Felipe e Guilherme - Amor em Londres - 16 - EU TENHO UM SONHO

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Homossexual
Contém 6915 palavras
Data: 21/05/2017 19:01:34
Última revisão: 30/10/2024 02:22:28

As semanas não foram fáceis para Guilherme após seu retorno do Brasil e dos Estados Unidos. Iniciar o tratamento prometia a esperança de pôr fim ao sofrimento, mas a realidade era outra: ele mergulhava em uma dor ainda maior. O jovem passou a lidar com os primeiros efeitos devastadores — uma dor extrema, calafrios, e uma sede insaciável. As injeções o debilitavam, e apesar de um leve progresso no tamanho do tumor, o suficiente para dar esperança à família Thompson, o caminho à frente parecia interminável.

— Cadê o namorado mais corajoso? — perguntou Felipe, ao entrar no quarto com um sorriso, tentando trazer um pouco de leveza ao ambiente.

Guilherme, falando baixo e com dificuldade, respondeu: — Aqui. — Tentou rir, mas sem sucesso.

Felipe se aproximou, sentou ao lado de Guilherme, segurando sua mão com carinho. — Eu te amo, — disse com um sorriso, que escondia a preocupação.

— Também te amo, — respondeu Guilherme, fechando os olhos brevemente, exausto.

— Ei, — Felipe tentou animar o momento, pegando o celular e mostrando um vídeo. — Olha o que o Tchubirubas aprontou no dormitório! — Felipe riu, e por um momento, a expressão de Guilherme suavizou.

— Ele é um pestinha, né? Só tem essa cara de bonzinho, — Guilherme riu levemente, forçando um pouco a reação.

— Tirei todos os brinquedos dele. Está de castigo, — disse Felipe, com um tom brincalhão.

— Tadinho, não faz isso com ele, — respondeu Guilherme, tentando desviar a atenção da dor crescente.

Após guardar o celular, Felipe notou o desânimo evidente em seu namorado. — Posso deitar do seu lado? — perguntou.

— Pode sim. — disse Guilherme com um leve aceno.

Felipe tirou o casaco e deitou ao lado dele, o envolvendo com seu corpo.

— Você está cansado, amor. Tenta dormir um pouco, estarei aqui, — sussurrou, enquanto Guilherme encostava a cabeça em seu peito e lentamente adormecia. Em silêncio, Felipe pensou: "Te amo tanto. Aguenta firme."

Enquanto isso, em outro canto de Londres, a tensão entre Kaity e Rebecca só crescia. Desde que Rebecca havia engravidado de Dylan, Kaity tentava, sem sucesso, construir uma relação amigável com ela. Dylan, por sua vez, havia alugado um apartamento maior para que todos tivessem mais privacidade, mas isso não estava funcionando tão bem quanto ele esperava.

— Amor, o sofá vai ficar ótimo naquele canto da sala, não acha? — perguntou Kaity, enquanto Dylan empurrava o móvel com esforço.

— Sim, acho que vai sim, — respondeu ele, com uma certa indiferença.

Rebecca, que observava a cena, interveio.

— Não concordo. A luz da janela vai atrapalhar, principalmente no verão. Toda a claridade vai entrar e...

— Vamos deixar assim, — interrompeu Dylan, tomando o partido de sua namorada.

Rebecca, incomodada, deu de ombros e se retirou. — Vocês que sabem. Logo estarei de volta aos Estados Unidos, de qualquer forma, — disse, já cansada da convivência forçada.

Enquanto Rebecca saía de cena, Kaity, em um raro momento de aceitação, admitiu: — Sabe, ela tem razão.

— Sério? — Dylan perguntou, surpreso.

— Sim, a luz vai atrapalhar quando formos assistir TV, — Kaity respondeu, rindo de si mesma.

— Quer que eu mude? — ofereceu Dylan, meio perdido.

— Não precisa. Vou comprar uma cortina maravilhosa de presente. — ela respondeu com um sorriso.

Rebecca, ouvindo a conversa de longe, murmurou para si mesma, irritada: — Vadia.

Em outro lugar, Nariko, havia recebido uma notícia que a deixou inicialmente empolgada, mas logo a insegurança tomou conta. Ela guardava um segredo que não era propriamente oculto, apenas nunca revelado: sua mãe, uma mulher trans, sempre foi sua maior inspiração, e ela temia como seus amigos reagiriam a isso.

— E agora? — murmurou Nariko para si mesma, preocupada, antes de Felipe entrar na sala de surpresa.

— Tá tudo bem? — ele perguntou.

— Que susto, Felipe! — Nariko exclamou, tentando esconder sua apreensão.

— Nossa, calma, não quis te assustar. — Ele se sentou ao lado dela. — Você está bem?

Nariko hesitou antes de responder, tentando desviar o assunto, mas no fundo ela sabia que podia confiar em Felipe.

— Felipe, você sabe que é o meu melhor amigo. — disse Nariko em japonês, deixando Felipe confuso.

— Pode apertar a tecla SAP, mulher! — exclamou o rapaz, abrindo o seu livro de exercícios.

— Você é o meu melhor amigo.

— Obrigado, você também é a minha melhor amiga. — admitiu Felipe, pegando nas mãos de Nariko.

No Japão, ser alguém da comunidade LGBTQIAP+ é um tabu. Inclusive, a mãe de Nariko, a estilista Kasuku Takahashi vivenciou na pele o preconceito por ser como é: uma pessoa livre e sonhadora. Por anos, Kasuko brigou na justiça para ser reconhecida no cartório como mãe.

Quando começou a transição, Kasuko contratou uma equipe médica para guardar o seu esperma. Depois que se sentiu à vontade, contratou uma barriga de aluguel e teve a sua tão esperada filha.

Por ver a mãe ser tão maltratada pela sociedade japonesa, Nariko tem medo da reação das pessoas, principalmente de seus amigos próximos, pois já precisou desfazer várias amizades devido ao preconceito alheio.

