Julio destravou as portas, e quando íamos entrando no veículo, alguém me chamou.
- Gabriel.
Julio e eu olhamos para o outro lado da rua ao mesmo tempo.
Fernando estava parado em frente ao meu prédio. Calça jeans surrada, camiseta branca, mochila camuflada nas costas e o sorriso mais lindo do mundo.
- você conhece? - disse Júlio escorado na porta do carro.
- ele voltou. - falei pra mim mesmo.
Não podia demonstrar, mas meu coração estava perto de saltar pra fora do peito. Tanto tempo longe do Fernando não foi o suficiente para eu esquece-lo.
- tu me espera rapidão? - disse olhando para Julio.
- vai la. - respondeu ele.
Atravessei a rua, e fui de encontro ao Fernando.
- Fernando? - falei com um sorriso notável.
- quem é aquele cara? - foi a primeira coisa que ele perguntou.
- um cliente lá da loja. - falei.
- ta trazendo os clientes pra tua casa agora?
- eu to mostrando à cidade pra ele.
- pode me explicar melhor?
Olhei para a caminhonete, e Julio acenou.
- ele não é daqui. Veio a trabalho, e pediu para conhecer a cidade.
- hum.
- por que você não disse que chegaria hoje? - perguntei.
- pensei em fazer uma surpresa.
- gostei da surpresa. Vontade de dar um abraço em tu.
- aqui não podemos. - disse ele olhando para o movimento na rua.
- eu sei.
- não quer dar uma volta comigo?
- agora?
- sim. Tem alguém na tua casa?
- meus pais.
- podemos ir a um motel então?
- motel? Porra Fernando, eu tava morrendo de saudades, e você chega querendo meter?
- eu também to com saudade Gabriel. Por isso quero um lugar mais sossegado só pra nós dois.
- mentira velho. Você ta querendo é me comer. É essa saudade que tu tava sentindo de mim?
- Gabriel, Gabriel não vai começar.
- to começando nada não cara, mas porra Fernando, até presente pra você eu comprei. Não to dizendo pra você me retribuir, mas achei que minha companhia fosse importante.
- e quem falou que tua companhia não é importante? Eu gosto de você moleque. Meus pais nem sabem que to na cidade, você é o primeiro. Se isso não for gostar de você, eu não sei mais o que pode ser.
- você ta falando a verdade? Você veio, primeiramente, falar comigo?
- falar, ficar, te abraçar... Mas to vendo que você ta ocupado.
- eu to levando ele la no quiosque do Pedrão, na praia. Depois eu to livre.
- tem pressa não.
- você ainda quer me ver essa noite?
Fernando sorriu.
- quando tiver livre, você me liga.
- beleza.
- tenho uma surpresa pra você.
- o que é? - perguntei curioso.
- se eu falar, deixa de ser surpresa.
Sorri.
- ta ok. Vou ficar ansioso.
- e a promessa que você me fez?
- qual promessa?
- não lembra mais?
- pra falar a verdade não.
- então acho que você não levou muito a sério.
- com certeza eu levei, mas não lembro. - sorri.
- então deixa queto. - Fernando sorriu.
- não cara, fala aí.
- eu pedi pra você maneirar no álcool.
- ah mano, isso ta sobre controle. - sorri.
Fernando me encarou.
- to gostando de ver.
- to me segurando por você mano.
- eu faria o mesmo por você. Pode apostar. - Fernando piscou o olho.
- eu vou ter que ir nessa.
- ta certo. Cuidado.
- pode deixar.
- me liga?
- vou fazer melhor que isso.
- hummm. O que você vai fazer?
- vai ser surpresa.
- ta me imitando? - Fernando sorriu.
- não quero ficar por baixo.
- agora to ansioso pra saber qual é a surpresa.
- só confia em mim que tu vai gostar.
- confio demais em você. Sei que você tem os melhores planos pra mim.
- pode apostar que sim. Agora vou ter que ir mesmo.
- ta, assim que terminar lá, me liga que vou te buscar.
- ligo.
Vontade de agarrar o Fernando, tirar sua roupa e lamber todo seu corpo, ou ao menos abraça-lo. Mas entendo que em público, isso não seria possível. Apenas, despedi-me com um aperto de mão, e o coração partido, sabendo que estamos tão perto e ao mesmo tempo tão longe.
Voltei para o carro, e Júlio deu a partida.
- to gostando da cidade. - disse Júlio compenetrado na estrada.
- aqui é top mano. O ruim é o calor.
- Brasil todo é calorento, com exceção a alguns locais.
- no sul é frio não é?
- é sim, mas não é só no sul. Tem cidades de outras regiões que também tem um clima bem agradável.
- prefiro praia e sol. - falei.
- somos dois. - Julio sorriu.
- to vendo que você veio bem confortável. Estou me sentindo um peixe no seco com essa roupa. - disse ele olhando a forma como eu estava vestido.
Julio usava uma calça sport fino, sapatos sociais, e camisa de algodão três quartos.
