Ano 2010
Desembarco na cidade maravilhosa, essa é a primeira vez que coloco os pés aqui desde a infância. Agora sou responsável por mim mesmo, posso turistar, andar pelas ruas à vontade, visitar os pontos de minha preferência sem ninguém tomar a liberdade de fazer isso por mim. Ando pelas ruas de Copacabana e isso me recorda os inúmeros filmes e novelas da televisão que utilizaram esse lugar como cenário. Não tem como não se apaixonar, acredito ser uma das cidades mais belas da terra, onde é verão todos os dias e a felicidade não vai embora nunca.
A semana seguinte é natal e as passagens de ônibus e hospedagens em hotel geram um custo absurdo em épocas festivas. Mas gasto com vontade, trabalhei um ano todo para isso, e conciliei com meus estudos no curso de letras da UNICAMP, universidade a qual me obriga a queimar os neurônios e gastar horas em cima dos livros. A viagem foi impecavelmente planejada, e estaria por ali até a véspera do dia 24, era tempo suficiente para descansar a cabeça e tentar obter alguns momentos de diversão.
Chego no quarto apertado de hotel. Estou com sono, passara nove horas seguidas dentro de um ônibus, isso sem contar a demora nos outros transportes. A primeira coisa que faço é me jogar na cama e tirar um cochilo. Acordo de madrugada e vejo que perdi uma noite, isso não é problema, poderei compensar contando com boa disposição no dia seguinte.
Tomo o café do hotel na manhã da segunda-feira. Gosto do serviço desse lugar, é rápido e conta com bom atendimento. Ofereceram a mim um exemplar do jornal local, aceitei ansiando captar alguma programação cultural nas redondezas. Leio o título da manchete na primeira página “ALUNOS DA UFRJ SOFREM COM PROLONGAMENTO DO PERÍODO DE AULAS NA SEMAMA DE NATAL”. O enunciado chama a minha atenção, instantaneamente recordo qual era a missão durante a minha estadia nessa cidade. Ao mesmo tempo que me divertir, deveria unir o útil com o agradável para buscar pelo amor de minha vida: Cauã.
Desde a nossa separação trágica na adolescência, num episódio em que o pai de Cauã descobriu nossa relação, ele fora trazido para o Rio, lugar onde concentrava-se boa parte de seus familiares paternos. Eu nunca mais o vi desde então, sequer tive noticias sobre onde e como estava. Seus pais afastaram-se dos meus e raramente falam com a gente. Isso abriu feridas em mim que, apesar do tempo, não consegui cicatrizar. Quase perdia meu juízo ao imaginar a possibilidade de nunca vê-lo novamente. Eu investia em uma ideia ousada, busca-lo entre os milhões de habitantes daquela cidade, e reunir o máximo de pistas possíveis sobre o seu paradeiro.
Coloco o pé na estrada. Tracei um roteiro com a ajuda de um dos atendentes do hotel para chegar à universidade. Ainda sendo um percurso um tanto longo e desgastante, acaba em um passeio agradável. Chego no campus correspondente à faculdade de Direito, no famoso Palácio do Conde dos Arcos, depreendendo que Cauã seguiria sua vontade em torna-se um advogado. Por lá, converso com alguns dos alunos que cercam o local, encontrando pelo menos um de cada turma. Nenhum sabe me informar a respeito de um sujeito chamado “Cauã Audebert”, nem mesmo a secretária responsável pelas informações do curso. Um pouco desanimado retorno. No decorrer da semana busco em meio as universidades privadas, não há nenhuma informação sequer.
No decorrer da estadia passo o dia todo na rua, nas praias, restaurantes, lojas. E as noites nos bares, na esperança de em uma feliz conspiração do destino na qual encontrá-lo-ia em um balcão, bebendo vinho ou qualquer outra bebida alcoólica de seu agrado, com um sorriso angelical e os braços longos e fortes prontos para me envolver.
Na véspera do dia do meu retorno, bebo alguns drinks a mais em um barzinho fino nas imediações do hotel. Não entendo se o álcool deixa-me inquieto ou um rapaz da mesa vizinha demonstra interesse em mim. Ele conversa com um casal de namorados, mas as vezes fica de vela quando os amigos se beijam ou trocam carícias. É interessante: barba cheia, corpulento, tatuagem no pescoço, trinta anos, no máximo.
