Meus olhos brilharam.
- estamos namorando? - perguntei com o sorriso largo.
- não mais.
Meu sorriso se desfez. Fernando me deu as costas e saiu caminhando pro outro lado da rua.
- Fernando. - falei em seu encalço.
- não me segue. - disse ele com lágrimas nos olhos.
Fernando continuou caminhando, e eu teimei em ir atrás.
- me escuta Fernando.
Fernando parou, e por um momento me deu atenção.
- Gabriel, na boa cara, volta la pros teus rolos. Me arrependo de ter tentado algo contigo.
- eu não me arrependo não. Gosto de você brother, e jamais faria algo pra estragar o lance da gente.
- uma vez eu te pedi pra tentar ficar só comigo, e me respeitar.
- e eu fiz isso mano. Eu to apenas contigo cara.
Fernando riu sarcástico.
- comigo, e engolindo a porra dos outros. E ainda quer me beijar?
Fernando foi cruel. O cara ficou aguardando que eu revidasse aquela agressão, mas isso não iria acontecer.
- não tem resposta né!? - disse ele.
- não adianta cara. O que eu te falar vai ser em vão. Gosto de você demais Fernando, mas eu não vou deixar você passar por cima de mim assim. Não mesmo.
Devolvi a ele o embrulho, e dessa vez, foi eu quem virei as costas.
O que a gente mais espera, nesses momentos, é que a pessoa venha a nosso encontro e peça desculpas. Mas com o Fernando, isso seria quase impossível.
Entrei no meu prédio, e ainda pude ver o Fernando jogando o presente, furioso, no banco traseiro e em seguida saindo em disparada.
Não chorei na frente dele, mas agora que eu estava sozinho, não tinha como segurar as lágrimas.
- ta tudo bem seu Gabriel? - perguntou o vigia daquela noite.
Só consegui balançar a cabeça que sim. Entrei no meu apartamento e me tranquei no quarto. Sentei escordado na porta, e chorei copiosamente. Chorei como se eu estivesse perdendo a coisa mais importante da minha vida.
É difícil explicar como alguém tem tanta influencia sobre a gente.
Saquei o celular do bolso, e visualizei a foto de perfil do Fernando. O cara estava prestando continência. Passei as mãos pela tela do celular, e senti o rosto dele. As lágrimas vieram com mais força. Assustei com o toque do celular, era uma chamada do Danilo.
***
- Oi primo. - falei tentando engolir o choro.
- to virando zumbi e tu não chega caralho.
Sorri.
- vou precisar do ape mais não primo.
- porra! Eu to aqui acordado por nada?
- deixa de drama pô!
- drama é minha pica. O que eu faço agora?
- uai. Toma café comigo brother.
- café?
- claro ué. O dia já ta amanhecendo mesmo. Topa ir tomar café?
- isso é programa de quem passou a noite na balada, mas beleza. Eu topo sim. - disse rindo.
- vou só tomar um banho, que to um pouco suado, e já passo aí.
- tranquilo.
****
Não demorou muito, e cheguei no apartamento do Danilo. Saímos de casa, e o sol já começava a aparecer.
- o que te deu pra querer tomar café a essa hora?
- to sem sono.
- bebeu muito?
- nem bebi cara.
- o que ta acontecendo contigo?
- nada. Por que?
- tu ta muito diferente primo. Não é mais o mesmo.
- é só o cansaço primo. Antes, não tinha faculdade nem trabalho.
- não é só isso não. Te conheço desde moleque e tu ta estranho.
- to crescendo.
Danilo sorriu, e me fez cafuné enquanto dirigia.
- a é? Porra! Se tu não fala, eu não teria percebido.
- otário. - sorri.
Danilo estacionou o carro e entramos em uma grande panificadora do centro da cidade.
- que tu vai querer? - perguntou meu primo.
- mano, to brocado óh. Vou querer de tudo.
- Arri. Pra trabalhar é uma criança, pra comer é o esmeril da frança. - sorriu.
- vai tomar no seu cu primo. - Dei um leve soco em seu ombro.
Após realizar nossos pedidos, sentamos em uma mesa afastando, e ficamos aguardando.
- que tanto tu olha nesse celular? Ta esperando a ligação de alguém? - meu primo arqueou a sobrancelha.
- hã? Não! Tô só vendo as horas.
- arram. Sei. - disse meu primo.
- juro.
Danilo sorriu.
Nossa senha foi anunciada no leitor, e eu fiz menção em ir buscar nossa refeição.
- deixa que eu pego. - disse Danilo levantando.
- beleza. - falei.
Quando Danilo se afastou, voltei a olhar meu celular. Nenhuma ligação, nenhuma mensagem. Visualizei novamente o perfil do Fernando, e me deu um aperto no coração. Como vou esquecer esse cara, se na minha mente não tem espaço pra mais ninguém? Pensei bem, antes de excluir o número dele da agenda.
Danilo retornou com o café, guardei o celular, e agi com naturalidade.
Assim que cheguei em casa, recebi uma ligação do Júlio.
***
- fala Julio.
