Primeiramente quero me desculpar pelo constrangimento que alguns leitores podem ter tido ao ler os comentários do último capítulo postado, não me arrependo, nem toda crítica eu tenho que aceitar ainda mais de um leitor que não tem critério nenhum. Outro ponto é de um leitor que me acompanha aqui e que não entendeu direito a resposta que dei a ele, peço encarecidamente que antes de se doer na resposta que dei avalie se foi indecorosa ou deselegante a mim ou a ele, pois como ele mesmo disse todos temos direito a resposta.
O motivo do meu atraso para postar é que fui de última hora para Pequim fazer um treinamento a pedido do meu chefe com uma equipe nossa que está no país para obras. Acabei perdendo aulas na pós-graduação pois o que era inicialmente 7 dias se tornou mais 14 quando tive que ir para Alemanha dar um treinamento a dois novos fornecedores e como sou pago para isso não pude deixar de atendê-los tive que repor a matéria perdida. Pela demora a postar e pelo tamanho do capítulo deixei mais uma parte para o final e espero que todos os meus leitores me desculpem pelo atraso.
Aos leitores: Plutão, henrinovembro, Alex curte peludo , Rose Vital , Chria , arrownayarah e todos que acompanham na surdina obrigado.
Ação e Reação – Pai e Filhos – 2° temporada
É impressionante como uma notícia pode mudar o rumo das coisas e o ponto de vista sobre alguém. Digo isso pois até alguns minutos atrás eu tinha o maior respeito e admiração pelo Giovane, tinha saudades do Enzo, estava feliz, cheguei a ficar com receio e pena do meu tio. Acontece que o meu mundo perfeito se assim posso dizer caiu. Agora eu estava com nojo de olhar para cara dele, digo deles, estava com raiva, no fim não passavam de dois mentirosos e o pior, vítima era eu.
Os últimos 15 anos se passaram pela minha frente em minutos, não pude conter a emoção, frustração e raiva de ter sido enganado, de terem escondido isso de mim quando olhei decepcionado para os dois. Estava tão magoado em descobrir que principalmente meu “tio” mentiu a vida toda para mim que a minha vontade era de socar a cara dele, mesmo ainda tendo o respeito, principalmente por que sabia que ele era meu pai. Eu ainda torcia para que fosse um sonho e eu fosse acordar a qualquer hora.
- Fernando... – Giovane fez menção de vim para o meu lado, mas eu esquivei.
- Não chega perto de mim... – vociferei.
- Por favor... – suplicou ele com a voz embargada se calando quando neguei com a cabeça.
- Como eu fui idiota... claro que você é meu pai, as evidências estavam na minha cara todo esse tempo... – lembrei de como ele me tratava, como o cuidado e preocupação excessiva – aquele seu apelido idiota que nunca engoli, “ filhote”, sempre preocupado, sempre carinhoso demais comigo, cheio de dedos com seu jeito superprotetor e fora o fato de eu ser a sua cara e a do Marcos... – debochava de mim mesmo.
- Me chama de pai, não me chame pelo nome... – disse frustrado.
- Pai ou tio... – debochei dele. Enzo me olhava com certa decepção, ele não tinha o direito de me julgar.
- Me perdoa... – ele pediu se dando por vencido e cansado.
- Não... – comecei a chorar de raiva e Giovane também. Enzo que estava calado tomou a frente – você me enganou, mentiu para mim – minha decepção era tanta que ali via um monstro manipulador.
- A culpa não é só dele, filho...– interrompi Enzo.
- Não me chama assim! – Exclamei – ao que tudo indica não sou seu filho... – Minhas palavras foram ditas para machucar. Enzo baixou a cabeça, mas logo levantou e sorriu.
- Nada do que você disser para mim vai me magoar mais do que te magoei – sorriu sem graça, eu me arrependi, mas eles me enganaram.
- Vocês acabaram com a minha vida, eu não sei mais quem eu sou, não sei mais minha própria origem... – berrei.
- Enzo não é o único culpado dessa história Fernando... – disse Giovane contido, mas sério – eu tenho tanta culpa ou mais do que ele, afinal eu sou seu pai, poderia ter desfeito essa confusão toda... – Interrompi ele.
- Por que não fez isso? – Perguntei.
- Isso ficou entre nós... prometemos guardar segredo.... – Ele apoiou a mão no ombro de Enzo e sorriu – você não sabe como eu tinha vontade de dizer que eu era seu pai... – ele soluçou.
- Eu não acredito, o trouxa e o frouxo e o babaca... – balancei a cabeça decepcionado.
Olhando a situação em si, era óbvio que nenhum dos dois estava preparado para falar sobre isso e muito menos que fosse hoje. Conhecia Giovane muito bem, sua feição carregada assim como a de Enzo que permanecia um pouco mais calado confirmavam que não seria uma conversa fácil. Enzo se sentou mais próximo. Giovane se sento e massageou a têmpora com os dedos a cabeça baixa entregavam que ele estava emocionalmente abalado.
- Eu contei para o Giovane que eu era estéril logo depois que fui obrigado a voltar da Itália – ele sorriu, estava longe – eu já sabia que não podia ter filhos há muito tempo, mas nunca tinha parado para pensar nisso, mas quando seu avô começou com a loucura que queria um neto – ele suspirou – fiquei acuado, todos estavam contra mim – notei seu olhar triste – não tínhamos mais a mãe... – interrompi ele.
- Mas o Marcos já era nascido, não era? – Perguntei olhando de uma para outro.
- Já! – Exclamou Giovane chamando minha atenção – ele já estava com 6 para 7 anos, foi na época que eu estava me formando, ele e a Letícia moravam em São Paulo ainda, foi um pouco antes de vim para Uberlândia em definitivo – explicou com naturalidade, mas a feição carregada.
- Para que outro neto? – Perguntei tentando argumentar.
- Eu era o filho preferido – disse Enzo de maneira envergonhada. Olhei Giovane que estava visivelmente constrangido e triste, não teve como não sentir pena – meu pai queria um neto do filho perfeito, ele era muito antiquado – debochou Enzo.
- Meu pai nunca se importou comigo Filho... – então foi essa a primeira vez que Giovane me chamava assim - sempre me criticou, o Enzo era o preferido, mas isso nunca me afetou, eu sabia que quando tivesse meus filhos eu faria diferente, amaria eles por igual e os apoiaria incondicionalmente... – ele não terminou de falar de maneira altiva. Enzo repousou a mão em seu ombro em apoio.
