Eu olhava fixamente para um quadro no meu escritório vagando pelo meu próprio mundo, o mundo que eu criei na minha cabeça, um mundo cheio de maravilhas onde ser o rei era sem graça e as aventuras eram com os servos. Ser bem-sucedido na vida significa apenas ter dinheiro e prestígio, o reconhecimento da elite, o sorriso falso dos empresários que só visam o próprio interesse. Durante anos eu vi minha vida pessoal se tornar um completo lixo: um casamento de aparências, filhos que me desprezam e falsos amigos. No fim das contas eu não era bem-sucedido, eu era um fracassado. Algumas vezes eu me pergunto porque eu não jogo tudo para o alto e recomeço? Mas como sempre, eu não obtenho respostas, é um simples vazio na minha cabeça que nem mesmo o meu mundo imaginário é capaz de responder.
- Boa noite Dr. Marcelo – disse Cláudia, minha secretária.
- Boa noite Cláudia, até amanhã – acenei com um sorriso no rosto, saindo do escritório.
- Ah, Dr. Marcelo, um amigo seu chamado Alex ligou, disse que queria falar com você sobre alguns negócios que não foram fechados e que você apenas ignora ele, e que...
- Faça como eu Cláudia, continue ignorando – Falei interrompendo – e só pra constar, ele não é meu amigo... Ninguém é – falei saindo de vez.
Eu já estava exausto de tudo e todos ao meu redor, me tornei uma pessoa amarga pelo tempo, nada me deixava satisfeito, nada me deixava contente, o significado da palavra felicidade eu desconhecia, eu tenho 45 anos e tudo o que eu conheço é sofrimento. Eu dirigia pela cidade sem rumo, não quis ir pra casa, pois eu não sabia onde eu tinha mais problemas, com a minha família ou com os meus negócios.
- Alô? – Atendi o telefone.
- Marcelo, vem correndo pra casa, você esqueceu de assinar os cheques dos vestidos da Amanda e ela está desesperada – eu revirei os olhos.
- Patrícia, você é a mãe dela, você resolve isso – respondi.
- E você é o pai dela. A seu relacionamento com ela já não é muito bom e você ainda quer arranjar motivo pra briga? O que custa fazer esse favor a ela?
- Eu não vou ficar bancando as futilidades da Amanda, ela só tem 17 anos e eu não quero que ela seja um projeto seu no futuro – falei.
- Espera aí... você tá me chamando de fútil?
- Ué, não é isso o que você é? – Falei com deboche.
- Olha, eu não vou discutir com você. Apenas vem pra casa, e assina a porra do cheque – Falou com raiva e em seguida desligou na minha cara.
- Cadela inútil – falei pra mim mesmo.
Continuei dirigindo e fui parar em um canto deserto e afastado do movimento da cidade, até que um letreiro neon me chamou atenção, na placa estava escrito “Liberdade”, e do lado tinha uma pequena porta com dois seguranças. Sugeri que fosse um bar. Apesar de estar em uma zona isolada, a pequena fachada do lugar era elegante e requintada. Eu realmente precisava beber algo, depois eu ligava pra alguém vir dirigir meu carro e me levar pra casa.
Não tinha estacionamento, era apenas a rua, tinha muitos carros e todos eles importados e luxuosos, o que me fez questionar o que um estabelecimento daquele porte fazia em um lugar como aquele. Porém, tudo mudou, assim que coloquei meus pés para fora do meu carro e segui em direção a minha libertação, como sugeria o nome do lugar.
- Parado ai, quem é você? – Falou um dos seguranças, alto com uma voz extremamente grossa.
- Ahh, tem que ter nome na lista? Eu não sabia, me perdoe – Respondi, e o segurança fez uma cara de quem não estava entendo.
- Você sabe que lugar é esse? – Falou o outro segurança, que dava medo tanto quando o outro.
- É um bar certo? – Falei, e os dois riram.
- Depende – falou um deles – Geralmente quem vai no bar, vai pro playground também – os dois seguranças riram.
- É um bar sim – falou uma mulher saindo por trás da porta – você é meu convidado – ela sorriu e me estendeu a mão.
- Olha... eu não quero causar problemas, eu não tô entendo muito bem o que ta acontecendo, e...
- Que nada, querido – falou ela sorrindo, ainda com a mão estendida – o único problema aqui é você ainda estar do lado de fora – os seguranças se divertiam com a situação, ela parecia ser a dona do lugar.
- Tudo bem então – olhei para os seguranças, e segurei na mão da mulher e entramos juntos ao que eu achava que era um bar.
- Bem vindo a liberdade – disse ela, totalmente animada.
