Após a batalha, o cenário em volta era desolador. Dezenas de corpos estavam amontoados no chão. Poças de sangue se formavam em volta de cada um. Nós saímos vitoriosos da batalha, mas diversos homens nossos haviam morrido. A fortaleza tinha sido recuperado, mas a um alto preço.
- Alteza, agradeço-lhe por ter resgatado-me da morte.
- Eu faria por qualquer um.
- Vossa Alteza arriscou o Trono para salvar-me. Sei que isso pode causar uma instabilidade no Reino. Sair do Reino sem autorização do Parlamento é considerado abdicação à Coroa.
- Os Parlamentares certamente entenderão-me. Eu morreria de todo jeito. Quando levaram-no, eles queriam o Príncipe. O estrangeiro que resgatamos alertou-me.
Um dos nossos soldados foi apanhado em meu lugar. Eu montei no Lírico e atravessei a fronteira do Reino para salvá-lo. Eu lutei com um dos soldados e quase fui morto. Por pouco o fio da espada não acertou-me. Pelo menos para algo o treino militar havia servido. Esquivei-me do ataque e acabei matando o inimigo. Esse é o preço de sair em combate.
- Fique tranquilo, Alteza. Tenho uma dívida de gratidão com o Senhor. Jamais falaremos sobre isso. Só peço-lhe que abra os olhos. Há muita gente querendo o Trono.
- Não há com o quê preocupar-se. O Rei é forte, tem boa saúde e ainda é muito jovem. Viverá por longos anos. Ele reinará sobre nós por muito tempo.
- Nunca se sabe o que pode acontecer ao Rei. O Senhor é o sucessor dele, tem que estar preparado para tudo.
- Descanse, soldado. Eu vim ver como estavas e vou precisar sair. Tenho que verificar a situação dos outros.
- Sim, Alteza. Mais uma vez, obrigado!
Dei um aperto de mão no soldado e sai do quarto.
- Meu Príncipe, vamos até o lago. Preciso falar com você.
- Claro, Bernard.
Eu e o Bernard fomos escoltados até o lago próximo a fortaleza de Rulez.
- O que aflige você?
- Tem certeza que levará o estrangeiro para o castelo? Não sabemos nada sobre esse homem. Se ele for um espião de Honzel ou de outro Reino inimigo, nós estaremos correndo um risco muito sério na Corte.
- Bernard, eu partilho do mesmo pensamento que você. Eu também tenho esse receio. Mas, ao que parece-me, esse homem pode ter informações valiosas para nós. Ele advertiu-me quanto ao perigo que estava correndo. Certamente pode saber algo sobre os traidores do Reino.
- Ainda acho imprudente, meu Príncipe. Você é bondoso, é jovem, não conhece o mundo direito.
- Posso ser jovem, Bernard, mas como Príncipe eu tenho que pensar no bem estar do Reino.
- Jogarás na minha cara que eu nunca serei Rei?
- Não interprete-me mal, Bernard. Você sabe que eu nunca quis ser Rei. Nunca fiz questão disso. Na verdade, se eu pudesse fugir de tudo, eu fugiria. É algo que não foi uma escolha. Eu nasci para isso.
- Você nunca seria Rei mesmo, Hugo. Não se o seu irmão tivesse conosco.
- Por que será que ninguém nunca falou sobre isso?
- Meu Príncipe, essa história dói muito no tio Gael. O Gregório foi sequestrado no castelo.
- Conte-me sobre ele, Bernard. Você é mais velho que eu, deve saber mais sobre isso.
- Tínhamos a mesma idade, mas só sei disso pelo o que os meus pais contaram-me.
O Bernard contou-me toda história. Minha vó, a Rainha Dúlia, após ter ficado viúva, abdicou do Trono em favor do meu pai. A Rainha Ema, primeira esposa do meu pai, estava em uma gravidez de risco. Foi muito duro para ela levar a gestação até o fim. Mas, num belo dia, ela deu a luz a um menino, o Príncipe Gregório.