- Giovane era meu protetor, me defendia na escola – ele sorriu em agradecimento – aliás, Giovane sempre foi assim, protetor – Enzo comentou.
- Eu só te defendia, mas não era assim também... – Giovane tentou ser modesto.
- Eu já sabia que era gay desde os 16 anos, aliás escondi por muito tempo isso – ele olhou para o Giovane como se pedisse desculpa, Giovane assentiu – meu erro foi não ter me assumido antes, mas eram outros tempos, fim dos anos 80 a sociedade era bem mais ignorante do que agora, preferi sofrer sozinho – ele justificou olhando para as mãos envergonhado.
- Continue... – disse de braços cruzados.
- Giovane, conte você... – Giovane encarou Enzo – conte como tudo aconteceu, está na hora do Fernando saber a verdade – ele foi direto ao ponto, sem rodeios ou meias palavras. Giovane suspirou e me encarou.
- Em julho de 1996 quando fui visitar o Enzo ele me contou da situação, era nítido o desespero em seu rosto e a gravidade da situação só piorou as coisas, nos deixando sem muita alternativa do que fazer – Giovane agora estava mais calmo – não tínhamos mais a mãe, eu estava com a cabeça cheia, a Letícia recém tinha descoberto que estava com câncer e eu não pensei direito... – ele franziu a testa como se estivesse explicando para ele mesmo – foi quando eu cogitei, eu era saudável, já tinha um filho, ter outro e dar ao meu irmão para criar não seria pecado, nem errado se fosse com amor... – Giovane parecia se explicar.
- Eu não concordei com a ideia Fernando, não podia exigir isso do Giovane, eu não estava feliz com a Ângela, mas eu não podia botar uma criança inocente nessa história, ainda mais sendo filho do meu irmão – Enzo parecia ser sincero.
- Eu acabei vencendo Enzo pelo cansaço, o único sacrifício seria transar com a Ângela já que aquela mulherzinha me dava nojo – meu tio disse com desprezo – ela sempre se ofereceu para mim então não foi difícil convencer ela a transar comigo, o difícil foi convencer ela a ter um filho comigo, por que depois de explicar tudo a ela nós oferecemos dinheiro para ela aceitar e ficar calada – meu tio e Enzo se entreolharam.
- Não precisamos mais do que uma noite para resolver tudo, ainda tivemos sorte pois foi no período que Ângela estava fértil, então foi tudo muito rápido... – Enzo explicou cm cuidado, mas eu já estava perplexo.
- Tivemos sorte, pois 4 meses depois Ângela já mostrava sua barriguinha de grávida com orgulho por aí, pena que ela nunca deu valor ao filho maravilhoso que teve, ela usava isso para se promover e cair nas graças do nosso pai que estava bobo pelo filho querido lhe dar um neto... – Giovane tinha uma mágoa quanto a isso, se podia notar.
- Ele nem sonhava que na verdade o neto tão esperado e querido era filho do Gino, ele morreria se soubesse... – disse Enzo com pesar. Meu pai agora me olhava com curiosidade.
- Eu estava em Chapecó quando você nasceu, dia 17 de abril , lembro como se fosse ontem... – ele sorriu orgulhoso para mim - estava com Enzo no hospital e lembro da primeira vez que ouvi seu choro, a primeira vez que te vi, não tinha como não ser seu pai, eu sabia – ele me olhou consternado - me arrependi no mesmo instante, minha vontade era te pegar, segurar suas mãozinhas pequenas nas minhas – uma lágrima escorreu do seu olho - meu castigo tinha sido lançado, viver à sombra e talvez nem ter a atenção do meu próprio filho, era um preço justo a se pagar, mas eu não quebraria a promessa que fiz, nunca quebrei... – ele suspirou derrotado, lágrimas escorriam do seu rosto, notei seu cansaço, era um assunto difícil para ele – Enzo tentou me convencer a levar você comigo, dizendo, argumentando que eu era seu verdadeiro pai, que o correto era eu ficar com você, que eu não merecia abrir mão de algo por ele, mas eu estava irredutível quanto a minha decisão, eu seguiria em frente... – ele me encarou, agora eu estava envergonhado. Enzo agora tentava acalma-lo.
- E me largou para trás, como se eu fosse um objeto – peguei pesado, vi seu semblante mudar.
- Acabei me apegando a você Fernando, na hora que te peguei no como meu amor nasceu, te amei como um filho, mas tirei o direito do meu irmão ser seu pai, isso não se faz... – ele parecia realmente arrependido - aceitei, mas nunca me perdoei, quando decidi voltar, também decidir por tudo em pratos limpos... – suspirou - eu preciso viver, mas para isso Giovane tem que viver também…- Enzo negou com a cabeça falando mais para ele do que para nós.
- Os primeiros anos foram tranquilos – disse Giovane se aproximando – como eu vim morar aqui em Uberlândia só te via nos feriados mais longos e nas festas de família, então ainda não tínhamos aquela ligação tão forte... – explicou ele.
- Mas parece que você sabia que o Gino era seu pai – disse Enzo – você fazia um fiasco quando ele vinha para casa – Enzo riu.
- Por quê? – Perguntei tentando entender.
- Acontece que toda vez que eu ia para o sul visita-los você não desgrudava de mim, chorava pela minha atenção deixando eu e Enzo em uma situação constrangedora e o Marcos enciumado – ele riu - eu adorava pois estava tendo o máximo de carinho do meu filho e passando um pouco de carinho de pai, do seu verdadeiro pai... – ele dessa vez me olhou com tanto carinho que eu quase me atirei em seus braços. Saber que Giovane era meu pai era ótimo, mas saber quais foram as circunstâncias não me agradava nenhum pouco – ter que ir embora e te deixar chorando querendo colo me fazia ter crises de consciência, não foram nem uma nem duas vezes que quis voltar e te buscar, mas aí na última vez que visitei vocês eu vi que Enzo estava desesperado, eu temia que ele fizesse algo sem volta e o incentivei a ir atrás do Mario já que o mesmo sempre me contatava pedindo notícias de Enzo, foi na época que me ofereci para transar com ele... – Giovane explicou constrangido.
- Bom, nessa parte do sexo realmente você forçou, sexo tem que ter amor ou tesão, não obrigação, necessidade...não me imagino transando com um cara por transar, acho que nem rola... – comentei indignado.
