Guido - cap. 2

Um conto erótico de Matheus
Categoria: Homossexual
Contém 1641 palavras
Data: 04/12/2017 02:29:39
Última revisão: 05/12/2017 00:31:13
Assuntos: Gay, Homossexual

“Adoçando sua boca pois você adoça minha vida”

Era o que estava escrito na caixa. Me lembro de ter pensado que era uma frase bonitinha pra colocar. Ele tinha rido de um jeito fofo quando recebeu. Hoje me parecia brega e sem graça. É a sina de todo apaixonado, é claro. Não ter senso do ridículo.

Levei a caixa comigo pra sala. Sem abrir. A vontade de chorar tinha passado e sido substituída pela confusão. Pra que guardar uma caixa de chocolates velha em um compartimento secreto de uma mesa de escritório? A resposta era bem obvia. Ele não queria que ela fosse encontrada. Por ninguém.

Nem mesmo por mim.

De repente não me pareceu que aquela caixa tinha sido guardada por propósitos nostálgicos. Fui dominado pela certeza de, seja lá o que estivesse ali dentro eu não ia querer ver. Podia sentir pequenos objetos se movendo dentro dela. Coloquei a caixa em um balção de mármore branco que separava a sala de jantar da cozinha com ilha central de ardósia e eletrodomésticos da Gaggenau. Fui até a geladeira de duas portas me servir de agua e fiquei olhando a caixa como se ela fosse um bicho que ia acordar a qualquer momento e me morder.

“Que coisa rídicula” pensei com raiva. “Apenas abra a porra da caixa e ponha no lugar. Ele não vai saber”

Mas ele saberia. Heitor sempre sabia onde tudo estava. “Tudo tem o seu lugar, amor” Perdi a conta de quantas vezes ele repetiu isso pra mim nos mais variados tons.

Observei a cozinha da minha casa nova. Eu ainda a chamava de “a casa nova” mesmo ja fazendo dois anos que eu vivia ali. Porque quase nada parecia ter mudado. Tudo ali ainda recendia a novo. Não havia manchas no branco das paredes, nem nas janelas. Os quatro bancos altos de plástico branco com design futurista do lado norte da ilha da cozinha. Alinhados perfeitamente como se nunca tivessem sido usados. Eu mesmo não os usava. Eram desconfortáveis. A cafeteira a exatos trinta centímetros de distancia da torradeira, que por sua vez estava a cinquenta e cinco centímetros de distancia da batedeira. Todos na cor vermelha pra destacar com o branco brilhante dos armários. Heitor os havia instalado ali. Nunca saiam do lugar. O sofá da sala, modelo assinado, estava perfeitamente alinhado com o tapete em tons de cinca claro, branco e azul. A mesa de centro de vidro bem na frente da lareira de design ultramoderno que nunca era ligada pois tínhamos uma central de aquecimento. As vezes parecia que ninguém morava naquela casa. Minha casa.

"A casa perfeita do Heitor". Era como eu pensava quando estava de mau humor.

Cada móvel, cada enfeite, cada quadro. Tudo estava no lugar que o Heitor havia escolhido. E se algo fosse minimamente alterado, ele percebia.

Heitor tinha a memória mais estranha que eu ja vi. Ele decorava padrões que uma pessoa normal não se importaria de memorizar. Como os lugares onde eu costumava jogava minha chaves. De modo que ele sempre as encontrava quando eu invariavelmente as perdia. O numero de cuecas brancas e pretas que tínhamos. Plantas e quadros e a posição especifica deles em cada cômodo da casa. A posição exata dos livros na estante, no aparador e na mesa de centro. Ele tinha dado um esporro na diarista só porque ela os tirara pra limpar e não colocara na ordem certa. Passou boa parte daquela noite ignorando meus chamados para jantar, limpando tudo de novo e colocando os livros de volta um a um.

Em uma de nossa viagens a Campos do Jordão, ele havia me irritado tanto com a mania de dobrar todas as roupas depois de usar e coloca-las de volta na mala que eu quis dar um tapa nele. Depois fiquei com vergonha de ter pensado aquilo quando ele achou minha carteira perdida em um restaurante que tínhamos ido mais cedo. “Te conheço melhor do que ninguém” Ele tinha dito. Aquilo me mostrou o quanto ele cuidava de mim. O quanto ele me observava.

“Ele vai saber” pensei resoluto.

Posso colocar a caixa de volta e a tampa no lugar e ainda assim não vai adiantar. Ele vai notar algo diferente. Um detalhe mínimo, que só ele perceberia.

“Bom, eu poderia simplesmente admitir que encontrei a caixa sem querer e a coloquei de volta sem olhar” Aquilo poderia servir. Heitor sabe que eu não sei mentir pra ele. Ele acreditaria em mim. “Eu poderia pedir pra ele me dizer o que tem nela. Tenho certeza de que ele me mostraria”.

Por alguma razão aquilo soou bobo até na minha cabeça. A certeza de que Heitor não queria que eu visse o que tinha naquela caixa não me abandonava. Eu não deveria saber nem da existência dela. “Ele guardou a caixa” me lembrei. Não conseguia me decidir sobre o que aquilo significava.

Heitor não era do tipo que guardava recordações. Um dos aspectos dele que nunca entendi. Quando namorávamos eu notei que não havia nenhuma foto dele quando era mais jovem em seu apartamento. Ou mesmo criança. “Estão na casa dos meus pais” Ele me respondeu placidamente. E foi lá que eu os encontrei, quando visitamos seus pais pela primeira vez. Seu quarto de adolescência em diferentes tons de azul, intocado. Uma fina camada de poeira denunciava que ninguém entrara ali desde que ele saíra de casa. Seus brinquedos alinhados sobre o console acima da cama de solteiro. Uma escrivaninha antiga no canto com um PC velho. As fotos estavam em painéis nas paredes cheios de adesivos e broxes como uma boa criança dos anos 90 teria colocado.