- Eai cara, beleza? – Diz, se aproximando.
- Ótimo. – Respondo, animado. – E você?
- De boa.
Ele carrega uma garrafa de cerveja importada nas mãos.
- Acho que os meus amigos estão bem entretidos, é um saco ficar deslocado. – Brinca.
-Sim, eu estava aqui observando.
- Percebi que estava me olhando. – Ele solta um riso malicioso.
A investigação gastou todo o meu tempo, a vontade de reencontrar Cauã obriga-me a fazer loucuras, mas a fadiga de buscar por quem nunca vem e o desejo repentino que sinto por aquele homem permite da-lo uma oportunidade. Conversamos por bastante tempo, e a cada gesto, expressão e palavra notamos a vontade nas ações de ambos. Chama-se Rogério e mora nas imediações em um apartamento alugado. Me convida para conhecer o lugar, e entendendo perfeitamente as suas intenções, cedo.
Um lugar bem apertado, mas suficiente para quem não precisa de muito e passa o dia ganhando a vida. Fotógrafo, portador de diploma em fotografia e graduando em jornalismo, seu quarto é uma verdadeira galeria de arte. Centenas de fotografias espalhadas em um mural, registro de viagens, lugares, festas com amigos, entendo o quanto é sociável e adora uma aventura.
Transamos incansavelmente por duas horas. Não é a primeira vez que estive com um homem desde o meu primo, mas está sendo a melhor transa desde então. O corpo daquele rapaz faz-me desejar agarra-lo por horas.
Após o sexo, ele traz uma garrafa de vinho e tomamos alguns copos. O líquido lembra-me Cauã, e assim começo a conta-lo toda a minha trajetória até estar ali, bebendo com ele. Rogério é o tipo de cara simpático e bom ouvido para os desafortunados.
- Desculpe, eu sei o quanto é embaraçoso ouvir isso depois de transar comigo. – Me desculpo por contar uma longa história.
- Não se preocupe, também já tive histórias de amor como a sua. Elas terminaram mal, a vida se encarrega de dar outros fins diferentes dos quais a gente torce para acontecer. Mas se eu posso te dar um conselho: siga em frente, não é possível que seu primo tenha perdido seu contato. Ele sabia o seu número, por que nunca te ligou? Não me parece ter a mesma determinação sua em fazer uma viagem para encontra-lo.
Me calo, Rogério tem razão.
- Mas te admiro muito, o mundo precisa de pessoas que lutam por amor e acreditam nele a ponto de fazer essas loucuras. – Ele ri. – Sabe, sou campineiro, nasci e fui criado no município de Campinas, aos dezoito mudei para cá. O Rio de Janeiro é especial pois é um mar de pessoas, cores, paisagens e coisas. Existe muitas fotos para serem tiradas e essa foi a maior motivação para mudar: a inspiração. Sempre tem um lugarzinho novo para explorar. Parecia loucura quando disse aos meus pais sobre a viagem, mas me fez um bem medonho.
- Você deve ser muito feliz aqui. – Invejo.
- Sim, mas tenho meus pesares. Como dizem alguns, o Rio de Janeiro já não é mais o que foi no passado. Não descarto a possibilidade de retomar minha vida em Campinas.
Dormimos de conchinha no sofá da sala por preguiça de ir para a cama. Acordo com uma leve dor de cabeça no dia seguinte, olho para o relógio, falta poucas horas para ir até a rodoviária.
Rogério prepara a refeição matinal com pão, presunto, queijo, café com leite.
- Posso anotar teu número? Assim, talvez um dia tu pode me falar se a história do seu primo deu certo.
- Claro, pode sim.
Ele remexe os bolsos e saca um celular.
- Droga, descarregou. Vou anotar na minha agenda.
Busca um caderninho e anota os números que dito.
- Espero que seja o número certo, os caras das noitadas odeiam serem atormentados no dia seguinte.
- Te asseguro que sim. – Rio, tomando um gole de um café forte e adocicado, perfeito.
Lavo o rosto, escovo os dentes com o dedo, coloco a roupa, preciso ser rápido e torcer para o transito não me atrasar, em breve o lugar ficará para trás assim como eu me distanciarei do meu propósito.
