A Bela e a Fera
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.
A PRINCÍPIO, JURO QUE PASSOU PELA minha cabeça, que a gatinha de sainha curta -, uns pernões bem dotados à mostra -, viesse se sentar ao meu lado. Ela entrou com a passagem numa das mãos enquanto, na outra, carregava, ou melhor, empurrava, com os pés, uma mala enorme. Veio olhando, procurando devagar, tranquila, sem pressa. Minha nossa! Seria bom demais viajar quase quatro horas e meia com aquele monumento fenomenal acomodado ao meu lado. Com certeza, se o vestidinho dela não subisse por conta própria, meus sensores sexuais, a mil por hora fariam com que a sua jeans curta demais fosse parar acima dos limites normais. Então eu me depararia, de repente, com um vazinho de porcelana, onde estaria escondida a mimosa flor do seu regaço. Cruzei os dedos. De repente, papai do céu me daria uma forcinha. Afinal de contas também me considerava filho do Homem. Mas qual o quê! Meu sorriso morreu nos lábios e a esperança se escondeu quieta, num canto do peito e amuou.
O pedaço de mau caminho não teria mais que dezessete anos. Sentou-se às minhas costas, no corredor. Dos males o pior. Percebi que se abaixasse à poltrona, como quem não quer nada, querendo, teria um bom ângulo das suas coxas fabulosas. Quem sabe, com um pouco de sorte veria algo mais que a face fina e rosada, os cabelos em fios de ouro caindo pelos ombros, os lábios pedindo beijos, uns olhos de brilho intenso fulgurando no mais alto grau de elegância, à luz fraca do coletivo. Quem sabe, ainda, veria algo mais que duas pernas bem dotadas e elegantemente torneadas e, no meio delas... no meio delas... reconstituiria pedaço por pedaços, os sonhos encantados nos quais os apaixonados e admiradores de Sabrina Petraglia viajariam, acalentados e embasbacados, enquanto se deitavam com suas revistas masculinas pensando em uma noite de perversões sem fim ao lado da famosa celebridade das novelas globais com suas ancas calipígeas.
Pintou, também, no corredor, uma senhora com uma criança no colo. Voltei a cruzar os dedos. Desta feita, na intenção de que a poltrona da dita fosse à última, bem lá no fundão, para que fizesse companhia às garrafas de café e aos copinhos de água gelada. A sorte sorriu, finalmente. A criatura parou ao meu lado, tirou os óculos, olhou longamente o número do assento. Procurei fazer minha caridade do dia.
- A sua é a 28?
- Meu jovem confesso. Estou perdidinha!
- Posso ajudar?
Ela fez que sim com a cabeça. Enquanto conferia aproveitou para colocar o moleque em pé, na poltrona.
- A sua é aquela. Janela.
A mulher agradeceu, passou a mão no guri e antes de transferi-lo para o lado que lhe havia indicado, apertou com ternura o pequeno num gesto forte e quente de seios contra seu peito. Essa foi por pouco... graças! Ia ser um tremendo chute nos ovos aturar esse menino infernizando. Consultei o relógio. Faltavam, ainda, cinco minutos para o horário definitivo. Cinco minutos que representavam uma eternidade. Findo esse prazo a porcaria do buzu deixaria a rodoviária e seguiria em direção ao seu destino.
Então emergiu do inferno aquela coisa. Surgiu no pedaço, vindo do nada, aquele ser. Um bizarro sandeu que lembrava (ainda que vagamente) o Jô Soares. Não propriamente o gordinho das entrevistas das altas horas da “Globo”, alguém parecido com ele. Ou melhor, três dele e mais algumas polegadas, pelo menos nos tempos de Pizarro e Fischlowitz. Estremeci. Gelei da cabeça aos pés. Por breves momentos tive a sensação de que seria esmagado. Entrei em pânico. Levei o dedo à boca. Roí uma unha. À medida que o sujeito avançava, o desespero aumentava e não sei por que, me senti nu, pelado, e pior, amordaçado, indefeso, como se tivesse sido jogado à porta degradante de um cubículo infecto. Indiferente ao meu estado deplorável, o paquiderme continuava vindo, avançando, ganhando terreno.
