Pessoal, percebi que a maior parte dos comentários eram de dúvidas em relação ao capítulo. A dica que dei sobre devaneio é por que parte da confusão só existiu na cabeça do Fabrício, foi como se ele tivesse tido um colapso nervoso. Espero ter sanado a dúvida dos leitores. No mais boa leitura a todos.
Coração Ferido – Capítulo XVI
Eu andava por um lugar escuro, era como se eu estivesse nu, eu podia ver vários rostos rindo e apontando para mim, alguns rostos desfigurados, riam de maneira grotesca e assustadora, mas três deles é que me chamaram a atenção e me assustaram mais, eram os rostos de Luciano, João e Guilherme, eles riam a apontavam o dedo para mim.
- Sujo, imundo, veadinho... – Eles cantavam e zombavam em coro, eu acuado corri, mas eles vinham atrás e me faziam ficar atordoado girando, cantando e apontando.
- Deixem ele comigo, esse veado vai ser purificado... – quando olhei na direção da voz vi meu pai, em uma das mãos ele segurava uma bíblia e na outra uma arma.
- Nããããããooooo – Acordei assustado.
- Filho... – minha mãe me olhou preocupada e então ela me abraçou – calma... – ela segurou forte em mim.
Olhei ao redor, estava definitivamente em um quarto de hospital, o local era todo branco com móveis marrons e poltronas pretas, a julgar pelo requinte do local eu estava no hospital particular da cidade.
- Mãe, por que eu estou no hospital? – Perguntei e ela me fez encarar ela.
- Calma querido, você está em um hospital sim... – ela mediu as palavras, mas mesmo assim arregalei os olhos.
- O que eu estou fazendo aqui? Que curativo é esse no meu nariz mãe? Eu quebrei ele? – Toquei em meu nariz e além da dor muito forte eu percebi que havia uma espécie de curativo tampando a maior parte dele.
- Você quebrou o nariz, foi na hora que você caiu no chão... – Ela me olhou consternada, mas antes que eu respondesse alguém me interrompeu falando antes.
- Você surtou Fabrício... – meu pai entrou no quarto, ele me olhava sério.
- Como assim eu surtei? – Comecei a me agitar, pois lembrei do que aconteceu – mãe, tira esse homem daqui...ele vai me machucar... – me apertei nela, minha mãe olhou para o meu pai com certa tristeza.
- Calma... – ele beijou minha cabeça.
- Eu não vou te machucar, eu sou teu pai... – disse ele com tristeza, não aceitando o fato de que eu estava com pânico dele.
- Tira ele daqui...ele vai me matar... – Eu com certeza me agitei, mas minha mãe não deixou os enfermeiros ficarem no quarto.
- Saiam... – com o olhar dela eles deram de ombros.
- Por que o meu pai quebrou meu nariz mãe? – Comecei e chorar e meu pai se pronunciou.
- Eu não quebrei, sequer levantei a mão para você, que tipo de pai tu acha que eu sou hein? Me fala Fabrício, por que eu estou perdido e machucado por dentro sabendo que meu próprio filho me enxerga assim – esse era meu pai falando, tudo estava estranho.
- Calma Rafael... – minha mãe se intrometeu.
Então meus pais me contaram o que aconteceu. Quando eu vi João chegar com Luciano eu surtei, meu pai tentou me acudir, meu irmão tentou me proteger, no momento em que tentei correr cai de cara no chão e quebrei o nariz. Foi a maior confusão, segundo o médico foi informação demais e eu não consegui lidar com isso, tive uma espécie de surto psicológico e um pequeno lapso de memória.
- Que vergonha... – lamentei e olhei para meu pai que
- Meu filho, não é vergonha nenhuma, você se defendeu como pode, errado foi o que fizemos com você... – ele então contou todo o plano para pegar o pai do João, eu ouvi atentamente tudo o que ele falou e no fim fiquei totalmente chocado.
Passaram-se alguns dias. Fiquei em casa de repouso. Não falei com Valmir, com Luciano e muito menos com João que eu descobri estar na cidade, era muita cara de pau dele vim para cá e foi mais cara de pau ainda ele e Luciano se juntarem, eu não estava ligando para o que poderia me acontecer, mas sim pelo fato de meus "amigos" estarem ajudando ele. Então duas semanas depois de ele ter chegado aqui eu decidi ouvir ele.
