A manhã de domingo havia sido fria, nublada, e, conforme a tarde se estendia horas depois, uma chuva tímida caiu. A janela do meu quarto oferecia-me a visão da rua molhada. Parecia que o tempo compartilhava a tristeza comigo, como um velho amigo. No entanto fui forte, não derrubei uma lágrima sequer, talvez um dia me livraria dessa sina: sofrer por uma relação dolorosa.
Escuto a voz consoladora de Renato Russo em seu álbum póstumo, na música “Clarisse”, através dos fones de ouvido conectado ao meu celular.
“Eu sou um pássaro, me trancam na gaiola
E esperam que eu cante como antes
Eu sou um pássaro, me trancam na gaiola
Mas um dia eu consigo resistir
E vou voar pelo caminho mais bonito”
-Filho, eu fiz sopa. -Falou Marisa, entrando no quarto e vendo-me debruçado na janela.
-Estou descendo para comer! -Anunciei, lembrando que havia tido nenhuma refeição aquele dia.
Mamãe teve a preocupação de cozinhar para mim. Havia passado parte do dia fora, na churrascaria, junto com papai. Os dois tentaram me arrastar junto, no entanto não consegui arredar o pé de casa.
Eles comiam aos poucos, de certo já estavam de barriga cheia por conta do rodízio de carnes, mas não me deixariam ali sozinho, cabisbaixo, molhando pão na saborosa sopa de legumes.
O telefone tocou, interrompendo o silêncio que nos permitia ouvir os pingos de chuva cair lá fora.
Marisa levantou-se e foi atender. Enquanto isso, papai comia batucando os dedos na mesa, sem jeito, quem sabe pensando em uma forma de consolar. Ele sabia da minha tentativa de impedir o casamento, porém não fez perguntas se o esforço fora infrutífero ou não. Meu desânimo era resposta para tudo.
-Johnny, ligação para você.
Congelei, soltando a colher. Ninguém me ligava no telefone fixo. Costumava manter contato com amigos por celular, ou seja, tratava-se uma ligação excepcional.
Mamãe, preocupada, entregou o aparelho a mim. Coisa boa não seria…
-Alô?
-Você não tem limites não? -Uma voz feminina antipática.
-Desculpe, com quem falo?
-Sou eu, Eliane, mãe do homem que você tenta seduzir.
Fodeu.
-Não entendo o porquê da grosseria.
-Pois deveria. Veja bem, estou consciente de que Cauã está escondido na sua casa, diga a ele para tirar o cavalinho da chuva se pensa que as coisas vão ficar assim. Aproveite e notifique que o pai está passando por problemas de saúde, os quais nem os remédios estão controlando, se meu marido tiver um ataque cardíaco por sua causa, eu juro que espalho aos quatro ventos o tipo de pessoa que você é: Vou até o seu trabalho, conto aos seus tios, amigos… Menino, você não sabe o que sou capaz de fazer…
Escutei inúmeros absurdos e não respondi nenhum, pois se o fizesse, estaria dando cordas à grosseria dela.
-E diga que foi ridícula a atitude dele em sumir no meio da festa. Não esperou para cortar o bolo… um desaforo com a noiva e os convidados. Estou arrasada e nervosa ao mesmo tempo. Ele tem muito que explicar quando voltar.
-Isso é tudo? -Foi a minha única frase depois da corrente de ameaças.
Ligação encerrada.
-O que está havendo? - Questionou mamãe, sem entender. -Ela parecia tão estúpida na linha.
-Não parecia, ela se comportou feito uma estúpida! Mas isso não me assusta, mãe. Eliane sempre foi grosseira, de um jeito ou de outro. Parece que Cauã fugiu da festa, e ela dando chilique, me responsabilizando por isso.
Marisa tampou a boca com as mãos, horrorizada.
-Me deixe telefonar e colocar eles no lugar. -Interferiu papai, abandonando a sopa e estendendo a mão para que eu lhe passasse o aparelho.
-Não, não vamos cutucar a ferida, deixe como está. Ela verá que está errada, cedo ou tarde.
