ACRÔNICO. #Parte 16.

Um conto erótico de Ralph.
Categoria: Homossexual
Contém 2484 palavras
Data: 03/05/2017 13:59:10
Assuntos: Gay, Homossexual

Eu abri os olhos em um susto quando entendi que estava acordado e lembrei-me do que a noite anterior tinha oferecido.

Até que ponto tudo aquilo era verdade?

O que realmente tinha acontecido?

O domingo parecia ter amanhecido há tempos quando eu apertei meus olhos ao virar para as janelas abertas. Quando eu tinha perdido o hábito de escancará-las e assim dormir? Que nova pessoa maluca eu tinha me tornado.

Uma pilha de roupas sobre uma cadeira velha que eu mantinha num dos cantos do quarto me fez acreditar em parte daquilo que rondava meus primeiros pensamentos daquele dia. A chuva tinha sido real. Bom começo. No meio delas eu achei meu celular e digitei os números apressadamente. Com as dúvidas que eu alimentava antes mesmo de ingerir algo físico, somente uma pessoa poderia me ajudar.

– Bom dia, fujão. Só continuo essa conversa se você tiver boas notícias.

Do outro lado da linha, o que Catarina dizia ia de encontro ao que eu lembrava ter acontecido. Mas é claro que eu ainda duvidaria.

– Então aconteceu mesmo?

– Eu quem pergunto pelos acontecimentos, seu maluco. Como foi seu encontro inesperado?

– Do que estamos falando? – Perguntei já perdido. Ainda guardava resquícios de sono no corpo. – Bernardo! – Ouvi Johnny interromper nossa conversa. Aparentemente eu estava no viva-voz. – Então ele existe. – Conclui com um sorriso que não poderia ser medido.

– Eu já disse que às vezes você me deixa preocupada?

– Sim, algumas vezes. – Não menti.

– Mas não ache que vai fugir de mim. Como foi ontem? Rolou?

– Rolou – eu sabia o que ela queria dizer e comecei mentindo. – Rolou chuva, correria e um ônibus até em casa. Mas rolou um beijo. Rolou todos aqueles olhares que sempre existiram.

– Seu romantismo me deixa enjoada. – Catarina me cortou de forma educada.

– É por isso que não transamos mais. – Johnny interrompeu outra vez e tudo que seguiu em risadas e acusações de falta de amor ainda em tom de brincadeira entre os dois.

– Mas voltando ao assunto – eu chamei a atenção da minha amiga que logo atendeu ao meu chamado. – Eu preciso do número do Bernardo e eu sei que você tem. É impossível que não tenha.

– Como assim você não pegou enquanto estava com ele?

– Eu estava ocupado olhando para a cara dele que ainda é tão bonita e para a boca que é ainda tão gostosa e...

– Espero que o rabo dele ainda seja tão suculento – ela me cortou outra vez aos risos.

– Pelos Deuses, Catarina, eu estava tentando parecer alguém decente.

– Não minta dizendo que não pensou naquilo. E não ache que é errado pensar na bunda de alguém. Deixe de caretice.

– Estou pensando nesse exato momento – confessei entregando algumas gargalhadas.

A gargalhada de ambos do outro lado da linha foi igualmente exagerada, até que Catarina prosseguiu:

– Então desligue. Passarei o número dele pelo WhatsApp e depois farei Johnny se arrepender de reclamar por sexo.

– Muito obrigado pelo número e poupe-me dos detalhes sobre isso, seus indecentes! – Brinquei antes de desligar.

Pouquíssimos segundos se passaram desde a finalização da ligação ao bipe que anunciou a chegada da mensagem de Catarina. Mesmo muito leve, o tremor em minhas mãos me fez errar e fechar a mensagem sem querer. Eu ri sozinho porque aquilo era realmente engraçado: eu tremendo todo para falar com alguém que, em outros tempos, me dera toda a liberdade e intimidade do mundo.