- eu pensei em a gente dar um mergulho. Vim até de sunga. - falei.
- puts! Sério?
- sim, mas se você não quiser, não tem problema.
- é claro que eu quero. Só to meio desprevenido.
- não ta de sunga né!?
- pior. Tô de cueca branca. Julio sorriu.
- atentado violento ao pudor.
Rimos.
A praia tava lotada. Logo na entrada, topei com o Beto jogando vôlei. Apresentei Julio ao Beto, e ambos se cumprimentaram.
- E aí manin. - disse ele apenas de sunga vermelha. A areia deixava marcas em seu corpo branco.
- fala putão. Ta se bandeando pro lado do vôlei é?
- esporte ta no sangue. - sorriu.
- já ouvi isso em algum lugar.
- tristes lambanças.
- melhor deixar no passado né!? ri.
- bem enterrado. Bora jogar uma cerca?
- deixa pra próxima mano. Vou dar uma chegada ali no pedrão.
- daqui a pouco eu vou dar uma colada lá.
- vou te esperar.
- beleza. - disse ele se despedindo.
Beto voltou para o jogo, e eu segui - com o Julio - até o quiosque.
- aconchegante. - disse ele dando uma olhada no cardápio.
- acho que não é bem o lugar que você ta acostumado a frequentar.
- por que você acha isso?
Analisei o Julio por um momento.
- não sei mano. Você parece ser uma pessoa culta.
Julio riu.
- assim você me ofende Gabriel. É o meu jeito careta que te faz me achar culto? - disse sorrindo.
Sorri sem graça.
- não é isso. Você é todo educadinho, anda bem alinhado, aliança no dedo e tal's.
- que mais?
- mais uma pá de coisas.
- as aparências enganam Gabriel. Minha juventude foi muita regrada, meus pais me controlavam demais, e eu quase não pude curtir.
- caralho. Por que isso mano?
- meus pais sempre investiram muito em meus estudos pra início de conversa. Minhas saídas eram quase inexistentes. Minhas amizades eram muito restritas e selecionadas. Tive aula de línguas estrangeiras, golfe e até aula de piano. Não estou reclamando dos meus pais, longe disso, mas eles frustraram minha infância e juventude.
Por um momento, senti pena do Julio.
- e o Juliano?
- ele foi bem mais solto que eu. O Juliano pegou uma fase em que meus pais já tinham uma ideia mais amadurecida.
- agora eu entendo porque você gosta tanto de sair. Quer aproveitar o tempo perdido né safado!?
Julio sorriu.
- sim, e quando bati o olho em você, percebi que seria a pessoa certa pra me mostrar os melhores lugares.
- to atendendo as tuas expectativas?
- perfeitamente.
- que bom cara.
Rimos.
- aqui têm uns drinques muito bom. Você quer que eu busque um?
- por favor. - disse ele.
- qual tua preferencia?
- pode ser o mesmo que o teu?
- eu vou de suco.
- você não vai beber comigo?
- hoje não.
- teoricamente, depois de meia noite já é outro dia.
- amanhã também não. - Sorri.
Julio fez bico.
- posso indicar uma bebida? - sugeri.
- claro.
- então espera só um minuto.
- espero sim.
Saí da mesa, e fui ate o bar.
Algum tempo depois, voltei com a bebida do Julio.
- demorou? - falei lhe entregando.
- nada. Tranquilo.
- prova.
Julio olhou, desconfiado, para o drinque.
- pode tomar mano. Cuspi dentro não. - Sorri.
- bora ver se você tem bom gosto pra bebida.
Julio deu uma provada na bebida. Primeiramente ele degustou, em seguida tomou um gole mais considerado.
- e aí? - falei ansioso.
Julio voltou a beber do álcool.
- negroni. - disse ele passando a língua nos lábios.
- o próprio. - sorri.
- meu preferido.
- jura?
- sim. Somos muito parecidos Gabriel.
- verdade velho.
- só nascemos em décadas diferentes.
- o que não impede de sermos amigos.
- com certeza. Vamos pedir algo para comer.
- Só se for agora. Já que não vou beber, vou ao menos comer bastante.
- por minha conta.
- vou comer tudo do mais caro então.
Julio sorriu.
- Fica a vontade Gabriel.
A noite ao lado do Julio passava voando. O cara era uma companhia do caralho. Olhei para o relógio, e já passava das doze. Queria logo encontrar o Fernando, mas não iria dispensar o Julio, ele estava se divertindo e eu também.
Beto chegou com alguns amigos, e deu uma passada na nossa mesa.
- e aí cambada. - disse ele.
- e aí mano vei. Tomou banho?
- uma chuveirada la na praia. Não querem sentar conosco?
- e aí Julio? - perguntei.
- por mim, tudo bem.
- por mim também.
- beleza, vou chamar a galera pra vir pra cá então.
Beto deu um assobio, e os parceiros chegaram de imediato. Unimos duas mesas, e pedimos mais copos.