- Você aceitou conversar comigo mesmo depois do que eu fiz com você... – disse ele sem graça como se fosse a vítima da situação, pela primeira vez ele não me encarou nos olhos.
- Pois é né? Praticamente me obrigaram – Me aproximei e me sentei - vai ver eu sou muito idiota em tentar ouvir o cara que abusou de mim, mas se o que o Valmir me falou for verdade, então eu lhe dou alguns minutos do meu tempo para você me contar o por que "voltou para minha vida" – não debochei, imagina...minha voz saiu seca e firme.
- Eu só peço a chance de você me ouvir, depois você pode ir embora e me odiar pelo resto da sua vida, você tem todo esse direito só me ouça, por favor... – ele então sentou perto de mim, mas com distância o suficiente para me deixar confortável.
- Esse papinho aí, só falta você dizer que entrou para a igreja e que vai lançar um livro de auto ajuda, só o que me faltava – ok, agora eu fui debochado.
- É sério, eu preciso que você me ouça... – Ele não se abalou com o comentário.
- Você tem 5 minutos, então comece a falar... – Ele me olhou sem graça.
João se ajeitou. Ele estava abatido, aquele homem altivo e de olhar até mesmo arrogante não existia mais, sua barba negra estava grande e as olheiras denunciavam que ele não dormia bem há dias, ele me encarou e sorriu.
- Antes de tudo eu quero dizer que você foi tudo o que eu tive e ao mesmo tempo foi tudo o que eu não poderia ter... – Ele estava envergonhado, sua voz saia pesada – um dia você me questionou se eu te amava, a resposta é sim, eu te amei como nunca imaginei que iria amar alguém – Olhei surpreso para ele, mas esse papinho já não colava mais - você foi meu céu, mas eu te levei para o inferno Fabrício, eu não queria... – Ele parecia se segurar.
- Sem mimimi... – Ele me olhou e assentiu.
- Eu lembro de você entrando na sala, eu te vi e você logo atraiu minha atenção, você era fodidamente gostoso... – disse ele envergonhado.
- Você acha que eu tenho Síndrome de Estocolmo João, o que você quer com tudo isso? – Questionei ele.
- Não, eu sei que você saiu da minha vida por que eu dei motivos e fiz a maior burrada de todas, me condeno por isso – Ele me encarou.
- Por que você voltou lá do Pará, foi para me atormentar, ver como eu fiquei depois do que você me fez? Eu estou seguindo em frente e espero que você também faça isso – cruzei os braços.
João baixou a cabeça e respirou fundo, eu daria o tempo necessário a ele, eu não iria pressiona-lo, por que ele me devia essa conversa e pelo jeito a conversa iria demorar mais. Ele então me olhou nos olhos.
- Desde a adolescência que eu transava com homens – ele disse isso com um certo receio - sempre gostei de mulheres, mas o prazer nunca se comparou – isso era um desabafo? Uma justificativa digamos? - Lembro da primeira vez que te vi, você entrou na sala de aula atrasado, todo culto e educado, meu pau deu uma fisgada, eu precisava ter você na minha cama... – interrompi ele.
- Corrigindo...na cama do motel, nos melhores, mas ainda assim motel, eu não passei de uma distração, um capricho para você – olhei para ele que baixou a cabeça, certamente constrangido, eu podia ser ruim quando queria, muito ruim – na sua cama eu nunca deitei e nem provavelmente vou deitar – ele respirou fundo.
- Eu sei que não, seu amigo tem sorte de ter você... – ele me fitou, era estranho.
- Está falando do Luciano? – Ele assentiu - também não vai ser ele, quem ama não engana, mesmo que seja para proteger – Fui seco.
- Continuando, eu sabia que se me envolvesse sexualmente com você não teria volta, você provocou um sentimento que eu nunca tive e que me causava medo – ele mordeu o lábio – eu sabia que tinha me apaixonado por você, eu precisava muito ter você, então quando tive certeza que você curtia eu te fiz a proposta – ele sorriu ao lembrar.