O tremor nas pontas dos dedos cessou depois que eu levei o aparelho à lateral do meu rosto e a chamada nem chegou a ser completada, fazendo com que eu fosse direto para a caixa de mensagem. Eu não deixaria uma mensagem ali sabendo que pouquíssimas pessoas de fato escutam as gravações. No lugar disso eu abri o WhatsApp, atualizei minha lista de contatos e um pequeno ícone com o rosto de Bernardo em evidência apareceu quase no topo dos usuários ativos. Eu abri a mensagem e digitei qualquer coisa.

"Bernardo."

Legal. Melhor forma de começar uma conversa com alguém que acabara de voltar para minha vida depois de tanto tempo longe. Pensei que seria melhor completar com algo que envolvesse "saudade" e "quero te ver", mas no lugar disso eu travei o celular e o joguei longe. Como se tivesse armado uma bomba, eu me arrastei pela cama onde estava sentado e me enfiei dentro das cobertas, me protegendo da insegurança causada pela minha iniciativa sem graça.

Uma vibração. Um toque que imitava um sino que eu precisava mudar com urgência. Desastrado, eu me perdi no meio de tanta coberta quando tentava sair da minha zona protegida e mirei o celular na ponta da cama, quase caindo. Só podia ser Bernardo. E era.

"Eu te darei uma chance de tentar outra abordagem", eu li a frase logo abaixo da minha. Quando ele tinha se tornado um brincalhão? Diante disso eu só poderia voltar ao plano inicial e digitei seguramente cada letra da próxima frase que enviaria:

"Da unha do meu dedão sujo ao meu cabelo ralo, tudo em mim é saudade. Deixe-me ver você."

E eu não me escondi após enviar a confissão que fazia minha pele amornar. Eu não me escondi porque, mesmo tão adepto das fantasias, no campo da verdade eu sou um corajoso guerrilheiro. Eu estava inteiro naquela mensagem enviada e sabia que ele reconhecia isso. Até sorri quando reli as palavras.

Outro som agudo.

"Tudo que eu precisava para uma manhã de domingo", ele escreveu.

Eu não esperei um único segundo para enviar a próxima mensagem:

"Eu preciso ver você. Agora!"

"O mesmo de sempre. A mesma pressa, também. Venha!" E seguido das palavras uma localização precisa enviada diretamente do Google Maps.

Eu ri. Não, eu gargalhei. Gargalhei porque eu conseguia imaginar que a pele dele estivesse tão morna quanto a minha, e que seu corpo lembrava o óbvio: queríamos um ao outro desesperadamente.

Urgência.

Nem de brincadeira eu demoraria em seguir aquelas coordenadas. Correndo, eu me enfiei no banheiro, lavei meu corpo de forma despreocupada e rápida, vesti uma calça marrom e uma blusa azul marinho. Calcei o primeiro par de sapatos que encontrei na frente, peguei chaves, carteira e guiado pelo celular atravessei a cidade em busca do homem que ainda me fazia entender o amor e todas as coisas que existem depois dele.

Pertencimento.

Mas eu não acreditei quando estacionei na frente da igreja. Pela entrada grandiosa e a altura da edificação, mas parecia um santuário. Era feita em pedras escuras e lembrava algo gótico com toques modernos. Sempre existiu aquilo no centro da cidade?

A pouca movimentação na entrada respondia minhas dúvidas. De fato a igreja não fazia parte de um roteiro turístico. Era algo só dos moradores e logo vi que aquilo deveria ser o orgulho de quem morasse pelas redondezas. Se eu morasse ali também marcaria um encontro dentro da igreja. Era ousado e curioso e combinava com o novo Bernardo.

Ansioso, tanto pelo encontro, quanto pela descoberta, saí do carro e cansei ao subir a quantidade considerável de degraus até a porta. Se a localização me levava até a igreja, é claro que Bernardo me esperava em seu interior. Ou não.