-Filho, você faz ideia de onde Cauã possa estar? -Questionou mamãe, com cara de dúvida.
-Não. Esse desaparecimento foi uma surpresa para mim.
E era. Que loucura teria passado pela cabeça dele para desaparecer meio a comemoração? Teria se arrependido? Não, pois se assim fosse, teria me procurado. Preocupei-me pois tinha medo que Cauã cometesse alguma besteira estando carregado por uma forte energia emocional.
...
Aquela semana marcou o inicio do recesso no calendário escolar. Na segunda-feira tive uma breve reunião com o diretor e o corpo docente, após isso fui liberado para as merecidas férias. Quando esse período chegava eu tinha o costume de buscar alguma atividade para preencher o tempo livre. Ler, estudar para futuros concursos, sair com amigos, viajar... Mil e um planos, mas poucos se concretizavam. Terminava sempre debaixo das cobertas com um balde de pipoca, copo de refrigerante e Netflix na tela da TV.
Recebi uma ligação na segunda-feira a tarde, interrompendo um sono inesperado. Acordei coberto de pipoca, notando que o balde virara sob mim. Corri para atender... Coisa boa não deveria ser, pensei mais uma vez. Notícias de Cauã? Talvez...
- Alô? – Perguntei ofegante.
- Oi, menino... – A voz indesejada de Sérgio. – Que bom encontrá-lo em casa, tudo bem?
“Tudo bem?”, gentil da parte dele...
- Tudo, em que posso ajudar? – Fui direto.
- Eu gostaria de pedir desculpas. Acho que venho sido muito rude com você desde sempre, preciso me redimir. – Ele fez a voz mais doce que pôde.
“Me engana que eu gosto”, pensei.
- Sim? – Utilizei o tom de voz mais sínico que conseguia produzir.
- E... Para isso, gostaria de conversar pessoalmente contigo, se você permitir, é claro. Prometo que não irei maltratá-lo nunca mais. Você tem a minha palavra.
-Sinceramente, se acha que Cauã se encontra aqui em casa, você perdeu o seu tempo. Sinto informar, não tenho nenhuma informação sobre ele.
- Tudo bem, eu não estou desconfiando de você, de forma alguma. Se me permitir, irei à sua casa para termos um diálogo, será breve.
Senti medo. Quais eram as pretensões daquele maluco? Forjar pose de homem bonzinho e arrependido para se aproximar de mim? Com qual finalidade?
- Não precisa ter medo, sei que parece estranho, mas confie em mim. – Ele riu.
O lobo se fazendo de cordeiro: diálogo suspeito. Quis refutar a visita, dizer que estava ocupado ou compromissado com outra coisa aquela tarde, no entanto curiosidade era vício meu.
-Tudo bem, como quiser.
...
Quinze minutos. Esse foi o tempo exato que o homem levou para chegar à minha casa. Antes disso, liguei para mamãe, deixando-a ciente, caso Sérgio tentasse algo contra mim, ao menos ela saberia da visita dele aquela tarde.
- Primeira de tudo, gostaria de pedir desculpas pessoalmente. – Ele falou, atravessando a sala de estar em um terno seminovo, segurando uma maleta, um perfeito business man.- Aquele domingo foi terrível, tenho estado muito sobrecarregado com o trabalho esses últimos tempos e na semana passada não consegui me desligar da pressão pela qual estava passando. Isso ocasionou meu surto.
- Uhum.
- Gostaria de salientar que o admiro muito, assim como admiro o meu filho. É formado na segunda melhor universidade do país, já trabalha como professor. A prova concreta que é um moço muito esperto. – Ele sorriu.
Convivi com alguns amigos publicitários e em diálogos corriqueiros aprendi coisas sobre marketing. Sérgio parecia com eles.
- Por falar nisso, vocês encontraram Cauã? – Perguntei.
-Infelizmente não. Mas sei que ele está muito bem... Meu Cauãzinho andou utilizando o cartão de crédito para fazer algumas comprinhas hoje pela manhã, essa é a confirmação de que nada de mal ocorreu a ele. – Mantinha o sorriso no rosto. – À propósito, perdoe minha mulher pela ligação mal educada. Ela agiu sob forte emoção e não me consultou antes.