- Giovane é um dos teus padrinhos, ele te batizou na igreja, já Mario ficou como padrinho de casa mesmo nunca tendo te conhecido pessoalmente quando pequeno – Enzo disse orgulhoso – ele é a única pessoa além de nós que sabe o que foi feito naquela noite fria de inverno – que nojo me deu, eu nasci de um plano.
- Então após o acidente e tudo que ocorreu te trouxe para casa e peguei sua guarda, desde então você tem vivido comigo.... – Doentio de mais, Giovane me dá para o meu tio e depois assume minha guarda, mas me criando como seu sobrinho.
- Minha vida foi planejada através de mentiras e acordos – olhei pasmo para Giovane e Enzo – Quanto eu custei a vocês, eu fui muito caro ou não passei de uns míseros trocados... – fui interrompido por Giovane que veio para cima de mim me segurando pelos braços.
- Para Giovane... – Enzo o repreendeu.
- Respeite a mim e ao seu tio, Fernando... – ele vociferou me fazendo rir.
- Use essa sua pose de advogado com seus clientes Giovane... – cuspi com deboche fazendo ele tremer de raiva - não a use comigo, não sou seu cliente, um bobo que você pode enganar ou persuadir...não mais... – não completei a frase Marcos chegou na hora.
- Pai! Fernando! – Exclamou Marcos vindo ao meu encontro – solta o Fernando pai, agora! – Marcos me encarou e viu as primeiras lágrimas que escorrerem pelo meu rosto.
- Olha o respeito comigo...moleque – disse Giovane cerrando os dentes, meu tio nunca falou assim comigo.
- Calma Giovane... – advertiu Enzo chegando próximo a ele.
- Não criei o Fernando para ser um moleque desbocado, já basta ele ser... – Interrompi ele, eu sabia o que ele ia falar.
- Já basta eu ser o que? Gay não é... – Ele negou com a cabeça assustado se dando conta do que iriai dizer e do erro cometido – tudo bem, isso já não me atinge mais, não de alguém que mentiu a vida toda para mim, sua opinião não importa mais se você quer saber... – ele me interrompe.
- Não bote palavras na minha boca Fernando – Giovane vociferou para mim – eu não admito que você fale assim comigo, me respeite... – ri na cara dele.
- Respeitar... – ri na cara - vocês mentiram para mim – apontei – você Giovane, mentiu depois de tudo, eu tinha o direito de saber! – Gritei fazendo ele baixar a cabeça.
- Chega! – Exclamou Marcos chamando a nossa atenção – o que está acontecendo aqui, alguém pode me explicar? – Perguntou nervoso, mas ninguém deu atenção a ele.
- Todo sacrifício em nome da família é válido... – disse Enzo.
- Família? Família!... – Debochei fazendo eles fecharem a cara para mim – vocês só sabem dizer isso? Pois sabia que foi por um membro da minha “família” aqui dentro de casa que quase me matou de pancada por eu ser gay, tio? – Enzo arregalou os olhos, Marcos baixou a cabeça – pois é, então não falem de família para mim e não tentem justificar o erro de vocês, só os deixa mais patéticos.... – respirei fundo alisando meu rosto.
- CALA BOCA! – Berrou Giovane visivelmente nervoso de um jeito que eu nunca vi.
- NÃO CALO – peitei Giovane – vocês não tinham direito de fazer isso comigo, mentirosos.... – Fui interrompido por uma bofetada que Giovane me deu.
Foi tudo muito rápido. A bofetada, o calor a ardência, a dor. Olhei para ele que estava perplexo e visivelmente arrependido de ter feito o que fez, ele me olhava com culpa, as minhas lágrimas agora molhavam minha mão que esfregava o rosto aonde ardia.
- Pai! – Marcos empurrou ele pelo peito ficando de frente para mim – está tudo bem Fernando, olha para mim... – ele tentou me acalmar.
- Fernando eu... – Giovane tentou se explicar vindo em minha direção, mas eu interrompi ele.
- Não se aproxime de e diga que foi sem querer, que foi no calor do momento...não seja patético a esse ponto “pai” – ele me olhou em com dó e com culpa, meu comportamento frio estava me assustando, mas eu não iria mostrar fraqueza, não nessa hora – é sempre assim, quem jura proteger é quem mais machuca, eu devia ter aprendido isso, ou então estar acostumado já... – ele se virou de costas. Era um peso que ele não conseguiria aguentar, meu tio nunca levantou a mão para mim, ele estava visivelmente atordoado. Enzo me olhou com pena enquanto eu franzia a testa de dor.
- Como assim, pai? – Perguntou Marcos sem entender nada.
Alguns segundos depois ele se virou.
- Ferna...- Giovane se calou assim que fitei ele com raiva.
- Conta para ele... - semblante do Giovane caiu.
Encarei os dois que agora me encaravam também, mas ninguém se atreveu a dizer nada deixado ambiente incomodo demais. Giovane com os olhos marejados, me olhava com um estranho sorriso de alivio no rosto, estava emocionado, acredito que ele estava se livrando de mais um fardo que o atormentava a muito tempo, para ser mais exato 19 anos. Enzo me encarava envergonhado, dele senti pena e a sensação de que não estava abraçando meu pai tinha enfim feito sentido.
- Aonde você vai Fernando? – Perguntou Giovane segurando meu braço assim que passei por eles.
- ME SOLTA! - Berrei assustando tanto ele como Enzo. Encarei Giovane, minha respiração ofegante e seus olhos castanho, mas ao contrário do que pensei não me soltou e ainda ele me apertou mais forte.
- NÃO! – Ele mudou sua feição, pela primeira vez Giovane gritava comigo – eu sou teu pai, e nós vamos conversar, entendeu? – Perguntou ele baixando a voz.
- Hoje eu não quero conversar contigo... – olhei com raiva para ele e soltei meu braço – aliás, não me dirija mais a palavra, se me ver na rua finja que não me conhece, eu sou o fardo aqui e sairei da vida de vocês, não se preocupem... – meu tio me olhou boquiaberto, não reagiu, soltou meu braço e então eu aproveitei e fui em direção a porta.
- Fica aqui Fernando, não piora as coisas – Marcos chegou perto de mim me segurando pelo braço.