— A minha mãe está vindo para Londres. Ela é uma estilista famosa. — Nariko entregou um tablet para Felipe.

— Que legal, a sua mãe é famosa. — comentou Felipe ao ler a matéria. — A sua mãe é uma mulher trans? — perguntou Felipe surpreso.

— Sim.

— Irado. Quando vou ter a honra de conhecê-la? — Felipe quis saber, ainda lendo o texto sobre a mãe de Nariko.

— Ela chega hoje. Vou buscá-la no aeroporto com o Wong. — explicou Nariko sorrindo. Por um segundo, ela conseguiu respirar, pois sabia que poderia contar com o apoio dos amigos. A reação de Felipe a emocionou.

— Ei, você fez o trabalho de hoje? — perguntou Felipe, entregando o tablet para Nariko.

Leopold Thompson sempre foi um homem de raciocínio rápido, conhecido por sua habilidade em tomar decisões certeiras no mundo dos negócios. Contudo, nos últimos dias, sua mente estava distante, consumida por preocupações. Seu filho, Guilherme, lutava contra uma grave doença, e isso fazia Leopold perder o foco em suas atividades habituais.

O evento anual da Fundação Thompson, criado para arrecadar fundos para um hospital na África, estava próximo, mas ele havia esquecido completamente. Em outros tempos, isso seria impensável, mas agora, diante da doença do filho, tudo parecia secundário.

John, o braço direito de Leopold, entrou no escritório com uma pilha de papéis nas mãos. Como sempre, ele se encarregava de tudo e sabia que seu chefe não estava em condições de lidar com os preparativos do evento.

— Senhor? Aqui estão os papéis — disse John, enquanto Leopold olhava pela janela, aparentemente alheio ao movimento ao seu redor.

— Senhor? — insistiu o jovem.

Leopold se virou lentamente, seus olhos pesados de cansaço e dor.

— A lista com os convidados da Fundação Thompson — John estendeu os documentos, mas percebeu que o chefe estava abalado.

Leopold pegou os papéis, mas logo os largou sobre a mesa, seus olhos se enchendo de lágrimas.

— Eu... eu não consigo, John — sua voz falhou, e ele começou a chorar.

John, que raramente via seu chefe tão vulnerável, fechou a porta do escritório e aproximou-se com cuidado.

— Senhor? — falou suavemente, pousando uma mão no ombro de Leopold.

— Eu tento ser forte... — Leopold desabafou. — O tratamento está dando certo, mas o Guilherme... ele parece um zumbi. Estou vendo meu filho definhar naquela cama e não posso fazer nada.

John apertou levemente o ombro de Leopold em um gesto de apoio.

— Ele é forte, senhor. Ele vai conseguir.

Leopold balançou a cabeça, ainda consumido pela culpa.

— Eu errei tanto com relação a ele. Perdi tanto tempo com raiva... e agora tudo parece inútil.

John respirou fundo, tentando confortá-lo.

— O importante é que o senhor deu a volta por cima e está ao lado dele nesse momento tão crucial. Isso é o que mais importa.

Leopold olhou para John com um olhar curioso, como se algo estivesse pendente.

— Quando você ia me contar? — perguntou Leopold, sua voz baixa, mas direta.

John ficou confuso por um momento.

— Contar o quê, senhor?

— Que você namorou por um bom tempo com o meu filho — Leopold disse sem rodeios.

John ficou instantaneamente vermelho, pegando o chefe de surpresa.

— Eu... posso... posso explicar... sinto muito... não foi bem assim...

Leopold levantou uma mão, interrompendo a enxurrada de desculpas.

— John, respira — disse Leopold com um tom mais gentil. — Eu entendo que, na época, você deve ter ficado com medo. Imagino que para você seja difícil ver o Guilherme nessa situação.

John baixou a cabeça, sentindo o peso das suas próprias ações.

— Confesso que, quando o Guilherme começou a namorar com o Felipe, fiquei com muita raiva. Fiz muitas coisas das quais não me orgulho para tentar... reparar isso.

Leopold assentiu, compreendendo.

— Como se aliar àquele rapaz que nos roubou — comentou Leopold.

John ficou visivelmente mais desconfortável, a vergonha estampada no rosto.

— Eu... lamento profundamente esse episódio, senhor.

Mas, para surpresa de John, Leopold se inclinou e o abraçou com força, um gesto paternal e sincero.

— John, você sempre foi meu braço direito. Eu confio em você de olhos fechados — disse Leopold, sua voz cheia de carinho.

John, pego de surpresa, retribuiu o abraço, ainda processando o apoio inesperado.

— Obrigado, senhor — respondeu John, emocionado.

Leopold deu um passo para trás e o encarou com um sorriso leve, como se estivesse relembrando o jovem inexperiente que John fora anos atrás.

— Por que você é tão formal comigo? — perguntou Leopold com um ar divertido.

— Eu lhe respeito, senhor. O senhor é como o pai que eu nunca tive e... me ensina a cada dia a ser um homem de respeito.

Leopold colocou uma mão no ombro de John e falou com sinceridade.

— Você é como um filho para mim, John. Eu lembro de quando você chegou aqui... um jovem assustado e inexperiente. Durante todos esses anos, você evoluiu tanto. Tenho muito orgulho de você.

John sentiu um nó na garganta, mas manteve a compostura.

— Eu só quero lhe orgulhar, senhor. E tenha certeza de que o Guilherme também tem orgulho do senhor.

Leopold olhou para o chão, como se estivesse tentando acreditar nessas palavras.

— Espero que ele tenha.

Depois de um breve silêncio, John voltou a falar.

— Senhor, faça o evento. Pense em quantos jovens precisam dessas doações. Já imaginou quantas vidas o senhor salvou com a Fundação Thompson?

Leopold ponderou por um momento, antes de tomar uma decisão.

— John, quero que você fique à frente desse projeto. Quero uma festa inesquecível.

John arregalou os olhos, surpreso.

— Eu?