Entramos no lugar e tudo era absurdamente escuro, continuamos seguindo em direção no que parecida ser um corredor, apenas alguns flashes fortes daqueles que tem nas boates iluminavam o caminho, mas não tinha sequer uma pista de dança ou uma música tocando. Eu estava assustado.
- Não fique com medo, sua mão só está ficando mais e mais fria – eu ainda estava com as minhas mãos juntas a da mulher, e ela sorria de um jeito sedutor e sarcástico.
Entramos em uma sala que tinha uma decoração de cabaré burlesco, e então pude reparar na mulher: ela usava lingerie burlesca e uma maquiagem leve que lhe dava um ar sensual, realmente ela era muito bonita.
- Aqui é meu escritório, sente-se – falou ela animada, servindo uma bebida para nós dois – então, conte-me o que traz você aqui, Dr. Marcelo Ferdinand? – Eu simplesmente travei.
- Olha, isso é um engano, eu...
- Shhh, fique tranquilo – falou ela me interrompendo – tudo o que acontecer aqui, fica aqui. Agora me responde, o que um homem tão poderoso como você anda vagando por um lugar como este? Procura diversão? – Perguntou.
- Eu só queria sentar um bar e relaxar – respondi.
- Então você veio ao lugar certo – ela ria maliciosamente – beba – falou me oferendo o copo que esteva na sua mão. Ela conduzia a conversa de uma maneira sedutora, o que me deixava perdido as vezes.
- O bar é aqui com você? – Perguntei e ela riu.
- Não bobinho, aqui é só o seu esquenta – respondeu – Adriana – falou ela chamando uma moça que saia da escuridão do corredor e adentrava a sala – leve o meu convidado ao quarto 25.
- O 25? – Perguntou a moça, parecendo surpresa.
- Sim querida, o 25 - falou rindo, porém com um olhar sério.
- Tudo bem – ela deu um riso de canto de boca – Me acompanhe, senhor.
- Tenha uma boa noite, querido – falou a misteriosa mulher se despedindo – Qualquer coisa, meu nome é Alicia e pode gritar meu nome quando quiser.
- Gritar? – A porta foi fechada na minha cara e a moça que se chamava Adriana foi me acompanhando naquele corredor escuro.
- Chegamos – falou a moça.
- Você não vai entrar? – Perguntei.
- O meu quarto é o 21, esse daí pertence a outra pessoa – respondeu ela me deixando cheio de dúvidas. – Agora entre, e divirta-se.
Entrei no quarto e era simplesmente encantador. O quarto era pequeno, não tinha cama, apenas um lustre com luzes vermelhas e azuis bem no centro e um sofá no formato de meia lua. Naquela altura do campeonato eu já sabia o que estava havendo: uma mulher iria entrar, iria dançar e certamente iriamos transar. De uma certa forma eu me tranquilizei, eu já havia passado por diversos lugares como esse, apesar desse ser um pouco peculiar. Porém, uma voz ecoava pelo quarto, e não tinha ninguém.
- Levanta – a voz saia de uma caixa de som que ficava na parede, a voz era distorcida, daqueles efeitos policiais que a vítima não quer se identificar, alta e grossa. Era estranho e comecei a ficar assustado novamente – Não entendeu o que eu disse? Levanta. – Lentamente levantei do sofá.
- Seja lá quem você for, apareça, eu não tô aqui pra jogar. Vem logo fazer o seu trabalho – respondi sério.
- Uma pena... Você já está no meu jogo – a voz falava rindo – Agora você vai fazer o que eu mandar, entendido?
- Vai se ferrar – respondi com raiva, eu estava assustado imaginando mil coisas.
- Entendido? – Perguntou a voz mais uma vez.
- Eu não vou mais te responder – fui em direção a porta e estava trancada – O que é isso? Alicia, que tipo de brincadeira é essa? – Eu estava enfurecido e comecei a esmurrar a porta.
- Pela terceira e última vez, entendido? – A pessoa por trás da voz estava perdendo a paciência, deu pra notar – Se você quiser sair daqui, vai ter que jogar – Olhando para a caixa de som que ficava nos altos do quarto, notei que tinha uma câmera, e logo me afastei da porta e falei contra ela.
- Se eu entrar no seu jogo, você promete que não vai acontecer nada comigo?
- Prometo – a voz riu.
- Então... entendido – falei com receio.
- Certo – falou a voz aliviada – agora abra a gaveta embutida na parede, pegue a venda e coloque-a – fui lentamente em direção a gaveta, abri e peguei a venda. Analisei cuidadosamente para ver se não tinha algo. Meu nível de desconfiança estava muito alto e todo cuidado era pouco, eu não encarava mais aquilo como um jogo sexual. Eu estava realmente com medo. Coloquei a venda, e não enxergava mais nada.