Uma das fotos era dele pequeno em alguma praia. Havia um outro garotinho com ele. Os dois sorrindo bobos pra câmera com calções verde e vermelho. Outra dele um pouco mais velho na casa de campo da família que ele ja tinha me levado aquela altura do nosso namoro. Ele adolescente com roupas de esquiar. Outra em uma festa com copos de bebida na mão.

Ele não contou nenhuma história sobre seu passado ali, como eu esperava. Me lembro que ele quase não entrou no quarto. Observou da porta com uma curiosidade bem desinteressada como se fosse o quarto de qualquer outra pessoa. Depois me chamou pra sair, sem fazer um comentário. Dormimos no quarto de hospedes durante aquela visita e em todas as outras.

Quando nos mudamos para a casa nova ele não levou nada na mudança alem de uma pequena mala de roupas. Moveis, decoração e até objetos pessoais ficaram no antigo apartamento que seria vendido. Ele se desfazia de tudo que não lhe servia mais com um pragmatismo que me surpreendia. “Aqui não é o lugar delas, amor” Ele respondeu quando o questionei. “Tudo tem o seu lugar” Eu completei. Ele riu, mas era o sorriso dele que eu menos gostava, o sorriso convencido. Como se ele dissesse: “Finalmente você está entendendo hein?”.

E contra todas as expectativas ali estava a caixa.

Um presente bobo do começo do nosso namoro que ele tinha guardado. E muito bem, pelo visto. Nem em mil anos eu teria achado aquilo se não fosse totalmente por acidente. No escritório dele. Onde ele sabia que eu não entrava.

“Não se trata da caixa” aquela conclusão desceu sobre mim como uma mortalha ameaçando me sufocar. “É o que está dentro da caixa que importa e você sabe disso!”

Fui até o balção onde a tinha deixado e sem hesitar deslizei a tampa pra cima.

De primeira não entendi o que estava vendo. Parecia um porta-treco. “Ele usou a caixa pra guardar lixo?” pensei sem acreditar, me sentindo um bobo por todo aquele suspense. Então eu comecei a reparar bem no que estava ali dentro.

Havia uma caneta hidrocor azul. Um cadarço de tênis preto. Um broche em formato de escudo de algum time europeu. Um pedaço de tecido bordado, representando uma ancora azul e uma corda branca dando voltas nela como uma cobra. A ancora tinha um rostinho sorridente. Uma correntinha dourada feitas de elos bem finos. Um elástico de cabelo rosa com uma joaninha feita de plástico. Um chaveiro do Pikachu. Um anel de plástico colorido. Um relógio do Mickey parecia ser o item mais velho na caixa. Tinha vários arranhões e o display estava apagado.

“O que ele quer com essas coisas meu Deus!”

Meu coração afundou quando achei o ultimo item.

Um item que não tinha nada a ver com resto. Mas poderia explicar tudo. Um pequeno quadrado de plástico preto com um fio pendurado. Um conector usb na ponta. Nunca tinha visto aquele especificamente, mas consegui identificar.

Era um HD externo.

“Sim, isso sim é dele” pensei assim que o vi.

Pois nada mais dentro daquela caixa poderia ser dele. A caneta hidrocor não era nada profissional, como as que Heitor usava pra desenhar. O cadarço era muito pequeno, a correntinha muito curta pro seus braços grossos. Fiquei encarando o bordado de ancora sorridente. A borda estava esfiapada como se tivesse sido descuidadamente recortado. Aquilo tinha sido tirado de alguma peça de roupa. O desenho era obviamente infantil. Era isso que aquele objetos tinha em comum.

Todos eles poderiam pertencer a uma criança. Ou várias delas.

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Bom aqui está o segundo capitulo.

O proximo já está em andamento, mas não sei quando vou postar. Eu estou percebendo que estou fazendo suspense demais. Esse não era bem o objetivo da história. Quando eu imaginei como seria, o Matheus descobria o segredo do Heitor e então tudo se desenrolava a partir daí. Mas eu percebi que ao se sentar pra escrever uma história você começa a pesar o que funciona e o que não funciona.

Eu precisava que vocês conhecesse os personagens primeiro enquanto conduzia a descoberta.No proximo capitulo saberemos o que é. A pergunta que fica é: O que vem depois disso?

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Comentários

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Heitor deve ter toc, ou então é psicopata oi então doido mesmo.Você como bom e exemplar esposo dele vai ver o que tem e vai guardar tudo de novo na caixa, espero o próximo capítulo.

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Sim, é bom conhecer a alma dos personagens. Devo dizer que você foi muito eficiente em nos apresentar os protagonistas. No caso de séries, considero boa a história quando me envolve, me faz querer adivinhar o futuro, dar palpites, não importa quão furados sejam. No primeiro capítulo tenho a certeza de que Heitor estava sendo chupado enquanto falava com Matheus ao telefone. Agora, esses objetos dentro da caixa. E tem ainda o Guido, que é o tema da história e foi apenas mencionado no primeiro capítulo. Estou na expectativa.

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Heitor ou traí o Matheus ou dá a entender q traí.

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Fico no aguardo ansioso pelo próximo capítulo :) sobre a história pegar "corpo" é normal, na hora da escrita você percebe que não vai ser tão simples explicar as coisas como gostaria. Só não deixe de postar ;)

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Qual será o segredo de Heitor? Acredito que ele traí Matheus.E ainda mais com essa obsessão de que tudo tem que ser do jeito dele nada pode ser como o Matheus quer.

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