- Sabe Marcos, pergunta ao seu pai o que ele e Enzo fizeram, eles vão te explicar direitinho... – Marcos franziu a testa tentando entender. Dei as costas, mas antes de sair olhei novamente os três – você devia ter me matado naquela vez Marcos, ia me poupar tanto sofrimento e decepção.... – Seu semblante caiu na hora, dei as costas e sai porta a fora descendo até a sala. Peguei meu celular, carteira e antes de fechar a porta vi Giovane me encarando com tristeza nos olhos.
Sai de casa sem saber muito bem para onde ir. Precisava mesmo esfriar a cabeça e saber o que eu faria a partir de agora com as últimas revelações que foram feitas. Passei as mãos nos cabelos e respirei fundo sentindo o ar da noite invadir meus pulmões assim que passei pelo portal que dá acesso a casa, logo após a calçada. Ainda me virei para olhar a casa que tinha sido meu lar nos últimos 15 anos, mas logo depois segui em frente. Andei algumas quadras dentro do condomínio, ninguém poderia me impedir de passar pela portaria, mas já estava começando a ficar estranho Giovane não vim atrás de mim. A bofetada que ele havia me dado horas antes nem de longe machucou, até por que ele me machucou por dentro, tanto ele como Enzo. Me arrependo só de ter falado aquilo sobre Marcos, pois no calor do momento não levei em consideração seus sentimentos, tenho certeza que machuquei ele demais.
- Está tudo bem Fernando? – Perguntou Joel, um dos seguranças da portaria, logo seu Samuel o porteiro também apareceu saindo da guarita curioso e me olhando preocupado.
- Sim... – tentei disfarçar e parecer o mais sensato possível – está tudo bem...não se preocupem, só vou dar uma saída... – quando fui sair Joel se pôs na minha frente.
- Seu tio ligou pedindo para barrar sua saída do condomínio... – disse ele sem graça.
- Se você não me deixar sair por bem, eu vou sair por mal e ainda dou um escândalo tão grande que eu faço a polícia e algumas emissoras de TV baixarem aqui na portaria... – eu fui mal-educado, não estava com paciência – olha Joel, realmente eu não estou afim de ficar aqui, esta vendo essa marca no meu rosto, foi meu tio que fez agora pouco, se eu voltar lá é bem provável que vocês tenham que chamar o rabecão, pois não sei se estarei vivo até o amanhecer.... – Joguei baixo e pelos seus olhos esbugalhados tive certeza que convenci ele, então passei por eles que me cuidavam perplexos.
Perdido em meus pensamentos acabei saindo do condomínio me sentei em um dos bancos na praça ali perto, coisa de duas quadras da portaria. Sentado observava um casal brincar com seu filho e pela primeira vez realmente me senti sozinho, como nunca tinha me sentido antes, pela enésima vez desejei ter tia Letícia comigo aqui. Fiquei com vergonha de procurar Cibele e Felipe, não queria passar meus problemas a eles, eu sabia que Felipe estava estudando para uma prova de anatomia animal depois de ter voltado do futebol com os primos e que Cibele estava com a Matilde fazendo compras para...sou tirado dos meus pensamentos quando meu celular toca, me dou conta de que já se passam das 20:00h, devo ter ficado aéreo pois quando sai de casa se passavam um pouco mais das 18:20 h. Olho no visor e vejo a foto de Felipe. Respiro fundo e atendo.
- Môr – diz ele com cautela, pelo visto ele já devia estar sabendo de alguma coisa da briga com meu tio, aliás, acho que o condomínio inteiro já sabe.
- Oi amor – respondi triste.
- O que aconteceu Fernando? – Perguntou preocupado me chamando pelo nome, é ele sabia de algo já.
- Nada... – disse triste ao atender – eu não quero falar sobre isso, eu quero ficar sozinho Felipe – se eu quisesse mesmo não teria atendido o telefone.
- Como nada, teu tio ligou para mim, o Marcos ligou para mim Fernando, eles estavam estranho me perguntando se você estava comigo – ele disse - O que aconteceu? – Perguntou firme – fala para mim – tentou me convencer.
- Eu não quero falar sobre isso – respondi ríspido, a primeira lágrima teimou em cair – volte a estudar, mais tarde conversamos... – fui interrompido por ele.
- FERNANDO! – Ele gritou comigo, era a primeira vez que ele fazia isso
- NÃO GRITA COMIGO PORRA! – Retruquei com raiva e no calor do momento desliguei o telefone na cara dele. Foi um ato infantil, mas o que menos precisava era alguém gritando comigo num momento como esse, ainda mais sendo meu namorado.
Relaxei novamente e me sentei no banco da praça. O celular tocou insistentemente. Felipe retornava à ligação, resolvi atender.
- Nunca mais desligue na minha cara... – ele disse entredentes – senão vou te dar uma surra de rola que vai te deixar assado... – completou.
- Sim, senhor – debochei dele pois Felipe não teria coragem de fazer aquilo.
- Quando é que você vai entender porra, que antes de ser teu macho, teu homem eu sou teu melhor amigo, hein? – Pude ouvir ele ofegante controlando a raiva, mas também um pouco preocupado – nas horas boas e ruins eu estou do teu lado, então me diga onde você está, ou eu juro por Deus que eu não respondo por mim a hora que te encontrar... – interrompi ele.
- Vai fazer o que Felipe? Me bater como meu tio Giovane fez! – Ele se calou no telefone, percebi que deixei ele sem ação e surpreso.
Alguns segundos de silêncio constrangedor, eu ouvia a respiração dele do outro lado e podia jurar que ele estava se segurando.
- Ele fez isso? – Perguntou com raiva, mas contido, jurei que ele xingou meu tio de “carcamano bêbado” – por quê? – Ouvi sua respiração ofegar.
- Sim... – eu já chorava no telefone – e sabe que o que mais me dói é que ele nunca se quer ergueu a voz para mim, mas não pensou duas vezes em me dar uma bofetada... – fui interrompido.
- Não chora – pediu ele preocupado – eu não gosto quando você chora, fico com uma sensação de impotência – disse ele com a voz pesada.
- Desculpa, é que está foda... – reclamei.
- Onde você está Fernando, por favor, só me responde isso...– suplicou ele com a voz falhada.
- Eu estou naquela praça perto do condomínio aonde a gente costumava andar de bicicleta, lembra? – Funguei, são boas lembranças.
- Lembro sim, em 10 minutos eu estou aí, me espere, está me entendendo? – Senti um arrepio, Felipe falou com a voz decidida.