“Onde vamos parar com esse seu joguinho?” perguntei a mim mesmo.
- Johnny... Acredito muito que você é um rapaz brilhante, tem potencial para ganhar o mundo, ser bem sucedido. Por isso, hoje eu trouxe algumas propostas para você.
Sérgio abriu a maleta. Dentro dela havia alguns papéis e uma case de couro a qual abrigava um tablet. Ele ligou o aparelho.
-Vejamos bem... Está vendo esse imóvel?
Ele virou a tela para mim, com a imagem de um sobrado na cor mostarda.
- Esta é uma casa maravilhosa situada na Avenida John Boyd Dunlop. Como você sabe, esse é um dos locais mais movimentados da cidade. Com fácil acesso ao shopping Bandeiras, Hospital e Universidade PUC Campinas.
“O que esse louco está fazendo? Acabaram os clientes e ele está tentando vender os imóveis para mim?” Imaginei.
- Uma ótima aquisição minha, entretanto estou sem receber inquilinos há cinco meses lá. Então, estive pensando muito e cheguei a conclusão de que seria bom ter alguém que ocupasse o local. Você se interessaria?
-Não, obrigado, não tenho a pretensão de pagar aluguel no momento, sou feliz morando com meus pais.
- Não... Preocupe-se apenas com a mudança, poderá morar lá de graça.
- Veja bem, eu não estou entendendo aonde você quer chegar...
- Você não vai acreditar, mas tenho uma proposta maior ainda para te fazer. Bom, primeiro você fica por lá durante dois anos, como se fosse um inquilino meu, sem custo e com a casa todinha apenas para você. Depois, eu te dou o imóvel de presente, o que acha?
Franzi o cenho.
- Tá, mas onde está a pegadinha?
- Não é pegadinha e sim um presente. Eu não consegui pensar em uma maneira melhor de me retaliar pelo meu comportamento absurdo...
- Entendo que está tentando se redimir, mas sinceramente não preciso de bens materiais para perdoá-lo. Gosto de ver sinceridade nos olhos das pessoas que me pedem desculpas e para mim isso basta. – Coloquei.
- Entendo. E se eu colocar um preço... Um favor em troca? Você gostaria de negociar?
- Qual é?
- Ignore Cauã. Finja que ele não existe, corte todas as relações com ele. Se no prazo de dois anos eu ver que conseguiu cumprir com o acordo, o sobrado é seu.
Nesse instante toda a gentileza de Sérgio começou a fazer sentido.
-Recuso, infelizmente a proposta não me seduziu.
Ele bufou, contido, para disfarçar tossiu duas ou três vezes.
- Vejo que é bem esperto. Tudo bem, estou acostumado a lidar com propostas. – Levantou o dedo indicador e em seguida o escorregou pela tela do tablet. – Barão Geraldo, gosta desse bairro? O sonho de todo campineiro, não é mesmo? Um dos melhores lugares para se viver... É próximo da UNICAMP e outras universidades renomadas, você já está pensando no mestrado, não é mesmo? Tenho uma casa que fica nas redondezas.
Sérgio quase enfiou o aparelho na minha cara.
- É uma casa muito bonita. – Observei.
- Essa vale bem mais e as condições são as mesmas: 2 anos de habitação, e, depois, ela será sua legalmente, desde que cumpra o acordo. Eai, o que me diz?
A proposta era realmente boa. Contudo, sempre fui idealista, imóvel ou dinheiro nenhum poderia intervir em meus sentimentos.
- Muito obrigado Sérgio, mas se sua intenção hoje é me comprar, lamento informar, perdeu tempo.
Ele bateu o pé no chão com força.
- Por quê? Estou te oferecendo o que tenho de melhor, ninguém em sã consciência recusaria. O problema é a mobília? Eu consigo isso para você sem grandes problemas...
- Não, Sérgio. O problema é que não estou a fim de negociar, entende?
- Está perdendo a oportunidade da... Sua vida. – Ele começou a tossir.
- Talvez esteja, mas prefiro continuar com meu caráter intacto.