Rogério beija minha boca. Ele faz o tipo romântico pegajoso, gosto disso.
- Tenho um evento para cobrir próximo a rodoviária, posso te levar até lá de carro. – Diz, erguendo a câmera profissional nas mãosabraço tímido antes de dizer adeus, parece ser para sempre mas algo dentro de mim diz que gostaria de tê-lo como namorado. A noite fora agradável demais para classificar Rogério como apenas uma distração. Eu digo a mim mesmo: “Se a vida não me colocar o rapaz que amo em meu caminho novamente, encontrarei alguém como este homem”.
Porém, apesar da intensidade com que nos envolvemos, não conversamos mais nos anos seguintes.
...
Ano 2015,
Sexta-feira. Havia prometido aos meus alunos devolver as provas corrigidas no início da semana seguinte, sabia da ansiedade em ver as notas, portanto não poderia falhar com o compromisso de fazer a devolutiva a eles o quanto antes. Era o único dia semana que tinha o dia todo livre para dedicar-me a outras atividades e aproveitava o tempo para colocar tudo em ordem. Ser professor do Governo do Estado de São Paulo não é fácil, são numerosos alunos, notas para fechar, provas para corrigir, aulas para preparar: inevitável levar trabalho para casa.
Enquanto estava sob a escrivaninha passando as notas para o diário escolar, escutei ao longe o telefone tocar. Mamãe gritou para que eu atendesse pois provavelmente estava ocupada cozinhando. Preguiçosamente levantei da cadeira sentido dor na coluna por passar horas sentado na mesma posição. Desço as escadas de madeira e corro para conseguir atender antes do alarme suspender.
- Alô?
- Alô. – Uma voz masculina inesperada fez eu me arrepiar.
- A... A Marisa se encontra?
- Pois sim, um momento.
Chamei mamãe. Enquanto ela conversava com a pessoa misteriosa, fiquei ao lado, mexendo no celular, curioso para adivinhar o motivo da ligação. Quase quinze minutos de chamada passaram, até então percebi parte do diálogo com tia Eliane, portanto saquei o nome do homem: Renan.
- Tudo bem, lamento muito mas não poderei comparecer pois já havia combinado com meu marido de jantarmos fora hoje, acho que ele ficará chateado se eu não for.
Marisa encerrou a ligação, sentou ao meu lado, arrumou os cabelos e pelos seus movimentos conseguia entender que a coisa era séria.
- A minha irmã é ridícula. Eu não acredito que ela teve essa audácia...
- Do que você está falando?
- Meu filho, se prepare. Eu preciso que você lide com isso da melhor maneira possível.
- Você está me assustando, mãe!
- Aquela pessoa que fez você ir atrás dela em tudo quanto é canto. Ela veio me fazer um convite, mas parece que foi meio obrigada pela minha irmã.
- Mãe, não brinca com coisa séria! – Eu disse, segurando as mãos frias de Marisa.
- Sim meu filho, o Cauã está de volta.
Meus olhos começaram a lacrimejar instantaneamente. Estive por oito anos aguardando esse momento e a demora é tão lenta quando incerta. Acreditava que jamais aconteceria, era causa perdida, e alguns anos até este momento marcavam minha desistência. A princípio tentei de diversas maneiras encontra-lo, mas isso tornou-se uma obsessão, a ponto de meu psicólogo recomendar-me parar de procura-lo, fiz isso e o enterrei para sempre.
- Não brinca... Mãe, como ele está? O que ta pegando?
- Ai vem a pior parte, ele está noivo de uma mulher e se casará em breve. O pai quer que seja algo grandioso, e claro, assim como fez com Renan, vai bancar a festa e de quebra deu um de seus imóveis para que o Cauã o divida com a noiva.
Choque. Isso confirmava todas as minhas dúvidas, as quais estive negando durante um longo período. Não consegui ouvir mais nada, subi para o meu quarto, fechei a porta e deitei na cama. Não chorei por simplesmente acreditar que ele não merecia minhas lágrimas. Me importei e lamentei a ausência de uma pessoa e por fim descubro um casamento.