- Ocupado Gabriel?
- não cara. Diga lá.
- to me sentindo muito mal.
- o que tu ta sentindo?
- meu coração ta doendo muito. - Julio tinha a voz cansada.
- já sentiu isso outras vezes?
- não. Primeira vez.
- tu quer ir no hospital? Se tu quiser, eu te levo.
- quero sim.
- beleza. Te busco aí.
- você acerta?
- sim. Chego aí rapidão.
- valeu Gabriel.
****
Pedi o carro ao meu pai, e zarpei pra casa do Julio. Lá chegando, meu cliente já me aguardava do lado de fora.
- entra aí. - falei, abaixando o vidro do carro.
Julio deu algumas passadas, e subiu no veículo.
- pronto socorro, ou você tem algum plano? - dei a partida do automóvel.
Julio me entregou sua carteira.
- o que é isso?
- eu tenho um plano de saúde nacional. Ta tudo aí dentro.
Verifiquei a carteirinha do Julio, e acelerei o carro.
- vai ficar tudo bem cara. - tentei acalma-lo.
Julio confirmou com a cabeça.
Seguia concentrado na estrada, mas sem tirar os olhos do Julio.
- dorme não cara. - falei ao vê-lo fechando os olhos.
- essa dor ta insuportável. Parece que tem uma faca cravada no meu peito. - Julio tinha muita dificuldade em respirar.
- Já estamos chegando.
Eu estava nervoso. Sentia um aperto em ver o Julio naquele estado.
Assim que cheguei ao hospital, entrei com o Júlio pela emergência. Alguns atendentes o colocaram em uma cadeira de rodas, e o levaram diretamente a uma sala restrita.
Como era angustiante ter que esperar alguém ser atendido.
Enquanto não chegava noticias do Julio, fui à recepção cadastrar sua entrada.
- cadê o titular? - perguntou a atendente.
- ele entrou pela emergência, e já ta sendo atendido.
- o que você é dele?
- amigo.
A moça digitou alguma coisa, e em seguida imprimiu um documento.
- assine aqui por favor. - disse ela.
O tempo passou, e eu recebi a noticia de que o Julio estava com um grave problema no coração.
- eu posso vê-lo? - perguntei à enfermeira.
- ele ta sendo medicado, mas assim que for pra observação, você pode.
- ta ok.
A moça entrou em uma sala, onde dizia: ''Restrito''.
Assim que Julio foi para observação, eu fui ao seu encontro.
O cara não dizia nada, apenas me observou entrar. Parei ao seu lado, e lhe fitei.
- você já ligou pra sua família la em São Paulo? - perguntei sereno.
Júlio, com o olhar abatido, negou com a cabeça.
- e o Juliano?
- saiu ontem com o Juan, e ainda não chegou em casa. Tentei ligar, mas o celular dele tava desligado.
- talvez esteja descarregado.
Julio consentiu.
- você vai ficar internado? - perguntei.
- acho que não. - Julio soltou uma lágrima.
- você vai superar isso cara.
- eu to com medo de morrer Gabriel. - disse sereno.
- agora não cara. - tentei não mostrar preocupação.
- como isso foi acontecer comigo?
- eu não sei. - abri os braços buscando respostas. - Só sei que vamos fazer tudo o que o médico recomendar.
- você pode fazer um favor pra mim Gabriel?
- claro que faço cara, é só pedir.
- tem como você me levar a um outro cardiologista? Eu quero ouvir a opnião de outros profissionais.
- levo.
Tentei animar Julio, mas ate eu tava desanimado.
No dia seguinte, agendamos uma consulta para o meu cliente.
Pedi dispensa do trabalho, e à tarde, acompanhei Júlio ao médico.
As noticias não foram diferentes das que recebemos no dia anterior.
Juliano, que desta vez nos acompanhou, ficou abalado com a notícia da doença do irmão.
- Assim que chegamos em sua residencia, Julio Cesar foi direto para o quarto. Eu conversei com ele por uns vinte minutos, até que ele caiu no sono.
Coloquei minha mochila nas costas, e saí do quarto tentando não fazer barulho. Desci as escadas, e Juliano me abordou na porta da saída.
- já ta indo Gabriel?
Poucas vezes Juliano havia me pronunciado a palavra. O cara estava sentando no sofá da sala.
- Já. Não acha melhor comunicar à família de vocês?
- Falei com minha cunhada, mas ela não ta podendo vim pra cá agora.
- e teus pais?
Juliano ficou pensativo.
- não sei o que falar a eles. Eu não tenho coragem.
- eu entendo. É uma notícia difícil de passar à alguém.
Juliano apenas balançou a cabeça.
- eu sinto muito cara, mas teu irmão vai sair dessa.
Juliano me fitou calado, apenas concordava com os olhos.
- O Julio dormiu. Qualquer coisa você me liga. - falei em despedida.
- Fica cara. Vai agora não, nós vamos precisar muito de tu aqui. Fica vai.
Juliano abaixou a cabeça, e desatou a chorar. Eu, idem.
Continua...