Leopold sorriu e deu um leve tapinha no ombro de John.

— Você. Eu confio em você.

John sorriu, sentindo-se honrado com a responsabilidade.

— Pode deixar, senhor. Vai ser a melhor festa que a Fundação Thompson já fez.

As semanas passavam e a situação de Guilherme piorava a cada dia. O tratamento agressivo que ele fazia para tentar conter o tumor o debilitava profundamente. Seus músculos estavam fracos, e ele já não conseguia mais andar. Felipe, se dedicava completamente a cuidar dele, quase não saindo do hospital. A exaustão já tomava conta de Felipe, que passava até 14 horas ao lado de Guilherme, lutando contra o sono e o desespero ao ver a pessoa que amava se fragilizando tanto.

O comportamento de Guilherme também havia mudado. As alucinações eram frequentes e seu temperamento ficava cada vez mais imprevisível. Em um desses dias, Guilherme tentava comer algo, mas o apetite simplesmente não existia.

— Eu não quero mais — disse Guilherme, afastando o prato.

Felipe, tentando manter o otimismo, sorriu, mas já sentia no fundo a dificuldade daquela situação.

— Amor, você precisa disso para ficar forte — disse, encorajando-o, apesar de sua própria fadiga.

— Eu tô sem fome — respondeu Guilherme, visivelmente irritado.

Nesse momento, Celestina entrou no quarto, sacudindo a água da chuva que caía forte lá fora.

— Nossa, essa chuva tá muito forte — comentou ela, notando a bandeja de comida quase intacta. — Ainda não comeu nem a metade.

— Eu não quero, tô sem fome — repetiu Guilherme, impaciente.

Celestina suspirou, conhecendo bem os desafios enfrentados por Guilherme.

— Não é questão de querer, Guilherme, é questão de precisar — ela falou, com um tom firme e carinhoso.

Mas Guilherme, já cansado de lutar contra o próprio corpo, empurrou a bandeja com mais força, se recusando a continuar.

— Eu não vou mais comer — disse ele, cruzando os braços, a frustração transbordando.

Felipe, tentando manter a calma, pegou a colher e encheu com um pouco de gelatina.

— Amor, tenta pelo menos a gelatina, vai... só um pouco.

— Eu já disse que não quero, Felipe! — Guilherme respondeu, agora mais agitado.

— Só uma colherada, por favor — insistiu Felipe, mantendo o sorriso no rosto, mas sentindo a tensão crescer.

Guilherme respirava com dificuldade, claramente irritado e desesperado com a impotência que sentia diante de sua própria condição.

— Gente... eu... eu... — começou Guilherme, sua voz tremendo, antes de perder completamente o controle.

De repente, ele pegou a bandeja e a jogou no chão com força, espalhando comida por todo o quarto.

— Eu já disse que não quero essa porra! — gritou ele, visivelmente transtornado.

Felipe e Celestina se olharam, surpresos e preocupados. Sabiam que aquele comportamento não era culpa de Guilherme, mas o resultado da dor e da exaustão mental. Felipe, com paciência, se levantou e começou a juntar as coisas espalhadas pelo chão.

— Isso são modos, Guilherme? — disse Celestina, erguendo as sobrancelhas. — Você quase me acertou.

Nesse momento, Guilherme caiu em si. Colocou as mãos no rosto e começou a chorar, seu corpo tremendo com o peso de sua culpa.

— Desculpa, Celestina... Felipe... — soluçou, com a voz quebrada pela dor.

Felipe, deixando tudo de lado, se aproximou dele, pegando sua mão com carinho.

— Não precisa se desculpar, tá tudo bem — disse Felipe, apertando de leve a mão de Guilherme. Ele sabia que aquelas explosões eram reflexo do sofrimento que Guilherme carregava.

Celestina, ainda com um olhar preocupado, se ajoelhou ao lado de Guilherme.

— Guilherme, você quer parar o tratamento?

A pergunta ficou no ar por alguns segundos, enquanto o silêncio pesado tomava conta do quarto. Guilherme, com os olhos cheios de lágrimas, finalmente respondeu.

— Essa é a minha única chance... eu não quero morrer — disse ele, chorando baixinho.

Celestina suspirou e pegou a mão de Guilherme, tentando conter suas próprias emoções.

— Eu sei, mas esse tratamento só está te debilitando. Eu não consigo mais te ver assim — disse ela, com os olhos marejados.

Felipe se juntou a Celestina, sua voz calma, mas firme.

— Amor, eu sei que você está fazendo isso por nossa causa, mas... se isso tá te machucando de alguma forma, por favor... eu não quero te perder, mas também não aguento mais te ver sofrer desse jeito. Toda noite você tem febre, eu já te peguei chorando várias vezes, e ontem eu te vi conversando sozinho...

A verdade era dura, mas Felipe precisava ser honesto. Sabia que Guilherme estava lutando com todas as suas forças, mas até onde aquela batalha o levaria?

— Seus pais também estão preocupados — completou ele.

Guilherme olhou para o teto, tentando se recompor. Ele sabia que todos estavam sofrendo por ele, mas o desejo de viver ainda pulsava forte dentro de si.

— Eu quero continuar — disse, determinado, mesmo que com lágrimas nos olhos. — O tumor diminuiu três centímetros. Ainda tenho tempo.

Felipe, com o coração apertado, sorriu levemente, aproximando-se e dando um beijo suave nos lábios de Guilherme.

— Eu te amo — disse ele, em um sussurro.

Enquanto isso, Celestina limpava o chão, tentando disfarçar a emoção. Guilherme, ainda com os olhos marejados, a olhou e murmurou.

— Desculpa...

Paris estava empolgada com o casamento e ansiosa para surpreender Steve. Ela, Nariko e Kaity entraram em uma loja de alianças de luxo, mas logo se depararam com os altos preços.

— Gente, 150 mil euros por uma aliança? — comentou Nariko, incrédula.

— Enquanto vocês veem os preços, eu vejo beleza e durabilidade — respondeu Paris, sem perder o humor. — Pena que está fora do meu orçamento.