- Eu lembro... – minha voz saiu triste, com remorso – você todo arrogante e presunçoso se oferecendo para ser meu macho e eu todo apaixonado achando o máximo aquilo... – João se deu conta do quão babaca ele era.
- Droga Fabrício! Sua pele, seu cheiro era tão bom, aliás é – ele me olhou sem jeito - estar dentro de você era como estar calmo, meu vício, era o máximo de prazer...meu prazer e minha perdição... – ele me olhou sério, eu fiquei sem graça, essa era a hora que eu gostaria de ter vodca ou Strega aqui comigo.
- E mesmo assim, sabendo que você poderia ter sexo consentido comigo, você preferiu me estuprar, não é verdade? Depois de tudo o que fizemos João...só me responda, foi bom para você? Para mim não foi! – Ponto para mim, desarmei o inimigo.
- Eu precisei fazer aquilo! – ele me segurou pelo pulso – era isso ou aquele maldito do meu pai ia te matar, eu preferia fazer aquilo e te perder do que perder você para sempre.... – Olhei para ele, era irônico demais.
- Eu não estou ouvindo isso, eu devo estar ficando maluco, ou devo ter me drogado... – ele me olhou surpreso – por você eu usei calcinha, você sabe como é ruim usar uma tendo saco, eu nunca fui afeminado e nem queria ser tratado como tal, ou você achava que eu gostava de ser chamado de puta, de vadia? Me responde João? Você achava que eu me depilava por que eu gostava de fazer isso? Não! Eu te amei seu idiota e você me vem com esse papinho de que me estuprou para me salvar.... Não, eu não vou acreditar nisso... – ele me interrompeu.
- EU NÃO TIVE ESCOLHA! – ele berrou, pela primeira vez vi João Chorar e me assustei – eu nunca tive escolha Fabrício... – ele se virou para que eu não visse naquele estado.
- COMO NÃO TEVE? – Berrei com ele e me levantei, eu não queria mais ouvir ele - você poderia ter ido à polícia...seu covarde, você preferiu me ferir, machucar... – Ele então me olhou e riu tristemente.
- Claro, seria muito fácil... – debochou ele - você não conhece meu pai, não sabe do que ele é capaz de fazer, o poder que tem, os amigos influentes que ele tem... – seu olhar estava carregado de ódio, mas não era para mim.
- Não, mas ele não poderia ter feito isso, te obrigar, se é que lhe obrigou...Duvido muito disso! – Ele então me encarou e se levantou, achei que ele ia vir para cima de mim.
- Já que você pensa assim de mim eu vou lhe mostrar quem é Roberto Albuquerque – João então pegou uma pasta que estava na mesa, ele a puxou com força e jogou no meu colo, me assustei e não entendi, mas ao abrir tive noção de que era um dossiê.
- Por que de tudo isso? – Perguntei.
- Olhe! – Ele apontou o dedo.
Foi o que fiz. Foram longos e longos minutos em silêncio, folha por folha, troca de olhares entre eu e ele que se mostrava ansioso e apreensivo, eu nunca o vi assim.
- Nossa! – Exclamei depois que li todo o extenso documento.
Segundo o dossiê muito bem preparado, seu pai Roberto Albuquerque era Português de Coimbra, tinha 59 anos e morava no Brasil há 35. O que me deixou surpreso nem de longe foi o fato de ser europeu, mas o resto das informações em que ele era apontado como o mandante de vários assassinatos, alguns de teor racial e homofóbico, ele ainda estava metido em esquemas de lavagem de dinheiro e corrupção ativa, tinha ligações com duas empresas envolvidas em escândalos, sendo que uma delas era a empresa de um conhecido do Valmir, ele estava sendo investigado e com medo tinha mandado os filhos e a mulher para Suíça. O senhor sorridente e galante que eu conheci na churrascaria nem de longe era o que estava nas fotos. A última informação para mim foi a mais forte. Olhei espantado para João que esperava ansioso minha reação.
- Ele... – João me interrompeu.
