BENNETT
Rolei para o lado, agarrei meu celular no criado-mudo e desliguei o alarme com o polegar. Eu estava exausto,só dormi por apenas duas horas. Trabalhei quase até as duas da madrugada e depois tentei ir para a cama sem acordar Dan, mas ele se virou e subiu em cima de mim antes que eu pudesse dizer alguma coisa. Mas até parece que eu iria impedi-lo. Não posso realmente reclamar por isso ter me custado mais uma hora de sono perdido, mas agora, quando sua mão procurava cegamente entre os lençóis, acariciando minha barriga até chegar ao meu pau, eu sabia que não podia deixá-lo continuar. Eu tinha um voo para pegar, sozinho. Ele decidiu ir para a França, mas viajaria um dia depois de mim, insistindo com muita teimosia que precisava de toda a sexta-feira para cuidar das últimas coisas. Eu esperaria por ele, mas, como a viagem foi marcada de última hora, se eu esperasse não haveria nenhum voo direto e nem assentos lado a lado. Decidi então que chegaria mais cedo para preparar nossa estadia na casa de Max.
– Acho que não temos tempo – murmurei em meio aos seus cabelos.
– Não acredito nisso – ele disse, com a voz ainda cheia de sono. – Este cara aqui – ele disse, apertando minha ereção – acha que temos bastante tempo.
– O motorista vai chegar em quinze minutos e, graças ao seu apetite na noite passada, eu preciso tomar outro banho.
– Lembra daquela vez que você só precisou de dois minutos para gozar? Você está me dizendo que não tem dois minutos?
– Sexo pela manhã nunca dura dois minutos – eu lembrei. – Não quando você está todo sonolento, macio e quentinho desse jeito – rolei para fora da cama e andei até o banheiro, ouvindo o som de seu gemido abafado no meu travesseiro.
Quando voltei, de banho tomado e já vestido, ele se sentou na cama, ainda abraçando meu travesseiro e tentando fingir que não estava chateado por termos que ir para a França em voos diferentes.
– Não faça beicinho – murmurei, abaixando para beijar o canto de sua boca. – Você vai só confirmar aquilo que eu sempre suspeitei: você não funciona direito sem mim.
Eu esperava que ele fosse revirar os olhos ou me beliscar, mas apenas desceu os olhos até minha gravata e estendeu o braço para fazer um ajuste desnecessário.
– Eu funciono sem você. Mas não gosto de ficar longe. Sinto como se você levasse embora o meu lar.
Bom, que droga. Joguei a mala na cama e tomei seu rosto em minhas mãos até ele olhar para mim e ver o efeito das próprias palavras. Ele sorriu e molhou os lábios com a língua. Com um último beijo, eu sussurrei:
– Vejo você na França.
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Eu perderia um dia na ponte aérea e chegaria no sábado. O voo do Daniel sairia apenas doze horas depois do meu, mas, como não era possível ir direto, ele teria de pegar o último voo do dia para Nova York e de lá sair para Paris no dia seguinte, chegando a Marselha na segunda- feira. Isso me daria tempo para preparar sua chegada, mas, conhecendo Max, a casa estaria impecável e cheia de comes e bebes. Ou seja, eu não teria nada para fazer. Um Bennett ocioso… e tudo o mais. Eu me acomodei na cabine de primeira classe, recusei o champanhe e peguei o celular para enviar uma mensagem para o Dan. "Já embarquei. Vejo você do outro lado do oceano". Meu celular vibrou poucos segundos depois. "Estou repensando essa viagem. Tem uma liquidação de cuecas na Armani este fim de semana". Eu ri e, preferindo ignorar a mensagem, guardei o celular no bolso do casaco. Fechando os olhos enquanto os outros passageiros passavam por mim, lembrei de nossas outras viagens. Nós viajamos juntos apenas algumas vezes, mas as coisas nunca saíram como planejado. Será que eu tinha alguma maldição contra viagens? Parecia que estávamos destinados a viagens que saíam do rumo, que eram feitas separadamente, que produziam discussões terríveis… ou que eram canceladas. Senti meu estômago revirar quando lembrei de nossa tentativa de tirar férias no Dia de Ação de Graças. Em um fim de semana, por impulso, nós compramos passagens para a ilha de São Bartolomeu, na França, e alugamos uma casa à beira-mar. Deveria ser perfeito, mas ao invés disso acabou sendo a primeira vez que o Daniel parou de falar comigo desde a nossa reconciliação.
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– Maldito filho da puta idiota!