Vai cachaça, vem cachaça, e a galera já tava toda enturmada.
A dupla sertaneja tocava Henrique e Juliano. Alguns casais se enroscavam pelo ambiente, deixando o espaço um pouco menor.
Julio Cesar foi simpático com todos. O cara parecia ter pedigree, mas antes de tudo, era muito humilde.
Já pelas três da madrugada, decidimos bater em retirada. Antes, liguei para o Danilo.
***
- alo. - disse ele com a voz sonolenta.
- to precisando do teu apartamento. - falei direto.
- quem ta falando? - disse ele confuso.
- como assim quem ta falando? Sou eu caralho, teu primo.
- Gabriel? Que horas são?
- passa das três mano.
- e o que tu quer fazer no meu apartamento essa hora?
- coisa minha primo. Só preciso dele.
- vai dar uma festa?
Sorri.
- quase isso primo.
- posso participar?
- não primo. Dorme la em casa hoje. Só hoje. Por favor velho.
- tu é phoda primo. Ta onde?
- to aqui na praia.
- tu demora?
- não.
- vou te esperar então, não vou acordar os tios essa hora da madrugada. Eu tenho vergonha na cara.
- vai tomar no cu primo.
Danilo sorriu.
- tomar não, mas se você quiser me dar, eu como.
- ta trancado.
- agora tem dono essa porra?
- tem.
- serio?
- vamos falar da vida social do meu cu agora?
- podemos fazer uma social com ele.
Sorri.
- vou desligar. Já to indo pra ir.
- te espero.
- beleza.
****
Após me despedir do Beto, e seus amigos, Julio me levou em casa.
- já to aprendendo o caminho sem ajuda do GPS.
- aqui é fácil de chegar a qualquer lugar pô. A cidade não é tão grande.
- to percebendo, mas ainda há bairros que não conheço.
- alguns é melhor você não conhecer.
Julio sorriu.
- chegamos. - disse ele estacionando o carro em frente ao condomínio.
- mais uma vez valeu cara.
- valeu muito. Vai fazer o que essa semana?
- de sempre: Faculdade, trabalho e treinos.
- aqui na cidade tem algum lugar que possa jogar tênis?
- de mesa ou quadra?
- quadra.
- olha, eu nunca fui em um, mas posso ver com o Beto, ele deve conhecer.
- faz esse favor pra nós, e se você tiver um tempinho, vamos dar uma passada lá.
- nunca joguei tênis cara, mas parece ser legal.
- nossa... você não faz ideia do quanto. Além de ser divertido é saudável, e você acaba trabalhando vários músculos do corpo.
- principalmente da perna né!? Quem pratica, corre pra caralho que eu já vi.
- exatamente.
- fiquei interessado mano, e se eu gostar vou repetir outras vezes. Dar uma engrossada nas minhas pernas. - sorri.
- que isso. Suas pernas são bonitas, alias, você tem o corpo bem compacto. - disse ele um pouco mais próximo.
Julio Cesar conseguiu me deixar sem graça. Ficou um silencio dentro do carro, e Julio trouxe o corpo pra mais próximo de mim.
- então a gente fica assim né!? Eu falo com o Beto, e depois entro em contato. - falei interrompendo aquele momento.
- isso. - disse ele se afastando e aparentando ter ficado embaraçado.
- então vou nessa fera. Até mais.
- até mais Gabriel. háaaa. - disse ele, comigo ainda dentro do carro.
- fala.
- toma aqui.
Julio abriu a carteira e me entregou duzentos contos.
- não cara. Não faz sentindo eu ficar aceitando teu dinheiro.
- faço questão.
- não vai te fazer falta?
- fica tranquilo.
- então beleza.
Despedi-me do Julio. O cara destravou as portas do carro, e eu saí.
Deixei uma nota de cem cair na calçada. Abaixei, juntei, dobrei e coloquei no bolso da bermuda.
Uma sombra parada na calçada do prédio me chamou a atenção.
- ta ganhando bastante?
- Fernando?
Fernando estava parado na entrada da portaria do condomínio, com um grande embrulho nas mãos.
- ta passando necessidade?
- esse dinheiro aqui é um esquema que...
- não precisa explicar não.
- mas eu quero explicar.
- eu não quero ouvir. Você tem sua vida, e o que você faz dela, não me diz respeito.
- não é nada disso Fernando. O Julio me procurou, e me ofereceu uma grana pra...
- já disse que não quero saber. - Fernando não deixou eu concluir. - tó. - disse ele me entregando o embrulho que trazia consigo. - teu presente. Não sabia o que comprar, já que nunca namorei um cara, então espero que goste.
Meus olhos brilharam.
- estamos namorando? - perguntei com o sorriso largo.
- não mais.
Meu sorriso se desfez. Fernando me deu as costas e saiu caminhando pro outro lado da rua.
- Fernando. - falei em seu encalço.
- não me segue. - disse ele com lágrimas nos olhos.
Continua...