- Ótimo – a voz riu satisfeita – agora os jogos começam de verdade.
- E agora, o que você quer que eu faça? – Perguntei.
- Agora eu vou até você, e você irá se manter quieto com tudo o que eu fizer, entendido? – A caixa de som com a voz misteriosa sumiu, e agora só tinha uma música ambiente.
Eu estava em pé, parado no centro, vendado sem enxergar nada. Eu poderia estar com uma brecha dos olhos para fora, mas eu queria ver onde tudo aquilo ia dar. Naquele momento, eu senti alguém se aproximando, e logo em seguida tocou na minha mão. Era uma mão macia, que ia subindo da minha mão até os meus ombros. Apesar de vendado, aquele toque me fez arrepiar. A mão foi seguindo dos meus ombros para o meu pescoço, onde a pessoa misteriosa começou a passar seus lábios de leve, sem beijar, só sentindo meu cheiro. A outra mão estava na parte da frente, desabotoando minha camisa, tudo muito lentamente.
- Posso tirar a venda? – Fui levando a mão aos meus olhos, quando recebo um tapa na mão – Ok então – dei um sorrido malicioso.
Por um momento senti a pessoa se afastando, e me perguntei onde estava indo. Poucos segundos depois, se aproxima com algum tipo de corda, e amarra minhas mãos. Tudo era calmo e eu estava muito excitado, aquele toque quente me fazia arrepiar. Sinto a pessoa mudando a posição, antes estrava atrás de mim e agora está na frente, e de repente sinto um enorme empurrão no meu peito e caio sentado no sofá que estava atrás de mim.
- Vai com calma – falei, e recebi um tapa na cara – Não faz mais isso porra, dói – e levei mais outro tapa.
Eu não reclamei do segundo tapa, eu estava muito excitado, aquilo era diferente de tudo que eu tinha experimentado. O mistério, o toque lento, estar vendado, tudo deixava o clima excitante. Eu já tinha perdido o medo, agora só me deixava levar.
A pessoa misteriosa agarrou meu pescoço e apertava suavemente, quando senti o seu nariz no meu nariz, estávamos bem perto um do outro. O meu pescoço continuava sendo pressionado quando senti os seus lábios nos meus. O beijo não era fervente, era lento, porém cheio de fogo. Eu estava totalmente perdido, se eu não estivesse amarrado seguraria a pessoa e lhe daria um beijo forte e intenso. Quando eu tentava acelerar, a pessoa reduzia a velocidade, foi quando eu entendi que ela não gostava de rapidez, tudo tinha que ser ao seu tempo. E por incrível que pareça, foi bem melhor. Quando se está lento e suave, você aproveita mais, sente mais.
Ela parou o beijo, e foi descendo com a boca pelo meu peito exposto, passando a língua por tudo. Foi quando eu dei o meu primeiro gemido. A musica também ajudava muito, era sexy e sedutora, eu tinha gravado em um cd que eu tinha no carro, era Amandine Insensible da cantora Sevdaliza, e por conhecer a musica só deixou as coisas mais interessantes. Ela foi descendo mais e mais, quando começou a tirar meus sapatos lentamente e logo em seguida minha calça. Mais uma vez o seu toque me fazia arrepiar, alisava minhas pernas e brincava com elas fazendo caricias e dando beijos e mordidas. Foi descendo até meus pés, onde começou a dar pequenos beijos. Quando terminou, voltou a subir beijando minhas pernas e logo depois a minha barriga. Foi quando decidi fazer algo e usei meus pés pra acariciar seu corpo, e foi quando eu tive a bela surpresa: a pessoa não tinha seios, e possuía um peitoral masculino.
- Que merda é essa? – Me levantei rápido e comecei a me debater pra me soltar das cordas que me prendiam – você é homem? Vai se ferrar.
- Deixa eu te ajudar – foi quando eu ouvi sua voz pela primeira vez, era masculina, porém doce.
- Ajudar é o caralho – eu estava com muita raiva e comecei a me debater.
- Calma – ele se aproximou, me empurrou no sofá e montou em cima de mim. Foi quando ele tirou a venda dos meus olhos e pude finalmente ver quem era a pessoa misteriosa.
- Quem é você? – perguntei com raiva, nem liguei dele estar em cima de mim.
- Essa é a melhor pergunta que você tem pra fazer? – Ele falava de um jeito muito safado com um sorriso cafajeste no rosto.