- Ele matou minha mãe na minha frente, eu só tinha 10 anos... – Se eu nunca vi ou ouvi algum tipo de sofrimento dele agora eu tinha noção de como era. Então tive meu primeiro grande choque. João nunca falava da família, ele sempre se esquivava.
- Como foi isso? – Perguntei, ele então sentou na cama e baixou a cabeça.
- Ela queria o divórcio, nós íamos embora, ela estava cansada da vida que levava, meu pai sempre foi violento com a gente, ela queria me apresentar meus avós em Araxá, mas ele não deixou – João se escorou na parede e deixou seu corpo ceder até o chão – quando estávamos na estrada ele nos alcançou e tirou minha mãe do carro a tapas, ele deu três tiros nela bem na minha frente, eu ainda a vi antes de morrer dizendo que me amava e que sentia muito... – Agora ele não falava mais, os soluços e o choro compulsivo não deixavam.
- Por que você não fugiu? Por que viveu com esse monstro? – Eu sei o que foram os anos de desprezo do meu pai, mas não me atreveria a compara-los, João não teve a coragem que eu tive.
- Minha mãe foi dada como morta num assalto na estrada, acharam um mendigo que pagou o pato, o coitado foi espancado pela polícia e quase morreu, mesmo dizendo que era inocente. Eles nem sequer fizeram uma investigação maior, meu pai com a sua influência conseguiu compra-los e calara a boca de todos – ele riu em deboche.
- O que você está me contando é grave, mas o que tem a ver tudo isso comigo? – Ele respirou fundo, estávamos de novo no foco.
- Como te disse, apesar de eu manter relações com mulheres eu nunca senti tanto prazer assim, foi então que descobri que eu gostava mesmo era da homens – então ele estava se revelando, nua e crua, a verdade sendo exposta um “falso hétero” – mas não era qualquer um, nunca me atrai pelos fortes, sarados, eu gostava dos gordinhos, ou mais parrudinhos que nem você, geralmente com cara de inteligente, até nerds, sérios, sem dar pinta, com jeito de homem, pois era isso que me excitava... – foi automático, dei um muro em sua cara.
- Então por que me tratava feito uma puta, feito fêmea hein? Olha isso aqui! – Exclamei segurando apertando minha virilha afim de segurar meu pênis e saco – eu nuca fui mulher, eu sou homem porra! Amo ser homem, não era o fato de ser passivo que me fazia querer ser uma mulher, seu idiota – Ele limpou o sangue que escorria do canto da sua boca, me olhou com tristeza e baixou a cabeça – cadê sua pose agora machão? – Ele me fitou, eu passei do limite, mas ele merecia isso.
Ele nada fez. João apenas olhava para o nada. Sua feição confusa, em conflito, não me fez baixar a guarda, era estranho, mas eu queria e não queria acreditar.
- Depois da primeira transa eu passei a me odiar, me odiava pelo fato de ter com você o que não tive com outros... – Ele me encarou – eu nunca te vi como uma femea, muito pelo contrário, eu te tratava daquela maneira pois você era o meu passivo, não era somente isso, era uma maneira de te ter e não ter, eu temia e ao mesmo tempo desejava que você se apegasse a mim, eu era cheio de problemas, não precisava colocar um inocente dentro deles – ele suspirou.
- Mas colocou! – Fitei ele de braços cruzados.
- Quando estava contigo esquecia da minha vidinha medíocre, você havia se tornado uma droga, uma maravilhosa droga...viciante...dependente, mas cara... – ok, ser comparado a uma droga não foi legal, não mesmo – sabe quantas vezes eu tive vontade de te levar para casa, te dar todo o amor que você precisava, merecia, sabe quantas vezes eu senti vontade de te convidar para sair, viajar...várias vezes, mas era te expor, eu sabia que se ele descobrisse sobre você era o fim... – Encarei ele, ainda tentava digerir o que ele tinha dito agora pouco.
- Você fala sobre o seu pai... – conclui.
- Ele descobriu sobre você, foi graças aquela vadia da Valentina – olhei assustado para ele.
- Ela sabia? Como assim ela sabia? – Perguntei temendo a resposta.
- Ela contou a ele que nos viu em momentos de afeto... – disse com receio.