Kaity, curiosa, perguntou:

— O Steve já sabe que você está fazendo isso?

— Quero surpreendê-lo — disse Paris, com um brilho nos olhos. — Vou colocar o anel na sobremesa.

Nariko, sempre prática, expressou preocupação:

— Não é muito arriscado? Já vi histórias de gente que engoliu a aliança. Esqueceu o que aconteceu com Felipe e o Guilherme? — questionou Nariko ao lembrar o pedido de namoro dos amigos.

Paris riu e mostrou uma linha que tirou da bolsa.

— Está tudo sob controle. Peguei a medida do dedo dele. Vou mostrar à vendedora.

Enquanto Paris escolhia a aliança, a conversa entre Nariko e Kaity mudou de rumo.

— Pelo menos uma boa notícia na minha vida — comentou Kaity, desanimada.

— A Rebecca ainda está no teu pé? — perguntou Nariko.

— Sim. O Dylan está super feliz com a gravidez, mas tem algo estranho. Ela é cheia de restrições. Tentei ir com ela à aula de yoga e ela foi super grossa — desabafou Kaity. Nariko franziu o cenho.

— Ela não deixa o Dylan acompanhar os exames? — quis saber Nariko, cruzando os braços. — Isso é muito estranho. Será que essa garota está realmente grávida?

Kaity arregalou os olhos, surpresa com a pergunta. A dúvida agora pairava no ar, e a intercambista russa começava a questionar o que poderia estar acontecendo.

Enquanto isso, Nariko estava prestes a vivenciar um momento importante. Sua mãe, Kasuku, estava a caminho de Londres, e Nariko se sentia ansiosa. Embora fossem próximas, o trabalho de Kasuku sempre as mantivera distantes fisicamente. Quando sua mãe finalmente chegou, o reencontro foi cheio de glamour e movimentação.

— Minha filha linda — disse Kasuku, em japonês, ao abraçar Nariko.

— A limusine está nos esperando? — perguntou Kasuku, com um toque de extravagância. Nariko, já um pouco envergonhada, lembrou a mãe do acordo.

— Mamãe, a senhora disse que não usaríamos carros chamativos.

Kasuku, com o charme que só ela possuía, respondeu com uma piscadela.

— É a semana de moda, querida. Acha que eu chegaria sem causar impacto?

Fotógrafos logo cercaram mãe e filha, capturando cada momento. Nariko, desconfortável com a atenção, murmurou:

— Acho que já deu, né?

Mas Kasuku estava em plena ação, organizando seu time de assistentes, Biongui e Tsuku. Sempre prática, ela se certificava de que tudo estivesse em ordem para o desfile que sua marca de moda faria em Londres.

Apesar da tensão do reencontro, Nariko sabia que havia algo mais importante a discutir com sua mãe. Após uma pausa na correria, Nariko decidiu abrir seu coração.

— Mãe, a senhora falou com o papai sobre a possibilidade de eu estudar fotografia aqui em Londres? — perguntou Nariko. Kasuku a olhou de forma penetrante.

— Isso é por causa do Wong, não é?

— Parte sim, mas também quero ficar com o Guilherme. Ele está muito debilitado com o tratamento, e eu preciso estar aqui para ajudá-lo — confessou Nariko. Kasuku, com um sorriso no rosto, deu uma notícia surpreendente para a filha.

— Conversei com seu pai. — disse Kasuku. — Você sabe como ele é teimoso, mas... ele deixou.

— Sério? — questionou Nariko, incrédula.

— Sim. E essa minha visita também é para comprar um apartamento aqui. Vamos passar uma temporada com você. — revelou a estilista. Nariko não conseguiu conter a emoção e abraçou a mãe com força.

— Te amo, mãezinha.

Embora o dia tivesse começado com preocupações e uma montanha-russa de emoções, o abraço trouxe conforto e a certeza de que sua mãe, mesmo distante, estava ali por ela.

Certo dia, John decidiu caminhar no parque para tentar acalmar a mente. Nunca passou pela sua cabeça que organizar uma festa pudesse me deixar tão nervoso, mas ali estava ele, com o estômago revirado de medo de decepcionar seu chefe.

Tudo bem, quem conhece John sabe que ele é o tipo de pessoa que lida bem com pressão, e aquele evento estava o consumindo. Caminhar não foi suficiente, então ele começou a correr. John esperava que o ritmo acelerado ajudasse a organizar meus pensamentos. Mas, claro, as coisas não poderiam ser tão simples. Ao passar por uma poça, o rapaz escorregou, perdeu o equilíbrio e, antes que percebesse, estava no chão.

— Precisa de ajuda? — ele ouviu uma voz familiar. Era Wallace, o advogado com quem havia ficado há algumas semanas.

— Wallace? — John respondeu, surpreso, enquanto se levantava.

— Pois é. — Ele sorriu, estendendo a mão, mas John não precisou de ajuda para levantar.

Mancando, John sentou no banco mais próximo, tentando disfarçar o embaraço. Ele estava ainda mais nervoso com a presença de Wallace do que com o evento.

— Pensei que estivesse na Alemanha. — murmurou, ainda ofegante.

— Eu também. — Wallace respondeu, sentando ao lado de John. — Mas as coisas mudaram.

Deixei escapar um suspiro. Minha mente ainda estava a mil.

— Estava tão distraído... nem vi o sorvete no chão. — Falei, tentando desviar o assunto, mas Wallace parecia focado em outra coisa.

— Você não me ligou de volta. — Ele disse, direto, olhando para John, que sentiu o rosto esquentar. Ele sabia que essa conversa viria, mas não estava preparado.

— Eu... — balbuciou John, procurando uma desculpa que não soasse patética.

— Não gostou de ficar comigo? — Wallace perguntou com um tom de leveza, mas havia uma curiosidade genuína em sua voz.

