes e grossos eram delicados como nenhum outro poderiam ser. Eu me permiti receber aquele carinho e ele se permitiu oferecer. Aquela era a troca mais memorável que eu tinha feito com alguém. Aquele era o final de noite que conto nenhum poderia prever.

Não muito depois daquele toque que durou alguns segundos, ele pagou a corrida e descemos do táxi, ficando sob uma chuva ainda mais fina.

- Eu fico aqui – eu fiz ele entender que precisava ir.

- Tenho ainda alguns metros pela frente – ele sorriu cabisbaixo.

Ele ficava ainda mais bonito quando constrangido ou só tímido mesmo.

- Cuidado com os degraus. Eles podem ser perigosos para um velhote altinho. – Brinquei dando meus passos para trás rumo ao portão do meu prédio.

- Engraçadinho. – Ele praticamente soletrou evitando gritar no meio da madrugada.

Eu o vi apressar os passos em direção ao prédio que ficava exatamente ao lado do meu e fechei o portão atrás de mim, para então protagonizar a cena mais dramática da minha vida. Sob os pingos geladinhos, encostei minha testa na grade e fechei meus olhos pensando em tudo que poderia ter acontecido naquela noite. Eu contabilizava todos os erros inexistentes e toda a culpa que eu já carregava. Meus pensamentos foram travados quando ouvi o porteiro daquele dia, Seu Farias, chamar minha atenção.

- Com licença, está tudo bem, né?

- Opa, tudo bem sim. – Eu ri em toda minha falta de jeito. - Boa noite, Seu Farias. – Eu caminhei e passei por ele que fez uma careta para minha roupa molhada.

- Achei que você estivesse passando mal, parecia tão sem força ali no portão. E ainda está todo molhado. Cuidado com a gripe!

– Eu posso estar começando a ficar gripado mesmo, Seu Farias. – Eu respondi no meio do caminho até as escadas. - São essas chuvas de verão, né? – Aproveitei para rir da situação e de mim mesmo. – As inevitáveis e surpreendentes chuvas de verão!

.

.

Será que fui abandonado? Gente, não façam isso comigo. Eu sei que demorei muito a voltar, mas agora estou bem aqui. Espero que continuem atento ao menino Ezra, e espero que estejam gostando. Obrigado por quem se preocupou e me desejou coisas boas. Vocês são bem bonitinhos. Sintam-se abraçados. Longamente abraçados.

Jades, você disse que não entende algumas coisas dos diálogos. Há algum problema com eles? Eu posso ajustar algo? Me dá uma dica antes que a insegurança bata em minha porta. haha

J. K., obrigado pelo carinho de sempre. Vou já ver se você e Jades estão com novidades postadas pra mim. :D

Smile.Smile, Prireis822, Ru/Ruanito, todos os abraços pra vocês!

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Comentários

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Amei. muito bom. Que.bom que voltou aguardando os proximos :)

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