Tanta coisa boa deixei de viver. Nunca rejeitei uma transa com um homem mas evitava relações afetivas. O mais próximo de um relacionamento foi a relação mantida com um vizinho, Flávio, um rapaz de minha idade que vivia na residência em frente à minha. Para os pais protestantes ele era um moço de se orgulhar, ia a igreja com roupa social aos sábados e domingos, trabalhava e os ajudava como um ótimo filho. Eles provavelmente lhe jogaria em uma fogueira se soubessem que, ao menos uma vez a cada mês, Flávio visitava minha casa e deitava-se comigo. Por muitas vezes servi de ombro para suas frustrações com a vida, inclusive chegou a chorar copiosamente relatando pensar em suicídio e só não o havia feito pois Deus condenava a prática.
- Filho. – Abriu a porta.
- Mãe?
- Por favor, não abata por isso. Minha irmã forçou Cauã a nos ligar somente para te desestabilizar, eu conheço ela muito bem. – Marisa sentou ao meu lado e alisou minha nuca. – É o jeito dela de esfregar na minha cara a “recuperação” do filho.
- Isso é cruel, mãe. Não se faz com ninguém.
- Foi por isso que não aceitei o convite para uma festa de noivado e inventei aquela desculpa de sair com seu pai hoje à noite.
- Sério que ela teve a cara de pau de te propor isso?
- Sim, meu filho.
Eliane era uma mulher de atitudes ardilosas, cruéis e mesquinhas, assim como o marido, Sérgio.
- Mãe, você vai a esse noivado! – Respondi, depois de pensar muito.
- Claro que não! Está ficando louco?
- Não só você, eu te levo de carro.
Eu deveria aparecer. Precisava olhá-lo frente a frente uma última vez e quem sabe conversar sobre as pendencias abertas no passado. Era só uma vez mais, depois queimaria todos os sentimentos que haviam em mim e me libertaria da dor.
...
Mamãe sentia-se desconfortável ao mesmo passo que nervosa, mas em momento nenhum contrariou minha vontade, sabia das minhas razões em querer vê-lo novamente e não se opôs a isso. Colocou um vestido verde-escuro e ficou a me esperar na sala de estar. Vesti uma jaqueta jeans aliada a uma camisa branca estampada com alguns escritos. Cabelo penteado (fazia isso apenas em ocasiões especiais) e perfume perceptível. Antes de sairmos papai percebeu meu cuidado com a aparência e recomendou-me não criar expectativas.
Dirigi apressadamente a ponto de mamãe pedir para diminuir a velocidade. Estávamos tão apreensivos que nem disfarçávamos a tensão. Eu respirava pela boca, as mãos geladas e trêmulas apesar de um calor escaldante. Ela batia os dedos no apoio do banco produzindo um som irritante.
A residência ficava um pouco distante, Marisa anotou o endereço em um papel e sugeriu que fossemos de taxí, mas confiava em meu GPS e chegaríamos sem grandes problemas. Depois de tomar algumas ruas erradas, a casa localizada em um bairro bacana foi encontrada.
Na hora de sair do carro percebi que a coragem me faltava.
- Mãe, toque a campainha e vai na frente, eu ainda preciso convencer a mim mesmo.
Ela assentiu e andou até o interfone. O portão automático abiu revelando uma casa de arquitetura magnífica.
Fiquei sozinho refletindo se essa era uma boa escolha. Depois de atravessar aquele portão as pessoas que estariam dentro da casa me desejariam longe dali, seria o visitante indesejado, portanto deveria estar preparado para a rejeição. Ver Cauã com outra pessoa preocupava-me, poderia desabar em uma crise de choro sem conseguir contê-la. E quem seria a moça? Diana? Não, pedia ao universo que jamais colocasse outra pessoa como ela em minha vida. A última notícia que tive de seu paradeiro fora que estudava em uma universidade na Inglaterra e preferia que continuasse assim.
Os minutos passavam e não tinha forças para dar um passo sequer para fora do veículo. Mamãe mandou uma mensagem via Whatsapp “Você não vai entrar?”. Quase uma hora e nada. Pensava no pior, no lado negativo das coisas, na abertura de feridas. Mas deveria ser forte, pela última vez. O sofrimento só teria fim se eu o encarasse, tinha de ser realista e corajoso. Por isso, abri a porta e andei lentamente até o interfone.