- Menin... Desculpe, Johnny, consegue ver o quanto está perdendo bancando o mocinho “correto”?
- Eu sabia que sua simpatia era falsa, pau que nasce torto não se endireita, não é mesmo Sérgio? – Indaguei.
- Eu só estou tentando consertar o buraco que você fez na vida do meu filho. Pensa que é fácil vê-lo por ai, perdido, depois de casado? Enquanto minha nora está lá, sozinha, grávida e abandonada... Eu preciso fazer alguma coisa. Tô tentando resolver da melhor forma possível, estou colocando uns dos meus melhores imóveis à sua disposição com a única condição de você nunca mais procurar meu filho. Será pedir muito? No final das contas, você está sendo egoísta, bagunçando a vida de muitas pessoas apenas para alimentar esse vício anormal por Cauã. – Ele alterou o tom de voz, muito zangado.
- Não ponha as coisas dessa forma, não é bem assim.
- Imagina.., – Pigarreou antes de dar continuidade. – Teve a capacidade de ir ao casamento, igual um lobo espreitando para dar o bote. Ah Deus... Eu não sei o que faço com você, juro que... – Parou, fechou os olhos, desfez o nó da gravata e desabotoou o colarinho da camisa.
- Jura o quê? Bom, acho que já perdi tempo demais com você. Se não se importa, pode ir embora.
- Nunca, nessa vida ou em outra, você será feliz dessa maneira... Dois homens juntos não podem dar certo, isso só acontece... Nas porcarias televisivas inventadas pela mídia. Na vida real... Isso é diferente. – Sérgio parecia a ponto de ter um piripaque.
- Acredito que deveria parar de se meter nos assuntos alheios, está até ficando doente por causa disso.
-Olhe aqui, seu moleque... – Parou, colocou a mão no coração.- Aaaaah!
Se eu fosse uma pessoa maldosa, estaria gargalhando ao ver o sofrimento de Sérgio, no entanto assustei-me ao vê-lo sucumbir de dor.
- Acho... que... to morrendo. – Falou, jogando-se no chão, largando o tablet que se espatifou junto com ele.
- Droga! – Exclamei, batendo no rosto de Sérgio, branco feito um fantasma.
...
A sala de espera do hospital estava vazia. Esse é um feito inédito nos hospitais públicos, no entanto, antes de colocar Sérgio em meu carro, tomei a liberdade de verificar em sua carteira se possuía algum cartão de convênio médico. Encontrei um, como esperado, e o levei para o pronto socorro particular mais próximo que encontrei.
- Ah, eu não acredito que meu marido teve mais um ataque... Ele anda tão nervoso. – Eliane passou por mim, ignorando-me como se eu fosse um cão vira-lata de rua. Junto a ela estava Sônia, as duas passaram pela recepção e adentraram as dependências do hospital. No entanto, um pouco mais atrás, uma jovem simpática andava a passos lentos. Eu não tinha mais nada a tratar ali, por isso já ia me retirando quando a ouvi chamar meu nome.
-Johnny... – Falou Milenna.
-Sim? – Respondi.
A moça veio até mim, cumprimentou-me com um beijo e me agradeceu por eu ter socorrido o sogro.
- Me diga onde ele está, por favor...
- Na sala de recuperação, é só puxar aquela porta de vidro e... – Expliquei.
- Não, me refiro a Cauã.
- Ah, bem... Isso eu vou ficar te devendo, também não faço a menor ideia de onde ele esteja.
- De qualquer forma, se por acaso estiver com medo de dizer, saiba que eu aceito vocês dois. – Falou com doçura. – Diga a ele que vamos dar um jeito.
Sorri e a abracei.
...
Mais dois dias passaram-se. Nenhuma notícia: nem de Sérgio, nem de Cauã. Daria qualquer coisa para poder estar por dentro do que acontecia nos bastidores do dramalhão vivido pela família Audebert, no entanto nenhuma informação chegou até mim.
Até que, na quarta-feira, recebi uma solicitação de amizade no Facebook: Vitor, meu colega de colegial. Quando aceitei o pedido, uma mini janela abriu-se à direita no monitor do meu computador, com uma mensagem.