- Que porra de momentos de afeto e o que o teu pai tem a ver com isso? – Me exaltei.
- Meu pai sempre teve uma estranha obsessão por mim, lembro que quando eu tinha uns 18 anos eu conheci um rapaz – João então apontou no dossiê a foto de um jovem que aparentava ter 17, 18 anos no máximo, a primeira foto mostrava ele sorrindo em um parque de diversões, a segunda mostrava ele morto supostamente estrangulado e com a calça arriada em um beco, tudo indicava que ele tinha sofrido abuso e depois sido assassinado – ele se chamava Pedro e foi o primeiro rapaz com quem tive algo...meu pai logo descobriu, me ameaçou dizendo que se eu não terminasse com ele eu sofreria muito e ele também – Eu estava começando a ficar com medo do pai dele.
- Você não terminou e esse Pedro foi morto por seu pai? – Ele negou.
- Eu terminei com ele sim, mas parece que o meu pai não acreditou e então um dia eu estava assistindo e ele chegou todo feliz dizendo que tinha resolvido um problema, com medo de que fosse o que eu imaginava comecei a ligar para ele, mas ele não entendeu e nem respondeu as mensagens... – João fez uma pausa e deu um longo suspiro – descobri que era ele no outro dia quando passou no jornal, eu olhei para o meu pai e jurei que me vingaria dele, poderia demorar, mas me vingaria – ele falou com um ódio que me arrepiou todo.
- Me explica por que eu não tive o mesmo fim que esse Pedro? – Ele me encarou assustado e assentiu.
- Meu pai descobriu que eu tinha alguém através da Valentina, não foi difícil ele juntar os pontos, ele apenas nos espionou e chegou à conclusão que eu estava saindo com você – agora eu estava oficialmente com medo.
- Ele sabia onde eu estudava e morava eu suponho – disse com medo.
- Eu sabia que você era correto ao ponto de que se eu tivesse com alguém você me deixaria, foi então o que eu fiz, mesmo não suportando a Valentina a pedi em namoro, pedi que ela guardasse segredo e quando fosse o momento certo nós contaríamos a todos – manipulador, era isso que João era.
- Você me enganou...me traiu, isso foi por causa do seu pai também? – Debochei.
- Eu nunca trai você, até o momento que eu transei com a Valentina eu não havia lhe traído, estava só com você e suponho que você também... – Assenti e fiquei surpreso em saber que só tomei chifre com a Valentina.
- Então você foi fiel... – comentei abismado – mas gostou dela ao ponto de ficarem noivos, por que isso? – Perguntei rancoroso.
- Não, foi por que eu não queria que você morresse – boa justificativa, mas ainda assim covarde – eu nunca amei ela, transar com ela era algo nojento, ela era tão larga feito o Eurotúnel... – revirei os olhos com a comparação.
- E as ofensas hein? As humilhações na faculdade, você tentava me proteger assim? Ou você se entusiasmou com o papel de enrustido capacho do pai... – Ele então veio para cima de mim e me segurou pelo pulso me assustando – vai fazer o que agora, você está fingindo também ou dessa vez vai ser para valer? – Ele então pareceu voltar a si.
- Me desculpe... – então da mesma maneira que ele se aproximou também se afastou.
- Sem rodeios, por favor – Ele concordou.
- Foi meu coringa para te livrar daquilo tudo, quando você descobrisse iria terminar comigo, eu ia sofrer, mas você não se machucaria, mas não foi bem assim... – Encarei ele.
- Só falta você me dizer que foi seu pai que lhe pediu para você me estuprar... – eu ri, mas ele congelou como se eu tivesse lido sua mente. Não era possível.
- Quando você ouviu minha conversa com o Henrique – arregalei os olhos – sim, eu vi que você estava ouvindo escondido, essa era a intenção, você ouvir, pegar a gente falando escondido e se decepcionar e cair fora... – levantei com raiva, eu queria matar ele.
- Eu fui um fantoche nas suas mãos! – Exclamei – será que eu sou tão patético e manipulável assim João? – Ele não respondeu.