Poucas horas após o parto, devido a uma grave hemorragia, a Rainha Ema faleceu. Meu pai ficou transtornado com o falecimento dela e apegou-se muito ao meu irmão, o fruto do amor dos dois. Duas semanas após o nascimento do Gregório, o Bernard nasceu. E houve festa no castelo. Afinal de contas, o nascimento de dois Príncipes é motivo de muita comemoração. Mas, mesmo com tudo isso, meu pai ainda estava muito abalado.
Após um conflito com Honzel pelas mesmas terras, alguém aproveitando-se da partida do Rei, sequestrou o meu irmão. Quando meu pai retornou para o castelo e soube do acontecimento, ele entrou numa depressão profunda. Buscas intensas foram realizadas, mas nenhum vestígio do bebê real foi encontrado. O meu irmão havia desaparecido.
Abalado com a destruição da sua família e sua linhagem, meu pai deixou o meu tio no comando do Reino e partiu em um retiro para recuperar as forças. Foi num dos castelos no sul do País que ele conheceu a minha mãe. Após alguns meses eles casaram-se. Quase três anos após o casamento, minha mãe deu a luz a mim.
- Se o Gregório estivesse aqui, eu nunca precisaria abrir mão de você pela Coroa. Você acha que ele ainda pode estar vivo?
- Eu não sei. Se estiver vivo, deve estar muito longe e nem faz ideia de quem seja. Nunca pediram resgate. Talvez que sequestrou-o nunca quis dinheiro, deve ter se vingado do seu pai. O Rei tem muitos inimigos.
- Não consigo imaginar como alguém pode ser capaz de tamanha crueldade. Para uma mãe ou um pai ter seu filho arrancando dos seus braços deve ser muito doloroso.
- Sim, dizem que o tio Gael sofreu muito.
- Eu imagino o quanto ele deve sofrer até hoje. Foi por isso que ele sempre protegeu-me, sempre exigiu muito de mim. Queria guardar-me dos perigos e tornar-me forte.
- Quando você nasceu eu me apaixonei por você ali. Desde a primeira vez que te vi já quis cuidar de você, tê-lo em meus braços. No fundo eu sabia que um dia serias meu, meu amor.
O Bernard acariciou meu rosto e beijou-me.
No castelo...
- Johan, você viu a Princesa Mily? Já procurei-a por todo o castelo. - Perguntou Merísia.
- Não, Alteza. Pensei que ela estivesse com Vossa Alteza.
- Deixei-a no jardim com uma boneca e fui até o quarto dela pegar um laço para enfeitarmos os cabelos, mas quando voltei ela não estava. Nenhuma das babás viu-a. Preciso avisar ao meu sogro.
Merísia foi até a Sala do Trono com Johan.
- Alteza, Vossa Alteza, a Princesa Mily, desapareceu. - Johan avisou.
- Como isso foi acontecer? Guardas! Vasculhem o castelo. Encontrem minha sobrinha.
A Princesa Catarina, indo em direção aos seus aposentos pensou alto:
- Segunda parte do plano concluída. Tiramos o Hugo do castelo, raptamos a Mily, o François está no Trono. Logo, logo tirarei eu mesma a Coroa de Rainha da cabeça da Tácia. Ela nunca mereceu usá-la. Eu serei Rainha!
Na fortaleza de Rulez...
- Como ficaremos ao voltar para casa? Bernard, eu não sei se poderei mais vê-lo as escondidas. Como você sabe, meus pais voltarão com uma procuração assinada. Eu estarei casado com a Princesa Mariah de Vajor.
- Eu sei, Hugo, mas eu preciso de você.
- Entenda-me, Bernard. Eu não posso escolher entre você e a Coroa.
- Não pense nisso agora. Nós iremos resolver tudo juntos. Vamos vencer esse obstáculo.
- Preciso ir até a enfermaria. Verei se o homem ferido já recobrou a consciência.
- Irei com você.
Na enfermaria...
- Meu bom homem, como você se sente?
- Alteza, estou um pouco dolorido. Eu quase fui morto, mas consegui encontrá-lo a tempo. Não sou estrangeiro. Sou um espião a serviço de Sua Majestade, o Rei Gael. Ele mandou-me até Honzel para espioná-los e informar sobre qualquer acontecimento. Consegui descobrir que tramavam essa emboscada para Vossa Alteza. Alguém desejava a sua morte ou sua desobediência à Constituição do Reino.
