A hostress simpática finalmente nos deixou a sós. Ainda dava para voltar atrás, mas eu não deixei minha esposa perceber que havia essa opção. Estávamos numa espécie de provador, grande o suficiente para duas pessoas, fechado com uma cortina de pano grosso marrom que, curiosamente, parecia fechar muito melhor e nos dar muito mais privacidade do que as de provadores de lojas de roupas.Tinha um espelho e uma espécie de banquinho de treliça sobre o qual abri a mochila. Ajudei-a a tirar as sandálias e o vestido tubinho preto justo que moldava seu corpo delicioso e a pôr o robe que a moça nos deixou. Não mexi na minha roupa, meu tradicional terno grafite com camisa branca e sapatos pretos. Só tive o cuidado de conferir que o charuto e o isqueiro estivessem no bolso do paletó e a carteira no das calças. Pus a mão na mochila para pegar suas coisas mas ela me pediu com um beijo no pescoço e um susurro de voz tímida, envergonhada: "Espera lá fora."
Eu saí da cabine para o corredor em frente, cheio de armários iguais aos de academia. Esperei alguns minutos que me pareceram bobagem. Vai saber o que se passa na cabeça da mulher? Eu já a havia visto se arrumar de outras vezes. Por várias vezes mesmo a ajudei. Hoje ela teve vergonha de eu ficar junto. Demorou pouco, ela saiu. Sem a maquiagem que tinha quando saímos de casa fingindo que íamos ao cinema e depois jantar. A maquiagem agora era só a base, aqueles pós cor beges, uma coisa aparentemente sem cor na boca que a deixava com a aparência úmida, suculenta. Os olhos sim, estavam com os contornos bem pintados de uma coisa escura forte que parecia carvão, mas muito bem feito, como se fosse obra de um desenhista. Uma tiara de bujeteria brilhante segurava os cabelos lisos para trás das orelhas, sobre os ombros. A mão direita estava no bolso do robe, com a esquerda me deu a mochila que eu guardei num dos armários e tranquei com o mesmo cadeado que ela usa para trancar sua mala quando viaja.
Ela sorriu, me deu um selinho e a mão e mordeu o lábio olhando para o final do corredor. Levei-a pela mão seguindo o caminho que a hostess me ensinou: desse corredor para a esquerda noutro, depois de novo à esquerda para um corredor mais comprido que terminhou numa cortina pesada cor-de-vinho que parecia ser de veludo e mais outro tecido liso e brilhante. Dois homens sem expressão traje a rigor, chique em contraste a minhas roupas de trabalho, com aparência de leões de chácara, nos cumprimentaram com a cabeça e, em gestos simétricos, apontaram em direção à cortina, segurando-a com a outra mão esperando para abri-la quando tomássemos a iniciativa de entrar. Parece que queriam ter certeza de que não desistiríamos. Minha esposa virou-se para mim, tirou a mão do bolso e me entregou a coleira que nunca teve coragem de usar fora de nosso quarto.
Fui por trás dela e pus-lhe a coleira no pescoço sentindo seu coração acelerar. Desamarrei-lhe o robe, ao que um dos leões de chácara me repreendeu: "Por favor, senhor. São duas cortinas. Vocês podem se transformar entre elas." Ficamos um pouco encabulados por isso e estranhei a expressão "se transformar". Passamos a cortina e nos vimos num pequeno espaço entre essa e outra logo à frente, como numa porta dupla de agência bancária. Tirei-lhe o robe e o joguei numa pilha com outros mais que estavam ali. Ela ficou de quatro. Estava nua, com mais um pouco de maquiagem pelo corpo. Cobrindo-lhe o rego, tinha a cauda postiça, de pelúcia, que ela usava quando estávamos a sós. Abraçou minha perna e esfregou sua cabeça nela procurando carinho. Depois voltou a ficar de quatro para não se levantar mais. Peguei-lhe a coleira e a levei pela cortina para a sala de estar da casa.