Vidro destemperado

Um conto erótico de Aparecido Raimundo de Souza.
Categoria: Heterossexual
Contém 913 palavras
Data: 17/02/2018 22:52:20
Última revisão: 17/02/2018 23:11:28

Vidro destemperado.

(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza

O TELEFONE TOCA E O RAPAZ que atende um freguês (sozinho àquela hora da manhã), pede licença e sai correndo em direção ao caixa onde fica o aparelho. Do outro lado, um sujeito procura desesperadamente por um tal de João Pinguço.

- Aqui não tem nenhum João pinguço, meu amigo.

- Não é do bar do velho Libório?

- Sim.

- Rua do Buraco do Prefeito número 15, em frente à padaria da Isaltina Cocotinha?

- O endereço confere. Mas essa pessoa não existe por aqui.

- Tem certeza?

- Absoluta.

- Que coisa esquisita!...

- O que o prezado acha esquisito?

- O fato de não encontrar o João Pinguço. Ele sempre frequentou o bar do velho Libório...

- Impossível. Eu sou o único empregado do seu Libório e nunca ouvi falar nesse tal de João Pinguço. Conheço toda a freguesia dele.

- Há quanto tempo trabalha por ai?

- Seis anos.

- Como é seu nome, por obséquio?

- Salaminho.

- Que coincidência. Foi esse o nome que o Pinguço... perdão, o João Pinguço mencionou. Salaminho. Estou estranhando você, tanto tempo com o velho Libório me dizer que não conhece o João Pinguço. Não acredito...

- Para dizer a verdade, nunca ouvi falar. E nem seu Libório fez menção a algum freguês com esse nome aqui. João Pinguço, João Pinguço, realmente, o prezado deve ter se equivocado.

- De forma alguma. Jamais. Liguei para o lugar certo. Bar do velho Libório, em frente à padaria da Isaltina Cocotinha. João Pinguço. Procuro pelo João Pinguço. Ele disse que estaria ai, a seu lado, bebendo uma geladinha.

- Como pode perceber, aqui não tem nenhum João. Ainda mais pinguço.

- Amigo, veja bem. E me entenda, por favor. Não é que ele, o João, seja pinguço. Pinguço é o sobrenome dele. Contudo, se você está falando...

- Desculpa a curiosidade. Já que ligou, para que o amigo está caçando esse tal de João Pinguço?

- Não há o que desculpar. A curiosidade é nata no ser humano. Por outro lado, não vejo mal nenhum em lhe contar. Ando na cola do Pinguço, digo do João Pinguço para saber se é mesmo verdade o que me contou, ainda há pouco, coisa me meia hora, quarenta minutos, mais ou menos. Ele me comunicou uma particularidade e queria tirar o troço em pratos limpos.

- Uma particularidade! Em linhas gerais, uma conversa?

- Sim. Ele comentou por alto, mas eu juro a você que fiquei pasmo. E continuo de queixo caído, ainda mais agora que falo diretamente com a pessoa que o Pinguço, desculpe, o João Pinguço mencionou.

- O João... espera aí. Esse João Pinguço falou a meu respeito?

- Sim. Existe algum outro Salaminho trabalhando com o velho Libório?

- Claro que não.

- A princípio eu não acreditei no que o João Pinguço disse sobre o que aconteceu entre vocês. Por outro lado, ele foi tão firme nas palavras, tão veemente... tão convincente. Acabei ficando com a pulga atrás da orelha. Como não lhe conheço pessoalmente... queria saber dele... quero saber dele, de fato, se a historia a mim revelada, procede. De repente...

- Amigo, me desculpa. Se a coisa é comigo e envolve diretamente meu nome, por favor, se abra. Seja o que for, morre aqui. O que esse João Pinguço falou para o senhor, sobre minha pessoa? A propósito, estamos proseando e me esqueci de perguntar: qual é a sua graça?

- Batatu Meneses.

- Então seu Batatu. Pode falar...

- Não vai ficar chateado?

- De forma alguma.

- O João Pinguço me disse que foi até ai, ontem à noite, depois do expediente, levou você lá para os fundos do estabelecimento onde ficam os sanitários. O dos homens tem a porta branca, o das mulheres, azul. Correto?

- Perfeito...

- Então, Salaminho, como pode ver não estou mentindo nem inventando...

- Continue...

- O João me garantiu, com todas as letras, que trancou você no banheiro das mulheres, arriou a sua calça... você estava com uma sunga azul...

- Sim, estava. Sunga azul. E dai?

- Daí que ele lhe botou de quatro e lhe enfiou um ferro bem duro e grosso no bundão. Antes me disse que você chupou a pica dele até...

Salaminho emputeceu os ânimos. Pirou ao ouvir essas infâmias. Perdeu o controle.

- Seu filho da...

A ligação, entretanto, se encerrou sumariamente interrompida. Salaminho permaneceu por alguns instantes com o auscultador na mão, as lágrimas caindo em profusão. Trêmulo e profundamente nervoso, socou, em pancadas potentes, uma mesinha de bebidas fazendo com que todas as garrafas fossem ao chão e se espatifassem. Voltou à realidade, quando o homem, no balcão, solicitou que renovasse a bebida.

Ao atendê-lo, Salaminho voltou com o pedido numa mão e, na outra, um revolver trinta e oito municiado até os dentes. Sem esperar por qualquer tipo de reação, Salaminho deu vida ao gatilho. Quatro tiros quebraram o silêncio momentâneo do ambiente pacato. O cidadão que bebia, caiu pra trás, sem vida, enquanto por azar de Salaminho, uma viatura rondava justo naquele momento.

Alertados pelos gritos de socorro dos transeuntes que passavam na calçada, os fardados pararam e entraram às carreiras no bar do velho Libório prendendo, em flagrante, o infeliz do Salaminho, ainda com a arma em punho. Descobriu-se, mais tarde, que o freguês que bebia nada tinha a ver com o caso. Nem se chamava João. O nome dele, Juraci da Silva. O coitado trabalhava como ajudante de pedreiro no aumento de um puxadinho que faziam na padaria da Isaltina Cocotinha do outro lado da rua.

(*) Do livro “Amor de incesto” de Aparecido Raimundo de Souza. Editora AMC-GUEDES RIO DE JANEIRO 2018.

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