— Claro que gostei. — respondeu rápido demais. — Você é o primeiro cara com quem fiquei depois de quase sete meses. — deu uma risada nervosa, tentando aliviar a tensão. — Só que minha vida... bem, está um turbilhão de acontecimentos.

Wallace o olhou com aquela expressão serena que John começava a reconhecer. O advogado parecia ser do tipo que esperava as coisas com paciência, mas agora John sentia uma leve frustração em seu olhar.

— Seria mais fácil se você dividisse esse turbilhão com outra pessoa. — Ele sugeriu, como se fosse a solução mais óbvia do mundo.

John suspirou. Wallace era legal, mas... John. Bem, John se achava o problema. Sempre se colocou nessa posição.

— Você é um cara legal, Wallace, mas sou eu que... — John tentou argumentar, sem saber exatamente o que dizer.

— Conheço essa história... — Ele disse, se levantando. — Bem, de qualquer jeito. Foi um prazer. — começou a caminhar, mas não antes de murmurar algo baixinho. — Não deixa eu ir, não deixa eu ir...

De repente, a respiração de John ficou irregular e seu coração disparou. Havia algo triste na partida de Wallace. Algo que apertava o peito do jovem empresário.

— Wallace. — John o chamou, quase sem fôlego.

Wallace virou, parando a alguns metros de distância.

— Oi?

Mais uma vez, John precisou respirar fundo, sentindo o peso de uma decisão se formando dentro dele.

— Estou organizando um evento beneficente... — começou a dizer, a voz um pouco trêmula. — Gostaria de ser meu acompanhante?

Wallace o olhou por um momento, analisando cada palavra de John.

— E a questão do turbilhão de emoções? — ele perguntou, cruzando os braços.

— Você está certo. — respondeu, finalmente sendo honesto consigo mesmo. — Preciso de alguém para dividir isso. Você aceita?

Ele sorriu, mas ainda manteve a pergunta no ar.

— Então, de certa forma, isso é um encontro?

— Sim. — garantiu John, rindo pela primeira vez em dias. — É um encontro.

Algo mudou dentro de John. Ele deixou o coração se abrir, mesmo que um pouco, para novas possibilidades. E, pela primeira vez em meses, não parecia tão assustador.

Guilherme caminhava pelos corredores do hospital como fazia quase todos os dias. O tratamento era exaustivo, e a dor da enxaqueca quase insuportável, mas aquele passeio oferecia um certo alívio. Ele nunca contara para ninguém, mas, entre as paredes brancas e máquinas de monitoramento, o mundo de Guilherme era invadido por desenhos animados. Ele via personagens que o acompanhavam, rindo e conversando com ele. Naquela tarde, ele trocou palavras doces com Branca de Neve, cantou uma melodia suave com a Pequena Sereia e segurou no colo um pequeno dálmata, sentindo o calor reconfortante da criatura imaginária.

Ao chegar na ala dos recém-nascidos, Guilherme parou para observar os pequenos seres que respiravam com dificuldade, mas estavam ali, cheios de vida. Algo na simplicidade e na fragilidade daqueles bebês o tocava profundamente.

— Adoro essa ala — disse, com os olhos fixos nas incubadoras. — Aqui é onde a vida começa.

Felipe, que o acompanhava em silêncio, sorriu ao olhar para os recém-nascidos.

— Eles são tão fofos. Vamos ter vários.

Guilherme sentiu um aperto no peito, a realidade esmagando a leveza do momento.

— Eu... eu não acho que vou ter filhos.

— Amor. Para. O tratamento tá funcionando. Temos uma esperança — disse Felipe, tentando trazer o parceiro de volta àquela bolha de otimismo.

Antes que pudessem falar mais, uma pequena multidão começou a comemorar no corredor. Um rapaz ajoelhou-se diante de uma mulher, segurando uma caixinha de veludo.

— Amor, agora que o fruto da nossa relação veio ao mundo... você aceita casar comigo? — A emoção transbordava em suas palavras.

A mulher, em lágrimas, respondeu um "sim" trêmulo, e o corredor se encheu de aplausos e risos. O coração de Guilherme apertou. Ele observou a cena, sentindo o peso da sua própria mortalidade. Ofegante, ele se afastou rapidamente da comemoração.

— Amor, espera! — Felipe chamou, preocupado, o seguindo.

Guilherme entrou no quarto, o peito subindo e descendo de forma irregular. Ele sentia o chão tremer, a cabeça rodar. Tudo estava escuro e confuso. Ele começou a falar coisas desconexas, vozes em sua mente ecoando palavras duras. As vozes diziam que ele nunca teria uma vida normal, que ele jamais se casaria ou teria filhos. O jovem se viu encurralado, até que caiu de joelhos, soluçando.

— Guilherme? — Anastácia, que estava ali, se aproximou, alarmada.

Felipe entrou logo em seguida, percebendo o ataque de ansiedade do namorado.

— Ele tá tendo uma crise. — disse, correndo até ele.

Leopold, o pai de Guilherme, apareceu pouco depois, preocupado com a cena caótica.

— Filho? — a voz de Leopold era suave, mas carregada de medo.

Guilherme murmurava, caminhando de um lado para o outro, incapaz de controlar a enxurrada de pensamentos.

— Guilherme? — insistiu Anastácia, tentando alcançar o filho com a voz.

Guilherme, em lágrimas, olhou para o pai, sua angústia transbordando.

— Pai... eu nunca vou casar... nunca vou formar uma família... nunca vou saber o que é ser casado com outra pessoa. Eu vou morrer.

Leopold não hesitou. Ele o puxou para um abraço apertado, sentindo o corpo frágil e trêmulo de Guilherme.

— Calma, amor. Papai tá aqui. — a voz de Leopold estava embargada, mas firme. Ele beijou a cabeça do filho. — Papai tá aqui.

Felipe, com os olhos vermelhos, mal conseguia conter o choro. Ele se aproximou de Anastácia, que também derramava lágrimas silenciosas. Guilherme continuava a soluçar no peito do pai, repetindo palavras de desespero.

