O café da manhã foi o pior momento do dia. Tive que ficar ali, sentado, fingindo estar bem enquanto ele devorava minha comida entre sorrisos férteis e espiadas denunciadoras. Eu apenas comi, sem ao menos deixar que me visse olhando para ele.
Foi torturante ficar ali naqueles minutos que pareciam horas a fio, apenas comendo e observando-o comer com aqueles lábios vermelhos e suaves. Queria poder o beijar. Ah, se eu não fosse famoso já teria o feito
Me senti perdido, ligeiramente perdido.
O que eu sentia afinal de contas? Não podia ser amor, eu nunca amei ninguém além dos meus pais, mas isso foi antes. Nesse instante eu só amo Mariana, e é um amor superficial, um amor falso porque ela cuidou de mim quando ninguém mais quis. Mas mesmo assim sinto-me confuso sobre isso.
Ele ainda comia, enquanto ambos calados desfiávamos nossas vidas nos nossos pensamentos, talvez ele não pensasse em mim, mas pelo seu olhar ligeiramente perdido ele pensava em algo.
Pode parecer uma piada, mas até conhecer Lucca eu nunca havia sentido tesão por um rapaz. Eu sempre pensei que fosse hétero. E caí entre nós, eu sou. Não é só por causa de uma paixãozinha superficial que eu me tornarei gay ou bi. Eu sou hétero, é isso que a mídia pensa e é isso que eu sou.
Passei a madrugada de ontem sem conseguir dormir, desde o momento em que ele se jogou em frente à porta para me beijar meu sono havia evaporado.
Hoje ele não carregava em seus olhos o peso de desconhecidos. Ele agora sorria feito um anjo para tudo que lhe acontecia. Havia virado um ser que suavemente parecia gostar de viver aqui.
—Onde passaremos o Natal?— ele disse enquanto engolia uma colher de sua omelete.
—Eu passarei na casa da Mariana, você não tem outro lugar para passar não?
Ele me encarou com o cenho franzido. Disse:
—Você sabe que eu não tenho ninguém aqui em São Paulo, não sabe? Eu escrevi na minha carta quando vocês solicitaram lá na faculdade... você sabe não sabe? Você a leu não leu?
Eu apenas olhei para ele e disse:
—Não gasto meu tempo com essas bobeiras.
Meu intuito era de intimida-lo, pelo que eu percebi ele pensou que eu fosse amigo dele. E eu não era, nunca fui. Seria melhor mantê-lo bem distante de mim, melhor para nós dois no final das contas.
Ele calou-se no que eu acabei de falar, e voltou a devorar seu lanche. Dessa vez sem aquele sorriso idiota que lhe estampava o rosto. Alguns segundo depois ele voltou a falar:
— O que foi? Foi por causa do beijo de ontem?
Meu coração congelou, senti o frio paralisar tudo dentro de mim.
— Me desculpe — prosseguiu — lá no interior eu fazia isso sempre com meu padrasto e minha mãe, é algo de família. Eu pensei que...— eu o interrompi.
—Pensou que eu fosse sua família? — dei uma gargalhada e voltei a encara-lo nos olhos — Surpresa, eu não sou da sua família! Eu não sou seu padrasto, muito menos tua mãe, então não volte nunca mais a me tocar!
Dei um murro na mesa, que fez os talheres pularem. Me levantei, nervoso. Meu rosto parecia queimar. Andei pelo corredor no que ouvi os passos dele me seguindo. Eu não queria ver Lucca, não queria conversar com ele, mas ele sempre estava lá. Eu não conseguia olhar para ele sem lembrar o quanto queria estar com ele. Isso me matava lentamente por dentro. Senti sua mão tocar em meu braço. Virei-me com rispidez e parei, o encarando, no centro do corredor.
Ele estava com as sobrancelhas baixas, os lábios fechados e os olhos carregavam um brilho diferente, cujo qual eu nunca havia visto antes. Seu tamanho era menor que o meu em uns 6 cm. Eu era muito mais forte, mais parrudo que ele. Ele era apenas um adolescente magro e cheio de músculos fortes, eu era um adulto barbudo com músculos maiores que o dele.
— Você está com medo de mim? — Sussurrou tão baixo que eu quase não consegui ouvir. Senti meu coração derreter ao vê-lo erguer as mãos em direção aos meus bíceps grossos abaixo da camiseta. Ele acariciou, no que pude me ver muitas vezes beijando seus lábios até faze-los sangrar.
Eu sentia sob minha cabeça linhas puxando meus braços para cima e para baixo, como uma marionete, e eu sentia as mãos de Lucca invisíveis controlando as cordas atrás da minha nuca.
Como eu poderia resistir ao sentir aquelas mãos macias acariciando minha pele, meus músculos, derretendo meu corpo em direção ao dele? Como poderia saber diferenciar o que é meu e o que é dele enquanto ele mantinha aqueles olhos de luz âmbar virados ligeiramente para os meus?
Eu não podia! Mas ainda assim o fiz. Eu acordei, como quando acordei naquela prisão no começo do ano passado. Acordei assim como quando acordei do álcool. Eu não queria me prender a outra coisa. Eu não queria me prender à ilusão, não queria me prender ao “amor” propriamente dito. Odeio essa palavra!