- Eu estava desesperado, quando cheguei e contei para o meu pai que você tinha terminado comigo ele sorriu, mas disse que eu teria que te tirar de vez da minha vida, ele me deu uma condição, ou eu te estuprava, ou então ele faria pior, mataria você... – Ele voltou a chorar, agora eu chorava também, tudo me fez voltar a aquela noite.
- Eu me senti usado, um lixo, você não sabe o que é se sentir assim... – eu o estapeei, esmurrei ele ao ponto de me machucar – eu pedi para você parar, você não parou, só me machucou mais e mais, me feriu física e psicologicamente, eu não consegui entender o porquê de acontecer aquilo comigo, eu acreditei em você – levantei e peguei meu celular e atirei nele – o meu melhor amigo morreu por causa de um maldito estuprador! Não diga que você não teve opção, você tinha, mas foi um maldito covarde que mais uma vez abaixar o rabo para o pai e fez o que ele queria, vocês dois são doentes... – Então ele me interrompeu.
- Chega! – Ele segurou a cabeça fechou os olhos – você não sabe o que é minha vida depois daquela noite, eu não sei o que é paz, eu cheguei ao fundo do poço, eu sempre volto a aquela noite e ouço seus gemidos e soluços de dor, eu sempre ouço você me pedindo para parar e eu não podia por que estava sobre a mira de uma arma, por que no quarto ao lado meu pai assistia de camarote com a Valentina o que eu fazia com você... – então fiquei horrorizado, o ato tinha sido assistido de camarote pelo pai dele, que espécie de doente esse cara era.
- DOENTES! – Eu me senti sujo.
- Eu não consigo dormir, eu sou a pior pessoa que existe, sonho com minha mãe apontando para mim e chorando me dizendo que eu decepcionei ela...que eu me tornei igual ao meu pai... – não havia brilho nos olhos dele, não havia expectativa.
- Eu não dormi por várias e várias noites... – Desabafei.
- Naquela noite depois que meu pai me deu os parabéns e me prometeu que te deixaria em paz eu fiz o que devia ter feito há muito tempo... – Ele me olhou e se levantou, veio para perto de mim – peguei o dossiê que tinha contra ele e fui até um advogado que eu descobri ser amigo de infância da minha mãe, entreguei a ele e então fui até a primeira delegacia e confessei o que fiz a você – agora eu estava surpreso.
- Como assim? – Perguntei secando meus olhos.
- Disse que havia violentado sexualmente um rapaz e que tinha ido confessar um crime e me entregar, mas o policial achou que eu estava bêbado e ainda disse que se eu tinha estuprado um " veadinho" ele tinha feito por merecer, assim aprenderia a não dar mais a bunda...ele então me mandou ir embora antes que eu fosse preso por perturbação da ordem... – Ele limpou uma lágrima.
- Malditos, crime sexual independe de orientação sexual... – comentei baixinho e com ódio.
- Por que viajou para o Norte? – Perguntei.
- Eu nunca viajei para o Pará... – ele não me encarou – quando cheguei em casa meu pai estava trepando com a Valentina na sala e eu descontei minha raiva nos dois, pela primeira vez tive coragem de agredir meu pai, só não matei os dois pois os seguranças dele me seguraram e me deram um "castigo" – ele então levantou a camisa e mostrou as marcas nas costas e na pernas, pareciam cicatrizes feitas por facas – no dia que fui te procurar ele estava observando tudo, era a confirmação que você me odiava e a de que eu tinha perdido você para sempre – ele respirou fundo.
- Eu sabia que a Valentina era uma vadia, só não imaginava que ela era tanto assim – minha voz saiu enojada.
- Sim, desgraçada... – Ele estralou os dedos.
- Então em nenhum momento você quis me machucar? – Ele assentiu.
- Não... – quase tive pena.
- Mas machucou! – Me levantei enfurecido.
- Acabei desistindo da faculdade e resolvi sumir no mundo, eu voltaria para destruir meu pai, mas por sorte vim antes, eu descobri que ele iria reformar a casa dele para trazer aquela puta para dentro dela e contratou a empresa do Valmir – Estávamos chegando aonde eu queria.
- Como você descobriu? – Perguntei.