No primeiro passo depois da porta já senti a atmosfera ganhar outra temperatura. Lá dentro tudo era mais escuro, meio sombrio e muito frio. Somente o altar era bem iluminado por feixes de luz natural que descia do teto e esparramava pelo ambiente mais sagrado do lugar. Acima daquele altar um vitral gigantesco e colorido narrava a crucificação de cristo. Toda a escuridão fez sentido quando aquele vitral era o centro de tudo. Mas não era para mim, é claro. Ao som de um cântico gregoriano que ecoava por todo o lugar, meu olhar viajou pelos bancos dispostos de forma que todos se voltassem para o vitral e eu encontrei Bernardo tão imóvel quanto a imagem do cristo acima de todos nós. Aquele loiro de olhos brilhantes era meu próprio cristo e parecia bem vivo com minha aproximação.

Eu virei na fileira daquele banco onde ele estava sentado e silenciosamente me arrastei para perto dele, que continuou em estado contemplativo.

Ciente de que aquilo poderia ter algum sentido para ele, o deixei quieto e tentei enxergar além da beleza extrema daquela peça divinamente iluminada pela luz do sol. Ainda mais bonito que aquilo eram as cores refletidas sobre o altar. Não eram muitas, mas quando as nuvens se moviam lá fora e o vitral recebia a luz direta do sol, os pequenos pontos coloridos dançavam sobre a madeira escura e velha do interior sagrado. Eu concluí que deveria visitar mais igrejas.

Talvez tomado pelo medo de perder o posto de adoração, eu senti Bernardo procurar pelos meus dedos e depois de entregues, os acariciou tão suavemente que por um momento eu fechei os olhos e me deixei ser presenteado com tal carinho. Ele brincou com meus dedos, contornou minhas unas, acarinhou o vagão entre eles e depois entrelaçou os dele nos meus, unindo-os. Sobre nossas mãos dadas eu deixei cair os girassóis amarrados por um barbante que eu carregava. Era um buquê mais rústico e menos romântico, fugindo dos tradicionais. Seu amarelo vibrante combinava tanto com a cor solar de Bernardo, que nenhuma outra flor serviria para esse momento. O olhar dele encontrou o buquê e o seu riso foi instantâneo. Eu conseguiria provar que ele duvidava da minha capacidade de lembrar o que tinha pedido. Eu o vi pegar o buquê ainda rindo ficar brincando com aquilo sobre seu colo.

Era bom estar em silêncio e em estrado de graça, mas eu precisava entender aquele encontro inusitado, se é que eu poderia usar tal termo para falar de algo tão sagrado.

– Uma igreja? Você está sendo irônico ou há um propósito? – Sussurrei com medo que minha voz pudesse se propagar pelo ambiente.

Bernardo me ofereceu um sorriso meia boca e apertou nossos dedos ainda mais carinhosamente.

– Sempre haverá um propósito para tudo – ele disse montado em sabedoria. – Eu estava aqui quando você me mandou aquela mensagem encabulada. Quando disse que queria me ver, não vi motivos para propor outro lugar.

– Não tenho nada contra igrejas. Até descobri uma leve paixão por todas essas cores, mas o que você faz aqui?

Eu realmente estava curioso e a serenidade no rosto de Bernardo não me censurava.

– Coloco as lembranças em dia – me respondeu ele.

– Não me ajudou muito.

Talvez ele começasse a me achar curioso além dos limites, mas quando ele sorria todas as minhas dúvidas e interpretações mal feitas eram destruídas.

– Nesse tempo que estive longe de você eu perdi muitas coisas. – Bernardo começou falando e dessa vez ele me olhava, mas ainda meio de lado. Metade dele estava comigo enquanto a outra viajava por outros tempos. – Dentre as muitas perdas, minha mãe foi a maior delas.

Por um segundo tudo sumiu do meu campo de visão e todo mínimo som foi aniquilado. Eu queria conseguir abrir a boca para falar algo, mas nenhum músculo do meu corpo funcionava corretamente. E então ele continuou falando sozinho sabendo que eu ainda estava com ele, ainda mais próximo, ainda mais presente naquele carinho que trocávamos lá embaixo, em nossos dedos.