- Sou grato por você ter-me alertado. Como posso retribuí-lo por seus serviços?
- Não preciso de nada, Alteza. Somente sua bondade para comigo foi suficiente. Eu me chamo Alef. Meu irmão também serve a sua família.
- Qual o nome do seu irmão?
- René, o chefe do estábulo e seu professor de montaria.
- Que coincidência. René é um bom amigo. Estou ainda mais feliz por saber disso. Espero que você descanse e retorne conosco para o castelo.
- Sim, Alteza, retornarei com o Senhor.
Saí da enfermaria e fui para uma reunião com um dos Generais do Exército Real.
- General Miclos, qual o próximo passo?
- Alteza Real, nós já vistoriados a área e está tudo em segurança. Por enquanto, a fortaleza terá o número de homens aumentado até que o conflito cesse.
- Muito bem. Dispenso seus serviços por enquanto e quero ser avisado sobre qualquer fato relevante.
- Sim, Alteza. O Senhor será avisado. Com sua licença, Altezas. - Curvou-se e saiu.
- Bernard, eu preciso de um banho.
- Eu também. Estou muito cansado. Já anoiteceu e nós ainda nem jantamos.
- Pedirei que nos sirvam após nossos banhos. Os soldados também devem estar cansados.
Fui para um dos quartos da fortaleza e tomei um banho. Vesti um traje real, coloquei a coroa na cabeça e jantar.
- Alteza, desculpe-me por interrompê-lo, mas vim avisar que a Carruagem Real virá buscá-lo amanhã.
- Obrigado por avisar. Sente-se conosco.
- Não fica bem sentar-me com Vossas Altezas.
- Não sou homem de protocolos e cerimônias. Todos comeremos juntos.
Os soldados sentaram-se juntos a nós e começamos a comer o delicioso jantar.
No castelo...
- Alteza, chegou essa carta para o senhor.
- Obrigado, Johan. Deixe-me sozinho.
- Com licença, Alteza. - Curvou-se e saiu.
Carta:
"Rahit, 20 de Maio de 1600
Alteza, sua colaboração em apaziguar os conflitos de nossos Reinos é digna de muita gratidão. Por anos fomos subjugados por seus ancestrais, inclusive vosso irmão, o Rei. Saiba que terá o nosso incondicional apoio para depor vosso irmão e sua família do Trono de Austo. Ao final de tudo isso, desejamos o total domínio das áreas de mineração que foram-nos tomadas pelo seu Reino.
Com imensa consideração, aguardo o seu retorno. Terás sempre o nosso apoio.
Rei Alberes de Honzel."
- Essa carta me deixa muito mais forte. O Trono vai ser tomado. Johan! - meu tio chamou-o.
- Sim, Alteza.
- Chame o Primeiro-Ministro. Diga que o Príncipe saiu do Reino sem autorização.
- Vossa Alteza, tem ciência do risco dessa notícia?
- Faça o que eu ordeno. Sou o seu Regente, serviçal. Cumpra a minha ordem sem titubear.
- Como quiser. Licença.
Johan curvou-se e saiu surpreso da Sala do Trono.
Na fortaleza...
- Quem chegou, General Miclos?
- Alguns cavaleiros da Corte, Alteza Real.
- A nossa partida está marcada para o amanhecer.
- Sim, Alteza, mas algo aconteceu no castelo. - Falou um dos soldados entrando na sala de jantar.
- Diga-me. O que houve?
- Sua irmã, a Princesa Mily... - Interrompi-o.
- O que há com ela?
- A Princesa desapareceu. Ninguém sabe o paradeiro dela.
- Arrumem tudo. Vamos voltar hoje mesmo para Caluz.
- É perigoso, Hugo.
- Perigoso é minha irmã desaparecida. Darei a minha vida, mas vou encontrá-la. Ela foi deixada sobre minha proteção. Meus pais jamais perdoarão-me se não encontrá-la. Nem eu mesmo perdoarei-me.
Onde estará minha irmãzinha?