— Eu nunca vou ter filhos... nunca. Não vou saber o que é crescer... evoluir... não... não...

Leopold apertou o abraço, balançando levemente o corpo do filho.

— Papai tá aqui. Ele tá aqui com você. Sempre.

As meninas estavam radiantes quando chegaram ao hotel de luxo onde Kasuko, a mãe de Nariko, estava hospedada. Sabiam que o baile da Fundação Thompson seria um evento inesquecível, e a promessa de vestidos feitos sob medida as enchia de animação.

Kasuko abriu a porta da suíte e as recebeu com um sorriso caloroso.

— Bem-vindas ao meu humilde quarto — disse, acenando para que entrassem.

Paris soltou uma risada assim que colocou os olhos no ambiente espaçoso e luxuoso.

— Humilde? Eu não sei o que é uma suíte de hotel há meses. Com licença! — Sem esperar uma resposta, ela se jogou na cama macia, abraçando o travesseiro. — Penas de ganso... que maravilha!

— Mãe, essas são Paris e Kaity, minhas amigas. — Nariko as apresentou.

Kasuko se aproximou com elegância, examinando as meninas com carinho. Pouco a pouco, a estilista conseguia absorver mais da personalidade das amigas da filha.

— Vocês são ainda mais lindas pessoalmente. Kaity, que olhos maravilhosos você tem... — ela tocou delicadamente o rosto de Kaity. — Você é muito linda mesmo.

— Ela é, né? Por isso que o Dylan é louco por ela. — Em seguida, deu um gritinho de excitação ao ver os sais de banho. — Dona Kasuko... seria demais pedir para tomar banho no seu banheiro?

— Ah, a Paris é mais doidinha do que eu imaginei. Claro que pode. — Kasuko riu com a espontaneidade de Paris.

Com a ajuda de Kasuko e sua equipe, as meninas se transformaram. Vestidos deslumbrantes, maquiagem impecável e penteados elaborados as deixaram prontas para o evento. Elas se admiraram no espelho, radiantes, esperando ansiosamente o momento em que seriam buscadas pelos rapazes.

Enquanto isso, John, que era basicamente o anfitrião da noite, enfrentava seus próprios desafios. Ele estava no espelho, lutando para amarrar sua gravata borboleta, quando Wallace entrou no quarto e o encontrou frustrado.

— Droga — resmungou John, puxando a gravata desajeitadamente.

Wallace se aproximou, sorrindo, e começou a ajudá-lo com o nó. Os dois haviam passado a noite juntos e Wallace ficou no apartamento de John para não se atrasar para a festa.

— Calma. Você normalmente é melhor nisso do que eu. O nervosismo realmente tomou conta de você hoje. — disse Wallace. John suspirou, tentando se concentrar.

— Essa festa é muito importante. Significa muito para o Sr. Thompson. — afirmou John.

— O filho dele continua mal, né? — perguntou Wallace, enquanto ajustava a gravata.

— Talvez não sobreviva — respondeu John, um tom sombrio em sua voz.

Wallace olhou para ele por um momento antes de perguntar: — Vocês são amigos? John hesitou.

— De uma certa forma, sim. — respondeu John. Ao perceber o tom evasivo, Wallace arqueou uma sobrancelha.

— "Certa forma"? Existe algo que deveria me preocupar?

John mordeu o lábio, percebendo que tinha se entregado demais.

— Não mais. Eu tive um namoro com ele. — revelou o jovem empresário. — O Guilherme seguiu em frente, e eu... fiquei no pé dele por um bom tempo, mas agora estou aqui. — Wallace franziu o cenho, intrigado.

— Você ficou no pé dele?

John suspirou profundamente, sabendo que deveria ser honesto.

— Eu não deveria ter te contado isso, né?

Wallace terminou o nó da gravata de John, mas não afastou as mãos.

— Quero saber. O que você fez?

John abaixou os olhos, envergonhado.

— Fiz uma burrada atrás da outra. Na época, eu achava que tinha razão. Tentei separar ele do Felipe, que é o atual namorado. Fiz coisas das quais não me orgulho, mas... como te disse, aprendi com meus erros. Se você quiser ir embora, eu vou entender.

Wallace, em vez de responder com palavras, se aproximou mais e o beijou suavemente.

— Isso é uma boa resposta para você? — perguntou Wallace, com um leve sorriso.

John, ainda surpreso, sorriu de volta, aliviado. — É uma ótima resposta — disse ele, retribuindo o beijo.

Felipe entrou no quarto de hospital com um sorriso suave, tentando iluminar o ambiente sombrio onde Guilherme, seu namorado, estava. Sabia que o jovem estava desolado por não poder participar do evento de seu pai, um baile beneficente que significava muito para ele. Guilherme sempre foi apaixonado por causas humanitárias, e cada evento que ele perdia só reforçava a sensação de que o tempo estava se esgotando.

— Trouxe o PS3. Quero ver quem é o mestre em Mortal Kombat — disse Felipe, erguendo a mochila que carregava e tentando animar Guilherme com um de seus passatempos preferidos.

Guilherme, deitado e com o olhar vazio, suspirou.

— Não estou no clima, amor. Podemos só ficar deitados mesmo?

Felipe não hesitou. Deixou a mochila sobre a mesa e tirou o casaco antes de se deitar ao lado dele.

— Claro, amor — disse, aconchegando-se junto ao namorado.

O silêncio entre eles foi pesado, até que Guilherme quebrou a quietude com uma voz embargada.

— Desculpa, tá?

Felipe olhou para ele, confuso.

— Por quê?

— Por ser um namorado defeituoso.

Felipe franziu o cenho, virando-se para encarar Guilherme.

— Guilherme? Para de falar besteira. Você não é defeituoso.

Guilherme desviou o olhar, lágrimas se acumulando em seus olhos.

— Felipe, a gente poderia estar na festa agora, mas você está aqui, preso comigo. Eu entendo se você quiser terminar.