Olhava de um lado e de outro, com a passagem na mão, e na boca, um bombom enroscado no esquálido gosto do chocolate. Escorreguei no banco e arrisquei dar uma espiadela por entre os vãos dos braços das poltronas. O que será que a gostosa da mocinha atrás de mim estaria fazendo? Ela não estava fazendo nada. Com as pernas juntinhas, parecia gente grande. Contudo, apesar do gesto comportado, capturei o vermelho vivo da sua calcinha cor de sangue. Nessa rápida visão do pequeno paraíso coberto pela pecinha exposta, me transportei para uma cama art-nouveau, de insinuante entalhe erótico com ovais almofadados, colchão macio, lençóis cheirosos onde sinuosos cortinados com respingos de pecado balançavam num peitoril sob o dossel de estrelas muito claras. De volta à realidade, todavia, o paquiderme continuava vindo. Podia lhe ver as expressões freudianas que vagamente me fizeram pensar nos complexos e recalques do velho médico. Então... então... a montanha parou diante de mim.
- Achei. Já estava ficando rosa...
Vagamente me acenou, pediu licença e se sentou, ou melhor, preencheu os espaços vagos da pobre cadeira com suas enormes nádegas de melancia podre. Virei o rosto para a janela em sinal de protesto. Na verdade, queria passar a ele o frio clima da recepção em retribuição pelo balançar de dedos que me dera. Diante de tão hostil aparência, decidi me entregar definitivamente ao ostracismo do meu silêncio e acompanhar os movimentos externos. Pelo menos alimentava os olhos construindo pensamentos marotos ao tempo que fazia pouco caso daquele monte de banha encalacrado ao meu lado, e como Gonçalves Dias, no meu desespero, seguiria noite adentro “procurando um asilo, triste asilo por ínvio sertão”.
Tarde da noite senti algo me bolinando à altura da virilha. Jurei estivesse sonhando. Entreabri os olhos. Do escuro da janela chegavam sombras difusas de serras, matas, casinhas paupérrimas, pastos, carros passando, luzes que acendiam e apagavam. E o ônibus cruzando a noite. Fechei os olhos e procurei dormir. Outra vez percebi o roçar na minha perna à altura das genitálias. Às carreiras me veio a memória, nem sei por que cargas d’água, “Robinson Crusoe”, de Daniel Defoe, que viveu vinte e oito anos, sozinho, numa ilha não habitada, na costa da América, próximo à embocadura do grande Rio Orenoco, até que num belo dia encontrou um sujeito ao qual batizou com o nome de Sexta-feira e a ele acabou comendo o caneco, numa tarde bonita e calma num colchão improvisado entre arbustos e folhas de bananeiras, tendo como pano de fundo os cantos maviosos de pássaros nativos que, iguais a eles, habitavam igualmente o lugar na mais completa e estonteante solidão de um imenso mar bravio.
Na terceira investida, me pus em alerta geral. De fato, o brutamonte mexia, por entre meio as minhas pernas. O objetivo dele era o mijador, meu pequeno pau que cochilava tranquilo, sonhando com a gostosona da gatinha, no banco de trás. A danadinha dormia a sono solto, pernas abertas... mostrando tudo, tudo que uma vadia, como ela, tinha o direito de deixar a descoberta em prol das minhas vistas em desabalada fustigação. De repente, com todo cuidado, o cara abriu a minha braguilha, tirou meu pau pra fora e passou a me masturbar. Quando estava prestes a gozar, ele deslizou suavemente a cabeça para perto de meu pinto, encostou a boca e, num ímpeto descomedido, abocanhou a rola. Ato contínuo, engoliu toda a porra que saia, descontrolável, de dentro de mim.
Do livro “Amor de incesto” de Aparecido Raimundo de Souza. Editora AMC-GUEDES RIO DE JANEIRO 2018.