- Entendido senhor – assenti e finalizei a ligação pensando quão puto Felipe ficava quando eu fazia isso com ele.
Não sei se os dez minutos realmente se passaram pois logo vi o carro de Felipe para e estacionar e de lá sair um Felipe preocupado sem camisa e de calção de futebol.
- Môr – ele veio com os olhos baixos, tristonho – desculpa ter gritado contigo no telefone, mas é que eu estava louco atrás de você, o Marcos ligou desesperado dizendo que você e o seu tio tinham brigado, eu fiquei desesperado, me lembrou aquela vez que eu te achei na sarjeta lembra... – ele se calou.
- Minha vida virou um inferno esta tarde Felipe... – disse enquanto seguíamos para a sua casa. Estava com a cabeça apoiada no vidro do carro sendo que Felipe só largava a minha mão quando precisava trocar de marcha.
- Quero saber de tudo, mas só depois de você tomar um banho e jantar alguma coisa môr, aí você me conta – ele sorriu, como eu amava esse sorriso, esse cara. Acariciei sua mão durante o resto do percurso.
Felipe por incrível que pareça se esforçou a fez um risoto rápido de frango para mim e para ele. Estava saboroso com um pouco de queijo parmesão a mais, mas nada que comprometesse o sabor. Ele sorriu todo satisfeito quando elogiei seu prato. Após lavarmos a louça e nos sentarmos confortavelmente no sofá da sala ele me botou contra a parede.
- Môr, fala para mim, o que está acontecendo, me preocupei demais contigo hoje, achei que ia ter um treco...nem gol marquei no futebol com meus primos... - interrompi ele.
- O meu pai está vivo... – Felipe me olhou confuso. Admito que quase ri de mim mesmo.
- Hã? – Quase dei risada da expressão de Felipe - Fernando, que brincadeira é essa, do que você está falando? Não se deve brincar com os mortos – repreendeu ele.
- Não é brincadeira – Felipe entendeu pela minha feição que eu não brincaria com algo tão sério assim.
Ele se ajeitou no sofá me dando total atenção. Suspirei e então contei toda a história desde o princípio enquanto Felipe fazia caras e bocas conforme eu ia contando. No fim já chorava deitado em seu peito e enquanto ele acariciava meus cabelos e enxugava com os dedos as lágrimas que insistiam em cair.
- Você entendeu agora? – Ele assentiu com a cabeça ainda perplexo com tudo que aconteceu.
- Que loucura... – comentou ele pensativo.
- Pois é... – Comentei – mas pelo amor de Deus Felipe, ninguém pode ficar sabendo, nem mesmo aquele italiano mentiroso do Mario, está me entendendo? – Perguntei, ele me olhou com espanto e assentiu.
- Parece aquelas novelas mexicanas que passavam a tarde, mas você não é a Maria do Bairro e nem a Paola Bracho...é bem mais tesudo e gostoso que elas... – ele se calou quando viu meus braços cruzados encarando ele sarcasticamente – desculpa, mas que história mais doida essa sua...– ele completou. Percebendo que falou bobagem ele veio me abraçar, mas eu me esquivei.
- Bom se for para me defender tenho descendência italiana, italianos são mais dramáticos que mexicanos, além de mais católicos e isso não é novela, é vida real Felipe – ele ficou sem graça, fiquei meio sem graça também por ser ríspido com ele – além do mais sou bem mais gostoso que os atores mexicanos...ou não sou? – Pisquei o olho fazendo ele sorrir e me beijar.
- Com certeza, bem mais gostosinho...– Felipe roçou seu nariz no meu cangote.
- Estou sem rumo... – ele acariciou meu rosto.
- Não pensa nisso môr, tudo vai se resolver... – disse tentando me animar – se quiser posso ser seu GPS, ou seu caminho... – agora ele que tinha ficado vermelho. Sorri e acariciei seu rosto, ele ficava muito fofo com vergonha.
- Pior é que o tio Giovane é na verdade meu pai... – lembrei do ocorrido a tarde – eu achei que não tinha mais pai, depois descubro que vivi praticamente minha vida toda perto dele e ele manteve a promessa ao irmão... – franzi a testa.
- Mas é bom, não é? – Ele tentou argumentar.
- Não é bom Felipe, ele mentiu para mim, eu sou fruto de um acordo, um cala boca, entendeu? – Fechei a cara.
- Eu sempre desconfiei que ele fosse seu pai, você é muito parecido com ele e quando digo isso é por que vocês são mesmo... – ele me olhou me analisando e mordendo os lábios - e fora o apego que ele tem por você, o cuidado que você tem com ele, a sintonia que ambos tem, fora o fato de vocês terem a personalidade parecida demais, mas acho que você é um pouco mais arisco, também tem a questão de ele ser o super tio, lembra do dia que ele te deixou na faculdade te enchendo de recomendações e pedindo se você tinha trazido seu dinheiro pro recreio e o dia que ele foi levar seu lanche na sala...– ele riu me cutucando.
- Eu por muito tempo senti falta de um pai, sabe Felipe eu até invejava a sua relação com o seu Carlos, vocês são amigos, pai e filho, por mais que eu tivesse a mesma sintonia com o tio Giovane eu sentia falta de poder chamar alguém de pai e sabendo que o meu está tão perto me deixa com medo – disse apreensivo.
- Eu e meu pai nos damos bem agora, mas antes era difícil, digo, antes de nós virarmos amigos Fernando, eu dava dor de cabeça demais para ele – comentou Felipe com cara de nostalgia.
- Desculpa desabafar desse jeito Felipe... – ele me interrompeu.
- Ei...ei... – ele chamou minha atenção – estamos juntos nos momentos bons e ruins esqueceu? Eu amo você Fernando, te completo e você me completa... – disse de maneira tão fofa que foi impossível não me derreter com aqueles olhos grandes de jabuticaba.
- Eu também amo você Felipe... – ele não esperou eu terminar, caímos aos beijos no sofá mesmo e depois cansados fomos juntos para cama.
Acordei com o despertador do celular tocando, tentei me desvencilhar de Felipe que me segurava pela cintura até que consegui esticar o braço e desativar o despertador. No visor do celular haviam mais de 30 ligações do meu tio, do Marcos e um número desconhecido que julguei ser de Enzo, além de várias mensagens no aplicativo dos 3.