- Olhei o e-mail com o nome e marca da empresa assim que ele recebeu e aí decidi botar o plano em prática, você algumas vezes citou o nome dela, lembra? – Ele deu um sorriso insano.
- E aí vocês decidiram me usar? – Perguntei indignado.
- Não – ele negou desesperado - contatei o Valmir há uns 3 meses atrás, ele me recebeu com um murro na cara, quase me matou, mas quando citei seu nome ele se controlou – ele riu envergonhado – já com o seu amigo Luciano foi mais difícil, ele realmente só se acalmou quando eu contei sobre o meu pai, ele então passou a me ajudar a tramar o fim dele... – No fim João e Luciano eram iguais – tudo saiu perfeito, meu pai de cara soube que se tratava de você e fez questão de deixar claro isso – interrompi ele.
- Então no restaurante era tudo armação sua e do Valmir? – Ele assentiu.
- Sim e saiu melhor do que a encomenda... – ele sorriu de satisfação.
- Agora eu estou fodido – Ele se aproximou.
- Meu pai exigiu sua demissão, mas eu falei com Valmir que era mais fácil provoca-la – Ele me olhou com pena – aquela confusão no escritório foi necessária, foi eu e ele que fizemos aquela armação, meu pai não se atreveria a te machucar se você estivesse longe, até seu amigo nos ajudou e vou te falar que eu conseguia ver o desespero em seu olhar...ele te ama... – comentou amargamente, provavelmente ciúmes.
- Me ama tanto que me enganou, me expulsou do escritório... – Ele se levantou.
- Foi tudo encenado, eu via o deleite nos olhos do meu pai, sua felicidade em ver alguém se ferrando, mas isso não vai ficar assim... – Ele estralou os dedos.
- E você vai fazer o que? – Cruzei os braços.
- Sabe esse dossiê, ele é uma cópia. Depois que tudo se ajeitar e ele for preso o advogado da irá entregar a polícia federal, eu vou me entregar a polícia, vou pagar pelo que te fiz e por tudo o que vi ele fazer todos esses anos... – Olhei para ele e por um momento tive pena.
- Por que eu acho que não algo está errado? – Ele suspirou.
- A Valentina foi encontrada morta hoje de manhã, ela e a tia... – Gelei.
- Mortas! – Ele estava desconfortável.
- Meu querido pai se cansou dela pelo jeito... – ele debochou – ou deve ter sido queima de arquivo, eu ainda tentei avisa-la de que ele não era confiável, mas ela estava cega... – Ele baixou a cabeça.
- Por que seu pai faria isso se ele estava sei lá envolvido com ela? – Eu acho que sabia a resposta.
- Por que... – ele ia responder, mas se calou.
- Por que seu pai é gay e te ama, quer você só para ele, isso é doentio, acertei? – Ele me olhou surpreso.
- Sim... – ele confirmou envergonhado – como sabe? – Perguntou ele.
- Simples, ele matou sua mãe, mas não te matou, matou seu namoradinho, fez você se afastar de mim, mas não achou ruim o fato de a Valentina estar com você, mas logo depois a matou também, não foi só queima de arquivo e também tem o fato de ele quase me comer com os olhos no dia do restaurante, eu sei quando um homem me encara e se insinua sexualmente... – ele ouviu tudo atentamente – mas o que me fez pensar nisso foi a maneira como ele te fez se livrar de mim, o estupro é uma maneira de humilhar, ele queria me ver humilhado, até diria que provavelmente ele ficou excitado vendo você fazer quilo comigo – Não havia sentimentos em minha voz.
- Você não é burro – ele pareceu sorrir.
- Nunca fui...aliás, só fui ao me envolver com você e acabar participando desse circo dos horrores a tal ponto de ter que interromper minha vida... – Cruzei os braços.
- É...me desculpe... – Interrompi ele.
- Desculpas não adiantarão, a merda está feita... – Ele me olhou - acabamos? – Perguntei.
- Sim... – ele pareceu um pouco aflito.
- Ótimo... – me levantei e fui saindo da sala.
