[Nicolas]
-Quer que eu vá com você? Posso ficar ali por perto e te ajudar a voltar.
-Não precisa, eu vou e logo volto... vai abrindo um espaço no guarda-roupas enquanto isso.
O sorriso dele conseguia me causar aqueles mesmos arrepios que senti na primeira vez que nos encontramos, incrível como o tempo não conseguiu fazer com que eu ficasse acostumado. Martin. Meu menino Martin! Te amei desde o primeiro momento. Rodopiei-o em meus braços, feliz com o nosso novo momento, e com completa certeza de que aquilo era só o começo do resto de nossas vidas.
Assim que ele saiu, fui fazer o que me pediu, abri um espaço pra ele guardar suas coisas no meu guarda-roupa e aproveitei pra separar o que não me servia mais. Ele nunca foi aquele tipo de pessoa materialista e que gosta de amontoar as coisas, então sabia que o aquele espaço estava de bom tamanho pra ele. Me peguei por diversas vezes sorrindo a toa e pro nada ao pensar em como tudo seria diferente a partir de agora, nossas vidas mudariam completamente de perspectiva com esse meu convite para morarmos juntos. Na verdade era pra ser um pedido oficial de casamento, ensaiei por diversas vezes como faria isso, mas eu estava tão nervoso, e com medo da resposta, que saiu somente um convite pra morar junto. Quando ele voltasse, eu mudaria a proposta e iria surpreendê-lo e em breve seriamos casados.
Mais tarde, quando eu acabara de arrumar minhas coisas, decidi ir pra cozinha e preparar um jantar especial pra comemorar aquele dia, esse seria o primeiro de muitos e eu queria que ele sempre se lembrasse com carinho. Não era muito bom naquilo e quase nunca saia grande coisa, mas de repete me lembrei de uma receita de massas que ele mesmo havia me ensinado, prato típico da origem da sua família, e resolvi me arriscar, afinal, valia a pena. Minha mãe chegou não muito tempo depois, enquanto eu quebrava a cabeça com os molhos e tomava cuidado com o sal, e me pegou naquela situação.
-Oi mãe.
-O que é isso, Nicolas? – Ela perguntou dando risada da minha cara, me olhando de cima a baixo e me vendo de avental.
-Tô fazendo um jantar especial pra nós três. – Respondi e logo depois praguejei baixo por ter queimado o dedo na panela quente.
-Ual... Quem dera todo dia fosse assim, né. Cadê o Martin?
-Foi pra casa pegar as coisas dele, logo volta. E pra ficar.
Dizer isso em voz alta ainda me arrancava um sorrisinho bobo e que sempre teimava em aparecer, mesmo com minha mãe ali me observando com deboche e incredulidade.
-Então ele aceitou!? Que gracinha de menino.
-Obrigado por ter permitido isso, mãe. Eu sei que as coisas vão ser diferentes a partir de agora, mas nós vamos nos esforçar e vai dar certo. – Disse realmente grato por ela ter me compreendido hoje pela manhã quando apareci arrasado em seu trabalho lhe pedindo aquilo.
-Eu não tenho duvidas disso, filho, com o tempo tudo vai se ajeitar... o que não dava era pra continuar do jeito que estava, eu vi como ele chegou aqui apavorado, é melhor assim mesmo. Da até medo do que os pais dele poderiam fazer caso ele continuasse por lá, não sei o que esse tipo de gente tem na cabeça.
Sorri e agradeci aos céus por ter uma mãe como aquela, ela sempre conseguia ver o melhor das coisas e sempre estava disposta a ajudar alguém, e era por isso que eu tinha tanto orgulho de ser filho. As coisas nem sempre foram fáceis nas nossas vidas, reconheço o quão difícil é ter que dar conta de um filho quando se é mãe solteira, pobre e moradora de favela, mas ela, sendo a mulher forte e guerreira que é, conseguiu dar muito bem conta do recado. E era por isso que eu me esforçava tanto em me manter firme nos estudos, pois tudo o que eu queria era poder retribuir todo aquele sacrifício que ela fez por mim lhe dando um futuro bem melhor do que aquele que vivíamos.