Vitor: Eai cara. Eu ñ sei mais oq fazer. Hj eu encontrei o Cauã com o carro parado perto de casa, ele ta mt nojento, eca. Ñ quer sair de lá e diz que ñ é pra contar p/ o pai dele. Na moral, estou mt preocupado, será q você pode fazer alguma coisa?
Eu: Me passa o endereço, estou indo para lá.
...
Dirigi feito um louco para achar o lugar, preparando-me emocionalmente para encontrá-lo em um estado deplorável conforme Vitor havia me orientado na mensagem. Escondido em uma rua deserta, no centro de Campinas, avistei o carro de Cauã parado em frente a um prédio desativado. Andei até o veículo, percebi um homem deitado no estofado traseiro, de longe parecia estar bem arrumado. Bati no vidro. Ele levantou-se, assustado. Trajava ainda a mesma roupa do casamento.
- Cauã, abre esse carro.
Ele tentou me ignorar, voltando a deitar-se.
- Não me ignore, prometo que não vou dizer nada ninguém! – Falei, investindo em batidas mais pesadas.
Buscou a chave no bolso, destravou a porta traseira do veículo com o controle. Só ao abrir, percebi o quanto o interior do veículo estava desorganizado: garrafas de vinho, pacotes vazios de salgadinhos, chocolate e doces.
-Mas que porra está havendo com você, Cauã.
- Se for pra me dar sermão, nem vem. – Esbravejou, levantando uma garrafa de vinho, quase vazia.
O rosto angelical parecia sem vida, pela primeira vez na vida o vi sem brilho nos olhos. Existia uma ferida enorme no lado esquerdo da testa, na qual o sangue havia secado e formado uma casca um tanto mole.
-Alguém te machucou? – Perguntei.
- Ninguém precisa me machucar, eu já faço isso por conta própria. – Respondeu, grosseiramente.
Sentei ao seu lado no banco, e então senti o odor de “três dias sem tomar um banho”.
-Vejo que você bebeu um monte e só comeu besteira.
-Faz um dia que não como nada, o velho bloqueou o cartão de crédito.- Falou, sacando o cartão do pai e o jogando longe.
- Também, não é para menos, você sumiu faz um bom tempo...
- Cala a boca, Johnny. – Disse, com a voz embargada.
- Cala boca é o caralho, foda-se se você não gosta de ouvir a verdade. – Retruquei, nervoso.
- Vem, eu dirijo o seu carro até a minha casa. Lá eu preparo um almoço e nós comemos. – Convidei.
- Muito obrigado, mas eu não quero continuar atrapalhando sua vida, vou continuar aqui no meu canto, ok?
Senti vontade de xingá-lo com todos os palavrões possíveis.
- Escute bem, você está nojento, alcoolizado e correndo perigo com esse carro aqui, estacionado na rua, no meio do centro de Campinas, quer morrer?
- Não seria uma má ideia.
Resolvi agir. Roubei a chave e dirigi-me ao banco do motorista, tentei dar partida e sem sucesso, desisti. Sem combustível.
-Porra!- Gritei.
Saí do carro e puxei Cauã pelas pernas para retirá-lo dali, ele esperneou, até que a garra de vinho barato partisse em vários pedaços.
- Se não vir por bem, vai por mal mesmo.
O prendi em meus braços e o conduzi até meu carro. Tranquei-o na parte traseira, enquanto ele gritava feito uma criança birrenta.
- Nãoooooooooooooooo!!!!
Dei partida. Levei-o para casa, e, no caminho, escutei-o tagarelar como um adolescente emburrado.
- Você vai ver Johnny! Não deveria ter feito isso comigo, cara!
- Você vai ver Johnny... – Para irritá-lo, comecei a remedar suas frases em um tom infantil.
Ele riu. Nós rimos.
Do quintal da minha casa até o banheiro, localizado no segundo andar, foi uma peleja fatigante. Ele mal andava direito, tinha torcido o pé.
-Meu Deus, por onde você andou? – Questionei.