Aquelas palavras feriram Felipe mais do que qualquer outra coisa. Ele segurou o rosto de Guilherme com delicadeza, mas firmeza.

— Guilherme, para. Você tirou o dia para ficar falando essas coisas? — perguntou, com a voz suave mas preocupada. — Ficou chateado por causa do pedido de casamento?

Guilherme riu, uma risada amarga e sem alegria, enquanto as lágrimas finalmente escorriam pelo seu rosto

. — Eu pareço um idiota, né?

— Não, você não parece — respondeu Felipe, suavemente. — Me conta, o que está te incomodando?

Guilherme hesitou por um momento, mas então se abriu.

— Felipe... eu sempre tive o sonho de casar, formar uma família, ter filhos. Quando te conheci, pensei... "nossa, esse é o cara que eu quero levar para o altar". E agora... — ele não conseguiu conter mais as lágrimas e desabou, se encolhendo nos braços de Felipe. — Está tudo arruinado por causa desse tumor idiota.

Felipe o abraçou com força, sentindo o coração apertado. Ele queria desesperadamente encontrar as palavras certas, mas sabia que nada que dissesse mudaria o fato de que a vida de Guilherme estava em risco. Ele sentiu as lágrimas começarem a brotar em seus próprios olhos, mas permaneceu forte para Guilherme.

— Meu amor... sinto muito — sussurrou Felipe, acariciando os cabelos de Guilherme, tentando transmitir, através daquele toque, todo o amor e apoio que sentia.

Eles ficaram ali, abraçados, compartilhando o silêncio e a dor, juntos, sem necessidade de mais palavras.

A festa seguia em ritmo animado, com as luzes e a música enchendo o salão de energia, mas nem todos compartilhavam do entusiasmo. Em uma mesa específica, os amigos de Guilherme e Felipe mal conseguiam esboçar sorrisos. Além da preocupação com Guilherme, cada um enfrentava suas próprias lutas internas. John, por sua vez, estava tenso com o discurso que teria que fazer, repassando as palavras em sua mente várias vezes enquanto Wallace aguardava pacientemente.

Paris, sempre perceptiva, passou por Wallace, parou, e deu meia volta.

— Espera aí, eu te conheço?

Wallace sorriu e estendeu a mão. — Tudo bem? Wallace Jones.

— Sou Paris, amiga do John. Você está aqui com ele?

— Sim — confirmou Wallace.

Paris, com seu jeito impulsivo, praticamente arrastou Wallace pela mão.

— Vem assistir conosco!

Enquanto isso, Nariko estava em um momento delicado. Tinha finalmente apresentado Wong à sua mãe, Kasuko, e os dois pareciam se dar muito bem. Wong, sempre gentil, conversava com a mãe da namorada com o maior respeito e atenção. Kasuko se levantou depois de um tempo e deu um abraço na filha.

— Vocês formam um casal tão bonitinho. Espero que cuide bem da minha filhinha. Agora, com licença, vou fazer minha doação.

— Até daqui a pouco — disse Kasuko, sorrindo. Wong suspirou, observando a mulher se afastar.

— Sua mãe é uma figura.

Nariko hesitou por um momento antes de falar.

— Wong... antes que você saiba por outra pessoa... a minha mãe é transexual.

Wong ficou em silêncio, aparentemente processando a informação.

— Wong, fala alguma coisa — pediu Nariko, o coração apertado.

Wong finalmente sorriu, pegando a mão de Nariko com delicadeza.

— Amor, para. Ela é sua mãe. Não precisa dar justificativas para ninguém. Eu amo você, e nada vai mudar isso.

O alívio tomou conta de Nariko, e ela sorriu, abraçando Wong.

Enquanto isso, John, no centro do salão, estava prestes a fazer o discurso mais importante da noite. O coração batia forte, e por um instante ele pensou em desistir. Mas então se lembrou de Leopold e de Guilherme, respirou fundo e começou.

— Boa noite. Estou aqui hoje para representar Leopold Thompson. Como muitos sabem, a família Thompson está passando por um momento conturbado, mas, mesmo assim, o meu chefe insistiu para que fizéssemos este evento. O dinheiro arrecadado aqui esta noite é muito importante. Existem crianças ao redor do mundo que dependem do trabalho que fazemos. São inocentes que não merecem estar nessa situação, e, apesar de parecer pouco, o nosso trabalho na Fundação Thompson pode mudar vidas.

John pausou, sentindo o peso de suas palavras. — O Sr. Thompson fez a primeira oferta da noite, no valor de dois milhões de euros. Esse recurso será destinado ao Hospital Santa Clotilde, no Quênia. Então, senhoras e senhores, abram o coração e, principalmente, a carteira. Agora, recebam o nosso mestre de cerimônia.

O público aplaudiu, e John desceu do palco, aliviado. Procurou por Wallace, temendo que ele tivesse ido embora, mas, depois de algum tempo, o encontrou ao lado de Paris e Steve. Se aproximou, ainda nervoso, imaginando se Paris tinha contado algo embaraçoso sobre seu passado.

— Olá. Então, como eu me saí? — perguntou John.

— Muito bem. Eu até acreditei que você é bonzinho — brincou Paris, lançando um olhar malicioso.

— Paris? — Steve a repreendeu suavemente.

— Estou brincando! O John é um cara cheio de qualidades. Cuidado, Wallace, não deixe ele escapar!

Nariko, se aproximando do grupo com Wong, suspirou.

— Gente, a festa está ótima, mas acho que eu e Wong já vamos. Precisamos levar minha mãe de volta ao hotel.

— Tá cedo! — protestou Paris. — Além do mais, sua mãe diva está se divertindo.

Kasuko, que tinha ouvido, sorriu.

— Oh, fiquem, eu posso ir sozinha. Já fiz minha doação.

— Já? — perguntou John, surpreso.

Kaity, que estava ao lado de Dylan, concordou.

— Eu e o Dylan também estamos pensando em ir. Com tudo o que está acontecendo com o Guilherme... é difícil encontrar ânimo para continuar a festa.