O meu jantar enfim ficou pronto e eu, ao experimentar um pouquinho ainda quente, fiquei surpreso e orgulhoso de mim mesmo por ter dado tão certo. Quem diria que eu conseguiria reproduzir uma receita como aquela, sorri e planejei fazer isso mais vezes. Olhei as horas no relógio fixo na parede e até me surpreendi com o horário que já era. Ele estava demorando demais, pensei! Mesmo que o transito aquele horário fosse intenso na cidade, já era pra ele ter chegado ou pelo menos me mandado uma mensagem dizendo que estaria vindo. Comecei a ficar preocupado com a possibilidade dos seus pais terem o pego e impedido que ele fizesse aquilo, mas ele daria pelo menos um jeito para que eu ficasse sabendo, não era?
Tentei telefonar pra saber o que havia acontecido, mas o telefone apenas chamava sem que ninguém atendesse e depois caia na caixa de mensagens. Repeti o processo mais duas vezes e o mesmo aconteceu, nem sinal de vida dele. Então o óbvio me ocorreu, ele deveria estar tentando me evitar, claro, com certeza ele deveria ter pensado melhor e desistido daquela idéia insana. Ninguém que nasceu em berço de ouro, e que vivia tão bem quanto ele, trocaria aquilo por uma vida tão simples de uma hora pra outra. Ele só estava sem jeito de me atender e dizer que ao comparar os dois lugares achou melhor ficar com os pais.
Fiquei por alguns minutos fitando o vazio e pensando em varias coisas ao mesmo tempo, mas sem focar em nada de fato e teve um momento em que me deixei encostar a cabeça na mesa da cozinha. Eu estava completamente decepcionado por dentro, meus planos tinham ido por água abaixo totalmente e minha vontade de fazer qualquer coisa era zero. Tentava ao máximo ser compreensivo e fingir que estava tudo bem, mas a todo o momento algo dentro de mim me lembrava que não. Minha mãe apareceu ali onde eu estava depois de algum tempo e pegou um pouco do jantar antes de voltar a fazer as coisas dela, já eu estava sem a mínima vontade de comer e continuei ali sozinho.
Quando eu conheci o Martin e me apaixonei logo de cara, eu cheguei a ter certo medo de me relacionar com um garoto da Zona Sul, por que, por mais que ele aparentasse ser diferente, a idéia que eu tinha formada era de que uma hora ou outra essa diferença de ambientes iria pesar e cair como uma pedra em nossas cabeças. Lembro-me bem que do meu temor em acabar saindo decepcionado depois de tudo e, ao que parecia, era exatamente o que estava acontecendo.
O som do meu celular, que estava no bolso, chamou minha atenção e fez com que eu acordasse pro mundo real novamente, olhei a tela e o nome de Murilo piscava incessantemente e eu não pude disfarçar meu desapontamento.
-Oi Murilo. – Ouve um silencio do outro lado da linha e voltei a olhar a tela pra ver se a chamada ainda continuava. – Murilo? – Chamei outra vez por seu nome com o celular no ouvido e esperando que ele finalmente falasse.
-Nicolas? Onde você está?
-Em casa, por quê? – Respondi imaginando qual seria a programação daquela vez.
-O Martin... aconteceu uma coisa com ele.
Ouvir o nome do Martin me fez ficar mais alerta e eu comecei a dar mais atenção para o que ele falava, mas ele parou por uns segundos e eu fiquei preocupado.
-Fala Murilo!
-Ele sofreu um acidente, Nicolas, o Martin foi atropelado hoje mais cedo por um carro enquanto atravessava a rua. Minha mãe estava com a mãe dele quando soube da noticia... parece que agora ele tá no hospital e é grave.
O mundo inteiro se desmoronou ao meu redor assim que meu cérebro processou aquela noticia, eu não conseguia mais respirar com facilidade e tive que me apoiar sobre a mesa pra não cair. Aquilo não podia ser verdade, podia? Por isso, senti a necessidade de perguntar em voz alta:
-Isso não é verdade, é Murilo? Fala que é mais uma das suas brincadeiras sem graças.
-Infelizmente não Nicolas. É tudo verdade. Foi perto da casa dele e...