Me levantei e fui para o banheiro fazer minha higiene. Eram quase 8:00h da manhã quando sai do quarto já de banho tomado e com uma roupa casual que havia deixado lá em uma das inúmeras vezes que dormi ali. Era domingo, então fui para cozinha e preparei café, ovos cozidos e um misto quente para o Felipe que provavelmente acordaria com fome. Ao voltar para o quarto notei que a cama estava arrumada e Felipe estava de pé coçando os olhos, ele me viu e cruzou os braços.
- Você não me esperou para o banho môr - Felipe me fitou de braços cruzados – devia ter me acordado mais cedo... – disse ele vindo me abraçar e me beijar no rosto.
- Desculpe esquentadinho, deixei você dormindo um pouco mais, pois ontem teve que me aturar... – ele me interrompe.
- E aturaria de novo, não gosto de te ver triste, me dá uma raiva e uma vontade de bater em quem te deixou assim... – ele me olhou com o peito estufado após acaricia-lo e sorrir para ele – desculpe, foi seu tio, esqueci – ele riu tentando disfarçar.
- Tudo bem, eu mesmo queria bater nele... – era verdade, merecia uma bofetada que nem ele me deu.
- Eu estou com fome – disse ele apoiando o queixo no meu ombro.
- Claro que está – ri da cara dele – vem, vamos tomar o café pois o domingo só está começando – puxei ele pela mão.
O café foi supertranquilo. A todo custo tentava transparecer ao Felipe que eu estava mais calmo e tranquilo, mas a verdade é que eu mal dormi e estava sentindo um aperto no coração. Me retirei e fui ao quarto olhar meu celular. Felipe não veio atrás, mas meia hora depois me chamou.
- Fernando, vem cá – gritou ele.
Voltei a sala e quase tomei um susto quando encontro sentado no sofá de canto o Giovane com os braços apoiados no joelho e de cabeça baixa em uma pose derrotada. Pela primeira vez vejo “tio” Giovane com o semblante realmente pesado e sofrível, quer dizer a primeira vez depois da morte da tia Leticia. Ele trajava bermuda jeans escura, sapatilha preta e uma camisa polo cinza, estava muito bonito com ela, inclusive tinha sido presente meu a ele. O Giovane sentado ali não era nem de longe o que eu costumava ver no dia a dia, seus cabelos com alguns fios grisalhos estavam mal penteados, sua roupa amarrotada e em seu rosto era possível ver suas olheiras visíveis por detrás dos óculos de grau, pelo jeito não fui só eu que não conseguiu dormir na última noite.
Olhei mais no canto da sala e Felipe estava de pé me olhando meio constrangido e meio com medo da minha reação.
- Felipe... – ele engoliu em seco. Giovane deu um pulo no sofá e me encarou. Pude ver seu rosto por completo que estava inchado com os olhos vermelhos de quem havia chorado e muito. Me deu pena.
- Môr...quer dizer Fernando... – Felipe se corrigiu quando Giovane olhou para ele e então me encarou surpreso levantando de uma vez.
- Fernando... – ele tentou se conter. Me lembro que todas as vezes que ele estava cabisbaixo ele nunca deixou eu e Marcos notar mesmo a gente notando, quem tem sangue italiano sabe o quão emotivo podemos ser, querendo ou não ele sempre passou a referência de homem forte e viril para nós, sempre tentando nos proteger e mostrando ser nosso porto seguro, disso eu não tenho dúvida. Olhei Felipe que me encarava com receio.
- Fernando, você não dormiu a noite toda, chorou escondido que eu sei, eu não aguento ver você triste, me sinto impotente, inútil vendo que o homem que eu amo está infeliz, eu fico infeliz também... – meu tio olhou para ele com um sorrisinho contido, acredito que Felipe ganhou alguns pontos de conceito com ele – seu Giovane me ligou ontem depois de você adormecer por alguns minutos, pude sentir a tristeza no tom de voz dele e o desespero também, então após conversarmos eu disse para ele que poderia vim aqui logo pela manhã – ele me olhou sério – vocês tem laços muito fortes para serem quebrados assim, eu vou deixar vocês conversarem e vou encontrar meus pais na chácara, tenham um bom domingo e me perdoem... – ele saiu cabisbaixo, fui rapidamente até ele e peguei em sua mão, ele me olhou e dei um beijo tímido em sua boca, essa era a primeira vez que beijava alguém, quer dizer um homem na frente do meu tio.
- Está tudo bem Felipe – ele me olhou com um sorrisinho de preocupação, pois sem querer acabei afetando ele – assim que acabar aqui eu te ligo, prometo... – ele então me puxou para um beijo mais quente que só foi interrompido com meu tio pigarreando.
- Vou aguardar, tenha calma e ouça ele Fernando, os fins justificam os meios, você mesmo diz isso – ele disse.
Felipe então se despediu e com a porta ainda se fechando olhei para Giovane que aparentava nervosismo e ansiedade. Ficou um clima estranho entre eu e ele, duas pessoas que até ontem de manhã tinham muito a se falar agora não sabiam como iniciar uma conversa.
- Não vai sentar, Giovane? – Perguntei com calma e indiferença me sentando no sofá oposto.
- Não me chama de Giovane, você sabe do que eu quero que me chame... – disse ele acanhado, eu sabia do que ele queria ser chamado, mas a minha raiva e vergonha não deixavam – senta mais perto de mim, por favor... – pediu ele dando lado no sofá.
- Não, vai que eu tome outra bofetada né? – Foi como se eu tivesse dado uma bofetada nele, seu semblante até então controlado mudou, Giovane abaixou a cabeça e chorou baixinho.
- Eu me arrependo tanto da bofetada que te dei Fernando, no calor do momento não me controlei de raiva e quando vi já tinha feito... – ele estava com a voz embargada e eu com os olhos marejados – não dormi, não consegui lembrando pois fechava os olhos e via sua cara de decepção e suas lágrimas no rosto...e sabe o que é pior, foi que o Marcos me falou umas verdades que me fizeram repensar em tudo e hoje eu me sinto a pior pessoa do mundo... – ele desabou. Lembrei do Marcos e de que provavelmente eu tinha magoado ele pelo que disse.
- Você não tinha o direito de me machucar, logo você... – disse inconformado, queria evitar escândalos, briga – doeu, mas o senhor não sabe, nunca levou uma. O senhor nunca levantou a voz para mim, mas ontem me bater foi covardia, eu me senti a pessoa mais suja e imoral da face da terra, o errado da história, pela primeira vez me senti sozinho de verdade e sem ter a quem recorrer, e pior, com ódio do senhor...do Enzo, queria que ele tivesse morto, não estaríamos assim agora – Giovane ouvia com lágrimas nos olhos.
