Pegou a Pullman e em seguida encaixou a correia da mochila no ombro.
— O carro está lá fora.
Ele se sentiu muito mais seguro seguindo atrás dele com a pasta nas mãos.
A sensação de estranheza, disse para si mesmo, vinha da ansiedade e do longo
voo.
Homens jamais o surpreendiam; certamente nunca chamavam sua atenção
daquela forma e muito menos a faziam gaguejar.
O que precisava era de um
banho e algo um pouco mais substancial do que um cachorro-quente para
comer.
O carro ao qual ele se referira não era exatamente um carro, reparou Gabriel,
mas um jipe. Supondo que fazia certo sentido, com estradas íngremes e invernos
inclementes, Gabriel entrou no veículo.
Movimenta-se com desenvoltura e veste-se impecavelmente. Ele também
reparou que Gabriel roía as unhas.
— Você é da área? — perguntou Hunter, puxando conversa enquanto
acomodava a bagagem.
— Não. Estou aqui para o congresso de escritores. Hunter entrou, sentou ao lado dela e bateu a porta. Agora ele sabia para
onde levá-lo.
— Você é escritor?
Ele pensou nos dois capítulos de seu livro inacabado que levara caso
necessitasse de um disfarce.
— Sou.
Hunter contornou o estacionamento e pegou o caminho que dava na
estrada principal.
— Sobre o que escreve?
Gabriel recostou-se e decidiu que talvez devesse tentar testar sua história nele
antes de cair no meio de duzentos escritores e aspirantes a escritores.
— Já escrevi artigos e alguns contos — disse ele, sem mentir. Depois
acrescentou o que raramente contava para alguém.
— E comecei um romance.
Ele entrou na rodovia numa velocidade que a surpreendeu mas não o inquietou.
— E vai terminá-lo? — perguntou ele, demonstrando um discernimento
que o perturbou.
— Acho que isso vai depender de vários fatores. Ele deu uma nova e
cuidadosa olhada em Gabriel.
— Tais como?
Gabriel queria mudar de posição no assento, mas forçou-se a permanecer
parada. Este era exatamente o tipo de pergunta a que talvez fosse obrigado a
responder ao longo daquele fim de semana.
— Tais como, se o que fiz até agora tem algum valor.
Ele achou tanto a resposta quanto o desconforto do garoto razoáveis.
— Você vai a muitos desses congressos?
— Não. Esse é o primeiro.
O que talvez explique o nervosismo, imaginou Hunter. Mas não achou que
tivesse descoberto toda a resposta.
— Tenho a esperança de aprender alguma coisa — disse Gabriel, com um
pequeno sorriso.
— Eu me inscrevi na última hora, mas quando soube que
Hunter Brown estaria aqui, não pude resistir.
Ele franziu o cenho tão rapidamente que mal pôde ser notado. Ele havia
concordado em dar o workshop apenas porque não haveria divulgação. Nem
mesmo os inscritos teriam como saber que ele estaria lá até a manhã seguinte.
Então, imaginou ele, como o ruivinho de sapatos italianos e olhos noturnos
descobriu?
Ultrapassou um caminhão.
— Quem?
— Hunter Brown — repetiu Gabriel.
— O romancista. Um impulso apoderou-se dele.
— Ele é bom?
Surpreso, Gabriel passou a analisar o perfil do homem. Era infinitamente mais
fácil olhar para ele quando aqueles olhos não estavam focalizados nele.
— Nunca leu nenhum livro dele?
— E deveria?
— Acho que isso depende de você gostar ou não de ler com todas as luzes
acesas e as portas trancadas. Ele escreve romances de terror.
Se tivesse olhado mais de perto, não lhe teria escapado o discreto sorriso
nos olhos dele.
— Assombrações e monstros?
— Não exatamente — disse ele, depois de um momento —, nada assim tão
banal. Se existir alguma coisa que o assusta, ele vai expressar isso em palavras e
vai fazer você desejar mandá-lo para o inferno.
Hunter riu, bastante satisfeito.
— Quer dizer que você gosta de sentir medo?
— Não — respondeu Gabriel prontamente.
— E por que lê os livros dele?
— Já perguntei isso a mim mesmo quando estou acordado às três da manhã
terminando de ler um dos livros dele. — Gabriel deu de ombros enquanto o jipe
diminuía a velocidade para pegar o desvio.
— É irresistível. Acho que ele deve
ser um homem muito estranho — murmurou, um pouco para si mesmo.
— Ele
não deve ser como, bem... como as outras pessoas.
— E você é?—Após uma rápida e acentuada guinada, ele parou em frente
ao hotel, mais interessado nela do que havia planejado inicialmente.
— Mas
escrever não é apenas palavras e imaginação?
— E suor e sangue — acrescentou Gabriel, movimentando os ombros.
— Só
não consigo entender como pode ser confortável viver com uma imaginação
como a de Brown. Eu gostaria de saber como ele se sente a respeito.
Hunter desceu do jipe e foi pegar a bagagem de Gabriel. Estava realmente se
divertindo.
— Você vai perguntar para ele?
— Vou — Gabriel desceu —, vou sim.
Por um momento, permaneceram na calçada, em silêncio. Hunter o fitava
com o que talvez pudesse ser chamado de um leve interesse, mas Gabriel notava
algo mais — algo que ele não deveria sentir por um motorista de hotel que
conhecia havia dez minutos.
Pela segunda vez quis se movimentar, mas ficou
imóvel. Sem perder mais tempo, Hunter foi na direção do hotel com a bagagem
na mão.
Não ocorreu a Gabriel, até que começasse a segui-lo, que acabara de ter uma
conversa sem interrupção com um motorista de hotel, conversa esta que não
estava relacionada às brincadeiras usuais ou aos recantos turísticos.
Ao vê-lo
caminhar até o balcão, sentiu uma aura de firme autoconfiança nele, além de
traços, traços muito sutis de arrogância. Por que um homem como aquele
estava dirigindo para cima e para baixo sem chegar a lugar algum? imaginou
ele.
Chegou no balcão e concluiu que aquilo não lhe dizia respeito. Tinha outros
interesses mais importantes.
— Gabriel Radcliffe — disse para o recepcionista.
— Pois não, sr. Radcliffe....