Eu não consegui mais ouvir o que o Murilo tinha a me falar, o desespero tomou conta de mim e eu sentia meu corpo inteiro tremer com a idéia de que meu Martin não estava nada bem. Naquele momento eu só conseguia pensar que eu precisava ver e estar junto dele imediatamente, não sei como, mas ainda consegui perguntar a Murilo qual era o hospital em que ele se encontrava e não esperei mais nenhum segundo pra tomar a decisão de ir pra lá.
Agi no automático, calçando meus sapatos e pegando o necessário antes de sair de casa apressadamente sem nem ter tempo de avisar minha mãe o que estava acontecendo. Eu precisava estar perto, eu precisava ver de perto qual era realmente a situação. O medo começou a me atingir de uma maneira tão forte que impossibilitava que eu pensasse qualquer coisa de forma coerente no caminho que eu fiz até o hospital. É grave, disse o Murilo, e essas palavras rondavam pela minha cabeça, me deixando tonto só de pensar na possibilidade do pior acontecer. Não. Aquilo não podia acontecer, eu precisava me manter positivo.
Senti-me um lixo por ter tido aqueles pensamentos mais cedo achando que ele havia desistido de tudo enquanto na verdade ele estava em um hospital passando por sabe-se lá o que, pra falar a verdade, eu preferia mil vezes que ele tivesse me abandonado do que ter como realidade uma coisa como aquela. Angustiado, eu não via mais nada a minha volta, as coisas passavam como um borrão pra mim através da janela e eu só sentia o crescente desconforto no peito imaginando que estaria chegando e logo saberia mais noticias dele. Boas ou ruins.
Notei que a noite já ia caindo e de repente eu me vi perguntando o que tinha acontecido com o dia claro que eu vi a poucos minutos atrás, mas ai eu me dei conta que ficara tão preso e angustiado em meus próprios pensamentos que não consegui mais me dar conta de nada. Quando cheguei na porta do hospital, foi como se enfim eu pudesse voltar a respirar novamente, eu não sabia o que esperar, mas sabia que estaria ali mais pertinho dele e isso era o mais importante naquele momento. Fiquei alguns minutos observando aquela fachada como se entrar ou não pudesse decidir o rumo da minha vida, mas com o coração acelerado, eu dei o primeiro passo e entrei depressa.
O aglomerado de gente na recepção era bem típico de um hospital grande como aquele, pessoas iam de um lado pro outro aflitas e em busca de informações. Eu não estava muito diferente, esperei até que chegasse minha vez e então só assim pude me informar melhor:
-Estou procurando o paciente Martin Muniz Lira, ele deu entra aqui mais cedo por atropelamento.
Dizer aquela frase em voz alta ainda me causou aflição, por mais que eu já soubesse daquilo, parecia que tudo se tornava mais real. A recepcionista me olhou pela primeira vez, desconfiada e voltou a checar o monitor que estava a sua frente. Reprimi a vontade de gritar desesperado pra ela que eu não tinha muito tempo a perder.
-Não podemos dar informações de pacientes pra qualquer um. Você é o que dele?
-Namorado.
Depois disso, ela pareceu se contentar, ou pelo menos não dar mais importância, e me deu as informações de como chegar ao andar certo. Segui em direção ao caminho apontado e parecia que a cada passo meu o coração sairia pela boca, era a pior sensação que eu sentia desde que fiquei sabendo da noticia e eu sabia o porque. Eu estava com medo do que poderia descobrir ao chegar lá, seja forte Nicolas, pensei e tomando forças, acelerei meus movimentos, ignorando o elevador e subindo pelas escadas de dois em dois degraus.
Cheguei ao andar de espera dos pacientes que estavam no UTI e dei de cara com os pais dele sentados com a mesma aflição que eu deveria ter no rosto, eu os conhecia somente pelas vezes que o Martin me mostrava fotos e pelas colunas sociais, mas o suficiente pra reconhecê-los onde quer que seja. Minha presença logo foi notada, a sala não estava muito cheia e um simples movimento com a cabeça eles depositaram seus olhos em mim.
-O que esse menino tá fazendo aqui?