Levantei a cabeça, erguendo as sobrancelhas até meus cabelos, enquanto Daniel batia a porta e corria até minha mesa.
– Seu pesadelo se tornou realidade novamente, Daniel?
– Quase isso. A Papadakis quer adiantar o lançamento.
Eu me levantei tão abruptamente que minha cadeira foi lançada para trás e bateu com força na parede.
– O quê?!
– Aparentemente, agora março é em janeiro. O primeiro comunicado de imprensa está marcado para o dia sete de janeiro.
– Essa é uma época horrível para se lançar algo desse tipo! Todo mundo ainda está bêbado ou limpando as festas de fim de ano. Ninguém sai para comprar apartamentos chiques.
– Foi o que eu disse para o Big George.
– Você também disse para ele continuar simplesmente contando as verdinhas e deixar o marketing com a gente?
Ele riu, cruzando os braços sobre o peito.
– Acho que usei exatamente essas palavras. Junto a outros termos da máfia que eu conheço.
Voltei a me sentar, esfregando as mãos no rosto. Nosso voo estava marcado para a manhã do Dia de Ação de Graças, e agora não poderíamos de jeito nenhum deixar o trabalho.
– Você disse que estava tudo bem?
Do outro lado da mesa, senti que ele permaneceu completamente congelado.
– Que outra opção eu tinha?
– Dizer a ele que não estaríamos prontos!
– Mas seria uma mentira. Nós podemos ficar prontos.
Deixei minhas mãos caírem e fiquei de boca aberta, olhando para ele.
– Sim, mas só se trabalharmos quinze horas por dia durante o feriado, e tudo isso para conseguir fazer o lançamento nessa data idiota!
Ele jogou os braços para cima, com fogo nos olhos.
– Ele está nos pagando um milhão de dólares por um marketing básico e estamos negociando outra campanha, de dez milhões. Você não acha razoável trabalhar quinze horas por dia para manter feliz o nosso maior cliente?
– É claro que sim! Mas ele não é o seu único cliente! A primeira regra do mundo dos negócios é nunca deixar que o cachorro grande saiba o quanto os outros cachorros são pequenos.
– Mas que droga, Bennett! Eu não vou dizer que não dá pra fazer o que ele quer.
– Às vezes, um pouco de negociação pode ser uma coisa boa. Você está agindo como um inexperiente, Dan. Se não tinha certeza do que dizer, você deveria ter passado a ligação para mim.
Eu imediatamente quis colocar aquelas palavras de volta na minha boca. Seus olhos se arregalaram, sua boca se abriu e, merda, suas mãos se fecharam em punhos apertados. Eu levei minha mão para proteger o meio das minhas pernas.
– Você está falando sério? O que mais você quer fazer? Dar de comer na minha boca? Seu maldito egocêntrico!
Não consegui me segurar.
– Só se eu também te ajudar a mastigar.
Seu rosto relaxou e eu pude enxergar sua mente calculando o quanto ele queria chutar o meu traseiro, ou quebrar minha cara.
– Nós não vamos mais para São Bartolomeu – ele disse secamente.
– Isso é óbvio. Por que você acha que estou irritado?
– Bom, mesmo se ainda fôssemos, você dormiria sozinho, com a sua mão e um tubo de lubrificante.
– Posso me virar com isso. Estas duas mãos sabem como variar de vez em quando.
Ele desviou o olhar, com o queixo apertado.
– Você está tentando me deixar com mais raiva?
– Claro, por que não?
Seus olhos sombrios voltaram a olhar para mim. Sua voz falhou quando perguntou:
– Por quê?
– Para você sentir o máximo da dor. Porque você deveria ter falado para o George que esse tipo de decisão precisa da confirmação de toda a equipe, e que só responderíamos depois do feriado.
– Como você sabe que eu não disse isso?
– Você veio até aqui contar a notícia. Não agiu como se fosse uma sugestão.
Ele ficou me encarando, com os olhos passando por centenas de reações diferentes. Esperei para ver quantos palavrões ele conseguiria dizer em seguida, mas ele me surpreendeu simplesmente virando e indo embora.
Daniel não passou aquela noite na minha casa. Era apenas a segunda noite que passávamos separados desde sua apresentação do MBA em junho, e eu nem ousei tentar dormir. Em vez disso, fiquei assistindo Mad Men na Netflix e imaginando quem de nós se desculparia primeiro. O problema era que eu estava certo, e sabia disso.