- Me perdi na noite. – Debochou.
Entreguei a Cauã minha escova de dente com pasta, orientando-o a escovar os dentes. Enquanto ele cuidava da higiene bucal, comecei a despi-lo. Tirei a calça social e a cueca, sujas e malcheirosas. Ao ficar com as partes íntimas expostas, ele tentou tapá-las com as mãos.
- Não seja idiota, não há nada no seu corpo que seja novidade para mim.
Empurrei-o até o chuveiro, tirando o restante da vestimenta matrimonial. Em seguida, acionei a água morna. Ela caia sobre Cauã, enquanto ele olhava para o chão, imóvel. Entreguei-lhe um sabonete, contudo o rapaz não executou nenhum movimento, derrubando o objeto.
- Pega esse caralho e começa a se limpar! – Gritei, nervoso, tirando do chão e entregando novamente nas mãos dele.
- Eu não quero essa droga. – Disse, cruzando os braços.
Mesmo com roupa, entrei embaixo da água, tentei abrir-lhe os braços contra a vontade. Ele era mais forte que eu.
-Abre essa merda e se comporte feito gente.
- Não sou obrigado.
Empurrei Cauã com força, perdendo a paciência. Ele retrucou minha violência, dando um soco no meu braço, quase cai no chão. Começamos a nos debater embaixo d’água. Nossos corpos se batiam em agressão, no entanto, a violência foi se convertendo em carícia. Os apertos a fim de provocar dor amenizavam-se e iniciamos um beijo molhado, eu prometendo nunca mais ser agressivo novamente e arrependendo-me, ele rendendo-se a mim pela primeira vez aquele dia.
...
Coloquei um saco de pão com geleia de ameixa sob a mesa. Ofereci para que amenizasse a fome enquanto eu preparava uma macarronada à bolonhesa. Cauã, como um desesperado, e agora vestido com um roupão de banho, preparou dois sanduíches e os devorou com mordidas selvagens. Fingi que não reparei...
- Agora me deixe ver esse ferimento. – Falei, depois de por o macarrão para cozinhar.
Fui à caixa de medicamentos e de lá trouxe um antisséptico, algodão e curativo. Limpei o machucado com o spray a fim de evitar infecções, passando levemente o algodão para tirar os excessos, no mesmo momento em que ele fazia algumas caretas de dor, mastigando o pão com gosto.
Curativo feito. Menos de uma hora depois, a macarronada estava terminada. Almoçamos, e ele fez questão de repetir o prato três vezes (enquanto eu me perguntava onde caberia tanta coisa dentro daquele ser).
- Preciso ir para casa, estou sendo um covarde. – Falou, estando sóbrio.
- Seu pai não está nada bem, esteve aqui em casa antes de ontem e passou mal. Tive de levá-lo às pressas para o hospital.
- Não suporto ver como todo mundo sai afetado por causa minha. É realmente uma droga.
- Conversei com Milenna, ela me falou que nos aceita. – Disse, rememorando o encontro com a moça.
- Como assim?
- Nos aceita como um casal. – Conclui.
...
Conduzi Cauã até sua residência, deixando-o em frente ao portão, agora com uma nova aparência, e vestindo as minhas roupas.
-Lembre-se de buscar seu carro depois. –Alertei. – E não se meta em nenhuma furada mais, seja corajoso, só assim as coisas vão se ajeitar.
- Obrigado. – Respondeu, com um sorriso satisfeito de gratidão. – Muito obrigado por tudo, meu amor.
Deixei-o observando-me da calçada, acenando um lento “tchau” enquanto eu sorria sem parar, feito bobo.
...
Agradeço aos leitores que vierem a dedicar um tempo para realizar a leitura, e gosto de receber críticas de toda natureza (me refiro as construtivas), então, não deixe de comentar o texto, isso é muito importante para mim.
Também disponibilizei o texto no Wattpad, que proporciona uma leitura mais confortável, não deixarei o link pois o site Casa dos Contos Eróticos pode o censurar. Busquem no GOOGLE por "Os Primos (Romance Gay)" e cliquem no primeiro link.
Obrigado a todos!