- Pronto? – Disse uma voz masculina.
Frio na barriga.
- Sou eu, Johnny, filho da Marisa.
Ele desligou o interfone, o portão abriu. Caminhei pela fachada da casa sem saber ao certo por onde entrar. Esperei alguns segundos para que alguém abrisse a porta da frente, e isso foi feito por Renan.
- Eai cara, tudo bem? – Estendeu a mão.
- Tudo. – Cumprimentei.
- Entra aí. Nós estamos comemorando no quintal, fique à vontade. -Disse, parecendo um tanto preocupado.
O irmão de Cauã era um cara legal, fiquei feliz por ser atendido por ele. Me conduziu pela casa impecavelmente mobiliada, com cheiro de nova e móveis novos em perfeito estado. O quintal era deslumbrante e contava com uma piscina, espaço para descanso e naquele dia recebia a decoração do noivado. Alguns rostos conhecidos, entre eles o da minha mãe, tia Eliane e Sérgio. Me aproximei deles enquanto tomavam champanhe na mesa.
- Meu filho, cansou de esperar no carro? – Disfarçou mamãe, nervosa.
- Sim, eu precisava tomar um ar.
- Tudo bom, garoto? – Cumprimentou Sérgio, com a pior cara possível.
- Estou bem Sr. Sérgio.
Eliane só observou o diálogo.
- Se me dão licença vou a cozinha ver se está tudo em ordem. – Levantou, a mulher segurou a taça de champanhe e saiu junto com o marido.
- Finalmente, pensei que não entraria mais. – Marisa disse a mim.
- Eu também pensei que não entraria, mas preciso fazer isso. – Peguei a bebida que mamãe tomava e a ingeri com apenas um gole.
- Se acalme filho, ele está tão nervoso quanto você. Quase teve um treco quando me viu sentada nessa mesa.
- Ah mãe, eu acho que vou morrer.
- Está vendo aquela mesa? – Apontou para uma aglomeração de senhores trajando roupa social. – Ele está entre eles.
Esse é o momento em que você precisa ser corajoso. Cada passo rumo à direção de Cauã uma palpitação mais intensa no peito. Pedi a Deus para me abençoar e ajudar a acalmar meu coração, ele me amparou, reúno a coragem necessária para me aproximar.
E num instante dou de frente com um homem de olhos extraordinários. Fico eletrizado, sem reação, morrendo por dentro. Ele me percebe, sem acreditar.
- John... – Essa palavra saiu abafada de sua boca.
- Cauã. – Sorrio, respirando fundo.
Não existia mais o adolescente de oito anos atrás. Tomou forma de homem, alto, forte, os traços do rosto maduro bem esculpidos. Não imaginava como a natureza poderia trabalhar tão bem conforme o passar dos anos.
Cauã levantou, ofereceu a mão. A apertei, seu toque foi mais apertado que o meu, fiquei feliz por ele não perder a força que tinha.
- Vou te apresentar aos meus tios. – Apontou para cada um deles enquanto eu os cumprimentava. – João, José e Paulo. Este outro é meu primo, André. – Apertei a mão de um rapaz da minha idade, e este a primeiro momento me pareceu antipático.
- Bom, pessoal, eu já volto. – Disse aos tios.
Andamos até um lugar mais reservado onde poderíamos conversar sem estarmos em evidencia.
- Johnny, é bom te ver.
Não poderia deixar me levar pelo encanto do momento, recordo-me do único objetivo: fazer perguntas.
- O que aconteceu com você? Por que desapareceu?
Cauã fechou a cara e procurou palavras.
- As coisas foram muito difíceis para mim nos últimos anos, só Deus sabe como.
- Para mim também. Eu sei que não poderia te cobrar a mesma atenção que me dava quando morava aqui em Campinas, mas eu contava com ao menos um telefonema, uma carta, um sinal de fumaça, sei lá, nem que fosse para dizer que não queria mais. Foi horrível, eu caí em pedaços, fiquei obsessivo, entrei em depressão.
Odiava ter de jogar aquelas coisas na cara dele, mas havia permanecido calado por muitos anos, essa era a chance.
- Johnny, não quero conversar sobre essas coisas aqui.
