De volta a vida real
À chegada ao Brasil foi com uma recepção calorosa, muito mais calorosa do que eu poderia imaginar, estava minha mãe, Julia, alguns primos que a muito tempo eu não via e duas tias minhas que moram no Sul e vieram o Rio somente para me ver. Fui coberto de beijos, abraços e algumas lágrimas, isso sem lavar de uns tapas da minha mãe que estava completamente desesperada com tudo que havia me acontecido, Julia se mostrava mais serena pois sabia dos cuidados que havia recebido por parte da família de David mas ainda assim deixou cair algumas lágrimas quando me viu passar o portão de desembarque.
Chegando em minha casa encontrei uma sala coberta com fotos e balões, com todo turbilhão e diversas explicações de tudo que havia ocorrido chegou a visita mais inesperada, a do meu chefe, inesperada por dois motivos uma por não termos vínculos maiores do que a de trabalho a segunda por ter notado nele extrema preocupação com meu bem-estar e sem sequer falar nos dias em que faltei ao trabalho, se limitando apenas em dizer que fiz muita falta. Depois de um dia com notas visitas, perguntas e inúmeras tentativas de mostrar que eu estava de fato bem todos seguiram para suas casas ficando apenas eu e Julia. Enquanto conversávamos sobre David notei que ele ainda não havia me ligado.
- Ele me ama Julia ! Ele falou, mas até agora ele não me ligou. - disse triste mexendo no celular.
- Não ligou pra você porque pra mim foi uma mensagem a cada 10 minutos. Acho que o irlandês gamou mesmo. - disse Julia rindo enquanto ficava vermelho de vergonha.
- É porque ele não me ligou? Julia até agora to com aquelas palavras dele na minha cabeça, como uma música… Ele me ama Ju. - disse encabulado.
Julia notou meu desconforto em falar sobre o David com ela e e percebeu que sempre foi dura demais sobre meus sonhos.
- Pedrinho eu sei que eu fui dura mas eu precisava pôr seus pés no chão, já imaginou se ele não te falasse isso? E se esse conto de fadas todo com o vilão e o mocinho não tivesse acontecido! Como você estaria agora? Eu sabia que tinha algo diferente nele e tenho que dar o braço a torcer que seus sonhos são mais certos que dois mais dois são quatro. Eu precisava ser a durona, a chata justo por saber como você é sonhador com as coisas, como fantasia às vezes com coisas que não tem nada a ver.
Julia tinha razão em tudo que falou, sou um sonhador e me permito viver meus sonhos afinal a vida já é tão cruel e violenta no nosso dia a dia que não tem como não se refugiar nos sonhos. Quando as minhas premonições em forma de sonho também era bem verdade, teve uma época da minha vida que eu tinha problemas até pra dormir já que a maior parte do que eu sonhava acontecia em menos de uma semana.
Meus pensamentos foram interrompidos por uma chamada no Skype no celular, sentir meu coração acelerar quando vi o rosto e nome de David.
- Já estou com saudades! - disse David. - Estou não rapazinho ESTAMOS - completou uma voz feminina ao fundo que reconheci sendo de Kyara.
- Não me fala Dona Kyara deixei sem dúvidas um pedaço de mim aí. - disse para jovem senhora que logo apareceu no vídeo ao lado de David.
Conversamos por alguns minutos amenidades sobre a viagem e comentamos sobre uns dias de férias que Sr. Tony havia tirado com o Tio Henry numa pescaria. Após a saída de Kyara, Julia também notou que precisávamos conversar a sós.
- Eu preciso me desculpar com você, minha mãe e meu pai falaram que eu tinha que te falar o que sentia por você, mas o medo a todo instante me cercava. Ainda não sei lidar com isso mas cada segundo longe de você e como se minha vida não tivesse razão. Meu maior medo é justamente esse de te amar tanto e não ter chances de estar com você. - dizia David enquanto ficava tão vermelho que dava dó.