A manhã do Dia de Ação de Graças chegou com a neve e com um vento tão forte que me empurrou para dentro do prédio enquanto eu andava, sozinho, da garagem até meu escritório. Nunca pensei que ele me deixaria de novo após nossa briga. Eu achava que ficaríamos juntos por um longo tempo, cujo começo oficial poderia ser amanhã ou daqui a dez anos. Não havia nada que ele pudesse fazer para me afastar. E, embora eu achasse que Daniel pensava o mesmo, ele raramente fugia de uma discussão. Ele continuava a duelar comigo até eu ficar figurativamente de joelhos, ou até ele ficar de joelhos, mas de um jeito nada figurativo. Apenas alguns funcionários da RMG foram trabalhar no feriado – os que faziam parte da equipe da Papadakis. E todos olharam para Daniel quando ele andou até o corredor para pegar café. Conhecendo-o bem, ele provavelmente trabalhou até tarde da noite e dormiu debaixo da mesa. Ele nem olhou para onde eu estava de pé à porta da sala de conferência. Mesmo assim, eu quase podia ouvir seus pensamentos enquanto passava por cada um dos membros mal- humorados da equipe: “Você pode ir se ferrar. E você também. E você? O folgado com essa carranca patética? Você pode realmente ir se ferrar.” Ele se dirigiu para seu escritório, acomodou-se e deixou a porta aberta. Era como se dissesse “venha até aqui e reclame se tiver coragem”. Mesmo que todos realmente quisessem encher sua orelha com reclamações por estragar os planos de todo mundo para o feriado, ninguém se atreveu a sair do lugar. O mundo dos negócios ensina a cada um de nós uma mesma regra: o trabalho é sagrado. A última pessoa a ir embora é um herói. A primeira pessoa a chegar tem o direito de se vangloriar. Trabalhar nos feriados significa uma passagem para o Céu. Um executivo mais experiente teria dito ao Papadakis que seu pedido era impossível, mas, como sempre, eu admirava a determinação do Dan. Ele não estava apenas atingindo um novo patamar. Esse era o lançamento de sua carreira. Era sua fundação. Daniel se parecia comigo alguns anos atrás.
Após todos irem embora ao fim do expediente, eu bati em sua porta, gentilmente alertando- o sobre a minha presença.
– Sr. Ryan – ele disse, tirando seus óculos e olhando para mim. A silhueta da cidade piscava atrás dele, pontos de luz que cobriam toda a sua janela. – Veio até aqui para mostrar o que eu devo fazer para terminar o trabalho?
– Dan, tenho certeza que você sabe fazer o seu trabalho sem precisar da minha ajuda.
Ele se permitiu um meio-sorriso e recostou-se na cadeira, cruzando as pernas.
– Eu queria que você ficasse de joelhos e me chupasse.
Não consegui conter uma risada e desabei na cadeira em frente a sua mesa.
– Eu sabia que você iria dizer isso.
Suas sobrancelhas se juntaram um pouco.
– Bom, antes que você diga mais alguma coisa: sim, eu sei que isso é um saco. E… acho que você estava certo. Poderíamos estar numa praia de São Bartolomeu agora mesmo.
Comecei a falar, mas ele ergueu a mão me pedindo para esperar.
– Mas acontece que, não importa o quanto eu deveria, eu não queria dizer não ao Papadakis. Eu queria fazer o trabalho, porque nós podemos, e nós devemos. Já estava em cima da hora de qualquer jeito e tivemos muito tempo para trabalhar nisso. Senti que não seria honesto dizer que não conseguiríamos.
– É verdade – reconheci –, mas, deixando ele mudar um prazo para o começo do trimestre, você abriu um precedente.
– Eu sei – ele disse, esfregando as têmporas com a ponta dos dedos.
– Mas na verdade, eu não vim até aqui para dizer que você estava errado. Vim até aqui dizer que entendo o que você fez. Não posso te culpar.
Ele baixou as mãos, seus olhos me estudando cuidadosamente.
– Nesse ponto da sua carreira, não posso me surpreender por você dizer sim ao Papadakis.
Sua boca se abriu e eu pude sentir uma fila de palavrões se formando em sua língua.
– Calma lá, nervosinho – eu disse, erguendo a mão. – Não quero dizer que você é ingênuo. E não quero dizer que você ainda precise amadurecer, embora seja verdade, mesmo você não gostando de ouvir isso. Quero dizer que você ainda está construindo sua carreira. Você quer mostrar para o mundo que você é um Atlas e que, para um Titã, aquela maldita esfera celestial não pesa nada. Acontece que isso afetou toda a equipe, e justo num feriado. Entendo por que você fez isso, e também entendo por que está sentindo esse conflito. Sinto muito por você ter que encarar essa dificuldade, pois eu também já passei por isso – baixei minha voz e me aproximei. – É uma droga.