O grupo se entreolhou, e o clima da mesa ficou ainda mais pesado. Embora todos estivessem ali por uma causa nobre, a preocupação com Guilherme pairava no ar, e a festa, por mais brilhante que fosse, não tinha o mesmo sabor de celebração para eles.

Paris, sempre cheia de ideias inusitadas, fez a proposta que quebrou o clima pesado da festa:

— E se a gente fizer uma visita noturna ao Guilherme?

Nariko hesitou. — Será que pode?

Dylan deu de ombros, com um sorriso travesso. — O pai dele é dono daquele hospital.

— Eu pergunto mais uma vez: será que podemos entrar? — insistiu Nariko, observando o grupo, que estava vestido como se fossem ao Oscar.

Kaity, abraçada a Dylan, balançou a cabeça em aprovação. — Eu acho uma boa. E o hospital é logo ali do outro lado da rua.

Com essa decisão, o grupo desceu as escadarias da casa de eventos, algumas bebidas discretamente nas mãos. John, um pouco relutante, os acompanhava, preocupado que Wallace pudesse ter uma impressão errada sobre ele. Ao chegarem no hospital, a enfermeira responsável, percebendo o carinho genuíno do grupo por Guilherme, permitiu que eles passassem.

Kasuku, correndo atrás, reclamava em japonês: — Minha filha, por que estamos invadindo esse hospital?

Nariko sorriu. — Calma, mãe. A senhora vai ver.

Wong, sempre educado, ofereceu ajuda. — Precisa de ajuda, senhora Kasuku?

Kasuku, ofegante, deu um sorriso gentil. — Estou ótima, querido.

Já dentro do hospital, Paris, sempre animada, anunciou: — Que a festa comece!

Enquanto isso, Leopold, o pai de Guilherme, foi informado da visita dos amigos e, junto com Anastácia, decidiu ir conferir. Ambos estavam fragilizados pelo estado de saúde do filho e o peso das decisões recentes sobre o tratamento.

Anastácia, com lágrimas nos olhos, questionou: — Será que tomamos a decisão certa?

Leopold segurou a mão dela. — Se esse tratamento nos der mais tempo com o Guilherme... Precisamos de mais tempo com ele.

Ela suspirou, abraçada ao marido. — Maldito tempo.

Dentro do quarto de Guilherme, o clima era completamente diferente. Paris conseguiu enfeites de Natal dos enfermeiros, transformando o ambiente em uma mini balada. A alegria tomou conta do quarto, e por um momento, Guilherme esqueceu a doença. Todos riam e conversavam, aproveitando o momento.

— E esse é o seu namorado, John? — Guilherme perguntou, provocando John, que ficou visivelmente constrangido.

Wallace sorriu, entrando no clima. — Estamos caminhando para isso.

Guilherme sorriu, feliz pela sinceridade. — Fico muito feliz por vocês.

Felipe, sempre atencioso, virou-se para Guilherme, com um brilho nos olhos. — Vamos dançar?

Guilherme, com um sorriso divertido, respondeu: — Me dá a cadeira. Eu conduzo essa dança.

E assim, com Felipe empurrando a cadeira, os dois dançaram juntos, rindo e trocando olhares apaixonados. Paris não perdeu tempo e puxou John para a pista improvisada. — Vem, John. Mexe esse esqueleto!

Wallace, então, se aproximou de John, estendendo a mão. — Aceita dançar comigo?

John revirou os olhos, mas sorriu. — Não tem outra opção mesmo...

Do outro lado do quarto, Dylan e Kaity conversavam em um tom mais sério.

— Seu curso está acabando, né? — perguntou Dylan.

— Sim. — Kaity respondeu, um pouco distraída.

— Já falou com seus pais? — insistiu Dylan.

— Já. Só preciso escolher a faculdade. — Kaity respondeu, antes de Dylan a puxar para um beijo.

— Eu te amo, Kaity — ele sussurrou.

— Também te amo — Kaity respondeu, mas com a mente ainda cheia de dúvidas sobre a gravidez de Rebecca. Ela ainda não queria preocupar Dylan antes de ter certeza sobre o que estava acontecendo.

Quando Leopold e Anastácia chegaram ao quarto, ficaram emocionados ao ver Guilherme e Felipe dançando, mesmo que fosse em uma cadeira de rodas.

— Ele está em boas mãos, não é? — sussurrou Leopold, observando o filho com carinho.

— Não sei o quanto terei que agradecer ao Felipe. Ele é a rocha de Guilherme — disse Anastácia, com os olhos marejados.

Leopold sorriu. — Ele é. Igual você é pra mim. — E a beijou com ternura.

Kasuku se aproximou do casal, divertida. — Com licença. Odeio atrapalhar, mas pensei que não haveriam adultos aqui. — riu ela, provocando.

Leopold riu, se apresentando. — Sou Leopold, e essa é minha esposa Anastácia, pais de Guilherme.

— Um garoto tão valente — respondeu Kasuku. — Vocês estão de parabéns.

No meio de toda a alegria, Guilherme e Felipe não resistiram e trocaram vários beijos. Felipe adorava ver o sorriso de Guilherme, que, ultimamente, parecia tão raro. A noite terminou com todos dançando, até mesmo os pais dos jovens, em um momento que trouxe um pouco de felicidade a todos.

No fim, até Wallace começou a ver John com outros olhos, mas dessa vez de uma forma positiva. Felipe também notou as mudanças em John e comentou baixinho para Guilherme:

— Sei que eu não posso te oferecer tudo, mas saiba que meu amor é verdadeiro. Eu quero ter um futuro com você.

Guilherme, emocionado, respondeu: — Desculpa... Eu sei que meu comportamento ultimamente foi ridículo. Não quero colocar nenhum peso em seus ombros.

Felipe o beijou suavemente. — Eu sei. As coisas vão melhorar. — E os dois se abraçaram, compartilhando um sorriso de esperança.

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