– Foram dias terríveis, é claro. Ela era meu apoio e todas as outras coisas do mundo. Não foi fácil entender a minha existência sem ela, mas entendi, no fim. Nós somos muito mais que isso que somos nesse instante – ele dizia fazendo-me olhar nossas mãos. – Nós somos muito mais que carne. Há uma construção universal por trás de cada homem e cada mulher, ou cada bicho e planta que o alimenta, Ralph. Minha mãe está em mim, como também está nesse lugar que ela visitava sempre, antes que o câncer a fizesse diminuir os passos. Eu a sinto quando sento e observo a passagem do tempo e das cores. A gente é isso: a passagem do tempo algo ou alguém. – Ele terminou apontando com o próprio queixo para o espetáculo luminoso à nossa frente. Em seus lábios um sorriso calmo.

Eu precisei respirar fundo para não me derramar em lágrimas sentidas demais e me juntei ao sorriso que claramente era ofertado à mãe de Bernardo, Dona Ilka, uma mulher de enorme sabedoria, mansidão e a origem dos cabelos dourados do homem sentado ao meu lado.

Eu suspendi aquela mão que segurava e a fiz viajar até meus lábios. Ele sentiu o beijo que eu dei sobre seus dedos e depois sorriu para mim. A sua mãe que esperasse, porque a dança daqueles lábios agora era oferecida a mim. E pelo que conheci dela, estaria feliz com isso.

– Você é lindo. – Eu sussurrei somente para ele. – Você é lindo e sabe disso.

– Sou muito padrãozinho. Gosto não. – Ele riu baixinho antes de continuar. Era uma ironia.– Prefiro seus olhos castanhos e essas bolsas enormes embaixo deles. Prefiro ainda mais esse nariz deformado.

– Eu acredito. – Outra vez disse baixinho com o rosto ainda mais próximo do dele. – Acredito também que estou prestes a roubar um beijo seu. Dentro de uma igreja. Sob um vitral sacro. Acho que zeraremos a vida.

Ele riu e sua risada beirando o exagero acordou todos ao redor de suas orações particulares. Eu juro que ouvi um "shhh" vindo do fundo e abafei meu riso com meus dedos, pressionando meus lábios assim como aquela religião fazia conosco.

– Vamos sair daqui, Ralph!

Sua voz tão mansa e convidativa me acordou para o momento: dois homens, risonhos, saindo de mãos dadas e em passos apressados de dentro de uma igreja. Um exibe no olhar a euforia do amor desperto e carrega um buquê de vibrantes girassóis, o outro, mais explícito, carrega um volume crescido entre as pernas que poderia ser notado apenas pelo olhar atento de fieis curiosos e interessados.

Supostamente longe do olhar atento do homem santo, rimos um para o outro ao mesmo tempo em que eu tinha meu rosto segurado por mãos quentinhas e muito macias e lábios tocavam os meus num selinho, que mesmo rápido, foi expressivo e muito gostoso. Eu não queria ser aquele que pensaria no físico, mas era inevitável imaginar nossos corpos novamente nus sobre lençóis sortudos e membros rijos em êxtase profundo.

Profano.

Eu estava prestes a perder o controle e tomar sua boca na minha, implorando que me deixasse entrar em sua casa, em suas pernas e em seu corpo. Mas antes disso ele anunciou em um brado:

– Vamos à feira!

.

.

J. K., sua bondade é admirável. haha E você foi certeiro: Bernardo voltou igualmente apaixonante e mais brincalhão, um pouco provocativo e mais atrevidinho exatamente para fazer Ralph entender que isso tudo é sim real e não cair nas armadilhas que ele mesmo arma. Um beijo, J.

Plutão, ele vai explicar, mas será de forma muito natural, assim como se deu o encontro entre eles. Espero que esteja gostando. E sim, eu também estou no Wattpad, é que sou lerdo e nunca falo. haha Você me acha procurando por @euesse. Outro abraço carinho. ;)

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