Eu obedeci sua determinação e, de manhã, agi como se nada tivesse acontecido. Discretamente, contemplei-o passar por mim de cueca, pus a mesa, tomei o café com ele – tudo como se tornara rotineiro nos últimos dias. Ele não tinha mais o semblante hostil como logo após a noite em que havia me comido pela primeira vez, mas também não entabulava conversas. Seu tom de voz, porém, era mais ameno. Quase formal ao me mandar passar o açucareiro, por exemplo, mas não ríspido.
Eu estava exultante. Havia lhe dado sexo, havia lhe dado prazer. Ao seu modo, papai estava saindo daquela prostração que o luto pela mamãe havia lhe imposto. E eu sabia que essa melhora se devia a mim – seja por conta do sexo propriamente dito ou por estar no centro de toda aquela situação que fazia com que ele desviasse os pensamentos da ausência dela.
No banheiro, observei minuciosamente as fezes para ver se havia algum traço de sangue. Tomei um banho, sequei cuidadosamente o cuzinho e apliquei uma pomada, para aliviar o ardor provocado pela violência do coito a que ele havia me submetido, praticamente sem lubrificação. Novamente, sentia o corpo dolorido pela força que ele usara para me imobilizar e pelo peso de seu corpo movimentando-se sobre o meu. Nada disso atrapalhava a felicidade que estava sentindo e que me fez aproveitar a ida ao mercado para flanar um pouco pelas ruas da cidade.
Se ele me procurara pela segunda vez, certamente em algum momento haveria uma terceira, uma quarta, e outras tantas até que chegasse a hora da minha partida. Ainda que com data certa para acabar, eu estava vivendo um romance com papai. Era inacreditável para mim que aquilo estivesse realmente acontecendo, mas tudo indicava que, por mais quase dois meses, eu seria seu amante, viveria maritalmente com ele, pertenceria a ele como não imaginava pertencer a nenhum outro homem. Estava tão feliz que resolvi almoçar fora, num restaurantezinho que, embora mais para boteco do que qualquer outra coisa, tinha seu charme por ter as mesas dispostas na calçada, em frente à praça, que estava florida.
Em casa, guardei as compras e me deixei descansar um pouco na cama dele. Alisava o lençol, buscava seu cheiro no travesseiro, fechava os olhos imaginando as cenas da madrugada como se as estivesse assistindo. Ele me deixara o tempo todo de bruços. Portanto, de costas para tudo o que ele fazia. Então, exercitei a memória e a conjuguei com a imaginação para visualizar aqueles momentos tão especiais que havia vivido com ele – embora, em realidade, tivesse sido estuprado, e não propriamente amado. Deixei-me ali, perdido em meio a tanta satisfação. Não tive pressa, mas acabei concluindo que chegara a hora de voltar às minhas obrigações.
Não havia muito o que fazer, exceto preparar o jantar – mas isso era só para mais tarde. Olhei de relance para o banheiro da suíte. Achei que seria uma boa ideia aproveitar que ele praticamente não o estava usando para tirar tudo lá de dentro e fazer uma boa limpeza. Na verdade, não havia muito o que retirar: apenas um cesto de roupas, a cortina de plástico do boxe e as poucas coisas sobre a bancada do lavatório.
Feito isso, levei baldes, desinfetante, água sanitária, esponja, escovinhas e tudo o mais para uma faxina geral. Tirei a roupa toda, fechei a porta e vedei a fresta com panos de chão, já que iria espalhar água por todo o canto, e liguei o chuveiro. Depois que o primeiro balde encheu, coloquei-o de lado e pus outro em seu lugar. Nesse movimento, a água molhou meu braço.
Estava quente. E aquecedores não se consertam sozinhos.
[continua]