Então, involuntariamente o empurrei por impulso. Ele caiu no chão, sua cabeça fez um barulho quando atingiu a madeira. Ele se arrastou para trás, com medo. Eu me arrependi no instante em que vi seu rosto se contrair, como se estivesse experimentado algo muito ruim.
Tentei o ajudar a levantar, mas ele empurrou minhas mãos quando cheguei perto dele e correu para o quarto, no que se trancou ali.
***
Era quase oito horas da noite quando ele decidiu enfrentar a mim. Saiu do quarto com as pálpebras inchadas de tanto chorar, andou até a cozinha a procura de alimento, no que eu estava sentado na sofá da sala. Me desculpei. Não tão alto nem tão baixo. Apenas me desculpei.
Por instantes tudo ficou silencioso, sem respostas. Achei que ele não havia me ouvido, mas então ele disse:
— Eu poderia ter me machucado. Qual o seu problema?
No que eu ouvi suas palavras lentamente ressoarem da cozinha em direção à sala. Havia um conjunto de portas que abriam na vertical, e eu podia vê-lo andar de um lado para o outro enquanto estava sentado no sofá.
Meu problema? Era bem maior que o seu. Meu problema é ter de viver uma quase-vida com alguém que eu não gosto — ou que gosto demais. Meu problema era ter de vê-lo faminto correndo pelos corredores da minha casa, direto para meu coração. Eu odiava-o. Não queria saber o motivo. Mas eu já sabia, de qualquer forma. Eu o odiava simplesmente por quere-lo demais.
—Me responde— ele disse enquanto caminhava da cozinha até a sala, com um par de pãos com patê de atum na mão. Mordiscava enquanto desfilava até mim. Sentou-se ao meu lado no sofá e ficou olhando para mim, esperando a resposta.
Eu poderia ter o dito, assim bem rápido. Eu quero te foder até acabar com todo seu fôlego juvenil, e depois disso, quero que você fique nessa casa para sempre. Mas eu não disse a verdade, apenas concordei com a cabeça e virei-me para ele, dizendo:
—Eu não sei...
Tão simples aquela resposta, uma simples resposta e fim. Ele revirou os olhos, e se aproximou. Virei-me para a TV desligada, e ele, por impulso, pegou meu rosto com ambas as mãos e virou-me para ele. Ele agora encostava seus delicados dígitos adolescentes na minha barba, que a esse momento já estava grande o bastante para que ele enfiasse os dedos entre os fios.
—Me conta logo, se me contar haverá um modo de resolver!
Apenas ergui a sobrancelha direita, no que disse:
—Não à nada para te contar. É a verdade. Talvez seja algum trauma que eu tenha tido de alguém parecido com você quando era pequeno, não sei... desde que te vi não gostei dessa tua cara. E você sabe disso, não faço nenhuma questão de esconder— menti, era um dos dons que aprendi junto à escrita. Era ótimo em inventar histórias.
Sua feição pareceu corromper-se lentamente, enquanto olhava para seu rosto. Ele mudou, quase instantaneamente. Suas sobrancelhas franziram, e seus lábios também, levemente vi-o tremer aquelas bolsas vermelhas que chamávamos de boca, e seus olhos encheram de lágrimas.
—O que você quer de mim? — Sussurrei. Por que ele se importava tanto comigo? O que era aquilo? Que sentimento? Aquilo me matava, me asfixiava cada vez mais.
—Eu vou sair!
Se levantou e pegou seu casaco que estava pendurado no porta-casacos do corredor, no que o vi sumir entre as paredes de cor verde-escura. Ouvi a porta abrir e depois fechar. Ele foi assim como veio, de súbito.
***
Fiquei as horas o esperando, feito um cão espera seu dono. Ele estava fora por tanto tempo que eu comecei a passar mal. Era quase uma da manhã, quando senti meu celular vibrar no meu casaco. Peguei o instrumento e vi que era uma ligação de João, meu empresário. Atendi às pressas, já tendo um presságio do que havia acontecido.
—Isaac, desculpa ligar a essa hora, mas é um assunto importante.
Aquelas palavras me atingiram o estomago, senti-me paralisado. Será que ele sabia do paradeiro de Lucca? Será que havia acontecido algo com ele?
—O que foi?— respondi sonolento.
—Consegui uma entrevista no programa do Jacob— um alivio tomou conta de mim— Cara, não é brincadeira, essa é a oportunidade perfeita para tu mostrar o Lucca. Mostrar o quão bonzinho você está sendo ultimamente.
Aquelas palavras soaram como ironia aos meus ouvidos. Apenas concordei e disse que amanhã conversávamos melhor. Desliguei, logo em seguida. Queria deixar a linha disponível caso Lucca me ligasse. Acabei dormindo lá pelas três da manhã, involuntariamente.
(Oi bom dia, o "de porto alegre" e o "Vi(c)tor" perguntaram se eu não vou dar continuidade ao romance "Bromance". A resposta é que não sei! Eu reli, porque faz muito, muito, muito tempo que eu não o escrevo. Eu adorei demais esse romance, e não sei se vou conseguir dar continuidade, mas posso tentar. Obrigado a todos que estão acompanhando. Já já lanço o próximo capítulo, mas só se vocês gostarem desse capitulo)