- Está certo, talvez eu esteja me precipitando. Mas é que...
Sérgio apareceu ao nosso lado.
- Já está na hora Cauã, a noiva está esperando. – Sérgio o agarrou pelo braço.
- Estou indo pai.
Os dois entraram para a cozinha, lugar onde os empregados ofereciam taças de champanhe. Cada convidado pegou uma, ocupando uma das laterais do cômodo, no meio surgiu uma mulher de vestido branco roubando a cena. Tinha um sorriso sensacional, deslumbrante, a maquiagem combinava perfeitamente com seu rosto. É o tipo de pessoa que cativa com um sorriso, o qual expressava a emoção do momento.
Cauã ficou ao lado dela, portanto estava diante da noiva.
A “cerimônia” foi iniciada por Sérgio, enrolando e embelezando o discurso de pai “realizado”. Em seguida Eliane tomou a palavra, complementando as ideias do marido e acrescentando o quanto esse casamento faria todos muito felizes. As palavras guardavam significados implícitos a muitos, porém a mim davam a entender a felicidade por terem “recuperado” o filho e o colocado no caminho certo. Isso me provocava ânsia de vômito.
A palavra seguiu para Renan, desejando brevemente felicidade ao irmão. Por fim, chegou a noiva.
- Sou muito grata por Deus ter colocado um homem como você na minha vida. Como todos sabem nós nos conhecemos no curso de Direito, estudávamos na mesma turma. E o Cauã, assim como eu, morria de medo da vida acadêmica. Naquele tempo a gente se matava de estudar para as provas, seminários e inúmeros trabalhos. Foi exaustivo, tinha dias que dava a vontade de sentar e chorar, o medo faz parte da rotina de um universitário, portanto tudo parece um inferno nessa fase. E nós desenvolvemos uma cumplicidade para apoiar um ao outro nos desafios, infelizmente o Matheus, um amigo nosso não está presente aqui hoje, mas juntos formávamos um trio poderoso. Dando suporte emocional, ajudando nas dificuldades, trabalhando para construir a nossa formação. Foi nesse momento que enxerguei em Cauã um excelente marido, o homem que eu quero para ser o pai dos meus filhos.
O rosto de Cauã foi tomado pela vermelhidão.
A mulher, a qual conforme o discurso de Sérgio chamava-se Milenna, contou algumas histórias sobre o início do relacionamento. Me incomodava de certa forma, mas mentalizava o quanto eu precisava ser forte.
- Agradeço a todos os que hoje estão presenciando essa cerimônia, sobretudo aos meus pais que sempre me encheram de amor, proporcionando momentos como esse. E não posso deixar de exaltar a mulher com quem pretendo dividir meus dias para o resto da vida. Milenna, sua beleza não é só externa, mas muito mais interna, é a mulher que sempre sonhei, perfeita, maravilhosa, extraordinária. Gostaria de aqui reforçar meu pedido de casamento, diante de todos, e prometo ser o melhor marido para você.
Descobri não estar preparado para ouvir essas palavras e deixei o lugar sem ser notado. Apertei o botão do interfone e liberei minha saída. Encostei minha cara no volante e permaneci dentro do carro por meia-hora, chorando e secando as lágrimas, sentindo-me fraco por não resistir. Ao passar o tempo, um homem bateu no vidro do veículo. Levantei o rosto e percebo Cauã me encarando.
- Nós precisamos marcar uma conversa. Posso pegar o seu número?
Pensei duas vezes, mas cedi e passei.
- Johnny, não me leve a mal, juro que colocarei os pingos nos is.
- Assim espero.
Nossos olhos se conectam, meu corpo está ardendo, e durante breves segundos sinto como se ele não tivesse superado o nosso fim.
...
Agradeço aos leitores que vierem a dedicar um tempo para realizar a leitura, e gosto de receber críticas de toda natureza (me refiro as construtivas), então, não deixe de comentar o texto, isso é muito importante para mim.
Também disponibilizei o texto no Wattpad, que proporciona uma leitura mais confortável, não deixarei o link pois o site Casa dos Contos Eróticos pode o censurar. Busquem no GOOGLE por "Os Primos (Romance Gay)" e cliquem no primeiro link.
Obrigado a todos!