- Você não precisa me jogar na cara isso, eu mesmo já estou me culpando por dentro, não foi difícil dormir essa noite pensando no que fiz – ele tentou se explicar.
- Eu sai desnorteado tio, as pessoas que passavam pela rua me olhavam com pena e surpresa, eu não merecia isso... – lembrei do casal que me abordou ainda dentro do condomínio tentando me convencer a contar o que houve.
- Eu sei... – ele concordou – é um direito seu ter ódio de mim, talvez você nunca vá me perdoar, mas você tem que me ouvir, eu preciso falar... – ele engoliu o choro.
- Sabe Giovane, eu não sei como lidar com isso, logo eu que já passei por um trauma de ser espancado pelo próprio irmão meu Deus! – Caiu a ficha que Marcos era meu irmão, se estava ruim para mim, imagina para ele que devia estar se remoendo de culpa pelo que me fez e por ter sido apaixonado por mim – ele está bem? – Perguntei com receio.
- Ninguém está, Marcos é forte, mas para ele está difícil de assimilar as coisas – ele suspirou – nós brigamos ontem, Marcos nunca levantou a voz para mim, pela primeira vez não fui homem para encarar meu filho mais velho e olha que ele não reagiu tão mal quanto você Filho... – me subiu um frio na espinha.
- Ele vai superar... – mordi os lábios torcendo para que isso acontecesse.
Giovane sorriu assentindo. Seu celular tocou algumas vezes, mas ele desligou sem olhar quem estava ligando, peguei e fiz o mesmo com meu celular, mas antes notei que Felipe me perguntava se estava tudo bem, rapidamente mandei um jóia e desliguei o aparelho guardando-o no bolso. Notei que do outro bolso meu Giovane tirou um pedaço de papel velho dobrado, quando vi do que se tratava quase cai para trás, era um desenho.
- Você guardou esse desenho? – Perguntei surpreso, na verdade eu sabia só nunca entendi de fato.
- Sim – ele disse orgulhoso.
- É apenas um desenho... – ele me olhou ofendido.
- Não é! – Negou com a cabeça se fazendo de ofendido – para você pode ser Fernando, mas para mim é bem mais que isso – não entendi.
- É um desenho! – Exclamei impaciente.
- Você me deu esse desenho de presente no dia dos pais de– droga, eu lembrei de tudo – um pouco depois da Leticia falecer, eu estava indo em direção a um abismo, eu sabia que tinha dois meninos para criar...mas eu estava perdido, uma família desfeita, sem mãe... – ele começou a relembrar do passado, passado esse que doía – vocês então no dia dos pais com a ajuda da Maria, fizeram um café da manhã para mim, nunca vou esquecer do seu jeitinho envergonhado e animado quando me mostrou o desenho... – droga agora era eu que começava a chorar – só o seu sorriso e o do Marcos valeu o dia... – Comentou ele.
- Eu lembro – droga, eu ia chorar.
- Eu estou cansado de perder as pessoas – ele franziu a testa - primeiro minha mãe falecida alguns anos antes, depois o Enzo a Letícia, eu me acabei Fernando, pensei algumas vezes em suicídio, mas lembrava que tinha duas crianças que não mereciam pagar pela minha fraqueza... e que não poderiam ficar sozinhos nesse mundo, eu era o pilar de vocês e tinha que me levantar custe o que custar... – as lágrimas corriam no rosto dele.
- Giovane, não precisa lembrar... – ele negou com a cabeça.
- Mas naquela manhã eu lembro que você disse: ... – interrompi ele.
- Já que eu não tenho pai tio, eu pedi para o Marcos deixar o senhor ser meu pai hoje para mim entregar esse presente e ele deixou... – repeti de imediato junto com ele. Minha cara queimou, meus olhos arderam fiquei com vergonha por que agora eu soluçava e ele também.
- No desenho estávamos eu, você e o Marcos de mão dada, e uma anjinha olhando para gente de cima de umas nuvens como se estivesse escondida – eu lembro a anjinha era tia Leticia, ela uma vez me disse que logo ela ia virar uma anjinha e olhar por nós, mas eu não veria ela pois ficaria escondida – quando te perguntei o que era você disse que era a nossa família, eu então entendi que era como você enxergava a nossa família, incompleta, mas feliz, unida – eu lembro, era o único da sala que não entregaria um presente ao meu pai, a professora me vendo triste me pediu para desenhar como era a minha atual família, ela ainda me explicou que uma família não precisava ter pai e mãe, mas tinha que ter amor, anos depois descobri que ela vivia com uma mulher e sua filha – esse desenho me salvou de todas as maneiras possíveis, pois ele me mostrou que tanto você como Marcos ao contrário do que eu pensava estavam seguindo em frente e vendo nós três como família, eu estava preso e precisava seguir. Esse desenho me mostrou que vocês dois eram meu bem mais precioso, não que eu não soubesse, mas eu tinha que protege-los custe o que custar e fazer o máximo possível para cria-los – Giovane me encarou - Filho, não a preço que pague ver o seu rostinho alegre e seus olhos brilhando quando eu peguei e elogiei seu desenho. Foi esse momento que me fez ver que eu poderia ter o meu filho e cria-lo como eu quisesse e que mesmo não contando a verdade a você ainda assim eu tinha meus dois filhos perto e que independente de tudo você me amava e me via como um pai, pelo menos naquele dia, eu era feliz e só eu que não tinha visto isso – ele desabou como nunca tinha visto – então naquela semana passei a adotar uma medida mais carinhosa do que eu já tratava vocês principalmente com você, eu sabia que você era carente, lembro que tinha vezes que você só dormia depois de deitar com a cabeça e enrolar os dedos nos pelos do meu peito – minha cara parou no chão com essa revelação, se essa era a hora em que eu acordava poderia acontecer – passei a te chamar de filhote, era uma maneira de ter você e não ter como filho... – droga, eu estava quase perdoando ele, foda-se, é meu pai.