A sala escureceu, e o sol mergulhou no horizonte no momento em que terminei de falar. Daniel ficou me observando, com o rosto relaxado e praticamente indecifrável. Bom, indecifrável para qualquer outra pessoa. Qualquer um que não tivesse visto aquele rosto milhares de vezes, uma expressão que dizia que ele queria me estapear, beijar, arranhar e depois me foder.
– Não use esse sorriso convencido – ele disse, com os olhos cerrados. – Sei o que está tentando fazer.
– O que estou tentando fazer?
– Me provocar. Bancando o durão, mas também meu amante. Que droga, Bennett.
– Eu sou seu amante, seu homem.
– Eu te amo.
– Você vai transar comigo no seu escritório! – eu disse, cheio de surpresa e alegria. – Deus, você é fácil.
Ele se levantou rapidamente, deu a volta na mesa e agarrou minha gravata.
– Droga – ele desfez o nó, cobriu meus olhos com a gravata e amarrou-a atrás da minha cabeça. – Pare de me estudar – ele disse em meu ouvido. – Pare de enxergar tudo.
– Nunca – fechei os olhos atrás do tecido de seda e deixei meus outros sentidos tomarem conta, sentindo o delicado aroma cítrico de seu perfume e estendendo o braço para sentir a pele macia de seus braços. Movi minhas mãos, descendo lentamente por seu corpo, e o virei, puxando-o para o meu peito. – Melhor assim?
Seu suspiro não foi direcionado a mim; foi um som de frustração genuína.
– Bennett – ele murmurou, recostando-se em mim. – Você está me deixando louco. Agarrei sua cintura, puxando-o ainda mais e fazendo-a sentir a ereção que pressionava sua bunda.
– Pelo menos certas coisas nunca mudam.
Pisquei, voltando à realidade, quando a aeromoça se abaixou para me dizer alguma coisa.
– Perdão? – eu disse.
– O senhor gostaria de uma bebida com sua refeição?
– Ah, sim – eu disse, tirando da minha mente a memória do corpo do Dan enquanto eu o comia sobre sua mesa do escritório. – Só uma dose de Grey Goose e um pouco de gelo, por favor.
– E o que vai comer? Temos filé mignon ou uma seleção de queijos e azeitonas.
Pedi os queijos e olhei pela janela. A trinta mil pés de altura, eu poderia estar em qualquer lugar. Mas eu tinha a distinta sensação de estar voltando no tempo. Eu não estive na França desde meu retorno para os Estados Unidos, quando conheci Daniel em pessoa. Pela centésima vez, percebi como o velho Bennett não parecia nem um pouco familiar. O Dia de Ação de Graças foi uma revelação porque, antes de me envolver com Daniel, eu também teria aceitado a vontade de George Papadakis sem pensar duas vezes. Daniel era tão semelhante a mim em tantos sentidos… isso era até um pouco assustador. Sorri quando lembrei do conselho da minha mãe: “Nunca se apaixone por alguém que coloque você em primeiro lugar. Encontre alguém que seja tão destemido e energética quanto você. Encontre um homem que faça você querer ser uma pessoa melhor.” Bom, eu o encontrei. Agora, tudo que precisava fazer era esperar que ele chegasse até ali, para me certificar de que ele sabia disso.
O caminho até nossa casa emprestada era coberto por pequenas pedras lisas. Eram marrons e de tamanho uniforme e, embora fossem claramente selecionadas por sua aparência e pela maneira como combinavam com a paisagem, era óbvio que o local foi feito para se aproveitar, e não para ser tratado como uma preciosa e intocável peça de museu.
