O canto dos pássaros me despertou do meu sono e anunciou que um novo dia havia nascido em Austo. Levantei-me ainda meio zonzo, os olhos entreabertos, meio cambaleante e abri as janelas.
Quando senti o vento em meu rosto, tratei logo de abrir os olhos e olhar em direção ao lago que fica no fundo do castelo. Vi alguns patos já nadando, um dos meus cachorros correndo atrás de um coelho pela grama verde. O dia havia de fato começado. Respirei fundo e fui me trocar para o desjejum.
A enorme mesa matinal da Família Real estava posta. Na cabeçeira estava o meu pai, o Rei Gael, minha mãe, a Rainha Tácia, e minha irmã, a pequena Princesa Mily, de cinco anos.
Antes que eu esqueça de me apresentar, me chamo Hugo, tenho dezessete anos, e sou o Príncipe-Herdeiro do Reino de Austo, pertencemos a Casa de Voker, que reina o nosso povo por quase um século.
- Bom dia, família. - Falei ao adentrar na sala de jantar. - Como vai, minha pequena? - Dei um beijo na minha irmã.
- Bom dia, filho! - Responderam meu pai e minha mãe.
- Eu dormi muito bem. Sonhei que nós andávamos a cavalo e corríamos em volta do castelo. - Minha irmã me respondeu sorrindo.
- Então que dizer que minha princesinha quer passear com o irmãozinho dela? - Peguei a Mily no colo.
- Você vai passear comigo?
- Sim, minha princesinha. Vou brincar o dia todo com você.
Vi o sorriso estampado no rosto da Mily. Eu amava minha irmã e brincar com ela tornava o meu dia mais feliz.
- Filho, quando você terminar o desjejum, peço que vá até a Sala do Trono. Eu estarei esperando-o com o Alferno.
- Tudo bem, pai. Eu vejo o senhor e o Conselheiro em instantes.
Tomei meu desjejum e fui ao encontro do meu pai.
- Majestade, Sua Alteza Real, o Príncipe-Herdeiro, pede para ser anunciado e a Vossa permissão para adentrar o recinto.
- Faça-o entrar.
- Sim, Senhor. - O Mordomo Real abriu a porta para mim. - O Príncipe-Herdeiro, Majestade.
Eu entrei na Sala do Trono e o meu pai estava no Trono com minha mãe ao seu lado. Dividos em números iguais, estavam Duque Alferno, Conselheiro Real, Primeiro-Ministro e Ministro do Tesouro, junto com o Ministro de Relações Internacionais, Duque Bóris, o Ministro da Defesa, Marquês Úlisses, e o Ministro da Agricultura e Obras, Duque Lúvio, meu tio materno, ambos do lado direito, ao lado do meu pai. Ao lado da minha mãe, estavam a Ministra de Assuntos Internos e vice-Conselheira, Condessa Helga, o Ministro de Projetos e Orçamento, Conde Estevam, e o Ministro da Mineração, Comércio e Desenvolvimento, Príncipe François, irmão do meu pai.
- Senhores Ministros, convoquei esta reunião para tratarmos de um assunto muito importante: meu filho. Como todos sabem, meu filho em breve fará dezoito anos, o que o torna apto a assumir meu lugar no trono caso eu abdique em seu favor. Não farei isso, mas caso fizesse, estaríamos em boas mãos. O Duque Bóris, após intensa comunicação com o Reino de Vajor e com o Rei Antony, conseguiu firmar um possível acordo de casamento entre os nossos filhos. A Princesa Mariah, é uma linda jovem e tem a mesma idade que o meu filho. Quero informar a todos que eu e a Rainha iremos ao Reino de Vajor com o Conde Estevam, o Duque Bóris e a Condessa Helga. Deixarei meus filhos sob a vigilância do Primeiro-Ministro, que ajudará o Hugo durante a regência. Ficaremos cinco dias fora do Reino. Conto com você, meu filho. - Meu pai olhou diretamente para mim.
- Pai, será que podia falar com vocês dois a sós? - Apontei para meu pai e minha mãe.
- Claro, eu e sua mãe falaremos em particular com você. Senhores Ministros, nos dão licença?
- Sim, Majestade. - Todos se curvaram e saíram, exceto meu tio por ser irmão do Rei, o protocolo de nossa Casa Real nos permitia isso apenas em reuniões. Em público, apenas os cônjuges e os filhos do Monarca não precisavam se curvar. Salvo em casos de Coroação.
- Diga, filho, o que queria falar com sua mãe e comigo?
- Pai, sei que o senhor é muito justo, mas não quero ser forçado a casar com ninguém.
- Filho, o Monarca precisa pensar na continuação do seu reinado. Precisa pensar nas futuras gerações, no bem estar da Nação. O Reino de Vajor é tão poderoso quanto o nosso, e esse casamento vai beneficiar os dois Reinos. A Princesa Mariah é a segunda na linha de sucessão, casando com você ela será sua Rainha, o que é muito benéfico para ela. Além disso Vajor vai continuar sendo o nosso principal aliado na defesa e no comércio. É um acordo bilateral. Sua mãe já era nobre quando nos casamos, mas você se casando com a princesa de Vajor, poderá ter a certeza de que seu casamento será mais feliz do que o nosso.
- Pai, mas eu não preciso casar-me para manter um bom relacionamento diplomático com Vajor. Não pretendo casar e ainda mais tão jovem.