- Eu entendo seu medo, conheço sua história e tudo que passou com o Gustav. Mas eu estou vivo, te amo desde antes de te conhecer e podemos dar um jeito nessa situação. - respondi ao David sem pensar muito no que falava.
- Como me amava antes de me conhecer ? - indagou David confuso.
- É uma longa história que vai ficar pra outro dia.
Mesmo sem entender muito David viu que não adiantaria muito insistir em saber por hora. Conversamos um pouco mais até que o cansaço de toda viagem estava bem estampado no meu rosto e decidi ir descansar. Como Júlia morava bem perto pode ficar até um pouco mais tarde e logo foi pra sua casa, não quis comentar com a Júlia pois sabia que era iria ficar preocupada, mas essa seria minha primeira noite sozinho. Tudo que eu havia passado com o Ângelo, todas as noites que passei com aqueles capangas me batendo embora eu tentasse mascarar todas aquelas lembranças estavam mais vivas do que poderia supor, a noite seria longa.
Para garantir ao menos o sono tomei uns calmantes naturais que tinha que junto ao cansaço da viagem me proporcionou um breve descanso. O sono seria garantido, a garantia que não tinha era de descanso mental, os pesadelos que me atormentaram toda a noite eram quase sempre os mesmos, aquela casa cheirando a mofo e meia dúzia de homens me espancando, o peso do cansaço junto aos remédios não me deixava acordar e eu permanecia ali preso junto a aquelas lembranças que me perseguiam.
Como previa a noite não foi das melhores, o domingo aproveitei para pôr algumas coisas em ordem e na segunda voltava a minha rotina de trabalho, chegando a empresa em que trabalhava fui recepcionado de forma calorosa por meus colegas e em especial pelo meu chefe, os dias seguintes passaram pesarosos e se arrastavam a passos de tartarugas, passava horas com David no Skype todos os dias, sentia como se não fosse mais me encorajar a viver longe de David.
- Você não pensa em vir pro Brasil? Conhecer o Rio, as praias do Nordeste. - perguntei a David em uma de nossas conversas.
- Claro que sim! Mas hoje teria que largar as minhas coisas aqui. Eu lembro que você falou de um sonho quando nos conhecemos mas você não contou, fiquei curioso
- Ah qualquer dia te conto, ainda estou sem jeito pra falar disso é muito bobo. - respondi, nos despedimos e fui dormir.
Com mais um dia de trabalho tinha total ciência que levaria ao menos umas duas semanas até sanar toda a curiosidade de meus colegas, já tinha avistado meu chefe por algumas vezes ao longe porém não tivemos contato, já no final do expediente ele me chamou a sala dele, um convite já esperado por mim pois teríamos que conversar sobre todas as faltas que tive e como seria negociado para colocar isso em dia, ainda me assombrava uma remota possibilidade de demissão que por mais remota voltou a me assombrar naquela hora.
Ele estava com uma expressão séria, tinha uma feição pesada e me olhava como se analisasse cada filete de suor que escorria do meu rosto.
- Pode entrar, sente-se. Precisar ter uma conversa séria, sei que não é o momento perfeito mas precisa ser o quanto antes. - Disse ele com um breve suspiro ao fim da frase.
Ao entrar na sala era muito clara a energia tensa que nos rondava, mas estava preparado para tudo, teria que encarar qualquer que fosse a decisão dele.
- Bem Pedro eu acompanhei de perto por tudo que você passou nos últimos dias e realmente me solidarizo com toda a situação. Por mim você continuaria por aqui conosco, porém antes mesmo de você entrar de férias já estávamos pensando em algumas coisas e com todo essa sua ausência acabamos adiando um pouco essa nossa decisão em respeito a tudo que você passou. Hoje não tenho mais como adiar e até o final do dia muita coisa pode mudar.
Meu coração quase saia pela boca, tentava não pensar mas estava bem claro para mim, o tom sério pouco empregado pelo Allan não escondia o que estava por vir, seria eu mais um desempregado.
Continua...
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