O pai dele foi o primeiro a falar, ou melhor, esbravejar aos quatro cantos para quem quisesse ouvir. Logo eu me dei conta de que, ao tomar a decisão ficar ali, as coisas poderiam se tornar bem difíceis. Eles me odiavam, mesmo sem motivo aparente, e não faziam questão de esconder isso. Mas antes que eu pudesse falar algo, me explicar ou me defender, um médico adentrou no lugar onde estávamos e chamou toda a atenção.
-Eai doutor, como foi a cirurgia?
Cirurgia? Imaginei que eles já deveriam ter tido uma conversa antes e por isso a pergunta, me aproximei pra ouvir melhor.
-Conseguimos controlar ao máximo a hemorragia intracraniana causada pela pancada na cabeça e as outras fraturas também já foram controladas.
-Ele tá bem? – Me vi perguntando automaticamente sem me importar com os olhares de reprovação.
-Agora vem a parte mais difícil, fizemos tudo o que podia ser feito, mas ele continua em coma pelo trauma que o cérebro sofreu e não sabemos por quanto tempo isso vai durar. Entendam, a pancada foi grave, ele demorou a dar entrada aqui no hospital e nesses casos é complicado estabelecer um limite de tempo para a recuperação, ou até mesmo se vai haver alguma recuperação. Agora é esperar.
Um arrepio percorreu meu corpo ao ouvir aquilo, aquelas palavras entraram pelos meus ouvidos e continuaram girando, fazendo que eu ficasse tonto. Como assim eles não sabiam se haveria recuperação? Imediatamente me senti fraco e tive que me apoiar em uma das cadeiras pra não cair. Não, isso não podia acontecer, não com o meu Martin. O ar faltava em meus pulmões e eu, sem saber o que fazer, comecei a entrar em desespero.
-A CULPA É SUA!!
Dentre os milhões de zunidos que aconteciam ao meu redor, eu ouvi aquela senhora gritar a plenos pulmões em minha direção.
-Não. – Disse, mas minha voz não passava de um sussurro, pois eu não tinha forças pra mais nada.
-Meu filho era um garoto lindo, com um futuro brilhante pela frente, mas foi só te conhecer que ele mudou e agora ele tá aqui, nesse hospital, com poucas chances... tudo por culpa sua. Chamem os seguranças, tirem esse menino daqui!!
Ela gritou mais uma vez completamente enfurecida, enquanto eu via seu marido sair da sala em busca de reforço. Eu então entrei em desespero, eles não podiam me tirar dali, onde era meu lugar, eu precisava estar ali com ele. O esperando acordar.
-Não! Por favor! Me deixem ficar aqui... e... eu fico aqui quieto no canto, não falo com vocês e não atrapalho, mas me deixem ficar aqui perto dele. É só isso que eu peço. Eu só quero ficar perto do Martin. Por favor.
Supliquei apavorado com a idéia de que iriam me tirar dali. Minhas lágrimas começaram a escorrer, lavando meu rosto e fazendo com que eu não enxergasse mais nada, isso não podia estar acontecendo. Os seguranças não demoraram muito a entrar na sala, seguido do pai do Martin que apontava pra mim e indicava que era a mim que eles deveriam cuidar. Meio que sem saída, eu ainda tentei convencê-los do contrario:
-Por favor. Eu amo o Martin. Eu amo de verdade, com todas as minhas forças, amo tanto quanto vocês. Me deixem ficar aqui, pensem, era isso que ele iria querer... me ver pertinho dele. Eu sei que talvez eu possa não ser a melhor pessoa pra ele, mas eu imploro a vocês, me deixem ficar aqui. Por favor!
Mas foi em vão, com um aceno de cabeça, os dois deram a ordem muda para que os seguranças se aproximassem de mim, e me pegando pelo braço, me arrastassem a força pela porta. Não protestei, eram dois e claramente muito mais fortes que eu, então eu só me deixei ser levado para cada vez mais longe dali e logo depois me atirarem pra fora do hospital como se eu fosse um qualquer. Então só me restou ficar ali, sem rumo, sem chão e sem saber o que iria acontecer daqui pra frente.
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