- Hugo, tudo já está quase formalizado. Não vou voltar atrás com minha palavra. Eu e sua mãe iremos assinar o acordo e ponto final. Você não tem escolha.
- Isso está errado, é injusto, desumano! Não poderei ser feliz nesse casamento.
- Do que você está falando?
- O senhor nunca percebeu que não gosto de garotas? Eu não quero me casar com nenhuma Princesa.
- Você enloqueceu, Hugo? Você vai ser o Rei de Austo, é um Príncipe de Voker, não pode ter esse corrompimento moral. Isso é desprezível para qualquer pessoa, ainda mais para o meu filho, o futuro Rei.
- Não quero seu Trono, seu Reino, eu quero ser feliz.
- Você vai fazer o que mando, entendeu?
Meu pai pegou-me pelo braço e jogou-me no chão. Pude sentir fúria em seus olhos.
- Por favor, Gael, não bata no nosso filho. Eu vou conversar com ele, meu amor. Permita-me que eu leve-o daqui.
- Saia com ele da minha frente, Tácia!
Minha mãe tirou-me da Sala do Trono e me levou para o meu quarto.
- Você está bem, meu filho?
- Mãe, convença-o a desistir desse acordo.
- Infelizmente eu não posso, filho. O Reino está muito conturbado, a economia está em declínio. Eu não estou de acordo, mas é o melhor a ser feito.
- Melhor para quem? Para o meu pai?
- Hugo, não seja tão duro com o seu pai. Ele já perdoou seu relacionamento com seu primo, mas você precisa entendê-lo. É difícil para ele entender sua orientação.
Eu tive um relacionamento com meu primo no passado, o Príncipe Bernard, filho do meu tio François. Pouco tempo depois meu pai descobriu, mas mandou o meu primo para longe, antes que meu tio e o resto da Côrte descobrissem.
- E por causa dele eu sofri durante esse tempo. Agora que o Bernard se casou com uma Condessa, vocês permitiram que ele voltasse. Eu vou sair um pouco. Preciso pensar em tudo o que aconteceu hoje.
- Meu filho, não vai fazer nenhuma besteira. Não irrite mais o seu pai.
- Eu queria ter nascido plebeu, talvez tudo fosse bem diferente.
- Ei, espera. Hoje é dia do seu treino militar, você não pode faltar.
- Estou sem cabeça para segurar uma espada e ficar me degladiando com outra pessoa. Não preciso disso hoje.
- Não sai assim, filho. Estou com um mal pressentimento.
- Vou levar a Mily para passear, eu prometi isso a ela.
- Tudo bem, mais tarde você precisar ouvir algumas instruções do seu pai e do Duque Alfenor.
- Não lembre-me disso.
Em umas das dependências do castelo...
- Você ouviu os gritos do Gael? Deve ter acontecido alguma coisa quando eles ficaram a sós.
- Eu sempre achei o Príncipe Hugo estranho. Os criados comentam muita coisa sobre o seu sobrinho, Príncipe François.
- Pare de ser maldoso, Alferno. Eu não gosto da ideia do Hugo suceder o meu irmão, mas não vou ficar pensando ou dando atenção aos falatórios de plebeus.
No estábulo...
- Alteza, veio buscar o Lírico?
- Sim, René, ele está pronto?
- Claro, Alteza. Vou trazê-lo até o senhor.
Alguns minutos depois o chefe do estábulo me traz o meu cavalo.
- Obrigado. Prometi a Mily que a levaria para um passeio. Ela gosta muito do Lírico. - Alisei a crina do meu cavalo.
- Ele está saudável e muito bem alimentado. Bom passeio, Alteza.
- Espero isso.
Montei no Lírico e peguei a Mily na porta principal do castelo. O castelo ficava bem próximo a uma grande reserva e logo nós começamos a cavalgar sentindo o vento no rosto.
Comecei a pensar em tudo o que tinha acontecido naquela manhã. Lembrei-me também do Bernard, de como foi difícil ter separado-me dele.
Cavalgamos por um longo tempo ao redor da reserva e logo decidi parar para dar um descanso ao Lírico.
- Mily, você está com sede?
- Eu quero comer.
- Trouxe umas frutas e uns bolinhos. Vou forrar essa toalha aqui para lancharmos.
Quando acabei de estender a toalha, o René chega com alguns cavaleiros.
- Altezas, desculpem-nos por interrompê-los, mas a Rainha pede para que vocês retornem.
- Meu nome é Mily. Não gosto que me chamem de Alteza. - Falou, inocentemente.
- Somos Príncipes, minha pequena, e esse é o estilo formal pelo qual devemos ser tratados.
- Mas eu não gosto.
- René, aconteceu alguma coisa?
- Sim, Alteza, Sua Majestade desmaiou com a chegada da comitiva e pediu para vê-los.
- Comitiva? Quem chegou no castelo?
- Não sei informar.
- Vamos embora, Mily. A mamãe precisa da gente.
- Eu vou dar um beijo e ela logo ficará boa.
Voltamos para o castelo e fui ao encontro da minha mãe com a Mily.
- Mãe, como a senhora está? O que houve? - Peguei na mão dela.
- Passei mal quando vi a chegada do seu primo e da esposa.
- O Bernard voltou?
- Sim, meu filho. Ele está de volta.
O que será de mim?
Espero que curtam esse primeiro capítulo. Continuo?