Me levantei, ele sabia o que ia acontecer, se levantou também e quando percebi já estava abraçado com ele chorando que nem um bebê, quer dizer, estávamos chorando, mas agora não era de raiva, ódio ou rancor, era de emoção, alegria e alivio. Se Giovane foi capaz de abrir mão de mim para ajudar o irmão, viveu sabendo que poderia não ter a atenção e amor do filho “perdido”, criou o filho mesmo não contando a verdade por causa de uma promessa então eu não tenho nada mais a dizer, somente que a atitude dele foi nobre. O perdão era inevitável, mais dia menos dia viria, então por que adiar.
- Você tem que parar de abrir mão de ser feliz... – olhei repreendendo ele que passou a mão no meu rosto, no lado onde havia me dado a bofetada.
- Eu sei, mas eu prefiro ver a felicidade dos outros antes da minha – justificou ele – não me casei, não procurei alguém e cuidei de vocês junto com a Maria – ele disse orgulhoso.
- Você devia ter encontrado outra pessoa... – nessa hora não estava mais com raiva dele, estava com pena, abrir mão de um filho para fazer o irmão feliz, quem faz isso?
- Quem sabe agora... – ele não terminou a frase.
- Você já pensou se o Enzo não tivesse sido dado como morto, se não tivesse viajado com a Ângela, ou pior se tivesse ido morar com o Mario e me levado junto? Já pensou? – Ele pareceu pensar alguns segundos - você viveria sabendo que o seu filho era criado pelo seu irmão, a atenção, afeto e carinho que era sua de direito estava sendo dada para o pai errado...para o homem errado... – ele me interrompeu.
- Pensava nisso todos os dias, pelo menos até você ficar mais grandinho – comentou ele.
- Eu por muito tempo, fui alvo de perguntas das outras crianças de onde estava meu pai? Por que eles morreram, ou então de o por que eu morar com o meu tio – ele me olhou consternado – por muito tempo achei que eu era mais um sem pai e era criado pelo meu tio... – ele me interrompeu.
- Não vai mais ser assim, vou reconhecer sua paternidade, vai ser um processo complicado, mas eu e você temos esse direito, merecemos isso – ele comentou sério – não há mais razão para eu esconder já que você sabe e para mim vai ser uma alegria poder te chamar de filho e você me chamar de pai... – ele comentou me deixando envergonhado.
- Não sei se vou conseguir, talvez com o tempo...pai... – saiu naturalmente.
- Repete filho? – Pediu ele.
- Pai... – foi estranho dizer essa palavra, fazia muito tempo, mas pelo sorriso no rosto e o abraço de urso que ele me deu valeu a pena, já que implicitamente ele fez esse papel a maior parte da minha vida. O fato foi que eu nunca fiquei sozinho. Giovane abriu mão de muita coisa para ver os filhos felizes.
As próximas duas horas passamos conversando, eu deitado com a cabeça no seu colo e ele me falando de como estava feliz, além de claro, botarmos os pingos no i. No fim da conversa algo me incomodava. Marcos e Enzo>
- Pai? – Chamei sua atenção.
- Sim filho – ele sorriu.
- Eu tenho que falar com Marcos e Enzo, tenho que me desculpar com eles, fui mal-educado e ignorante com os dois – falei sem encara-lo.
- Eles estão chateados, mas estão tão preocupados do jeito que você sai ontem de casa que acredito que vocês vão se entender, acho melhor irmos né? – Ele fez menção de se levantar, mas eu não deixei.
- Vamos ficar mais um pouco, é que eu estou com vergonha... – confessei sem encara-lo.
- Deixa de ser bobo, vamos para casa, não estou muito à vontade aqui na casa do seu namorado... – ele disse olhando apreensivo para os lados. Lembrei que ele na discussão quis se referir a minha orientação sexual.
- Você tem vergonha de mim pai? Digo, tem vergonha por eu ser gay? – Perguntei encarando ele com receio da resposta.
- Não – ele pareceu sincero – vergonha não, não seria capaz disso, eu no início fiquei um pouco surpreso e chateado, não é o que um pai espera de um filho, mas todo pai tem o dever de apoiar o filho independente das circunstâncias, meu medo era de você sofrer como Enzo sofreu, ou de ser humilhado, agredido verbal e fisicamente, mas acima de tudo de você conhecer um homem e deixar seu pai de lado... – olhei de lado para ele e comecei a rir.
- Você tem ciúme do Felipe! – Exclamei.
- Tenho, um pouco – confessou ele – muito... – ele franziu a testa.
- Bom, se for para te deixar aliviado ele deve demorar uns 4 anos para me pedir em casamento – meu pai esbugalhou os olhos – eu estou brincando, ele já me pediu duas vezes – ele esbugalhou os olhos de novo – é brincadeira... – expliquei.
Acabei aceitando o convite do meu pai de voltar para casa e confesso que foram os 15 minutos mais longo da minha vida. Eu estava apreensivo, ansioso e logo na portaria do condomínio tive que encarar o Joel e seu Samuel que me olharam com uma cara de espanto e interrogação.
- Eles me contaram o que você disse Fernando – comentou meu tio assim que passamos a portaria.
- Desculpa... – ri sem graça querendo enfiar minha cara no primeiro buraco disponível.
Quando encostamos o carro na calçada meu tio fez sinal com a cabeça e pude ver que Marcos nos esperava sentado perto da entrada e parecia estar ansioso pois quando viu o carro ele se levantou depressa. Essa cena nostálgica me lembrou de quando eu tinha 4 anos, era como se eu estivesse voltando para casa e no fim era mesmo, ali era a minha casa. Marcos veio devagar até nós e quando chegou perto me abraçou com força. Ninguém precisou falar nada, retribui o abraço, meu pai vendo a cena satisfeito veio e nos abraçou.
- Minha família está reunida de novo... sussurrou ele.
Quando desfizemos o abraço, Enzo já nos esperava na porta um pouco sem graça. Pedi ao meu pai e Marcos que dessem uma volta para me deixar a sós com ele e por longas 2 horas conversei com Enzo onde ele me contou tudo sobre sua vida e eu agradeci por ele ter cuidado de mim enquanto pode e que eu queria muito que ele fizesse parte da minha novamente dali em diante. Após um abraço bem dado finalizamos a conversa.
O Resto do dia foi regado a vinho. Meu pai abriu uma garrafa de Barolo, seguida de mais 3 que ele havia trazido da Itália e que era mais velho que eu alegando o momento valia o sacrifício. Depois de duas porções de frango a passarinho e polenta e um porre daqueles terminamos o dia todos na piscina, bêbados rindo como um legítimo bando de italianos.