- Fabrício, eu sei que não vou ter mais seu amor, mas mesmo assim quero que saiba que você até hoje foi a pessoa que eu mais amei na vida depois da minha mãe... – assenti.
- Você vai encontrar alguém, mas não será eu... – me virei, mas não voltei – você está ficando aqui em Caxias do Sul mesmo? – Ele sorriu um sorriso forçado.
- Estou em um hotel na área central... – assenti e sai, mas antes virei novamente e o questionei sobre uma curiosidade.
- Me responde uma coisa? – Ele virou e assentiu – como você fez no dia em que eu te vi no aeroporto em São Paulo, eu lembro de você sair de uniforme do avião, junto com outros funcionários... – João pareceu pensar e balançou a cabeça.
- Eu só precisei de um uniforme... – ele disse como se fosse a coisa mais fácil do mundo.
- Como assim? – Questionei.
- Quando entrei com o uniforme encontrei outros funcionários que iriam para Belo Horizonte, eu só precisei me enturmar, não foi nada difícil, para eles eu era um colega de trabalho como qualquer outro e que estava voltando para casa... – ele engoliu em seco – minha vontade aquele dia foi te puxar e te encher de beijos, mas eu sabia que não era mais possível fazer isso... – Dei as costas para ele – nós pagamos pelos nossos erros, eu tenho muito que pagar, se for para te ver feliz, eu aceito o que vier, sem medo e sem arrependimento... – Parei e ouvi, mas logo depois sai porta afora.
Valmir e Luciano me esperavam do lado de fora, ambos estavam ansiosos assim como meu pai que apenas observava a minha reação, pelo jeito eles ouviram quase toda a conversa que tivemos. Pela cara do seu Rafael ele poderia muito bem entrar e fazer picadinho do João. Luciano tentou se aproximar, mas eu não deixei.
- Por favor... – ele suplicou.
- Não... – encarei ele.
- Está tudo bem agora Fabrício, você entendeu os motivos que me levaram a fazer tudo isso? – Valmir visivelmente nervoso me perguntou, eu assenti.
- Sim, mas agora eu preciso do meu tempo – me virei e encarei meu pai – eu quero ficar sozinho algumas horas, não venham atrás de mim, eu ouvi muita coisa, descobri muita coisa...o mínimo que vocês três podem fazer é me deixar em paz por algumas horas e não tentar interferir na minha vida novamente, por favor... – Meu pai me encarou triste.
- Tudo bem meu filho, mas eu vou esperar você em casa... – Ele acenou para os dois e saiu.
Depois de sair fiquei umas duas horas sentado no gramado de um dos parques da cidade. Fiz uma retrospectiva de tudo que passei até ali, ou seja, eu estava sentado na beira de um lago no meio da cidade e ainda me sentia sozinho.
- Posso me sentar contigo? – Perguntou meu irmão que apareceu do nada.
- Pode – dei de ombros, ele então sentou do meu lado – não precisa nem falar, foi o pai que te mandou atrás de mim? – Ele riu confirmando minha pergunta.
- Você não precisa passar por isso sozinho, sabia? – Olhei para ele e tive vontade de rir.
- Por que se importa, você poderia estar com a Bartira, fora o fato que eu disse para todo mundo o que fizemos há anos atrás – Guilherme então me puxou para junto dele me abraçando.
- A Bartira pode esperar, você é meu mano e ela é minha namorada, nossa ligação é mais forte, eu não vou te deixar sozinho, tua cabeça está uma bagunça – ele beijou minha cabeça – e fora que eu não me arrependo de ter transado com você, não mesmo, até repetiria se você quisesse... – encarei ele e neguei surpreso.
- Não quero que você transe comigo, só quero que fique ao meu lado me fazendo companhia – ele então sorriu e me apertou – não precisa dessa melação toda também Guilherme – Ele riu alto.
- Deixa de fazer cu doce e levanta daí nós vamos comer galeto e polenta, mas só eu e você, vem, temos que ir até Bento para jantar... – encarei ele surpreso – vamos, para de fazer essa cara de bobo senão eu vou te pegar e te levar a força... – me levantei e então o acompanhei até o carro, quem precisava de macho quando se tinha o irmão mais velho ao lado.