PRÓLOGO
Rubens:
Sentado no sofá, observei atentamente Henrique ajoelhado, retirando cuidadosamente as minhas botas e meias. Sorri, pensando na realização que aquele menino lindo havia trazido para a minha vida. Me perdi naqueles olhos verdes enormes e me deixei levar pelas lembranças de dez anos atrás.
Tantas coisas aconteceram nesses anosquando eu poderia imaginar que aquele garotinho estaria aqui, nessa casa, me fazendo fazendo um café delicioso depois de guardar os meus sapatos no armário da sala?
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CAPÍTULO I – ENVERGONHADO
Rubens:
Cinco horas da tarde. A equipe já havia terminado de arrumar as ferramentas no barracão da obra. Verifiquei tudo, bati o cadeado, saí, fechei o portão e olhei a construção. Fiquei ali parado por alguns minutos, pensando na vida e curtindo a sensação gostosa da satisfação. Mais dois meses e a casa do Dr.Felipe estaria pronta. Era a nossa primeira obra de “alto padrão” e a minha pequena empreiteira finalmente estava crescendo.
Meu nome é Rubens e sou um homem de sorte. Estava casado há 15 anos e continuava apaixonado pela Flávia, uma morena brava que tinha me dado três filhos: o Altair, que já estava com 15 anos e os gêmeos Carlos e Marcelo, com 14. Eu e Flávia nos entendíamos muito bem e os meninos estavam crescendo com muita saúde e tudo indicava que teriam um bom futuro pela frente.
Ah, sim. Antes vocês fiquem imaginando coisas: não sou gay. Nunca tive experiência com homem e nem vontade. Passei a minha adolescência fodendo adoidado (mulheres) e só parei de galinhar quando achei a mulher certa.
E é claro que não parei com a putaria, afinal, mulher é bom demais e com 22 anos os hormônios ainda estão saindo pelas orelhas. A única coisa que mudou na minha vida é que percebi que estava apaixonado. Tive que encarar a realidade: ou eu medrava ou partia pra cima. Respirei fundo e fui à luta: investi, cerquei e não dei chance pra Flávia. Meti-lhe pica até que ela embuchou do Altair e nos casamos.
Desde então, continuei sendo um putanheiro. Fodia como um louco, mas com uma mulher só!
Ri das minhas lembranças e fui pra casa de pau duro, pensando em como a Flávia ia ficar esfolada aquela noite.
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Parei o carro na frente de casa e desci para abrir o portão, ainda pensando em como a Flávia estava fudida na minha mão hoje, quando vi Henrique, o filha da vizinha com a roupa toda suja e machucado. Corri em sua direção e antes mesmo que eu pudesse perguntar qualquer coisa, ele se agarrou em mim, soluçando e chorando.
Ainda era cedo e Rose, a mãe do menino, só chegaria em casa por volta das oito da noite, pois quarta-feira era o dia da sua novena. Peguei-o no colo e corri em direção à minha casa.
– FLÁVIA!!! – Gritei – Acuda aqui!
– O que foi Rubens? - Homem do céu! O que aconteceu com o Riquinho?
– Não sei! Ele só chora! – Falei entrando em casa. Deitei-o no sofá e tirei aquela farda suja para ver se tinha algum ferimento no corpo.
– Como ele está? – Perguntou Flávia, já trazendo um copo de água com açúcar.
– Os braços tem uns arranhões, mas não tem nenhum ferimento por baixo da roupa. Acho que o pior foi o susto!
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Flávia sentou-se no sofá e colocou a cabeça dele no seu colo, fazendo carinho na cabeça dele, esperando ele se acalmar para poder nos contar o que havia acontecido.
Fiquei observando o menino e tentando imaginar o que teria acontecido. O mais provável era uma briga com outros meninos, pois a mochila estava aparentemente intacta, o que descartava a hipótese de assalto.
Henrique era um menino miúdo, com cabelos escuros, pele clara, grandes olhos verdes e tinha a mesma idade dos meus gêmeos. Um pouco tímido, mas ao mesmo tempo simpático e prestativo. Uma criança querida que eu não conseguia imaginar metida em briga.
Riquinho, como era conhecido na vizinhança, morava apenas com sua mãe. Seu pai, Moacir, um grande amigo, havia sido transferido para outro Estado após o divórcio e visitava o filho quando podia.
Quando menores, Carlos e Marcelo não se desgrudavam dele. Hoje em dia não se falam tanto como antes, pois os interesses não eram mais os mesmos e Riquinho não os acompanhava no futebol, nem na azaração das meninas, atividade para a qual os meus meninos haviam despertado cedo. Mas, de vez em quando, eu ainda via os três conversando na rua ou jogando vídeo-game.
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Algum tempo depois, com ele já mais calmo, perguntei o que havia acontecido e ele me disse que três meninos o haviam parado na saída da escola e ficaram lhe chingando e empurrando, até que ele acabou caindo e ralando a mão e os braços no asfalto. Tentei descobrir porque eles haviam feito isso, mas ele ficou evasivo, me dizendo que não sabia.
Achei melhor não insistir, pois o menino ainda estava bastante assustado e pressioná-lo só iria piorar situação. Quando a mãe dele chegou, levei-o para cada e contei-lhe o que havia acontecido.
Chegando em casa, chamei os gêmeos que haviam acabado de chegar, encarregando-os de descobrir o que havia acontecido.
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No dia seguinte, quando cheguei em casa, Marcelo já estava me esperando com um semblante preocupado.
– Bênção Pai!
– Deus te abençoe meu filho. Onde está o seu irmão?
– Nós viemos com o Rique da Escola e o Carlos ficou lá, jogando vídeo-game.
– Ok. Descobriram o que foi que aconteceu?
Marcelo ficou em silêncio e abaixou, deixando claro o seu constrangimento. Continuei olhando para ele por algum tempo até não agüentar mais e falei firme:
– Vai, desembucha!!! – Ele me olhou assustado, olhou para a mãe, mas continuou calado. Entendi o motivo e pedi para a Flávia nos deixar sozinhos.
– Vai, fala!!!
– Os caras pegaram ele na saída porque um amigo deles falou pra todo mundo que o Rique tinha chupado o pau dele no terreno baldio perto da pracinha! – Falou Marcelo, baixando novamente a cabeça.
Nessa hora meu sangue esquentou – E você sabe quem é esse “amigo”? - Marcelo levantou a cabeça e suspirou, me olhando com os olhos úmidos, mas permaneceu em silêncio, até que soltou a bomba:
– Foi o Altair – Sussurrou Marcelo, com a cabeça baixa.
Meu sangue que estava quente ficou gelado com a vergonha tomando conta de mim. Não consegui ter nenhuma reação, me sentei e fiquei parado, olhando para a parede.
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(continua)