- Eu não estou mais jogando, me solta que eu quero ir embora, vou te dar o dinheiro e me mandar.
- Dinheiro? Isso agora não se trata mais sobre dinheiro, se tornou meu prazer pessoal – falou – Você é o primeiro até hoje que acontece isso, mas porque eu deixei. Geralmente eu também amarro os pés, não sou tão idiota assim.
- Se sabia que eu ia descobrir, porque fez? – perguntei.
- Porque eu queria ver a sua cara – ele riu, que sorriso lindo – eu consigo ver nos seus olhos a sua dor, os seus problemas, a sua alma. Tudo o que a gente precisa é de algo fora do comum as vezes – ele chegou bem perto, apertou meu pau por cima da cueca e sussurrou no meu ouvido – e apesar de eu não ser mulher, não minta em dizer que não gostou de tudo o que eu fiz.
- Eu quero ir embora – falei sério.
- Seu desejo é uma ordem, vira – mandou ele.
Me levantei e virei pra ele desamarrar a corda. Eu estava em um eterno dilema pois eu não sabia se tinha gostado ou estava fingindo que estava odiando só pra não ferir a minha masculinidade. Ele desamarrou, e eu vesti minhas roupas.
- Pronto, pode ir – falou ele me apontando a porta, e eu segui em direção a ela.
- Tudo o que houve aqui foi um mal entendido – falei.
- Claro – falou ele rindo sarcasticamente – Marcelo, espera.
Ele se aproximou e foi me empurrando lentamente contra a porta, e me beijou mais uma vez. Foi um beijo lento, que não durou muito tempo pois agora era a minha vez de conduzir. Agarrei seu corpo e lhe dei um beijo forte, apertava seu corpo contra o meu, sentia seu calor e seu toque que mais uma vez me deixou arrepiado. Fomos parando o beijo em selinhos, quando rapidamente ele me empurrou pra fora do quarto 25 e a trancou na mesma velocidade.
Era muita coisa para processar, eu estava ali parado, estático, tentando entender tudo o que tinha aconteci. Quando ouço pequenos passos no corredor.
- Não foi o que eu esperava, mas deu pra causar algum tipo de impacto em você – falou Alicia.
- Então... tudo isso foi uma armação sua? – Perguntei.
- Na verdade, não – respondeu ela – quem quis você foi o seu próprio anfitrião, ele me pediu e eu obedeci. Ele não escolhe qualquer um, então eu pensei que você seria uma ótima diversão pra ele – respondeu.
- Você sabe que eu sou hétero... e casado, e com filhas... – comecei a me justificar.
- Querido... – ela falava rindo sarcasticamente – todos aqui são – falou ela levantando as mãos apontado para o lugar ao redor – aqui não é um lugar qualquer, aqui é um negócio que roda tanto dinheiro quanto o seu escritório arrumadinho.
- Todas as pessoas que estão aqui... São assim? Digo... como eu? – Perguntei apreensivo.
- Defina pra mim o que é ser como você – perguntou ela se encostando na parede. Aquele corredor escuro com aqueles flashes sinistros só davam a conversa um ar intimidador – Mas antes que você responda, eu já sei a resposta.
- Então me diga qual é – desafiei.
- Você é apenas mais um cara rico de meia idade que está insatisfeito com a vida. Cansado do trabalho, cansado dos problemas pessoais. Cheio de conflitos internos e crises existências. Vive em busca de algo que não sabe exatamente o que é, mas eu sei – falou ela.
- O que é? – Perguntei.
- Liberdade, por isso dei o nome a este lugar – falava ela com um sorriso no rosto, como se estivesse feliz – todos nós temos problemas. É claro que o sexo não resolve 100%, a vida é mais que isso, mas ele te transforma. Existe inúmeras maneiras de um indivíduo se libertar, mas na minha filosofia, o prazer é o principal delas.
- Eu tenho que ir, boa noite – falei caminhando pelo longo corredor, querendo sair o mais rápido possível dali.
- Marcelo – me virei para olha-la – Não deixe os seus problemas te dominarem, deixa o Henry fazer isso por você. Você tá cheio de dúvidas, mas eu tenho certeza que você vai voltar – falou dando um riso de canto de boca.
- Veremos – e assim me despedi de Alicia.
Sai pela porta e os dois seguranças não esboçaram nenhuma reação. Fui em direção ao meu carro, e acelerei rumo a minha casa. A minha cabeça estava uma bagunça, era muita coisa pensar, mas de uma coisa eu tinha certeza: eu tinha achado a minha liberdade, e apesar de ainda estar confuso, eu queria ser livre mais que tudo.