Vasos de flores e urnas se alinhavam dos dois lados do caminho, transbordando com botões coloridos. Havia árvores por toda parte, e ao longe havia bancos separados do resto do campo por paredes de vinhas que floresciam. Com certeza, eu nunca vi uma casa de campo tão bonita. O exterior tinha uma tonalidade avermelhada, como a cor de argila, cujo envelhecimento resultava num efeito absolutamente encantador. Cortinas brancas cobriam as grandes janelas do primeiro e segundo andares, e mais flores vibrantes cobriam a moldura das portas. O perfume no ar era uma mistura entre o aroma do oceano e de peônias. Primaveras subiam por uma treliça e emolduravam a estreita porta dupla inspirada na França provincial. O degrau de cima estava rachado, mas limpo, e havia um simples tapete verde no chão de concreto. Eu me virei e olhei para o jardim. No canto mais afastado, entre várias figueiras, uma longa mesa estava coberta por uma toalha laranja e decorada com uma estreita linha de pequenas garrafas azuis de diferentes tamanhos e formatos. Havia pratos brancos limpos espaçados entre si, esperando pelos convidados para uma refeição. Um campo verde se estendia até onde eu estava, sob o estreito pórtico, interrompido apenas por ocasionais arranjos cheios de flores púrpuras, amarelas e rosas. Peguei a chave em meu bolso e entrei na casa. Do lado de fora, dava para ver que era uma casa grande, mas por dentro o tamanho parecia se expandir quase como uma ilusão de ótica. Meu Deus, Max, isso parece um pouco excessivo. Eu sabia que sua casa na região de Provença era grande, mas não imaginava que havia quarto pra caralho. Da porta da frente, eu podia ver ao menos uma dezena de outras portas conectando-se ao corredor principal, e com certeza havia incontáveis outros cômodos no andar de cima. Parei na entrada, olhando para a enorme urna que parecia uma versão maior do vaso que minha mãe tinha em sua sala de jantar; a base de cerâmica azul era idêntica, e as mesmas bonitas linhas amarelas percorriam as laterais curvadas. Lembrei de quando Max trouxe o presente para minha mãe na primeira vez em que ele voltou para casa comigo no Natal. Na época não percebi o significado pessoal que tinha aquele presente, mas agora, olhando ao redor de sua casa de veraneio, eu podia ver trabalhos do mesmo artista em toda parte: em pratos pendurados em cima da lareira, em chaleiras moldadas à mão e um conjunto de copos simples em uma bandeja. Eu sorri e estendi o braço para tocar a urna. Daniel ficaria louco quando visse isso, aquele vaso era sua peça de decoração favorita na casa da minha mãe. Senti uma forte sensação de que estávamos destinados a nos encontrar aqui. Após seu jantar de aniversário em janeiro, Daniel hesitou na sala de jantar, olhando para a impressionante coleção de arte da minha mãe. Mas em vez de fazer o óbvio e inspecionar o brilho dos vasos da Tiffany ou os intrincados detalhes das tigelas de madeira entalhada, ele foi direto para o pequeno vaso azul no canto.
– Acho que nunca vi esta cor antes – ele disse, maravilhado. – Achei que essa cor não existisse fora da minha imaginação.
Minha mãe se aproximou e tirou o vaso da prateleira. Sob a suave luz do candelabro, a cor quase parecia cintilar e mudar, mesmo quando Daniel o segurou na mão. Eu nunca tinha notado o quão bonita era aquela peça.
– É uma das minhas favoritas – minha mãe admitiu, sorrindo. – Eu também nunca tinha visto nada com essa cor.
Mas isso não era inteiramente verdade, eu pensei, ao me afastar da urna e me dirigir até a lareira. O mar dali era dessa cor, quando o sol aparecia alto no horizonte e o céu mostrava um azul límpido. Apenas desse jeito o mar ficava exatamente com aquele mesmo azul, como o coração profundo de uma safira. Um artista que tivesse vivido ali saberia disso. Em uma prateleira, havia três santons feitos à mão – as pequenas estatuetas são uma tradição de Provença. Todas aquelas obviamente haviam sido criadas pelo mesmo artista que fizera o vaso da minha mãe, a urna gigante e o resto da arte que havia na casa. Ele ou ela devia ser um artista local e, estivesse vivo ou já falecido, talvez Daniel tivesse a oportunidade de ver outras peças suas durante nossas férias. A coincidência, a perfeição de tudo, parecia quase surreal. Os tons de azul e verde no prato montado sobre a lareira refletiam a luz do sol ao entardecer, lançando um suave brilho azul na parede de trás. Com o vento soprando as árvores lá fora e a luz do sol dançando entre as sombras, o efeito era semelhante a olhar a superfície do oceano. Junto à mobília branca e ao resto da decoração minimalista da sala de estar, aquele cenário fez eu me sentir imediatamente mais calmo. O mundo da RMG e da Papadakis, do trabalho, do estresse e do constante tocar do meu celular, tudo isso parecia estar a milhões de quilômetros de distância. Infelizmente, isso também se aplicava a Dan. Como se ele pudesse ouvir meus pensamentos lá do seu voo pelo Atlântico, meu celular tocou em meu bolso e o toque para mensagens dele ecoou pela sala silenciosa. Pegando o celular, olhei para a tela e li a mensagem: Greve dos mecânicos. Todos os voos cancelados. Estou preso em Nova York.